CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Apelação – Escritura de divórcio e partilha – Excesso de meação – Atribuição do imóvel apenas à divorcianda – Valor excedente da meação pago com outros bens do acervo comum – Pertinência da exigência – Legislação municipal que considera tão somente os bens imóveis para fins de partilha e incidência de ITBI – impossibilidade do exame de constitucionalidade da lei municipal na qualificação registral ou no recurso administrativo – ITBI devido – Dever dos registradores imobiliários de exigir a comprovação do recolhimento do ITBI para registro da transferência da titularidade dominial – Apelo não provido.


  
 

Apelação nº 1027114-19.2022.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1027114-19.2022.8.26.0100

Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1027114-19.2022.8.26.0100

Registro: 2023.0000131024

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 1027114-19.2022.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante MÁRCIA ROCHA PACHECO, é apelado 10º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v. u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL) E GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE).

São Paulo, 16 de fevereiro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1027114-19.2022.8.26.0100

APELANTE: MÁRCIA ROCHA PACHECO

APELADO: 10º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL

VOTO Nº 38.901

Registro de imóveis – Dúvida – Apelação – Escritura de divórcio e partilha – Excesso de meação – Atribuição do imóvel apenas à divorcianda – Valor excedente da meação pago com outros bens do acervo comum – Pertinência da exigência – Legislação municipal que considera tão somente os bens imóveis para fins de partilha e incidência de ITBI – impossibilidade do exame de constitucionalidade da lei municipal na qualificação registral ou no recurso administrativo – ITBI devido – Dever dos registradores imobiliários de exigir a comprovação do recolhimento do ITBI para registro da transferência da titularidade dominial – Apelo não provido.

Trata-se de apelação interposta por MÁRCIA ROCHA PACHECO contra a r. sentença (fls. 45/48) que julgou procedente a dúvida inversa suscitada, mantendo a recusa do 10º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital ao registro da escritura de divórcio e partilha de bens lavrada em 25/02/2021, pelo 16º Tabelião de Notas da Capital, no Livro nº 4.987, páginas 261/268, envolvendo o imóvel de matrícula nº 140.465 daquela Serventia, em face da ausência de recolhimento do ITBI, uma vez que a atribuição do imóvel à parte suscitante importou partilha desigual.

Alega a apelante, em resumo, que os bens atribuídos não ultrapassam sua meação; que houve partilha igualitária dos bens de modo que, ao final, cada um dos ex-cônjuges recebeu quantia idêntica; que houve compensação com outros bens partilhados; que nenhuma parte foi beneficiada na partilha; e que a pretensão tem amparo jurisprudencial.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 79/80).

É o relatório.

Em 25 de fevereiro de 2021, a autora e seu então marido divorciaram-se mediante escritura pública lavrada no 16º Tabelião de Notas da Capital do Estado de São Paulo, no Livro 4.987, páginas 261 a 268, quando realizaram a partilha do patrimônio comum (fls. 10/15).

Os bens partilhados consistiram em um único imóvel e outros bens móveis, sendo certo que os quinhões foram iguais, considerados os valores indicados aos bens (item 11, fls. 13).

No entanto, o imóvel foi atribuído unicamente à excônjuge, ora apelante, como se vê do item 11.2, alínea (iii), fls. 13.

Apresentada a escritura pública em apreço ao 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, sobreveio a prenotação n.º 545.391, e a devolução com a seguinte exigência (fls. 33/34):

“1 – Conforme se verifica, a partilha do imóvel que integrava o patrimônio do casal ficou caracterizada pelo “excesso de meação” em favor de Márcia, razão pela qual há incidência do imposto de transmissão – ITBI, nos termos da legislação do Município de São Paulo (Lei n. 11.154/91 e Decreto n. 55.196/2014).

Nesse sentido, é necessário que seja recolhido e apresentado o respectivo comprovante do pagamento do ITBI (se cópia, autenticada) incidente sobre o valor do imóvel, que excede a meação de Márcia.

A Lei Municipal nº 11.154/1991 e o anexo único do Dec. Municipal nº 55.196/2014) dispõem que:

Art. 2º – Estão compreendidos na incidência do Imposto:

(…)

VI – ‘o valor dos imóveis que, na divisão de patrimônio comum ou partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges separados ou divorciados, ao cônjuge supérstite ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão, considerados, em conjunto, apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum ou monte-mor‘”. (grifo nosso)

Esta a controvérsia.

Com efeito, a Constituição Federal atribui aos Municípios a competência para instituir impostos sobre a transmissão

inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição (art. 156, II).

Com esse contorno constitucional é que deve ser considerado o disposto no artigo 35, II, do Código Tributário Nacional, quando também faz menção à incidência de imposto sobre a transmissão de bens imóveis e direitos a eles relativos, que, à época da sua edição, era de competência dos Estados.

Conclui-se, então, competir aos Municípios dispor sobre o imposto de transmissão de bens imóveis e direitos a eles relativos que se dá por ato oneroso, tais como a compra e venda, a permuta ou a dação em pagamento.

O Município de São Paulo exerceu referida competência por meio da Lei Municipal nº 11.154/1991, cujo inciso VI, do artigo 2º, conforme a redação dada pela Lei n.º 13.402/2002, assim dispõe:

“Art.2º – Estão compreendidos na incidência do imposto:

(…)

VI – o valor dos imóveis que, na divisão de patrimônio comum ou na partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges separados ou divorciados, ao cônjuge supérstite ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão, considerando, em conjunto, apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum ou monte-mor (Redação dada pela Lei nº 13.402/2002)”.

Como esclarece Antonio Herance Filho (ITBI e ITCMD nas escrituras públicas: principais questõesin Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida et alii, Direito Notarial e Registral Avançado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 178):

“No Município de São Paulo, por exemplo, com fulcro no inc. VI do art. 130 do Dec. 52.703/2011, está definido que a alíquota do tributo incide sobre: ‘o valor dos imóveis que, na divisão de patrimônio comum ou na partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges separados ou divorciados, ao cônjuge supérstite ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão, considerando, em conjunto, apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum ou Montemor’.

Embora haja flagrante desrespeito ao conceito dado pelo Direito Privado, que o patrimônio comum constitui universalidade indivisa de bens, o notário, bem assim o registrador, em razão do princípio da legalidade estrita e da responsabilidade tributária, deve exigir a prova de quitação do tributo municipal conforme estiver previsto na lei de situação do(s) imóvel(is)”.

Na espécie, o registro pretendido é da escritura de partilha do imóvel comum, cuja propriedade foi atribuída exclusivamente à ex-cônjuge.

Enquadra-se a situação concreta exatamente à hipótese de incidência do ITBI prevista no artigo 2º, VI, da Lei Municipal em referência, qual seja, “o valor dos imóveis que, na divisão de patrimônio comum ou na partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges separados ou divorciados, ao cônjuge supérstite ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão, considerando, em conjunto, apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum ou monte-mor”.

Nesse sentido, não importa que os bens atribuídos à requerente não ultrapassem sua meação ou que tenha havido compensação com outros bens partilhados, sem que quaisquer das partes tenha sido beneficiada na partilha. Isso não dispensa a requerente de comprovar à serventia imobiliária o recolhimento do tributo decorrente da transmissão de bens imóveis por ato oneroso que exceda o valor que corresponderia à respectiva meação.

De outra parte, não é cabível analisar, no âmbito restrito da dúvida, a constitucionalidade da legislação municipal, considerando-se que as atribuições do Conselho Superior da Magistratura têm natureza administrativa, não jurisdicional.

Destacam-se os seguintes precedentes em situações semelhantes:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. ITBI. EXCESSO DE MEAÇÃO EM FAVOR DA APELANTE. LEGISLAÇÃO MUNICIPAL QUE APENAS CONSIDERA OS BENS IMÓVEIS PARA FINS DE PARTILHA E INCIDÊNCIA DE ITBI. IMPOSSIBILIDADE DO EXAME DE CONSTITUCIONALIDADE DA LEI MUNICIPAL EM SEDE DE QUALIFICAÇÃO REGISTRAL OU DE RECURSO ADMINISTRATIVO. CABIMENTO DA DISCUSSÃO DA QUESTÃO EM AÇÃO JURISDICIONAL OU RECOLHIMENTO DO IMPOSTO RECURSO NÃO PROVIDO.

(…)

A atividade registral e as atribuições deste C. Conselho Superior da Magistratura têm natureza administrativa, razão pela qual, tal como no presente feito, não é cabível o exame da constitucionalidade da legislação municipal, cabendo aos interessados, se assim entenderem conveniente, a propositura de ação jurisdicional para discussão dessa questão. Note-se que os entendimentos jurisprudenciais relacionados no recurso administrativo são todos de órgãos jurisdicionais.(…) (Apelação Cível n.º 1043473-49.2019.8.26.0100; j. 1/11/201; REL. DES. PINHEIRO FRANCO).

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida julgada procedente. Partilha realizada em ação de divórcio. Imposto de transmissão ‘inter vivos’. Apartamento e vaga de garagem atribuídos para a apelante. Partilha desigual, com previsão de pagamento de quantia em dinheiro, ao divorciando, para a reposição do valor correspondente à sua meação na totalidade dos bens comuns. Necessidade de comprovação da declaração e do recolhimento do imposto de transmissão ‘inter vivos’, ou de decisão judicial em que reconhecida a sua não incidência. Recurso não provido” (Apelação Cível n.º 1067171-21.2018.8.26.0100, j. 26/2/2019, REL. DES. PINHEIRO FRANCO).

Enfim, configurada a hipótese de incidência descrita na lei municipal em referência e sendo da incumbência do registrador a fiscalização do pagamento do imposto de transmissão dos bens imóveis por força dos atos que lhe forem apresentados em razão do ofício (itens 117 e 117.1 do Capítulo XX do Tomo II das NSCGJ), sob pena, inclusive, de ser responsabilizado solidariamente no pagamento do tributo (art. 134, IV, do Código Tributário Nacional), a dúvida era mesmo procedente.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator. (DJe de 19.04.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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