CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Apelação – Formal de partilha – Excesso de meação – Divisão dos bens imóveis não igualitária – Valor excedente da meação pago com outros bens do acervo comum – Incidência de ITBI, em vez do ITCMD – Requalificação do título – Impossibilidade do exame de constitucionalidade da lei municipal na qualificação registral ou no recurso administrativo – Dever dos registradores imobiliários de exigir a comprovação do recolhimento do imposto devido para registro da transferência da titularidade dominial – Recurso não provido.

Apelação Cível n.º 1040864-88.2022.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1040864-88.2022.8.26.0100

Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível n.º 1040864-88.2022.8.26.0100

Registro: 2022.0000995279

ACÓRDÃO -– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 1040864-88.2022.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante OSMAR ROCHA DE SOUZA, é apelado 14º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 25 de novembro de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL n.º 1040864-88.2022.8.26.0100

APELANTE: Osmar Rocha de Souza

APELADO: 14º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO N.º 38.840

Registro de imóveis – Dúvida – Apelação – Formal de partilha – Excesso de meação – Divisão dos bens imóveis não igualitária – Valor excedente da meação pago com outros bens do acervo comum – Incidência de ITBI, em vez do ITCMD – Requalificação do título – Impossibilidade do exame de constitucionalidade da lei municipal na qualificação registral ou no recurso administrativo – Dever dos registradores imobiliários de exigir a comprovação do recolhimento do imposto devido para registro da transferência da titularidade dominial – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta por OSMAR ROCHA DE SOUZA contra a r. Sentença que julgou procedente a dúvida suscitada pelo 14º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital (fls. 128/133), mantendo a recusa ao registro do formal de partilha expedido pelo MM. Juízo de Direito da 11ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central da Comarca de São Paulo, tirado da ação de divórcio litigioso (Proc. nº 1003052-46.2021.8.26.0100) envolvendo o imóvel de matrícula n.º 209.809 daquela Serventia, em face da ausência de recolhimento do imposto de transmissão e apresentação da correspondente certidão de homologação por parte do Fisco Estadual.

Da nota devolutiva n° 856.819 constou o seguinte óbice (fls. 119):

“A partilha de bens do casal deverá ser submetida ao fisco estadual nos termos do artigo 8º do Decreto Estadual nº 46.655, de 01 de abril de 2002, para que este verifique a incidência ou não do Imposto de Transmissão inter vivos, em razão da partilha efetuada, apresentando, se for o caso, a guia e o comprovante do referido tributo, Declaração do ITCMD e Certidão de Homologação a ser expedida pela Fazenda Estadual, nos termos da Lei Complementar nº 1.320, de 06/04/2018, e do Artigo 13, Capítulo IV, da Portaria da Coordenadoria da Administração Tributária do Estado de São Paulo CAT-SP nº 89, de 26/10/2020.

Conforme a r. sentença de fls. 31, foi concedida somente à requerente LIGIA BARBOSA DE MELLO SOUSA os benefícios da gratuidade judiciária, não tendo o Interessado no registro OSMAR ROCHA DE SOUZA ingressado nos autos com pedido de justiça gratuita, e assim, não possui o benefício”.

Alega o apelante, em resumo, que houve divisão igualitária dos bens do acervo comum, não tendo havido, portanto, excesso de meação, de modo a ser descabida a incidência do ITCMD e inexigível a manifestação do Fisco Estadual.

A D. Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 175/178).

É o relatório.

Saliente-se, de proêmio, que se controverte, aqui, sobre título de origem judicial o qual também se submete à qualificação registral, conquanto essa esteja limitada a recair, em tal caso, sobre (a) a competência judiciária; (b) a congruência entre o título formal e o material apresentados ao ofício de registro; (c) os obstáculos registrais; e (d) as formalidades documentárias (cf. Ricardo Dip, Registros sobre Registros, n.º 455, e item 117 do Capítulo XX do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – NSCGJ). Está pacificado, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência nem descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n.º 413-6/7; Apel. Cív. n.º 0003968-52.2014.8.26.0453; Apel. Cív. n.º 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apel. Cív. n.º 1001015-36.2019.8.26.0223).

O título judicial, no caso, é o formal de partilha extraído da ação de divórcio do recorrente (autos de n.º 1003052-46.2021.8.26.0100), que tramitou perante a 11ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central da Comarca da Capital.

Como se vê da partilha, o ex-cônjuge recebeu bens que somam o valor de R$1.138.749,00, enquanto que a ex-consorte recebeu bens que totalizam R$1.138.734,00.

No entanto, os imóveis que compõem o patrimônio comum não foram divididos de modo igualitário, já que ao divorciando foram atribuídos os seguintes imóveis:

1) apartamento 163, situado na Rua Ouvidor Peleja, n.º 543, nesta Capital, no valor de R$ 850.000,00; 2) 23,474% do apartamento 104, localizado na Rua França Pinto, n.º 832, nesta Capital, equivalente a R$ 211.266,00; ao passo que à divorcianda foram atribuídos os seguintes imóveis: 1) 76,526% do apartamento 104, localizado na Rua França Pinto, n.º 832, nesta Capital, equivalente a R$ 688.734,00; 2) casa e respectivo terreno situado na Rua Juritis, n.º 655, Distrito de Monte Verde, Município de Camanducaia, Minas Gerais, no valor de R$ 350.000,00; 3) o lote 49-B, da Quadra C, do loteamento Parque das Araucárias no Distrito de Monte Verde, Município de Camanducaia, Minas Gerais, no valor de R$100.000,00 (fls. 23).

Considerados apenas os bens imóveis, a parte suscitante recebeu bens que totalizaram R$ 1.061.266,00, e à divorcianda foram atribuídos bens que somaram R$1.138.734,00.

Apresentado o formal de partilha ao 14º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital, sobreveio a prenotação n.º 856.819, e a devolução com a seguinte exigência (fls. 119):

“A partilha de bens do casal deverá ser submetida ao fisco estadual nos termos do artigo 8º do Decreto Estadual nº 46.655, de 01 de abril de 2002, para que este verifique a incidência ou não do Imposto de Transmissão inter vivos, em razão da partilha efetuada, apresentando, se for o caso, a guia e o comprovante do referido tributo, Declaração do ITCMD e Certidão de Homologação a ser expedida pela Fazenda Estadual, nos termos da Lei Complementar nº 1.320, de 06/04/2018, e do Artigo 13, Capítulo IV, da Portaria da Coordenadoria da Administração Tributária do Estado de São Paulo CAT-SP nº 89, de 26/10/2020.

Conforme a r. sentença de fls. 31, foi concedida somente à requerente LIGIA BARBOSA DE MELLO SOUSA os benefícios da gratuidade judiciária, não tendo o Interessado no registro OSMAR ROCHA DE SOUZA ingressado nos autos com pedido de justiça gratuita, e assim, não possui o benefício”.

Em seu recurso, argumenta o apelante que foi homologada a partilha igualitária de bens, não se justificando, portanto, a incidência de Imposto de Transmissão Causa Mortis e de Doação (ITCMD) sobre a transmissão do imóvel de matrícula n.º 209.809 do 14º Oficial de Registro de Imóveis da Capital.

Esta, portanto, a controvérsia.

É da incumbência do registrador a fiscalização do pagamento do imposto de transmissão dos bens imóveis por força dos atos que lhe forem apresentados em razão do ofício (itens 117 e 117.1 do Capítulo XX do Tomo II das NSCGJ), sob pena, inclusive, de ser responsabilizado solidariamente pelo pagamento do tributo (art. 134, IV, do Código Tributário Nacional).

A transmissão onerosa de bens imóveis, como é de conhecimento geral, é fato gerador do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), de competência municipal. E a transmissão gratuita de bens imóveis é fato gerador do Imposto de Transmissão Causa Mortis e de Doação (ITCMD), de competência estadual.

Em outras palavras, tratando-se de transmissão inter vivos, a qualquer título por ato oneroso de bem imóvel, incide ITBI, de competência do Município; cuidando-se de transmissão gratuita de bem imóvel, decorrente de sucessão causa mortis ou de doação, incide ITCMD, de competência dos Estados-membros.

No presente caso, apesar do que entendeu o Oficial de Registro, o excesso de meação recebido pela divorcianda, considerados apenas os bens imóveis, exigia o pagamento do ITBI, e não do ITCMD, eis que houve compensação do valor recebido a maior com outros bens do acervo comum.

Nesse sentido, impende consignar que tanto a MMª. Juíza Corregedora Permanente quanto este Colendo Conselho Superior da Magistratura, ao apreciarem as questões apresentadas no procedimento de dúvida, devem examinar todos os aspectos da legalidade do título. Como se usa dizer no jargão registral (não sem alguma hipérbole, é verdade), no julgamento da dúvida a qualificação do título é devolvida por inteiro ao órgão para tanto competente, sem que disso decorra decisão extra petita ou violação do contraditório e da ampla defesa, como decidido por este órgão colegiado na Apelação Cível n.º 33.111-0/3, da Comarca de Limeira, em v. acórdão de que foi Relator o Desembargador Márcio Martins Bonilha:

“Inicialmente, cabe ressaltar a natureza administrativa do procedimento da dúvida, que não se sujeita, assim, aos efeitos da imutabilidade material da sentença. Portanto, nesse procedimento há a possibilidade de revisão dos atos praticados, seja pela própria autoridade administrativa, seja pela instância revisora, até mesmo de ofício (cf. Ap. Civ. 10.880-0/3, da Comarca de Sorocaba). Não vai nisso qualquer ofensa ao direito de ampla defesa e muito menos se suprime um grau do julgamento administrativo. O exame qualificador do título, tanto pelo oficial delegado, como por seu Corregedor Permanente, ou até mesmo em sede recursal, deve necessariamente ser completo e exaustivo, visando escoimar todo e qualquer vício impeditivo de acesso ao cadastro predial. Possível, portanto, a requalificação do título nesta sede, ainda que de ofício, podendo ser levantados óbices até o momento não argüidos, ou ser reexaminado fundamento da sentença, até para alteração de sua parte dispositiva” (in “Revista de Direito Imobiliário”, 39/339).

Então, apesar do Oficial, ao qualificar o título, ter levantado o óbice relativo ao não pagamento do ITCMD, que restou mantido pela MM. Juíza Corregedora Permanente, é necessária a requalificação nesta oportunidade, a fim de que fique consignado que o tributo incidente em razão da partilha levada a efeito era o ITBI, de competência municipal, constatada a transferência onerosa dos bens.

O Município de São Paulo dispôs sobre o ITBI por meio da Lei Municipal n.º 11.154/1991, cujo inciso VI do artigo 2º, conforme a redação dada pela Lei n.º 13.402/2002, assim estabelece:

“Art. 2º – Estão compreendidos na incidência do imposto:

(…)

VI – o valor dos imóveis que, na divisão de patrimônio comum ou na partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges separados ou divorciados, ao cônjuge supérstite ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão, considerando, em conjunto, apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum ou monte-mor. (Redação dada pela Lei n.º 13.402/2002)”.

Na espécie, o registro pretendido é do formal de partilha envolvendo o imóvel comum matriculado sob n.º 209.809 (fls. 51/52) no 14º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, cuja propriedade foi atribuída exclusivamente ao ex-cônjuge, ora recorrente.

A situação concreta enquadra-se exatamente à hipótese de incidência do ITBI prevista no artigo 2º, VI, da Lei Municipal em referência, qual seja, “o valor dos imóveis que, na divisão de patrimônio comum ou na partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges separados ou divorciados, ao cônjuge supérstite ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão, considerando, em conjunto, apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum ou monte-mor”.

Nesse sentido, não importa que os bens atribuídos ao requerente não ultrapassem sua meação ou que tenha havido compensação com outros bens partilhados, sem que quaisquer das partes tenha sido beneficiada na partilha. Isso não dispensa o requerente de comprovar à serventia imobiliária o recolhimento do tributo decorrente da transmissão de bens imóveis por ato oneroso que exceda o valor que corresponderia à respectiva meação.

De outra parte, não é cabível analisar, no âmbito restrito da dúvida, a constitucionalidade da legislação municipal, considerando-se que as atribuições do Colendo Conselho Superior da Magistratura têm natureza meramente administrativa, não jurisdicional.

Destacam-se os seguintes precedentes em situações semelhantes:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. ITBI. EXCESSO DE MEAÇÃO EM FAVOR DA APELANTE. LEGISLAÇÃO MUNICIPAL QUE APENAS CONSIDERA OS BENS IMÓVEIS PARA FINS DE PARTILHA E INCIDÊNCIA DE ITBI. IMPOSSIBILIDADE DO EXAME DE CONSTITUCIONALIDADE DA LEI MUNICIPAL EM SEDE DE QUALIFICAÇÃO REGISTRAL OU DE RECURSO ADMINISTRATIVO. CABIMENTO DA DISCUSSÃO DA QUESTÃO EM AÇÃO JURISDICIONAL OU RECOLHIMENTO DO IMPOSTO. RECURSO NÃO PROVIDO.

(…)

A atividade registral e as atribuições deste C. Conselho Superior da Magistratura têm natureza administrativa, razão pela qual, tal como no presente feito, não é cabível o exame da constitucionalidade da legislação municipal, cabendo aos interessados, se assim entenderem conveniente, a propositura de ação jurisdicional para discussão dessa questão. Note-se que os entendimentos jurisprudenciais relacionados no recurso administrativo são todos de órgãos jurisdicionais. (…)” (Apelação Cível n.º 1043473-49.2019.8.26.0100; j. 1/11/201; Rel. DES. PINHEIRO FRANCO).

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida julgada procedente. Partilha realizada em ação de divórcio. Imposto de transmissão ‘inter vivos’. Apartamento e vaga de garagem atribuídos para a apelante. Partilha desigual, com previsão de pagamento de quantia em dinheiro, ao divorciando, para a reposição do valor correspondente à sua meação na totalidade dos bens comuns. Necessidade de comprovação da declaração e do recolhimento do imposto de transmissão ‘inter vivos’, ou de decisão judicial em que reconhecida a sua não incidência. Recurso não provido” (Apelação Cível n.º 1067171-21.2018.8.26.0100, j. 26/2/2019, Rel. DES. PINHEIRO FRANCO).

Enfim, configurada a hipótese de incidência descrita na lei municipal em referência, e sendo da incumbência do registrador a fiscalização do pagamento do imposto de transmissão dos bens imóveis por força dos atos que lhe forem apresentados em razão do ofício (itens 117 e 117.1 do Capítulo XX do Tomo II das NSCGJ), sob pena, inclusive, de ser responsabilizado solidariamente no pagamento do tributo (art. 134, IV, do Código Tributário Nacional), a dúvida era mesmo procedente.

Como esclarece Antonio Herance Filho (“ITBI e ITCMD nas escrituras públicas: principais questões”, in Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida et alii, Direito Notarial e Registral Avançado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 178):

“No Município de São Paulo, por exemplo, com fulcro no inc. VI do art. 130 do Dec. 52.703/2011, está definido que a alíquota do tributo incide sobre: ‘o valor dos imóveis que, na divisão de patrimônio comum ou na partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges separados ou divorciados, ao cônjuge supérstite ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão, considerando, em conjunto, apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum ou Montemor’. Embora haja flagrante desrespeito ao conceito dado pelo Direito Privado, que o patrimônio comum constitui universalidade indivisa de bens, o notário, bem assim o registrador, em razão do princípio da legalidade estrita e da responsabilidade tributária, deve exigir a prova de quitação do tributo municipal conforme estiver previsto na lei de situação do(s) imóvel(is)”.

Nessa ordem de ideias, em observância ao princípio da legalidade norteador da atividade registral, o formal de partilha não reúne os requisitos legais para o acesso ao fólio real.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação, mantida a dúvida, por outro fundamento.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 08.02.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Usucapião extrajudicial – Dúvida procedente – Recorrente coproprietário da área maior em que inserida a área usucapienda – Notícia pelo próprio recorrente de cessões de áreas que não foram objeto de registro – Usucapião que não pode ser utilizada pelo autor para promover parcelamento em seu favor de área de que já é coproprietário – Recurso desprovido.

Apelação Cível nº 1000382-04.2021.8.26.0563

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1000382-04.2021.8.26.0563

Comarca: SÃO BENTO DO SAPUCAÍ

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1000382-04.2021.8.26.0563

Registro: 2022.0000995274

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000382-04.2021.8.26.0563, da Comarca de São Bento do Sapucaí, em que é apelante JOSÉ PEDRO DE FARIA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO BENTO DO SAPUCAÍ.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 25 de novembro de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1000382-04.2021.8.26.0563

APELANTE: José Pedro de Faria

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Bento do Sapucaí

VOTO Nº 38.811 -– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Registro de imóveis – Usucapião extrajudicial – Dúvida procedente – Recorrente coproprietário da área maior em que inserida a área usucapienda – Notícia pelo próprio recorrente de cessões de áreas que não foram objeto de registro – Usucapião que não pode ser utilizada pelo autor para promover parcelamento em seu favor de área de que já é coproprietário – Recurso desprovido.

Trata-se de apelação interposta por José Pedro de Faria contra a r. sentença (fls. 95/98) proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Bento do Sapucaí, São Paulo, que julgou procedente a dúvida para o fim de manter as exigências formuladas pelo Registrador, impedindo que prosseguisse o reconhecimento extrajudicial da usucapião da área de 934,44m², contida em imóvel de maior área, de matrícula nº 1.586 daquela serventia (fls. 63/78).

A r. sentença manteve a dúvida, aduzindo haver aparente parcelamento irregular do solo, além de ser inadmissível divisão de imóvel rural em áreas inferiores ao correspondente módulo, nos termos do que dispõe o artigo 65 da Lei nº 4.504/1964.

Nas razões de apelação, fls. 105/113, o recorrente alega, em síntese, que preenche os requisitos para a usucapião ordinária e não há parcelamento irregular do solo.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 146/148).

É o relatório.

Conforme o artigo 1.242, do Código Civil e o artigo 216-A, da Lei de Registros Públicos, o recorrente apresentou pedido para reconhecimento extrajudicial da usucapião do imóvel localizado na Rodovia Estadual Vereador Júlio da Silva, Bairro dos Dias, nº 1.040, na cidade e Comarca de São Bento do Sapucaí, com área de 934,44m², que tem origem na matrícula 1.586 do Oficial de Registro de Imóveis da mesma Comarca, mais bem descrito na ata notarial a fls. 29/32.

Apresentada ao Oficial de Registro de Imóveis a ATA NOTARIAL DE JUSTIFICAÇÃO DE POSSE PARA FINS DE USUCAPIÃO (fls. 29/32), sobreveio sua qualificação registral negativa, sob o fundamento de fracionamento irregular do solo, com destaque para o fato de que o imóvel possui área inferior ao módulo urbano e não demonstrada a posse do bem pelo prazo de 35 anos invocado.

E a r. sentença (fls. 95/98) manteve os óbices registrais.

Em que pese as razões recursais, a r. sentença deve prevalecer.

O imóvel objeto da usucapião está localizado em área rural porque se origina de imóvel de área maior cadastrado no INCRA, como consta do seguinte destaque da matrícula de nº 1.586:

“Essa área foi desmembrada de área maior, cadastrada no I.N.C.R.A., sob nº 635 189 002 690-6 (…)”.

Com efeito, nos termos do artigo 53, da Lei nº 6.766/79, a alteração de uso do solo rural para fins urbanos depende de aprovação do Município, bem como de prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA.

Nos autos, não há demonstração de manifestação do INCRA, não bastando, para caracterizar o imóvel como rural, a existência de inscrição municipal (fls. 37). Sobre o tema, já se manifestou este Colendo Conselho Superior da Magistratura:

“Registro de Imóveis. Dúvida julgada procedente. Escritura de venda e compra. Descrição sucinta do imóvel constante da matrícula e reproduzida no título que, porém, dadas as circunstâncias do caso concreto, não chega a ofender o princípio da especialidade objetiva. Alegada destinação urbana de imóvel originalmente rural. Necessária apresentação de certidão de descadastramento pelo INCRA. Recurso não provido.” (Apelação nº 790-6/6, Rel. Des. Ruy Camilo, j. em 27/5/2008). (grifei).

Configurada, portanto, a natureza rural do imóvel, fosse o caso de fracionamento da área, impor-se-ia a observância do módulo de propriedade rural, nos termos do que estabelece o artigo 65, da Lei nº 4.504/1964, muito embora admissível a usucapião de área inferior ao módulo rural, desde que preenchidos seus requisitos.

A propósito, o caso em tela efetivamente cuida de usucapião de área de imóvel rural abaixo do módulo, e várias decisões judiciais dispensam a observância do módulo rural quando se trata de prescrição aquisitiva (REsp 1040296).

No entanto, para que a usucapião se concretize, é preciso que haja o efetivo preenchimento dos seus requisitos, e não se trate de tentativa de, por vias transversas, obter o fracionamento do solo que não seria atingido pelo fato da área ser inferior ao módulo rural.

Pela documentação existente nos autos, constata-se a tentativa de fracionamento irregular do solo, em fraude à lei, que não pode ser admitido.

O apelante adquiriu, conjuntamente com Rubens de Oliveira e Maria Salete de Faria Oliveira, em 25 de novembro de 1985, a área de 11.177,50m², como consta do R.12 da matrícula 1.586 (fls. 67), e, diante de suas necessidades, como ele afirmou (fls. 06), realizou cessão de direitos a outros adquirentes, de modo que postulou o reconhecimento da usucapião da parte que suscita lhe ter remanescido, correspondente à área de 934,44m².

Segundo alegado, portanto, o requerente, apesar de constar no registro de imóveis como coproprietário da área de 11.177,50m², realizou várias cessões de direitos, remanescendo com a área menor de 934,44m², que culminou na inscrição municipal em 20/04/2018 (fls. 39), cuja usucapião pretende. Isso porque as cessões de direitos suscitadas não constaram do registro imobiliário.

Importante mencionar que o imóvel de matrícula 1.586 contém área total de 78.362,05m², havendo outros proprietários, além do requerente, de variadas porções de áreas, conforme os registros contidos na certidão de matrícula a fls. 63/78.

Quer dizer, o requerente é coproprietário de fração ideal de área de 11.177,50m² (R.12 fls. 66/67), a qual está inserida na área total de 78.362,05m², objeto da matrícula 1.586 do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Bento do Sapucaí.

E a pretensão do requerente é a de usucapir remanescente de área das cessões que fez, sem que tais cessões tenham sido inscritas no registro imobiliário. Então, o requerente pretende usucapir área que diz lhe restar das cessões supostamente realizadas, a qual, todavia, já é sua.

Desprovido de razão, o recorrente.

A via da usucapião é destinada a quem não é proprietário, tanto que o artigo 1.242, caput, dispõe que “Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos”.

E, na espécie, o recorrente é proprietário da área maior em que inserida a porção de terreno que pretende usucapir.

A utilização da via da usucapião revela, na verdade, que o requerente busca legitimar o remanescente da área que lhe restou após as cessões de direito que alega ter realizado e que são desconhecidas no registro.

Mas, a afirmação de que realizou cessões de direito e que lhe remanesceu a área usucapienda, que é inferior ao módulo rural, bem revela que não procedeu ao correto fracionamento do solo, como impunha o artigo 65, da Lei nº 4.504/1964.

Quer dizer, o recorrente alega que realizou várias cessões de direitos sobre o imóvel cujos teores são desconhecidos porque não inscritos os atos correspondentes no registro imobiliário em vez de ter procedido ao regular fracionamento do solo. E como sobrou área inferior ao módulo rural, pretende usucapi-la, para contornar as exigências legais.

A usucapião não se defere a quem já é proprietário, menos ainda nas condições existentes nos presentes autos.

Não se alegue a incidência do disposto no parágrafo único do artigo 1.242, do Código Civil, o qual apenas diminui o prazo da prescrição aquisitiva de dez para cinco anos, quando há aquisição onerosa de imóvel, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelado posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico. Isso porque, na hipótese em julgamento, não há que se falar em registro de aquisição cancelado, porquanto vigente o registro de aquisição da área maior pelo requerente, conforme R.12 da matrícula nº 1.586 (fls. 66/67).

Importante ressaltar que o óbice à usucapião não está no fato da área que remanesceu ao requerente ser inferior ao módulo rural, mas à circunstância de que, sendo proprietário de área maior em que inserida aquela, e tendo realizado cessões de direitos sobre partes da área maior (desconhecidas no registro, frise-se), demonstra tentativa de passar ao largo das regras de fracionamento do solo previstas na Lei nº 4.504/1964, o que é inadmissível e aparenta situação de fraude à lei.

No mais, o Recurso Extraordinário 422.349 se refere à usucapião especial urbana, que não é a hipótese dos autos, daí porque sua invocação é descabida.

De todo modo, o Recurso Extraordinário 422.349 decidiu que: “(…) preenchidos os requisitos do artigo 183 da Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote)”.

Transportando a mesma lógica para a usucapião ordinária do imóvel rural, ainda que se dispense a observância do respectivo módulo, não são dispensáveis os demais requisitos da usucapião.

Em outras palavras, não é o fato de remanescer área inferior ao módulo rural que impede a procedência da usucapião extrajudicial do imóvel, mas o fato de, na espécie, ter sido noticiada a ocorrência de várias cessões de áreas do imóvel (desconhecidas no registro, como anteriormente destacado), sem regular fracionamento, e remanescendo ao já proprietário da área maior uma porção de área menor.

E, como já dito, só pode adquirir a propriedade aquele que não a tem, não servindo, portanto, a via da usucapião, para legitimar a propriedade do remanescente da área que sobejou ao recorrente após as cessões de direitos que suscitou ter realizado, sem inscrição no registro, frise-se.

Por fim, a existência de averbações na matrícula do imóvel (fls. 66/73) a respeito da aquisição da propriedade de parte dele mediante ação de usucapião movida por terceiros, em nada auxilia o recorrente. Tratou-se de ações judiciais de usucapião, onde certamente foram considerados preenchidos seus requisitos, nada tendo sido trazido aos autos para fins de comparação com a situação vertente.

A conclusão é, portanto, pela procedência da dúvida e pela rejeição do recurso de apelação.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 08.02.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Usucapião extrajudicial – Dúvida procedente – Recorrente coproprietário da área maior em que inserida a área usucapienda – Notícia pelo próprio recorrente de cessões de áreas que não foram objeto de registro – Usucapião que não pode ser utilizada pelo autor para promover parcelamento em seu favor de área de que já é coproprietário – Recurso desprovido.

Apelação Cível nº 1000382-04.2021.8.26.0563

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1000382-04.2021.8.26.0563

Comarca: SÃO BENTO DO SAPUCAÍ

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1000382-04.2021.8.26.0563

Registro: 2022.0000995274

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000382-04.2021.8.26.0563, da Comarca de São Bento do Sapucaí, em que é apelante JOSÉ PEDRO DE FARIA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO BENTO DO SAPUCAÍ.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 25 de novembro de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1000382-04.2021.8.26.0563

APELANTE: José Pedro de Faria

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Bento do Sapucaí

VOTO Nº 38.811 -– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Registro de imóveis – Usucapião extrajudicial – Dúvida procedente – Recorrente coproprietário da área maior em que inserida a área usucapienda – Notícia pelo próprio recorrente de cessões de áreas que não foram objeto de registro – Usucapião que não pode ser utilizada pelo autor para promover parcelamento em seu favor de área de que já é coproprietário – Recurso desprovido.

Trata-se de apelação interposta por José Pedro de Faria contra a r. sentença (fls. 95/98) proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Bento do Sapucaí, São Paulo, que julgou procedente a dúvida para o fim de manter as exigências formuladas pelo Registrador, impedindo que prosseguisse o reconhecimento extrajudicial da usucapião da área de 934,44m², contida em imóvel de maior área, de matrícula nº 1.586 daquela serventia (fls. 63/78).

A r. sentença manteve a dúvida, aduzindo haver aparente parcelamento irregular do solo, além de ser inadmissível divisão de imóvel rural em áreas inferiores ao correspondente módulo, nos termos do que dispõe o artigo 65 da Lei nº 4.504/1964.

Nas razões de apelação, fls. 105/113, o recorrente alega, em síntese, que preenche os requisitos para a usucapião ordinária e não há parcelamento irregular do solo.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 146/148).

É o relatório.

Conforme o artigo 1.242, do Código Civil e o artigo 216-A, da Lei de Registros Públicos, o recorrente apresentou pedido para reconhecimento extrajudicial da usucapião do imóvel localizado na Rodovia Estadual Vereador Júlio da Silva, Bairro dos Dias, nº 1.040, na cidade e Comarca de São Bento do Sapucaí, com área de 934,44m², que tem origem na matrícula 1.586 do Oficial de Registro de Imóveis da mesma Comarca, mais bem descrito na ata notarial a fls. 29/32.

Apresentada ao Oficial de Registro de Imóveis a ATA NOTARIAL DE JUSTIFICAÇÃO DE POSSE PARA FINS DE USUCAPIÃO (fls. 29/32), sobreveio sua qualificação registral negativa, sob o fundamento de fracionamento irregular do solo, com destaque para o fato de que o imóvel possui área inferior ao módulo urbano e não demonstrada a posse do bem pelo prazo de 35 anos invocado.

E a r. sentença (fls. 95/98) manteve os óbices registrais.

Em que pese as razões recursais, a r. sentença deve prevalecer.

O imóvel objeto da usucapião está localizado em área rural porque se origina de imóvel de área maior cadastrado no INCRA, como consta do seguinte destaque da matrícula de nº 1.586:

“Essa área foi desmembrada de área maior, cadastrada no I.N.C.R.A., sob nº 635 189 002 690-6 (…)”.

Com efeito, nos termos do artigo 53, da Lei nº 6.766/79, a alteração de uso do solo rural para fins urbanos depende de aprovação do Município, bem como de prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA.

Nos autos, não há demonstração de manifestação do INCRA, não bastando, para caracterizar o imóvel como rural, a existência de inscrição municipal (fls. 37). Sobre o tema, já se manifestou este Colendo Conselho Superior da Magistratura:

“Registro de Imóveis. Dúvida julgada procedente. Escritura de venda e compra. Descrição sucinta do imóvel constante da matrícula e reproduzida no título que, porém, dadas as circunstâncias do caso concreto, não chega a ofender o princípio da especialidade objetiva. Alegada destinação urbana de imóvel originalmente rural. Necessária apresentação de certidão de descadastramento pelo INCRA. Recurso não provido.” (Apelação nº 790-6/6, Rel. Des. Ruy Camilo, j. em 27/5/2008). (grifei).

Configurada, portanto, a natureza rural do imóvel, fosse o caso de fracionamento da área, impor-se-ia a observância do módulo de propriedade rural, nos termos do que estabelece o artigo 65, da Lei nº 4.504/1964, muito embora admissível a usucapião de área inferior ao módulo rural, desde que preenchidos seus requisitos.

A propósito, o caso em tela efetivamente cuida de usucapião de área de imóvel rural abaixo do módulo, e várias decisões judiciais dispensam a observância do módulo rural quando se trata de prescrição aquisitiva (REsp 1040296).

No entanto, para que a usucapião se concretize, é preciso que haja o efetivo preenchimento dos seus requisitos, e não se trate de tentativa de, por vias transversas, obter o fracionamento do solo que não seria atingido pelo fato da área ser inferior ao módulo rural.

Pela documentação existente nos autos, constata-se a tentativa de fracionamento irregular do solo, em fraude à lei, que não pode ser admitido.

O apelante adquiriu, conjuntamente com Rubens de Oliveira e Maria Salete de Faria Oliveira, em 25 de novembro de 1985, a área de 11.177,50m², como consta do R.12 da matrícula 1.586 (fls. 67), e, diante de suas necessidades, como ele afirmou (fls. 06), realizou cessão de direitos a outros adquirentes, de modo que postulou o reconhecimento da usucapião da parte que suscita lhe ter remanescido, correspondente à área de 934,44m².

Segundo alegado, portanto, o requerente, apesar de constar no registro de imóveis como coproprietário da área de 11.177,50m², realizou várias cessões de direitos, remanescendo com a área menor de 934,44m², que culminou na inscrição municipal em 20/04/2018 (fls. 39), cuja usucapião pretende. Isso porque as cessões de direitos suscitadas não constaram do registro imobiliário.

Importante mencionar que o imóvel de matrícula 1.586 contém área total de 78.362,05m², havendo outros proprietários, além do requerente, de variadas porções de áreas, conforme os registros contidos na certidão de matrícula a fls. 63/78.

Quer dizer, o requerente é coproprietário de fração ideal de área de 11.177,50m² (R.12 fls. 66/67), a qual está inserida na área total de 78.362,05m², objeto da matrícula 1.586 do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Bento do Sapucaí.

E a pretensão do requerente é a de usucapir remanescente de área das cessões que fez, sem que tais cessões tenham sido inscritas no registro imobiliário. Então, o requerente pretende usucapir área que diz lhe restar das cessões supostamente realizadas, a qual, todavia, já é sua.

Desprovido de razão, o recorrente.

A via da usucapião é destinada a quem não é proprietário, tanto que o artigo 1.242, caput, dispõe que “Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos”.

E, na espécie, o recorrente é proprietário da área maior em que inserida a porção de terreno que pretende usucapir.

A utilização da via da usucapião revela, na verdade, que o requerente busca legitimar o remanescente da área que lhe restou após as cessões de direito que alega ter realizado e que são desconhecidas no registro.

Mas, a afirmação de que realizou cessões de direito e que lhe remanesceu a área usucapienda, que é inferior ao módulo rural, bem revela que não procedeu ao correto fracionamento do solo, como impunha o artigo 65, da Lei nº 4.504/1964.

Quer dizer, o recorrente alega que realizou várias cessões de direitos sobre o imóvel cujos teores são desconhecidos porque não inscritos os atos correspondentes no registro imobiliário em vez de ter procedido ao regular fracionamento do solo. E como sobrou área inferior ao módulo rural, pretende usucapi-la, para contornar as exigências legais.

A usucapião não se defere a quem já é proprietário, menos ainda nas condições existentes nos presentes autos.

Não se alegue a incidência do disposto no parágrafo único do artigo 1.242, do Código Civil, o qual apenas diminui o prazo da prescrição aquisitiva de dez para cinco anos, quando há aquisição onerosa de imóvel, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelado posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico. Isso porque, na hipótese em julgamento, não há que se falar em registro de aquisição cancelado, porquanto vigente o registro de aquisição da área maior pelo requerente, conforme R.12 da matrícula nº 1.586 (fls. 66/67).

Importante ressaltar que o óbice à usucapião não está no fato da área que remanesceu ao requerente ser inferior ao módulo rural, mas à circunstância de que, sendo proprietário de área maior em que inserida aquela, e tendo realizado cessões de direitos sobre partes da área maior (desconhecidas no registro, frise-se), demonstra tentativa de passar ao largo das regras de fracionamento do solo previstas na Lei nº 4.504/1964, o que é inadmissível e aparenta situação de fraude à lei.

No mais, o Recurso Extraordinário 422.349 se refere à usucapião especial urbana, que não é a hipótese dos autos, daí porque sua invocação é descabida.

De todo modo, o Recurso Extraordinário 422.349 decidiu que: “(…) preenchidos os requisitos do artigo 183 da Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote)”.

Transportando a mesma lógica para a usucapião ordinária do imóvel rural, ainda que se dispense a observância do respectivo módulo, não são dispensáveis os demais requisitos da usucapião.

Em outras palavras, não é o fato de remanescer área inferior ao módulo rural que impede a procedência da usucapião extrajudicial do imóvel, mas o fato de, na espécie, ter sido noticiada a ocorrência de várias cessões de áreas do imóvel (desconhecidas no registro, como anteriormente destacado), sem regular fracionamento, e remanescendo ao já proprietário da área maior uma porção de área menor.

E, como já dito, só pode adquirir a propriedade aquele que não a tem, não servindo, portanto, a via da usucapião, para legitimar a propriedade do remanescente da área que sobejou ao recorrente após as cessões de direitos que suscitou ter realizado, sem inscrição no registro, frise-se.

Por fim, a existência de averbações na matrícula do imóvel (fls. 66/73) a respeito da aquisição da propriedade de parte dele mediante ação de usucapião movida por terceiros, em nada auxilia o recorrente. Tratou-se de ações judiciais de usucapião, onde certamente foram considerados preenchidos seus requisitos, nada tendo sido trazido aos autos para fins de comparação com a situação vertente.

A conclusão é, portanto, pela procedência da dúvida e pela rejeição do recurso de apelação.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 08.02.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações.

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