CSM/SP: Registro de imóveis – Titular de domínio falecido – Inventário – Formal de partilha qualificado negativamente – Imóvel adquirido pelo autor da herança na condição de casado – Regime da comunhão de bens – Exigência de demonstração do destino da meação cabente à esposa – Impossibilidade da transmissão da totalidade do imóvel aos herdeiros do falecido – Ofensa ao princípio da continuidade registrária – Dúvida julgada procedente – Apelo não provido.


  
 

Apelação nº 1006789-97.2021.8.26.0604

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1006789-97.2021.8.26.0604

Comarca: SUMARÉ

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1006789-97.2021.8.26.0604

Registro: 2023.0000130976

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1006789-97.2021.8.26.0604, da Comarca de Sumaré, em que é apelante MARIA ANTONIA DE MORAIS PAES, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SUMARÉ.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL) E GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE).

São Paulo, 16 de fevereiro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1006789-97.2021.8.26.0604

APELANTE: Maria Antonia de Morais Paes

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Sumaré

VOTO Nº 38.919

Registro de imóveis – Titular de domínio falecido – Inventário – Formal de partilha qualificado negativamente – Imóvel adquirido pelo autor da herança na condição de casado – Regime da comunhão de bens – Exigência de demonstração do destino da meação cabente à esposa – Impossibilidade da transmissão da totalidade do imóvel aos herdeiros do falecido – Ofensa ao princípio da continuidade registrária – Dúvida julgada procedente – Apelo não provido.

Trata-se de apelação interposta por Maria Antonia de Morais Paes contra a r. sentença que manteve a recusa de registro de formal de partilha expedido nos autos da ação de inventário dos bens deixados pelo falecimento de João Montini (Processo nº 114.01.2005.012179-6), que tramitou perante a 3ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Campinas, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 57.775 junto ao Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Sumaré (fls. 350/351).

Alega a apelante, em síntese, que João Montini e Leila Maluf Montini, embora tenham se casado no regime da comunhão universal de bens, ajustaram, por ocasião de seu divórcio, não ser necessária a partilha do imóvel em questão, eis que adquirido quando já se encontravam separados de fato. Sustenta, assim, inexistir ofensa ao princípio da continuidade registrária, sobretudo porque houve concordância por parte de todos os herdeiros em relação ao quanto havia sido pactuado entre os excônjuges (fls. 358/361).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento da apelação (fls. 390/392).

É o relatório.

Pretende a apelante o registro de formal de partilha expedido nos autos da ação de inventário dos bens deixados pelo falecimento de João Montini (Processo nº 114.01.2005.012179-6), que tramitou perante a 3ª Vara da Família e Sucessões da Comarca de Campinas, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 57.775 junto ao Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Sumaré.

Os títulos judiciais, cumpre lembrar, não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real. E a qualificação negativa do título judicial não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial. No exercício desse dever, o Oficial encontrou óbices ao registro do formal de partilha que foi apresentado pela apelante, emitindo Nota de Devolução (fls. 02 e 289) em que exigida a apresentação do “formal de partilha do divórcio do casal JOÃO MONTINI e LEILA MALUF, para averiguar se houve a divisão do bem, continuando o acervo patrimonial em sua totalidade à disposição de JOÃO MONTINI, a fim de preservar o princípio da continuidade e a segurança jurídica.”

No caso, consta do formal de partilha dos bens deixados pelo falecido João Montini que o imóvel em questão passará a pertencer na proporção de 50% à herdeira testamentária Maria de Lourdes Pena Montini, que fora casada em segundas núpcias com o de cujus, sob o regime da separação obrigatória de bens, e 50% aos herdeiros filhos, Marynez Montini Antunes, Ricardo Montini e Ronaldo Montini.

Ocorre que, da análise da matrícula nº 57.775 e dos demais documentos apresentados, verifica-se que João Montini adquiriu o imóvel no estado civil de casado com Leila Maluf Montini, sob o regime da comunhão total de bens (fls. 84). Ainda, as cópias extraídas dos autos da ação de divórcio do casal (Processo nº 0002010-88.1999.8.26.0604) confirmam que referido imóvel não foi partilhado.

Destarte, considerando que, por ocasião do divórcio de João Montini e Leila Maluf Montini, nada foi deliberado sobre a partilha do imóvel e que, até o presente momento, não foi averbado o divórcio do casal, mostra-se correta a exigência formulada pelo registrador.

É que sem a prova de que a totalidade do imóvel pertencia a João Montini, à época de seu falecimento, torna-se inviável o registro do formal de partilha, nos termos em que apresentado, sob pena de ofensa ao princípio da continuidade registral. Com efeito, a sucessão causa mortis não permite a transmissão da totalidade do imóvel por quem não ostenta a condição de proprietário exclusivo do bem, mas, sim, de comunheiro por força do regime de bens do casamento.

Em atenção ao princípio do trato consecutivo (ou da continuidade), como regra geral só se admite a inscrição (registro stricto sensu ou averbação – Lei nº 6.015, artigo 167, incisos I e II) “daqueles actos de disposição em que o disponente coincide com o titular do direito segundo o registro” (Carlos Ferreira de Almeida, apud Ricardo Dip, Registros sobre Registros, n.º 208).

Assim dispõe a Lei nº 6.015/1973:

“Art. 195 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.”

“Art. 237 – Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.”

A respeito, esclarece Afrânio de Carvalho: “O princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subseqüente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público” (“Registro de Imóveis”, 4ª edição, 1998, Ed. Forense, p. 253).

Como se vê, em atenção ao princípio da continuidade registral, para que o título ingresse no fólio real é preciso que esteja amparado no registro anterior, tanto em seus aspectos subjetivos como objetivos.

E como já mencionado, no presente caso, não é possível registrar o formal de partilha da integralidade do imóvel aos herdeiros de João Montini sem que seja informado o destino dado à meação de Leila Maluf Montini. A alegação de que o imóvel foi adquirido por João Montini quando dela já estava separado de fato não foi objeto de reconhecimento judicial específico em ação própria, com a participação de todos os interessados, razão pela qual não tem o condão de afastar a qualificação do título pelo Oficial de Registro.

Em hipótese semelhante, já ficou decidido que:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente, impedindo-se o registro do formal de partilha – Bem imóvel que foi adquirido pelo autor da herança na condição de casado – Necessidade de demonstração do destino dado à cota parte da esposa, que faleceu precedentemente – Sentença homologatória de partilha que não implica reconhecimento tácito de separação de fato do ora de cujus e subsequente união estável com outra pessoa – Imperiosa observação do princípio da continuidade registrária – Apelação não provida.” (TJSP; Apelação Cível 1064774-81.2021.8.26.0100; Rel. DES. FERNANDO TORRES GARCIA (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Julg.: 03/06/2022).

Portanto, tal como apresentado, o título não preenche o requisito da continuidade, que é essencial para o seu registro.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator. (DJe de 19.04.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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