1VRP/SP: Registro de Imóveis. Não é possível o registro de escritura pública de pacto antenupcial quando houver renúncia a herança.


  
 

Processo 1022765-36.2023.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Daniel Grynberg Horpaczky – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida para manter o óbice. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: JORGE HENRIQUE MATTAR (OAB 184114/SP), GABY CATANA (OAB 202347/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1022765-36.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: Décimo Cartório de Registro de Imóveis

Suscitado: Daniel Grynberg Horpaczky e outro

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Daniel Grynberg Horpaczky e Júlia Zalcberg Angulo diante da negativa de registro de escritura pública de pacto antenupcial.

O Oficial informa que, além dos efeitos legais do regime de bens eleito, os contratantes fizeram constar disposição acerca da sucessão entre si, o que levou à qualificação negativa do título por violação do artigo 426 do Código Civil, com exigência de rerratificação e exclusão da cláusula eivada de nulidade.

Documentos vieram às fls.03/17.

A parte suscitada apresentou impugnação às fls.18/26, alegando, preliminarmente, que o Oficial extrapolou suas atribuições ao analisar aspectos materiais do título; que todas as formalidades foram atendidas; que o 6º Tabelião de Notas autorizou a redação da escritura tal como lavrada, devendo o óbice ser desconsiderado e afastado.

Esclarece, ainda, que optaram pelo regime da separação voluntária e absoluta de bens, com incomunicabilidade total do seu patrimônio presente e futuro e, embora cientes de que a maior parte da doutrina e da jurisprudência considera impossível a renúncia à herança em pacto antenupcial, por contrariar a regra do artigo 426 do Código Civil, discordam desse entendimento, sustentando que não há vedação à renúncia ao exercício futuro do direito concorrencial, pois diametralmente oposta à pacta corvina. Assim, conclui que não há vício de consentimento, mas simples exercício da autonomia privada no âmbito familiar por cláusula mais protetiva ao regime de bens escolhido.

Documentos foram produzidos às fls.29/32, com regularização da representação processual às fls.36/37.

O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls.40/41).

É o relatório.

Fundamento e decido.

De início, é importante ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

Em outras palavras, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei (princípio da legalidade estrita).

É o que se extrai do item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

Embora a qualificação registrária, a princípio, restrinja-se aos aspectos formais e extrínsecos do título, não há qualquer dúvida de que o exame da legalidade consiste também na aceitação para registro somente de título que estiver de acordo com a lei.

Nesse sentido, os ensinamentos de Afrânio de Carvalho e Pontes de Miranda (nossos destaques):

“É incontestável, portanto, que, por ser a nulidade um efeito que se produz ipso jure em decorrência apenas da existência do vício, o registrador ao examinar o título, em processo semelhante ao de jurisdição voluntária, deve levá-la em conta para opor a ‘dúvida’ tendente a vetar a inscrição requerida. A regra dominante nesse assunto, no nosso direito como em qualquer outro, é a de que o funcionário público deve negar sua colaboração em negócios manifestamente nulos, inclusive abster-se de fazer inscrições nos registros públicos” (AFRÂNIO DE CARVALHO, Registro de Imóveis, Rio de Janeiro: Forense, edição de 1977, páginas 256 a 257).

“Legalidade e validade são conceitos largos. A referência aos dois [reportasse o autor ao Decreto n. 4.857, de 9 de novembro de 1939] não é escusada, porque o título pode ser válido e não ser legal o registo (e.g.: válido mas irregistrável no registo de imóveis). Desde logo afastemos as anulabilidades, porque essas dependem de sentença constitutiva negativa em ação própria, e não poderiam ser invocadas quaisquer anulabilidades ao oficial de registo, ou de ofício. (…) A dúvida do oficial do registo somente pode ser, portanto, quanto às nulidades: a) se o escrito está assinado por pessoa absolutamente incapaz; b) se ilícito ou impossível o seu objeto; c) se foi infringida regra cogente de forma; d) se foi preterida alguma solenidade que a lei considera essencial para a sua validade; e) se a lei diz que é nulo o ato ou lhe nega efeito (Código Civil, art. 145, IV)” (PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, § 1233, n. 4).

No que diz respeito às regras a serem respeitadas quando da qualificação, são aquelas vigentes no momento de apresentação do título em atenção ao princípio tempus regis actum.

Neste sentido, tem decidido reiteradamente o Conselho Superior da Magistratura, como na Apelação n.0015089-03.2012.8.26.0565, relatada pelo Corregedor Geral da Justiça à época, Des. Renato Nalini:

“REGISTRO DE IMÓVEIS Escritura de Compra e Venda lavrada antes da averbação da indisponibilidade, mas apresentado a registro depois dela Impossibilidade de registro até que a indisponibilidade seja cancelada por quem a decretou ‘Tempus regit actum’ Precedentes do CSM Recurso não provido”.

No título em análise, escritura pública de pacto antenupcial, verifica-se que há item que contraria expressa previsão legal (fls. 10/12).

De fato, os contratantes, mesmo após esclarecimentos do escrevente que lavrou a escritura, estipularam sobre a herança de pessoas vivas, o que não é admitido por nosso sistema jurídico (artigo 426 do Código Civil), ainda que façam ressalva quanto à futura aplicabilidade da previsão.

Conforme o título, os nubentes convencionaram entre si a incomunicabilidade total do patrimônio, fazendo constar (fl.11):

“DOS EFEITOS NA SUCESSÃO LEGÍTIMA: Depois de devidamente esclarecidos por mim, Escrevente, de que, atualmente, a maior parte da doutrina e da jurisprudência entendem pela não possibilidade de renúncia à herança em pacto antenupcial, pois, para esta corrente majoritária, tal renúncia encontra vedação no artigo 426, do Código Civil Brasileiro, segundo o qual não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva, as partes DECLARAM, neste ato, que: I) estão cientes do atual entendimento majoritário que defende a impossibilidade de renúncia a direitos sucessórios em pacto antenupcial, mas que com ele não concordam, por entenderem que não há vedação no ordenamento jurídico brasileiro à renúncia ao exercício futuro do direito concorrencial; II) desejam deixar registrado que, se à época do falecimento de qualquer um deles, a legislação ou a jurisprudência permitir, optam por, de fato, não participarem de futura sucessão um do outro, uma vez que ambos têm seus patrimônios totalmente separados, não desejando, nem por sucessão, receberem patrimônio um do outro; III) uma vez que, regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela, conforme artigo 1.787, do Código Civil, e, sabendo que a posição doutrinária, assim como a jurisprudencial, e, até mesmo a legislação, podem ser modificadas com o tempo, entendem ter o direito de deixar registradas suas vontades e rogarem para que, na ocasião do falecimento de qualquer um deles, estas sejam atendidas, de acordo com os entendimentos vigentes ao tempo da ocorrência do fato; IV) foram esclarecidos por este escrevente que qualquer alteração do teor deste pacto antenupcial após o casamento depende de prévia autorização judicial”.

Pois justamente por contrariar disposição da lei atualmente vigente a estipulação é nula de pleno direito (artigo 1.655 do Código Civil) e não pode ingressar no fólio real.

Essa conclusão não é afastada pela orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n.992.749/MG, a qual não trata da legalidade de disposição anterior à abertura da sucessão, mas apenas confirma que, de acordo com a legislação vigente, a interpretação mais adequada do artigo 1.829, I, do Código Civil, é pela não concorrência entre descendentes e o cônjuge sobrevivente quando o casamento é regido pela separação de bens, obrigatória ou consensual.

Observe-se que, independentemente de compromisso assumido, a lei assegura a qualquer herdeiro o direito de renunciar oportunamente à herança, desde que não imponha condição (artigo 1.808 do Código Civil).

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida para manter o óbice.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 30 de março de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juíza de Direito (DJe de 03.04.2023 – SP).

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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