STF invalida uso da tese da legítima defesa da honra em casos de feminicídio.


  
 

Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal – STF considerou inconstitucional o uso da tese da legítima defesa da honra em casos de feminicídio. O julgamento da matéria, objeto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 779, ajuizado pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT, foi concluído na sessão de terça-feira, 1º de agosto.

A Corte já havia formado maioria contra a tese em junho. Os ministros acompanharam o voto do relator do caso, ministro Dias Toffoli, que afirmou ser “límpido” que tal argumento não é tecnicamente legítima defesa e não encontra amparo ou ressonância no ordenamento jurídico.

“A chamada legítima defesa da honra corresponde, na realidade, a recurso argumentativo-retórico odioso, desumano e cruel utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio ou agressões contra a mulher para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões, contribuindo imensamente para a naturalização e a perpetuação da cultura de violência contra as mulheres no Brasil”, diz um trecho do voto do relator.

Leia mais: STF vota inconstitucionalidade do uso da tese da legítima defesa da honra em casos de feminicídio

Na sessão que determinou a inconstitucionalidade da tese, votaram as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber, atual presidente do STF.

Ao proferir o voto, Weber afirmou que a tese da legítima defesa da honra traduz a expressão de uma sociedade “patriarcal, arcaica e autoritária”.

“Não há espaço no contexto de uma sociedade democrática, livre, justa e solidária, fundada no primado da dignidade da pessoa humana, para a restauração de costumes medievais e desumanos do passado, pelos quais tantas mulheres foram vítimas da violência e do abuso por causa de uma ideologia patriarcal fundada no pressuposto da superioridade masculina”, afirmou.

Para Cármen Lúcia, é um bom momento para que o Judiciário retire do cenário jurídico a “possibilidade de se ter como aceita a morte provocada por um homem, sem pena alguma”.

“A jurisprudência há de se fazer coerente com o tempo em que vivemos. Um tempo de dignidade humana descrita constitucionalmente, mas de indignidades desumanas que prevalecem, especialmente contra alguns grupos”, disse.

O que muda?

A tese da legítima defesa da honra era utilizada em casos de feminicídio ou agressões contra mulher para justificar o comportamento do acusado. O argumento era de que o assassinato ou a agressão eram aceitáveis quando a conduta da vítima supostamente ferisse a honra do agressor.

De acordo com a decisão, dispositivos do Código Penal e do Código de Processo Penal sobre a matéria devem ser interpretados de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa.

Por consequência, a defesa, a acusação, a autoridade policial e o Juízo não podem utilizar, direta ou indiretamente, qualquer argumento que induza à tese nas fases pré-processual ou processual penal nem durante o julgamento do Tribunal do Júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.

O STF considerou, ainda, que, se invocarem a tese com a intenção de gerar nulidade, os advogados não poderão pedir novo julgamento do Júri.

Por fim, a Corte também entendeu que a anulação de absolvição fundada em quesito genérico quando, de algum modo, implicar a restauração da tese da legítima defesa da honra não fere a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri.

Decisão definitiva

O advogado Paulo Iotti, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM e responsável por redigir a ação em nome do PDT, explica que, na prática, a decisão do STF confirma a liminar que a Corte tinha dado em 2021, sobre o mesmo tema.

“Então, o que muda é que agora a decisão é definitiva, então inquestionável. A de 2021 já era de obrigatório cumprimento e creio que ninguém duvidava que o STF confirmaria a decisão. Mas é importante porque reafirma o compromisso do Tribunal contra o feminicídio”, afirma.

Segundo ele, a decisão permite que uma condenação fundamentada por meio da tese de legítima defesa da honra poderá ser anulada por recurso contra decisão manifestamente contrária às provas dos autos.

“Essa apelação cabe se a absolvição só for justificada pela lógica desumanizante da ‘legítima defesa da honra’, que trata a mulher como uma ‘coisa’ de propriedade do homem, pois traição afetiva não permite homicídio, como devia ser evidente”, comenta.

“Importante dizer que o júri decide com base naquilo que acusação e defesa alegam, por isso a lei diz que as teses de acusação e defesa devem ficar na ata de julgamento. Daí esse recurso de apelação para o Tribunal poder ver se a decisão se justifica minimamente com o que foi alegado e provado no processo”, acrescenta o advogado.

Dignidade

A advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, assinou a inicial da peça e comenta o desfecho do julgamento: “A tese da legítima defesa da honra estava sepultada há muito tempo e, de uma maneira surpreendente, voltou a ser invocada e acolhida pela Justiça, o que suscitou a necessidade de se propor uma ação perante o STF para reconhecer a sua inconstitucionalidade. Uma ação como essa busca resgatar a dignidade das mulheres e, agora, de uma vez por todas, esta absurda alegação de que a honra do homem está condicionada ao dever de fidelidade da mulher não pode prevalecer para a absolvição em caso de feminicídio”.

Fonte: Instituto Brasileiro de Direito de Família.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.