CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Apelação – Escritura de divórcio e partilha – Excesso de meação – Atribuição do imóvel apenas à divorcianda – Valor excedente da meação pago com outros bens do acervo comum – Pertinência da exigência – Legislação municipal que considera tão somente os bens imóveis para fins de partilha e incidência de ITBI – impossibilidade do exame de constitucionalidade da lei municipal na qualificação registral ou no recurso administrativo – ITBI devido – Dever dos registradores imobiliários de exigir a comprovação do recolhimento do ITBI para registro da transferência da titularidade dominial – Apelo não provido.

Apelação nº 1027114-19.2022.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1027114-19.2022.8.26.0100

Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1027114-19.2022.8.26.0100

Registro: 2023.0000131024

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 1027114-19.2022.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante MÁRCIA ROCHA PACHECO, é apelado 10º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v. u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL) E GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE).

São Paulo, 16 de fevereiro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1027114-19.2022.8.26.0100

APELANTE: MÁRCIA ROCHA PACHECO

APELADO: 10º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL

VOTO Nº 38.901

Registro de imóveis – Dúvida – Apelação – Escritura de divórcio e partilha – Excesso de meação – Atribuição do imóvel apenas à divorcianda – Valor excedente da meação pago com outros bens do acervo comum – Pertinência da exigência – Legislação municipal que considera tão somente os bens imóveis para fins de partilha e incidência de ITBI – impossibilidade do exame de constitucionalidade da lei municipal na qualificação registral ou no recurso administrativo – ITBI devido – Dever dos registradores imobiliários de exigir a comprovação do recolhimento do ITBI para registro da transferência da titularidade dominial – Apelo não provido.

Trata-se de apelação interposta por MÁRCIA ROCHA PACHECO contra a r. sentença (fls. 45/48) que julgou procedente a dúvida inversa suscitada, mantendo a recusa do 10º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital ao registro da escritura de divórcio e partilha de bens lavrada em 25/02/2021, pelo 16º Tabelião de Notas da Capital, no Livro nº 4.987, páginas 261/268, envolvendo o imóvel de matrícula nº 140.465 daquela Serventia, em face da ausência de recolhimento do ITBI, uma vez que a atribuição do imóvel à parte suscitante importou partilha desigual.

Alega a apelante, em resumo, que os bens atribuídos não ultrapassam sua meação; que houve partilha igualitária dos bens de modo que, ao final, cada um dos ex-cônjuges recebeu quantia idêntica; que houve compensação com outros bens partilhados; que nenhuma parte foi beneficiada na partilha; e que a pretensão tem amparo jurisprudencial.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 79/80).

É o relatório.

Em 25 de fevereiro de 2021, a autora e seu então marido divorciaram-se mediante escritura pública lavrada no 16º Tabelião de Notas da Capital do Estado de São Paulo, no Livro 4.987, páginas 261 a 268, quando realizaram a partilha do patrimônio comum (fls. 10/15).

Os bens partilhados consistiram em um único imóvel e outros bens móveis, sendo certo que os quinhões foram iguais, considerados os valores indicados aos bens (item 11, fls. 13).

No entanto, o imóvel foi atribuído unicamente à excônjuge, ora apelante, como se vê do item 11.2, alínea (iii), fls. 13.

Apresentada a escritura pública em apreço ao 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, sobreveio a prenotação n.º 545.391, e a devolução com a seguinte exigência (fls. 33/34):

“1 – Conforme se verifica, a partilha do imóvel que integrava o patrimônio do casal ficou caracterizada pelo “excesso de meação” em favor de Márcia, razão pela qual há incidência do imposto de transmissão – ITBI, nos termos da legislação do Município de São Paulo (Lei n. 11.154/91 e Decreto n. 55.196/2014).

Nesse sentido, é necessário que seja recolhido e apresentado o respectivo comprovante do pagamento do ITBI (se cópia, autenticada) incidente sobre o valor do imóvel, que excede a meação de Márcia.

A Lei Municipal nº 11.154/1991 e o anexo único do Dec. Municipal nº 55.196/2014) dispõem que:

Art. 2º – Estão compreendidos na incidência do Imposto:

(…)

VI – ‘o valor dos imóveis que, na divisão de patrimônio comum ou partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges separados ou divorciados, ao cônjuge supérstite ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão, considerados, em conjunto, apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum ou monte-mor‘”. (grifo nosso)

Esta a controvérsia.

Com efeito, a Constituição Federal atribui aos Municípios a competência para instituir impostos sobre a transmissão

inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição (art. 156, II).

Com esse contorno constitucional é que deve ser considerado o disposto no artigo 35, II, do Código Tributário Nacional, quando também faz menção à incidência de imposto sobre a transmissão de bens imóveis e direitos a eles relativos, que, à época da sua edição, era de competência dos Estados.

Conclui-se, então, competir aos Municípios dispor sobre o imposto de transmissão de bens imóveis e direitos a eles relativos que se dá por ato oneroso, tais como a compra e venda, a permuta ou a dação em pagamento.

O Município de São Paulo exerceu referida competência por meio da Lei Municipal nº 11.154/1991, cujo inciso VI, do artigo 2º, conforme a redação dada pela Lei n.º 13.402/2002, assim dispõe:

“Art.2º – Estão compreendidos na incidência do imposto:

(…)

VI – o valor dos imóveis que, na divisão de patrimônio comum ou na partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges separados ou divorciados, ao cônjuge supérstite ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão, considerando, em conjunto, apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum ou monte-mor (Redação dada pela Lei nº 13.402/2002)”.

Como esclarece Antonio Herance Filho (ITBI e ITCMD nas escrituras públicas: principais questõesin Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida et alii, Direito Notarial e Registral Avançado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 178):

“No Município de São Paulo, por exemplo, com fulcro no inc. VI do art. 130 do Dec. 52.703/2011, está definido que a alíquota do tributo incide sobre: ‘o valor dos imóveis que, na divisão de patrimônio comum ou na partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges separados ou divorciados, ao cônjuge supérstite ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão, considerando, em conjunto, apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum ou Montemor’.

Embora haja flagrante desrespeito ao conceito dado pelo Direito Privado, que o patrimônio comum constitui universalidade indivisa de bens, o notário, bem assim o registrador, em razão do princípio da legalidade estrita e da responsabilidade tributária, deve exigir a prova de quitação do tributo municipal conforme estiver previsto na lei de situação do(s) imóvel(is)”.

Na espécie, o registro pretendido é da escritura de partilha do imóvel comum, cuja propriedade foi atribuída exclusivamente à ex-cônjuge.

Enquadra-se a situação concreta exatamente à hipótese de incidência do ITBI prevista no artigo 2º, VI, da Lei Municipal em referência, qual seja, “o valor dos imóveis que, na divisão de patrimônio comum ou na partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges separados ou divorciados, ao cônjuge supérstite ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão, considerando, em conjunto, apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum ou monte-mor”.

Nesse sentido, não importa que os bens atribuídos à requerente não ultrapassem sua meação ou que tenha havido compensação com outros bens partilhados, sem que quaisquer das partes tenha sido beneficiada na partilha. Isso não dispensa a requerente de comprovar à serventia imobiliária o recolhimento do tributo decorrente da transmissão de bens imóveis por ato oneroso que exceda o valor que corresponderia à respectiva meação.

De outra parte, não é cabível analisar, no âmbito restrito da dúvida, a constitucionalidade da legislação municipal, considerando-se que as atribuições do Conselho Superior da Magistratura têm natureza administrativa, não jurisdicional.

Destacam-se os seguintes precedentes em situações semelhantes:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. ITBI. EXCESSO DE MEAÇÃO EM FAVOR DA APELANTE. LEGISLAÇÃO MUNICIPAL QUE APENAS CONSIDERA OS BENS IMÓVEIS PARA FINS DE PARTILHA E INCIDÊNCIA DE ITBI. IMPOSSIBILIDADE DO EXAME DE CONSTITUCIONALIDADE DA LEI MUNICIPAL EM SEDE DE QUALIFICAÇÃO REGISTRAL OU DE RECURSO ADMINISTRATIVO. CABIMENTO DA DISCUSSÃO DA QUESTÃO EM AÇÃO JURISDICIONAL OU RECOLHIMENTO DO IMPOSTO RECURSO NÃO PROVIDO.

(…)

A atividade registral e as atribuições deste C. Conselho Superior da Magistratura têm natureza administrativa, razão pela qual, tal como no presente feito, não é cabível o exame da constitucionalidade da legislação municipal, cabendo aos interessados, se assim entenderem conveniente, a propositura de ação jurisdicional para discussão dessa questão. Note-se que os entendimentos jurisprudenciais relacionados no recurso administrativo são todos de órgãos jurisdicionais.(…) (Apelação Cível n.º 1043473-49.2019.8.26.0100; j. 1/11/201; REL. DES. PINHEIRO FRANCO).

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida julgada procedente. Partilha realizada em ação de divórcio. Imposto de transmissão ‘inter vivos’. Apartamento e vaga de garagem atribuídos para a apelante. Partilha desigual, com previsão de pagamento de quantia em dinheiro, ao divorciando, para a reposição do valor correspondente à sua meação na totalidade dos bens comuns. Necessidade de comprovação da declaração e do recolhimento do imposto de transmissão ‘inter vivos’, ou de decisão judicial em que reconhecida a sua não incidência. Recurso não provido” (Apelação Cível n.º 1067171-21.2018.8.26.0100, j. 26/2/2019, REL. DES. PINHEIRO FRANCO).

Enfim, configurada a hipótese de incidência descrita na lei municipal em referência e sendo da incumbência do registrador a fiscalização do pagamento do imposto de transmissão dos bens imóveis por força dos atos que lhe forem apresentados em razão do ofício (itens 117 e 117.1 do Capítulo XX do Tomo II das NSCGJ), sob pena, inclusive, de ser responsabilizado solidariamente no pagamento do tributo (art. 134, IV, do Código Tributário Nacional), a dúvida era mesmo procedente.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator. (DJe de 19.04.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Carta de adjudicação – Alienação forçada – Hipoteca e penhoras que não configuram impedimentos para registro do título – Impossibilidade de levantamento administrativo das constrições sem apresentação de título emanado da autoridade jurisdicional que as tenha determinado – Ordens de indisponibilidade de bens averbadas na matrícula desprovidas de força para obstaculizar a alienação forçada do bem imóvel e seu respectivo registro – Exigência de cadastramento individualizado do imóvel arrematado que não se sustenta – Óbices afastados – Adjudicação – Modo derivado de transmissão da propriedade – Indispensável recolhimento do ITBI – Entendimento do C. Conselho Superior da Magistratura – Óbice mantido – Apelação não provida.

Apelação nº 1002523-58.2020.8.26.0586

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1002523-58.2020.8.26.0586

Comarca: SÃO ROQUE

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1002523-58.2020.8.26.0586

Registro: 2023.0000130922

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1002523-58.2020.8.26.0586, da Comarca de São Roque, em que é apelante ASSOCIAÇÃO RESIDENCIAL ECOLÓGICA PATRIMÔNIO DO CARMO – AREPC, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO ROQUE.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL) E GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE).

São Paulo, 16 de fevereiro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1002523-58.2020.8.26.0586

APELANTE: Associação Residencial Ecológica Patrimônio do Carmo – Arepc

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Roque

VOTO Nº 38.922

Registro de imóveis – Carta de adjudicação – Alienação forçada – Hipoteca e penhoras que não configuram impedimentos para registro do título – Impossibilidade de levantamento administrativo das constrições sem apresentação de título emanado da autoridade jurisdicional que as tenha determinado – Ordens de indisponibilidade de bens averbadas na matrícula desprovidas de força para obstaculizar a alienação forçada do bem imóvel e seu respectivo registro – Exigência de cadastramento individualizado do imóvel arrematado que não se sustenta – Óbices afastados – Adjudicação – Modo derivado de transmissão da propriedade – Indispensável recolhimento do ITBI – Entendimento do C. Conselho Superior da Magistratura – Óbice mantido – Apelação não provida.

Trata-se de apelação interposta por Associação Residencial Ecológica Patrimônio do Carmo AREPC contra a r. Sentença, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoa Jurídica e Tabelião de Protesto de Letras e Títulos de São Roque, que manteve a recusa do registro da carta de adjudicação extraída dos autos da ação de cobrança, em fase de cumprimento da sentença (Processo nº 0002573-34.2002.8.26.0586/02, da 1ª Vara Cível da Comarca de São Roque), tendo por objeto o Lote nº 80, Quadra 07, Setor B, do Loteamento Patrimônio do Carmo, matriculado sob nº 3.721 junto à referida serventia extrajudicial (fls. 394/400).

Alega a apelante, em síntese, que o fato de não ter constado do título a prioridade da adjudicação em relação às demais constrições havidas sobre o imóvel não é suficiente para impedir o registro pretendido, pois ocorrida antes da alteração da norma administrativa que cuida do tema. Aduz que a indisponibilidade averbada não impede o registro da alienação forçada do bem, mas apenas da alienação voluntária, ressaltando que se trata de modo originário de aquisição de propriedade, ensejando o levantamento das restrições antes decretadas. Ainda, discorda da exigência de prévio recolhimento de ITBI, o que deverá ocorrer em momento oportuno, qual seja, somente a partir do registro do título, fato gerador do tributo.

Por fim, sustenta ser irrelevante a falta de cadastro individuado do imóvel perante a Municipalidade, pois individualizado, nos autos do processo em que expedida a Carta de Adjudicação, o valor do imóvel adjudicado que, inclusive, possui matrícula própria (fls. 406/434).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 464/467).

É o relatório.

Apresentada a registro a carta de adjudicação expedida nos autos do Processo nº 0002573-34.2002.8.26.0586/02, que tramitou perante a 1ª Vara Cível da Comarca de São Roque, desqualificou o título o Oficial de Registro de Imóveis, emitindo nota devolutiva com o seguinte teor (fls. 344/345):

(…) As indisponibilidades averbadas nos termos do Provimento CG 13/2012 e CNJ nº 39/2014 e na forma do § 1º, do art. 53, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, não impedem inscrição de constrições judiciais, assim como não impedem o registro da alienação judicial do imóvel desde que a alienação seja oriunda do juízo que determinou a indisponibilidade ou a que distribuído o inquérito civil público e a posterior ação desse decorrente, ou que consignado no título judicial a prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo ou autoridade administrativa a que foi dada ciência da execução (item 413 – Cap. XX – Provimento CG 58/89). Muito embora o requerimento de folhas 783/785 dos autos, onde é feito pedido de adjudicação do imóvel, informando a existência de penhora, hipoteca e indisponibilidade decorrente de execuções fiscais, não houve quaisquer esclarecimentos, nos autos, quanto a “prevalência da alienação judicial em relação a constrição oriunda de outro juízo e, assim, é imprescindível, se promova o prévio cancelamento das INDISPONIBILIDADES objetivadas pelas averbações nºs 9 e 10 da matrícula nº 3.721. A hipoteca objetivada pelo registro nº 5 e averbação nº 6 e a penhora averbada sob nº 8 não são óbice para o registro da adjudicação, entretanto, o cancelamento das constrições deve efetivar-se, na forma do art. 250, incisos I a III da Lei nº 6.015/1973, ou seja, em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado, a requerimento unânime das partes que tenham participado do ato registrado, se capazes, com as firmas reconhecidas por tabelião ou, a requerimento da interessada, instruído com documento hábil. Do item “3 – COMPLEMENTAÇÃO”, do “LAUDO COMPLEMENTAR” de folhas 819/822 dos autos, consta que “Para a devida complementação, faz-se necessário destacar que o imóvel se compõe de duas matriculas de imóveis justapostos, existindo construído, sobre eles, uma edificação em bloco único, que se assenta sobre ambos”. Entretanto, a Certidão de Valor de Referência nº 096/2020, refere-se a dois lotes distintos com superfície de 3.083,50m2 e 950,80m2 de área construída, sob único número de inscrição cadastral municipal. Segundo o princípio da unitariedade da matrícula, a cada imóvel deve ter matrícula própria e inscrição imobiliária municipal (art. 176, parágrafo 1°, inciso I da Lei nº 6.015/1973) e, sendo assim somente com a comprovação de cadastramento individualizado do lote 80, Quadra 7, Setor B, do Lot. Patrimônio do Carmo, imóvel da matrícula nº 3.721, se poderá efetivar o registro de adjudicação. Não foi comprovado o pagamento do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), relativo à adjudicação instrumentada no r. título. Segundo o art. 2º, inciso V da Lei Complementar Municipal nº 23/2003, estão compreendidos na incidência do imposto a arrematação, a adjudicação e a remição, nem tão pouco foi apresentado documento municipal, comprovando imunidade ou não incidência (Decreto nº 8.106/2014).

Importa lembrar, desde logo, que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme o disposto no item 117, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça. Este C. Conselho Superior da Magistratura tem decidido, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n° 413-6/7; Apelação Cível n° 0003968-52.2014.8.26.0453).

A certidão da matrícula nº 3.721 do Oficial do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoa Jurídica e Tabelião de Protesto de Letras e Títulos de São Roque (fls. 346/351) demonstra que o imóvel foi hipotecado em favor do Banco do Brasil S.A. (R. 5) e penhorado em ação de cobrança, em fase de execução, movida pela apelante (R. 7 e AV. 8). Posteriormente, foi averbada a indisponibilidade dos bens de Hugo Cordeiro Rosa, titular de domínio do imóvel (AV. 9 e AV. 10).

Como o próprio registrador reconhece, a “hipoteca objetivada pelo registro nº 5 e averbação nº 6 e a penhora averbada sob nº 8 não são óbice para o registro da adjudicação”. Ocorre que, a despeito de não haver obstáculo algum ao registro pretendido, é pacífica jurisprudência deste Colendo Conselho Superior da Magistratura, assim como da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, acerca da impossibilidade de cancelamento administrativo da hipoteca e das penhoras sem apresentação de título emanado da autoridade jurisdicional que as tenha determinado (nesse sentido: CSMSP – Apelação Cível: 0003288-37.2009.8.26.0358). Correto, portanto, o entendimento do Oficial de Registro, nesse particular.

Sobre as ordens de indisponibilidade, o item 413, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, dispõe:

“413. As indisponibilidades averbadas nos termos do Provimento CG. 13/2012 e CNJ nº 39/2014 e na forma do § 1º, do art. 53, da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, não impedem a inscrição de constrições judiciais, assim como não impedem o registro da alienação judicial do imóvel desde que a alienação seja oriunda do juízo que determinou a indisponibilidade, ou a que distribuído o inquérito civil público e a posterior ação desse decorrente, ou que consignado no título judicial a prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo ou autoridade administrativa a que foi dada ciência da execução.”

Referido dispositivo determina que as indisponibilidades averbadas não impedem a inscrição de constrições judiciais e o registro da alienação judicial do bem se a alienação for oriunda do Juízo que determinou a indisponibilidade ou se for consignado no título judicial a prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro Juízo ou autoridade administrativa a que foi dada ciência da execução.

No caso concreto, ao tempo da apresentação do título a registro, havia duas ordens de indisponibilidade de bens averbadas na matrícula nº 3.721 (AV. 9 e AV. 10), oriundas, respectivamente, de decisões proferidas nos autos do Processo nº 200561820571798 e do Processo nº 00160578420024036182 (fls. 349/351). A adjudicação, por sua vez, ocorreu nos autos do Processo nº 0002573-34.2002.8.26.0586/02, que tramitou perante a 1ª Vara Cível da Comarca de São Roque (fls. 149 e ss.).

E não há dúvidas de que se tratou de alienação forçada, uma vez que, na ação de cobrança, em fase de cumprimento da sentença, o pedido de adjudicação formulado pela exequente, ora apelante, foi deferido (fls. 194), com a consequente lavratura do auto e expedição da carta (fls. 210 e ss.). A propósito, cumpre lembrar que adjudicação consiste em “ato executivo de transferência forçada de bens, razão pela qual não fica impedida pela indisponibilidade cautelar, que se refere à disposição voluntária do bem.” (REsp 1493067/RJ, DJe 24/03/2017).

Sobre a prescindibilidade de previsão expressa, no título, da prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro Juízo, mostra-se bastante esclarecedor o trecho do voto proferido pelo então Corregedor Geral da Justiça e Relator da Apelação nº 1011373-65.2016.8.26.0320, no sentido de que:

“(…) apesar de o decreto de indisponibilidade advir de Juízo distinto daquele que providenciou a alienação forçada, é de se amainar a necessidade de que a carta de arrematação contenha expressa menção de prevalência da venda judicial. Deveras, a preferência da alienação judicial sobre eventuais decretos de indisponibilidade é ínsita à expedição da carta de arrematação ou de adjudicação. A finalidade precípua da carta é viabilizar o registro da venda forçada. Seria de todo incongruente que o Juízo em que efetuada a hasta pública expedisse carta de arrematação ou de adjudicação, se não fosse para que arrematante ou adjudicante pudesse levá-la a efetivo registro. Quando da ordem de expedição da carta de arrematação, o Juízo que providenciou a alienação já está afirmando, porque consequência imanente ao ato, que o respectivo registro há de ser efetuado, ainda que Juízo distinto tenha decretado a indisponibilidade do bem arrematado. Note-se que o registro não trará, em tese, prejuízo àquele cuja demanda tenha ensejado o decreto de indisponibilidade. O crédito que possui subroga-se no preço da arrematação, sem alteração alguma na ordem de preferência. Tampouco se olvide que o destinatário da determinação judicial de indisponibilidade é o próprio devedor. A ordem presta-se a obstar que o devedor, sponte propria, por alienação entre particulares, desfaça-se de seu patrimônio, furtando-se ao pagamento da dívida. Todavia, a ordem de indisponibilidade não impede a venda judicial do bem.”

No mesmo sentido:

REGISTRO DE IMÓVEIS Prévia anotação de indisponibilidade de bem imóvel. Registro de carta de adjudicação Possibilidade Alienação forçada Precedentes do Conselho Superior da Magistratura Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 0006122-61.2016.8.26.0198; Rel. DES. PEREIRA CALÇAS; Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Franco da Rocha – 1ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 20/07/2017; Data de Registro: 26/07/2017). REGISTRO DE IMÓVEIS CARTA DE ADJUDICAÇÃO ALIENAÇÃO FORÇADA INDISPONIBILIDADE DOS BENS DA EXECUTADA DESPROVIDA DE FORÇA PARA OBSTACULIZAR A ALIENAÇÃO FORÇADA DO BEM IMÓVEL E SEU RESPECTIVO REGISTRO APELAÇÃO A QUE SE DÁ PROVIMENTO, AFASTADO O ÓBICE REGISTRAL E REFORMADA A SENTENÇA. (TJSP; Apelação Cível 0004027-07.2019.8.26.0278; Rel. DES. FERNANDO TORRES GARCIA (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Itaquaquecetuba – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/09/2022; Data de Registro: 08/09/2022).

Daí porque deve ser afastada a exigência de que seja consignado, no título, a prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro Juízo.

Não se sustenta, igualmente, a exigência de cadastramento individualizado do lote 80, Quadra 7, setor B, objeto da matrícula nº 3.271, junto à Municipalidade, para ingresso, no fólio real, da Carta de Adjudicação.

Assim se afirma, pois a construção referida no laudo de avaliação apresentado nos autos do processo em que expedida a Carta de Adjudicação não está averbada na matrícula do imóvel adjudicado, sendo certo, ademais, que houve complementação do trabalho técnico realizado para individualização do bem descrito no auto de adjudicação (fls. 210) e seu respectivo valor (fls. 197/206).

Além disso, a apontada divergência na descrição do imóvel não se dá entre o título e a matrícula, mas entre esta e a certidão de cadastro imobiliário expedida pela Municipalidade (fls. 235). Tal dissonância não impede o registro pretendido, pois a descrição do imóvel trazida no título coincide com aquela lançada na matrícula. Sobre o tema, ensina Narciso Orlandi Neto que “as regras reunidas no princípio da especialidade impedem que sejam registrados títulos cujo objeto não seja exatamente aquele que consta do registro anterior, sendo necessário que a caracterização do objeto do negócio repita os elementos de descrição constantes do registro” (“Retificação do registro de imóveis”. São Paulo: Editora Oliveira Mendes, 1997, p. 68).

Destarte, observado o princípio da especialidade objetiva, não há como condicionar a inscrição almejada à prévia retificação do cadastro imobiliário Municipal, nos termos exigidos pelo Oficial de Registro.

Por fim, cumpre observar que, no caso concreto, não se discute a regularidade da base de cálculo para fins de recolhimento do imposto de transmissão, mas, sim, há verdadeira discordância, por parte da apelante, quanto à exigência de comprovar o efetivo pagamento do tributo devido.

Bem por isso, o último óbice apresentado pelo Oficial de Registro é mesmo instransponível.

Aos registradores compete exercer a fiscalização do regular pagamento dos tributos devidos por força dos atos que praticam, nos termos da regra trazida pelo artigo 289 da Lei nº 6.015/1973:

“Art. 289. No exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício.”

Além disso, o artigo 30 da Lei nº 8.935/1994 assim prevê:

Art. 30. São deveres dos notários e dos oficiais de registro: XI fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que devem praticar;

E não é só. Também o Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966) contém disposições prevendo a responsabilidade solidária do Registrador pelo cumprimento da obrigação tributária:

Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: VI os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I as pessoas referidas no artigo anterior;

Nesse cenário, considerando que a arrematação é forma derivada de aquisição de domínio, fruto de uma transmissão forçada de propriedade, é indispensável a comprovação do pagamento do imposto devido (ITBI), de sua não-incidência ou de isenção, inclusive para expedição da própria Carta de Adjudicação, na forma do art. 877 do Código de Processo Civil:

Art. 877. Transcorrido o prazo de 5 (cinco) dias, contado da última intimação, e decididas eventuais questões, o juiz ordenará a lavratura do auto de adjudicação. (…) § 2º A carta de adjudicação conterá a descrição do imóvel, com remissão à sua matrícula e aos seus registros, a cópia do auto de adjudicação e a prova de quitação do imposto de transmissão.

Sobre o tema, assim ficou decidido em recente acórdão deste Colendo Conselho Superior da Magistratura, na Apelação Cível nº 1020648-60.2019.8.26.0602:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de arrematação – Modo derivado de aquisição da propriedade – Observância do princípio da continuidade – Indispensável recolhimento do ITBI – Entendimento do Conselho Superior da Magistratura – Recurso não provido”. (TJSP; Rel. DES.RICARDO ANAFE (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Sorocaba – 7ª Vara Cível; Data do Julgamento: 28/04/2020; ).

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator. (DJe de 19.04.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Titular de domínio falecido – Inventário – Formal de partilha qualificado negativamente – Imóvel adquirido pelo autor da herança na condição de casado – Regime da comunhão de bens – Exigência de demonstração do destino da meação cabente à esposa – Impossibilidade da transmissão da totalidade do imóvel aos herdeiros do falecido – Ofensa ao princípio da continuidade registrária – Dúvida julgada procedente – Apelo não provido.

Apelação nº 1006789-97.2021.8.26.0604

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1006789-97.2021.8.26.0604

Comarca: SUMARÉ

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1006789-97.2021.8.26.0604

Registro: 2023.0000130976

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1006789-97.2021.8.26.0604, da Comarca de Sumaré, em que é apelante MARIA ANTONIA DE MORAIS PAES, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SUMARÉ.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL) E GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE).

São Paulo, 16 de fevereiro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1006789-97.2021.8.26.0604

APELANTE: Maria Antonia de Morais Paes

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Sumaré

VOTO Nº 38.919

Registro de imóveis – Titular de domínio falecido – Inventário – Formal de partilha qualificado negativamente – Imóvel adquirido pelo autor da herança na condição de casado – Regime da comunhão de bens – Exigência de demonstração do destino da meação cabente à esposa – Impossibilidade da transmissão da totalidade do imóvel aos herdeiros do falecido – Ofensa ao princípio da continuidade registrária – Dúvida julgada procedente – Apelo não provido.

Trata-se de apelação interposta por Maria Antonia de Morais Paes contra a r. sentença que manteve a recusa de registro de formal de partilha expedido nos autos da ação de inventário dos bens deixados pelo falecimento de João Montini (Processo nº 114.01.2005.012179-6), que tramitou perante a 3ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Campinas, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 57.775 junto ao Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Sumaré (fls. 350/351).

Alega a apelante, em síntese, que João Montini e Leila Maluf Montini, embora tenham se casado no regime da comunhão universal de bens, ajustaram, por ocasião de seu divórcio, não ser necessária a partilha do imóvel em questão, eis que adquirido quando já se encontravam separados de fato. Sustenta, assim, inexistir ofensa ao princípio da continuidade registrária, sobretudo porque houve concordância por parte de todos os herdeiros em relação ao quanto havia sido pactuado entre os excônjuges (fls. 358/361).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento da apelação (fls. 390/392).

É o relatório.

Pretende a apelante o registro de formal de partilha expedido nos autos da ação de inventário dos bens deixados pelo falecimento de João Montini (Processo nº 114.01.2005.012179-6), que tramitou perante a 3ª Vara da Família e Sucessões da Comarca de Campinas, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 57.775 junto ao Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Sumaré.

Os títulos judiciais, cumpre lembrar, não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real. E a qualificação negativa do título judicial não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial. No exercício desse dever, o Oficial encontrou óbices ao registro do formal de partilha que foi apresentado pela apelante, emitindo Nota de Devolução (fls. 02 e 289) em que exigida a apresentação do “formal de partilha do divórcio do casal JOÃO MONTINI e LEILA MALUF, para averiguar se houve a divisão do bem, continuando o acervo patrimonial em sua totalidade à disposição de JOÃO MONTINI, a fim de preservar o princípio da continuidade e a segurança jurídica.”

No caso, consta do formal de partilha dos bens deixados pelo falecido João Montini que o imóvel em questão passará a pertencer na proporção de 50% à herdeira testamentária Maria de Lourdes Pena Montini, que fora casada em segundas núpcias com o de cujus, sob o regime da separação obrigatória de bens, e 50% aos herdeiros filhos, Marynez Montini Antunes, Ricardo Montini e Ronaldo Montini.

Ocorre que, da análise da matrícula nº 57.775 e dos demais documentos apresentados, verifica-se que João Montini adquiriu o imóvel no estado civil de casado com Leila Maluf Montini, sob o regime da comunhão total de bens (fls. 84). Ainda, as cópias extraídas dos autos da ação de divórcio do casal (Processo nº 0002010-88.1999.8.26.0604) confirmam que referido imóvel não foi partilhado.

Destarte, considerando que, por ocasião do divórcio de João Montini e Leila Maluf Montini, nada foi deliberado sobre a partilha do imóvel e que, até o presente momento, não foi averbado o divórcio do casal, mostra-se correta a exigência formulada pelo registrador.

É que sem a prova de que a totalidade do imóvel pertencia a João Montini, à época de seu falecimento, torna-se inviável o registro do formal de partilha, nos termos em que apresentado, sob pena de ofensa ao princípio da continuidade registral. Com efeito, a sucessão causa mortis não permite a transmissão da totalidade do imóvel por quem não ostenta a condição de proprietário exclusivo do bem, mas, sim, de comunheiro por força do regime de bens do casamento.

Em atenção ao princípio do trato consecutivo (ou da continuidade), como regra geral só se admite a inscrição (registro stricto sensu ou averbação – Lei nº 6.015, artigo 167, incisos I e II) “daqueles actos de disposição em que o disponente coincide com o titular do direito segundo o registro” (Carlos Ferreira de Almeida, apud Ricardo Dip, Registros sobre Registros, n.º 208).

Assim dispõe a Lei nº 6.015/1973:

“Art. 195 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.”

“Art. 237 – Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.”

A respeito, esclarece Afrânio de Carvalho: “O princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subseqüente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público” (“Registro de Imóveis”, 4ª edição, 1998, Ed. Forense, p. 253).

Como se vê, em atenção ao princípio da continuidade registral, para que o título ingresse no fólio real é preciso que esteja amparado no registro anterior, tanto em seus aspectos subjetivos como objetivos.

E como já mencionado, no presente caso, não é possível registrar o formal de partilha da integralidade do imóvel aos herdeiros de João Montini sem que seja informado o destino dado à meação de Leila Maluf Montini. A alegação de que o imóvel foi adquirido por João Montini quando dela já estava separado de fato não foi objeto de reconhecimento judicial específico em ação própria, com a participação de todos os interessados, razão pela qual não tem o condão de afastar a qualificação do título pelo Oficial de Registro.

Em hipótese semelhante, já ficou decidido que:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente, impedindo-se o registro do formal de partilha – Bem imóvel que foi adquirido pelo autor da herança na condição de casado – Necessidade de demonstração do destino dado à cota parte da esposa, que faleceu precedentemente – Sentença homologatória de partilha que não implica reconhecimento tácito de separação de fato do ora de cujus e subsequente união estável com outra pessoa – Imperiosa observação do princípio da continuidade registrária – Apelação não provida.” (TJSP; Apelação Cível 1064774-81.2021.8.26.0100; Rel. DES. FERNANDO TORRES GARCIA (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Julg.: 03/06/2022).

Portanto, tal como apresentado, o título não preenche o requisito da continuidade, que é essencial para o seu registro.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator. (DJe de 19.04.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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