CSM/SP: Registro de imóveis – Usucapião extrajudicial – Dúvida procedente – Recorrente coproprietário da área maior em que inserida a área usucapienda – Notícia pelo próprio recorrente de cessões de áreas que não foram objeto de registro – Usucapião que não pode ser utilizada pelo autor para promover parcelamento em seu favor de área de que já é coproprietário – Recurso desprovido.


  
 

Apelação Cível nº 1000382-04.2021.8.26.0563

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1000382-04.2021.8.26.0563

Comarca: SÃO BENTO DO SAPUCAÍ

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1000382-04.2021.8.26.0563

Registro: 2022.0000995274

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000382-04.2021.8.26.0563, da Comarca de São Bento do Sapucaí, em que é apelante JOSÉ PEDRO DE FARIA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO BENTO DO SAPUCAÍ.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 25 de novembro de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1000382-04.2021.8.26.0563

APELANTE: José Pedro de Faria

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Bento do Sapucaí

VOTO Nº 38.811 -– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Registro de imóveis – Usucapião extrajudicial – Dúvida procedente – Recorrente coproprietário da área maior em que inserida a área usucapienda – Notícia pelo próprio recorrente de cessões de áreas que não foram objeto de registro – Usucapião que não pode ser utilizada pelo autor para promover parcelamento em seu favor de área de que já é coproprietário – Recurso desprovido.

Trata-se de apelação interposta por José Pedro de Faria contra a r. sentença (fls. 95/98) proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Bento do Sapucaí, São Paulo, que julgou procedente a dúvida para o fim de manter as exigências formuladas pelo Registrador, impedindo que prosseguisse o reconhecimento extrajudicial da usucapião da área de 934,44m², contida em imóvel de maior área, de matrícula nº 1.586 daquela serventia (fls. 63/78).

A r. sentença manteve a dúvida, aduzindo haver aparente parcelamento irregular do solo, além de ser inadmissível divisão de imóvel rural em áreas inferiores ao correspondente módulo, nos termos do que dispõe o artigo 65 da Lei nº 4.504/1964.

Nas razões de apelação, fls. 105/113, o recorrente alega, em síntese, que preenche os requisitos para a usucapião ordinária e não há parcelamento irregular do solo.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 146/148).

É o relatório.

Conforme o artigo 1.242, do Código Civil e o artigo 216-A, da Lei de Registros Públicos, o recorrente apresentou pedido para reconhecimento extrajudicial da usucapião do imóvel localizado na Rodovia Estadual Vereador Júlio da Silva, Bairro dos Dias, nº 1.040, na cidade e Comarca de São Bento do Sapucaí, com área de 934,44m², que tem origem na matrícula 1.586 do Oficial de Registro de Imóveis da mesma Comarca, mais bem descrito na ata notarial a fls. 29/32.

Apresentada ao Oficial de Registro de Imóveis a ATA NOTARIAL DE JUSTIFICAÇÃO DE POSSE PARA FINS DE USUCAPIÃO (fls. 29/32), sobreveio sua qualificação registral negativa, sob o fundamento de fracionamento irregular do solo, com destaque para o fato de que o imóvel possui área inferior ao módulo urbano e não demonstrada a posse do bem pelo prazo de 35 anos invocado.

E a r. sentença (fls. 95/98) manteve os óbices registrais.

Em que pese as razões recursais, a r. sentença deve prevalecer.

O imóvel objeto da usucapião está localizado em área rural porque se origina de imóvel de área maior cadastrado no INCRA, como consta do seguinte destaque da matrícula de nº 1.586:

“Essa área foi desmembrada de área maior, cadastrada no I.N.C.R.A., sob nº 635 189 002 690-6 (…)”.

Com efeito, nos termos do artigo 53, da Lei nº 6.766/79, a alteração de uso do solo rural para fins urbanos depende de aprovação do Município, bem como de prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA.

Nos autos, não há demonstração de manifestação do INCRA, não bastando, para caracterizar o imóvel como rural, a existência de inscrição municipal (fls. 37). Sobre o tema, já se manifestou este Colendo Conselho Superior da Magistratura:

“Registro de Imóveis. Dúvida julgada procedente. Escritura de venda e compra. Descrição sucinta do imóvel constante da matrícula e reproduzida no título que, porém, dadas as circunstâncias do caso concreto, não chega a ofender o princípio da especialidade objetiva. Alegada destinação urbana de imóvel originalmente rural. Necessária apresentação de certidão de descadastramento pelo INCRA. Recurso não provido.” (Apelação nº 790-6/6, Rel. Des. Ruy Camilo, j. em 27/5/2008). (grifei).

Configurada, portanto, a natureza rural do imóvel, fosse o caso de fracionamento da área, impor-se-ia a observância do módulo de propriedade rural, nos termos do que estabelece o artigo 65, da Lei nº 4.504/1964, muito embora admissível a usucapião de área inferior ao módulo rural, desde que preenchidos seus requisitos.

A propósito, o caso em tela efetivamente cuida de usucapião de área de imóvel rural abaixo do módulo, e várias decisões judiciais dispensam a observância do módulo rural quando se trata de prescrição aquisitiva (REsp 1040296).

No entanto, para que a usucapião se concretize, é preciso que haja o efetivo preenchimento dos seus requisitos, e não se trate de tentativa de, por vias transversas, obter o fracionamento do solo que não seria atingido pelo fato da área ser inferior ao módulo rural.

Pela documentação existente nos autos, constata-se a tentativa de fracionamento irregular do solo, em fraude à lei, que não pode ser admitido.

O apelante adquiriu, conjuntamente com Rubens de Oliveira e Maria Salete de Faria Oliveira, em 25 de novembro de 1985, a área de 11.177,50m², como consta do R.12 da matrícula 1.586 (fls. 67), e, diante de suas necessidades, como ele afirmou (fls. 06), realizou cessão de direitos a outros adquirentes, de modo que postulou o reconhecimento da usucapião da parte que suscita lhe ter remanescido, correspondente à área de 934,44m².

Segundo alegado, portanto, o requerente, apesar de constar no registro de imóveis como coproprietário da área de 11.177,50m², realizou várias cessões de direitos, remanescendo com a área menor de 934,44m², que culminou na inscrição municipal em 20/04/2018 (fls. 39), cuja usucapião pretende. Isso porque as cessões de direitos suscitadas não constaram do registro imobiliário.

Importante mencionar que o imóvel de matrícula 1.586 contém área total de 78.362,05m², havendo outros proprietários, além do requerente, de variadas porções de áreas, conforme os registros contidos na certidão de matrícula a fls. 63/78.

Quer dizer, o requerente é coproprietário de fração ideal de área de 11.177,50m² (R.12 fls. 66/67), a qual está inserida na área total de 78.362,05m², objeto da matrícula 1.586 do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Bento do Sapucaí.

E a pretensão do requerente é a de usucapir remanescente de área das cessões que fez, sem que tais cessões tenham sido inscritas no registro imobiliário. Então, o requerente pretende usucapir área que diz lhe restar das cessões supostamente realizadas, a qual, todavia, já é sua.

Desprovido de razão, o recorrente.

A via da usucapião é destinada a quem não é proprietário, tanto que o artigo 1.242, caput, dispõe que “Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos”.

E, na espécie, o recorrente é proprietário da área maior em que inserida a porção de terreno que pretende usucapir.

A utilização da via da usucapião revela, na verdade, que o requerente busca legitimar o remanescente da área que lhe restou após as cessões de direito que alega ter realizado e que são desconhecidas no registro.

Mas, a afirmação de que realizou cessões de direito e que lhe remanesceu a área usucapienda, que é inferior ao módulo rural, bem revela que não procedeu ao correto fracionamento do solo, como impunha o artigo 65, da Lei nº 4.504/1964.

Quer dizer, o recorrente alega que realizou várias cessões de direitos sobre o imóvel cujos teores são desconhecidos porque não inscritos os atos correspondentes no registro imobiliário em vez de ter procedido ao regular fracionamento do solo. E como sobrou área inferior ao módulo rural, pretende usucapi-la, para contornar as exigências legais.

A usucapião não se defere a quem já é proprietário, menos ainda nas condições existentes nos presentes autos.

Não se alegue a incidência do disposto no parágrafo único do artigo 1.242, do Código Civil, o qual apenas diminui o prazo da prescrição aquisitiva de dez para cinco anos, quando há aquisição onerosa de imóvel, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelado posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico. Isso porque, na hipótese em julgamento, não há que se falar em registro de aquisição cancelado, porquanto vigente o registro de aquisição da área maior pelo requerente, conforme R.12 da matrícula nº 1.586 (fls. 66/67).

Importante ressaltar que o óbice à usucapião não está no fato da área que remanesceu ao requerente ser inferior ao módulo rural, mas à circunstância de que, sendo proprietário de área maior em que inserida aquela, e tendo realizado cessões de direitos sobre partes da área maior (desconhecidas no registro, frise-se), demonstra tentativa de passar ao largo das regras de fracionamento do solo previstas na Lei nº 4.504/1964, o que é inadmissível e aparenta situação de fraude à lei.

No mais, o Recurso Extraordinário 422.349 se refere à usucapião especial urbana, que não é a hipótese dos autos, daí porque sua invocação é descabida.

De todo modo, o Recurso Extraordinário 422.349 decidiu que: “(…) preenchidos os requisitos do artigo 183 da Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote)”.

Transportando a mesma lógica para a usucapião ordinária do imóvel rural, ainda que se dispense a observância do respectivo módulo, não são dispensáveis os demais requisitos da usucapião.

Em outras palavras, não é o fato de remanescer área inferior ao módulo rural que impede a procedência da usucapião extrajudicial do imóvel, mas o fato de, na espécie, ter sido noticiada a ocorrência de várias cessões de áreas do imóvel (desconhecidas no registro, como anteriormente destacado), sem regular fracionamento, e remanescendo ao já proprietário da área maior uma porção de área menor.

E, como já dito, só pode adquirir a propriedade aquele que não a tem, não servindo, portanto, a via da usucapião, para legitimar a propriedade do remanescente da área que sobejou ao recorrente após as cessões de direitos que suscitou ter realizado, sem inscrição no registro, frise-se.

Por fim, a existência de averbações na matrícula do imóvel (fls. 66/73) a respeito da aquisição da propriedade de parte dele mediante ação de usucapião movida por terceiros, em nada auxilia o recorrente. Tratou-se de ações judiciais de usucapião, onde certamente foram considerados preenchidos seus requisitos, nada tendo sido trazido aos autos para fins de comparação com a situação vertente.

A conclusão é, portanto, pela procedência da dúvida e pela rejeição do recurso de apelação.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 08.02.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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