1VRP/SP: Registro de Imóveis. Impossibilidade de averbação de pedido de retificação por não conter em seu bojo a porcentagem real referente a proporcionalidade dominial, pertencente a cada um dos participantes na aquisição do imóvel.

Processo 1168944-36.2023.8.26.0100

Pedido de Providências – Registro de Imóveis – Veronica Bernardo Braz – – Carlos Alexandre Braz – Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de providências formulado por Veronica Bernardo Braz e Carlos Alexandre Braz . Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.I.C. – ADV: GUIOMAR MIRANDA (OAB 42955/SP), GUIOMAR MIRANDA (OAB 42955/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA-

Processo nº: 1168944-36.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Pedido de Providências – Registro de Imóveis

Requerente: Veronica Bernardo Braz e outro

Requerido: 6º Oficial de Registro de Imóveis

Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta

Vistos.

Trata-se de pedido de providências formulado por Veronica Bernardo Braz e Carlos Alexandre Braz em face do Oficial do 6º Registro de Imóveis da Capital, pleiteando a retificação administrativa com intuito de fazer constar do registro o percentual que caberia a cada um dos adquirentes, com base nos recursos utilizados na aquisição do imóvel registrada sob o nº 17 na matrícula nº 12.074, daquela serventia.

Alegam que o “pedido de retificação, se baseia no fato concreto, da falha ocorrida na matrícula nº 12.074, do 6º CRI, por não conter em seu bojo a porcentagem real referente a proporcionalidade dominial, pertencente a cada um dos participantes na aquisição do imóvel. Através e firmadas nas bases dos recursos financeiros utilizados por cada um dos participantes para tal finalidade. Pois sendo esse imóvel indivisível; mister que haja em sua descrição técnica o tocante a porcentagem real pertencente a cada adquirente, e não da forma que ocorreu no texto escritural elaborado pela Caixa”. Sustentam que os requerentes efetuaram o pagamento em conjunto com recursos próprios no importe de R$207.650,07, o que corresponde ao percentual de 73,4% do preço pago, e que Gilberto Bernardo, irmão de Verônica, realizou o pagamento de R$54.849,93, originados de seu saldo no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, equivalente a 26,4% do preço.

Com a inicial, vieram documentos (fls. 08/21). Emenda à inicial (fls. 23/27).

O Oficial se manifestou às fls. 30/34, sustentando a impossibilidade da retificação pretendida, uma vez que o vício alegado está no título e não no registro, podendo, eventualmente, ser incluída a informação por meio de instrumento de retificação e ratificação, respeitadas as solenidades legais. Apontou, ainda, equívoco nos cálculos dos percentuais indicados que não totalizam 100% do preço pago.

O Ministério Público opinou pelo indeferimento do pedido (fls. 82/84).

É o relatório.

FUNDAMENTO e DECIDO.

No mérito, o pedido é improcedente.

Como bem salientado pelo Oficial, o registro nº 17 da matrícula nº 12.074, realizado em 20 de maio de 2019 (fls. 16), espelha fielmente o instrumento particular com força de escritura pública então apresentado (fls. 64/70), no qual consta como compradores Verônica Bernardo Braz, seu cônjuge Carlos Alexandre Braz e Gilberto Bernardo, sem qualquer ressalva acerca da alegada vinculação de recursos dos compradores de forma individualizada ou dos percentuais indicados.

Neste sentido, veja-se que a Cláusula B.2 do contrato de venda e compra de imóvel, ao tratar do valor da venda e compra e composição dos recursos, assim dispôs (fls. 65):

B2 – Valor de Venda e Compra e Composição dos Recursos:

O valor destinado ao pagamento da venda e compra do imóvel objeto deste contrato é de R$ 262.500,00 (duzentos e sessenta e dois mil, quinhentos reais), composto pela integralização dos valores abaixo:

Recursos próprios – R$ 207.650,07

Recursos da conta vinculada do FGTS – R$ 54.849,93

Assim, no título não consta qualquer informação acerca da alegada vinculação de recursos dos compradores de forma individualizada.

Logo, a alteração pretendida resultaria em alteração da titularidade do imóvel, o que não se pode admitir como simples retificação, já que os elementos trazidos com a inicial demonstram que o suposto vício é intrínseco ao título.

Pelo princípio da legitimação (eficácia do registro), os vícios reconhecíveis pela via administrativa são apenas aqueles comprováveis de pleno direito que resultem de erros evidentes extrínsecos ao título, sem necessidade de exames de outros documentos ou fatos (artigos 214, caput, e 252 da Lei n. 6.015/73).

No que tange à retificação, ademais, de acordo com a Lei n. 13.484/2017, que regulamentou o artigo 110 da Lei de Registros Públicos:

“O oficial retificará o registro, a averbação ou a anotação, de ofício ou a requerimento do interessado, mediante petição assinada pelo interessado, representante legal ou procurador, independentemente de prévia autorização judicial ou manifestação do Ministério Público nos casos de:

I – erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção;

II – erro na transposição dos elementos constantes em ordens e mandados judiciais, termos ou requerimento, bem como outros titulos a serem registrados, averbados ou anotados, e o documento utilizado para a referida averbação e/ou retificação dicará arquivado no registro no cartório;

III – inexatidão da ordem cronológica e sucessiva referente à numeração do livro,da folha, da página, do termo, bem como da data do registro;

IV – ausência de indicação do Município relativo ao nascimento ou naturalidade do registrado, nas hipóteses em que existir descrição precisa do endereço do local do nascimento;

V – elevação de Distrito a Município ou alteração de suas nomenclaturas por força de lei”.

Nenhuma destas hipóteses se enquadra ao caso, pois estamos diante de vício intrínseco (do título), que deve ser reconhecido em processo cível, sendo o cancelamento do registro ou eventual averbação mera consequência, conforme determina o artigo 216 da referida lei.

Nesse mesmo sentido é a jurisprudência transcrita na inicial, que ressalta a necessidade de perfeita correspondência entre o registro e o título que o originou, que não pode ser corrigido se o erro identificado estiver no título causal.

Em termos diversos, o ato registral que se pretende modificar está formalmente perfeito pois adstrito ao título de origem. Assim, não comporta qualquer alteração.

Não é demais lembrar que este juízo possui competência administrativa e disciplinar e não pode analisar questões de direito material que envolvam o negócio jurídico, consoante reiterada jurisprudência da E. Corregedoria Geral de Justiça:

“NULIDADE DO REGISTRO. Artigo 214 da Lei de Registros Públicos. Nulidade do Registro (modo) e não do título. Somente é cabível na via administrativa o conhecimento de vício atinente à nulidade direta do registro e não do título (vício intrínseco). Nulidade do título somente é passível de conhecimento na via jurisdicional. Recurso não provido” (CGJ proc. n. 1050759-49.2017.8.26.0100, DJ 13.03.2018).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Registro de alienação fiduciária – Eventuais vícios do título que só podem prejudicar o registro, por via oblíqua, mediante atuação da jurisdição – Via administrativa inapropriada – Art. 214, da Lei n° 6.015/73, inaplicável – Recurso desprovido” (CGJ proc. n. 0006400-50.2013.8.26.0236, DJ 11/10/16).

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Pedido de Providências que visa cancelar ou retificar o registro. Inexistência de nulidade formal e extrínseca, relacionada exclusivamente ao registro. Inaplicabilidade do artigo 214 da Lei de Registros Públicos. Vício exclusivo do título, de natureza intrínseca. Hipótese que se enquadra no artigo 216 da Lei de Registros Públicos. Recurso não provido” (CGJ parecer n. 2015/76433, DJ 07/07/15).

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de providências formulado por Veronica Bernardo Braz e Carlos Alexandre Braz .

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo.

P.I.C.

São Paulo, 12 de janeiro de 2024.

Renata Pinto Lima Zanetta

Juíza de Direito (DJe de 16.01.2024)

Fonte: DJE/SP

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1VRP/SP: Registro de Imóveis. Há necessária de anuência do credor fiduciário na escritura pública de divórcio consensual.

Processo 1162493-92.2023.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Maria Lúcia Coronado – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.I.C. – ADV: LUCIANA DOMENICONI NERY FELIX DA SILVA (OAB 166564/SP), LUCIANA DOMENICONI NERY FELIX DA SILVA (OAB 166564/SP)

Íntegra da decisão: –

SENTENÇA

Processo nº: 1162493-92.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: Décimo Cartório de Registro de Imóveis

Suscitado: Ramiro Sanchez Palma e outro

Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Ramiro Sanchez Palma e Maria Lúcia Coronado, diante de negativa de registro de escritura pública de divórcio consensual com partilha de bens lavrada pelo 19º Tabelião de Notas da Capital, a qual teve por objeto o imóvel da matrícula nº 132.767 daquela serventia.

O Oficial informa que o imóvel objeto da matrícula 132.767 acha-se alienado fiduciariamente ao Banco do Brasil S/A e que a negativa foi motivada na exigência formulada em relação à necessária anuência do credor fiduciário. Aduz que para o registro da partilha dos direitos de fiduciante ora pretendido, a escritura deverá ser rerratificada para constar a anuência do credor fiduciário ou este deverá comparecer anuindo por termo em apartado.

Sustenta que o fato de ter ocorrido partilha igualitária entre os ex-cônjuges não afasta a exigência de anuência do credor fiduciário.

Em manifestação dirigida ao Oficial (fls. 10/13), a parte suscitada defende que não há que se falar em anuência do credor fiduciário, uma vez que a responsabilidade pelo pagamento do financiamento imobiliário que recai sobre o imóvel permanece inalterada, atingindo tanto Ramiro quanto Maria Lúcia, sem qualquer prejuízo à entidade bancária. Não apresentou impugnação, porém, em juízo (fls. 35).

O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 38/40).

É o relatório.

FUNDAMENTO e DECIDO.

De início, é importante ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei nº 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

De fato, no sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais.

Em outras palavras, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

É o que se extrai do item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ): “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

No mérito, a dúvida é procedente, pelos seguintes motivos.

Da leitura dos autos, constata-se que os suscitados pretendem ingresso no fólio real de um título consistente em escritura pública de divórcio consensual com partilha de bens (fls. 14/24). Em referida escritura pública, constou a partilha em partes iguais (50%) a cada um dos ex-cônjuges dos direitos de aquisição do imóvel objeto da matrícula nº 132.767 do 10º Registro de Imóveis da Capital, o qual havia sido alienado fiduciariamente ao Banco do Brasil S/A, conforme Registro nº 07 da respectiva matrícula (fls. 08 e 18/21).

Porém, não houve anuência expressa do credor fiduciário.

A Lei nº 9.514/97, ao tratar da transmissão dos direitos que recaem sobre o imóvel alienado fiduciariamente, estabelece a obrigatoriedade de intervenção do credor fiduciário, assim como o item 232, Cap. XX, das NSCGJ, confira-se:

Art. 29. O fiduciante, com anuência expressa do fiduciário, poderá transmitir os direitos de que seja titular sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o adquirente as respectivas obrigações.

232. O devedor fiduciante, com anuência expressa do credor fiduciário, poderá transmitir seu direito real de aquisição sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o cessionário adquirente as respectivas obrigações, na condição de novo devedor fiduciante.

Não resta dúvida, portanto, que, para regularização da divisão dos direitos dos fiduciantes perante o fólio real, haverá necessidade de complementação do título, com a anuência expressa da credora fiduciária (instituição financeira) na forma da lei e, também, em respeito ao princípio da continuidade registral.

Neste sentido, confira-se os seguintes julgados envolvendo casos análogos:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de Sentença – Partilha de Bens – Dúvida procedente – Necessidade de correção do plano de partilha para constar a partilha dos direitos aquisitivos dos fiduciantes e não a partilha do imóvel propriamente dito – Indispensabilidade da anuência do credor fiduciário, na forma do art. 29 da Lei 9.514/97 – Carta de sentença que deve ser aditada porque o plano de partilha se encontra incompleto – Apelação não provida (CSM Apelação n. 1036558-52.8.26.0100 Des. Pinheiro Franco j. 28.03.2018).

Registro de Imóveis – Carta de sentença – Partilha de bem objeto de alienação fiduciária em garantia – Resignação parcial Recurso não conhecido – Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação – Necessidade de constar no título a porcentagem do bem atribuída a cada um dos ex-companheiros – Descabimento – Atribuição de quinhões que decorre do título judicial – Anuência da credora fiduciária para a transferência do contrato de alienação fiduciária em garantia – Necessidade Inteligência do artigo 29 da Lei nº 9.514/97 e do item 238 do Capítulo XX das Normas de Serviço (CGJ Processo n. 0011989-18.8.26.0291 Des. Pereira Calças j. 20.04.2016).

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo.

P.I.C.

São Paulo, 11 de janeiro de 2024.

Renata Pinto Lima Zanetta

Juíza de Direito (DJe de 15.01.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

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1VRP/SP: Registro de Imóveis. Documento particular registrado perante a JUCESP, extraído de ato constitutivo ou de sua alteração, pode servir como título hábil para possibilitar apenas a alienação de direitos reais incidentes sobre imóveis para a composição ou o aumento do capital social de empresa, não havendo qualquer margem para interpretação extensiva ou analógica à empresa estrangeira, desprovida de referido documento essencial. Necessidade de escritura pública.

Processo 1162299-92.2023.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Silvio Jose Genesini Junior – Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada pelo 4º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Sílvio José Genesini Júnior e, em consequência, mantenho o óbice registrário. Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. – ADV: MARINA GREEB DE SOUZA (OAB 420148/SP), MARIA EUGÊNIA VICENTE MARTIGNON (OAB 470454/SP), VERA HELENA CARDOSO DE ALMEIDA (OAB 285004/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1162299-92.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 4º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Suscitado: Silvio Jose Genesini Junior

Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo 4º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo a requerimento de Sílvio José Genesini Júnior, em virtude de recusa de registro de “Ata de Resolução de Único Sócio”, pretendendo a transmissão da propriedade imobiliária do imóvel objeto da matrícula nº 170.592 daquela serventia para a sociedade estrangeira visando o aumento de capital da empresa estrangeira (prenotação nº 653.246).

O Oficial informa que a negativa de registro se deu em razão da imprescindibilidade de se formalizar a transferência da propriedade do imóvel por escritura pública, nos termos do artigo 108 do Código de Processo Civil. Afirma que não se aplica ao caso concreto a regra prevista no artigo 64 da Lei nº 8.934/94, uma vez que se trata de sociedade estrangeira e, por isso, inexiste a certidão fornecida por Junta Comercial, não havendo previsão de que documento estrangeiro tenha o mesmo tratamento.

Documentos vieram às fls. 05/41.

Em impugnação, a parte suscitada afirma que na hipótese de transferência de patrimônio, a sociedade empresarial está dispensada de realiza-lo por meio de escritura pública, em razão do artigo 64 da Lei nº 8.934/94, que excetua a regra geral do artigo 108 do Código Civil.

Sustenta que a empresa estrangeira Andigen LCC está regularmente registrada perante o órgão competente no exterior e, portanto, não possui registro em Junta Comercial no Brasil. Nestes termos, entende que a regra do artigo 64 da lei mencionada deve ser aplicada ao caso por equivalência, autorizando-se a dispensa da escritura pública para transferência do imóvel para integralização do capital social da sociedade estrangeira (fls. 08/16).

O Ministério Público ofertou parecer, opinando pela manutenção do óbice (fls. 49/50).

É o breve relatório.

FUNDAMENTO E DECIDO.

De início, observo que a lei não exige maior formalidade para a suscitação de dúvida, que não se confunde com o procedimento destinado à prática de ato registral.

Em verdade, a dúvida pode ser requerida até mesmo sem a participação de advogado, conforme prevê o item 39.1.4, Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça.

No mérito, a dúvida é procedente.

O Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade, a teor do artigo 28 da Lei nº 8.935/1994, o que não se traduz como falha funcional.

No caso dos autos, o cerne da dúvida suscitada restringe-se à possibilidade de aplicação, por analogia, da regra prevista no artigo 64 da Lei nº 8.934/94 às sociedades estrangeiras, que assim dispõe:

Art. 64. A certidão dos atos de constituição e de alteração de empresários individuais e de sociedades mercantis, fornecida pelas juntas comerciais em que foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, por transcrição no registro público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação ou para o aumento do capital.

Da leitura do dispositivo legal, denota-se que há a dispensa da escritura pública para transferência de imóvel destinado à integralização do capital social, em casos de apresentação de certidão de atos de constituição e de alteração de empresários individuais e de sociedades mercantis devidamente registrada na JUCESP.

No entanto, no caso sub judice, a parte pretende o registro de Ata de Resolução de Único Sócio de empresa estrangeira, “Andigen LC”, pessoa jurídica de direito privado com sede na cidade de Wilmington, Estado de Delaware, nos Estados Unidos da América. registrada em órgão competente no exterior, não havendo o registro na Junta Comercial.

O óbice registrário refere-se à necessidade de escritura pública, nos termos do artigo 108 do Código Civil, que assim determina:

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”. Note-se que não há controvérsia no que se refere ao valor do imóvel, o qual deve corresponder ao valor venal (fls. 19):

“Registro de Imóveis. O art. 108 do CC refere-se ao valor do imóvel, não ao preço do negócio. Havendo disparidade entre ambos, é aquele que deve ser levado em conta para considerar a escritura pública como essencial à validade do negócio jurídico. À míngua de avaliação específica, prevalece, para tais fins, o valor venal do imóvel, quando superior ao preço pactuado entre os contratantes. Dúvida Procedente.  Recurso Desprovido” (Apelação nº 0002869-23.2015.8.26.0482, DJ 31/03/2017)

A exceção derivada do texto do artigo 64 da Lei nº 8.934/94, utilizada como fundamento pela parte suscitada para sustentar o pedido de dispensa, deve ser interpretada de forma restritiva, merecendo destaque o seguinte excerto de julgado:

(…) É certo que a intensa atividade legislativa consolidou inúmeras exceções à regra da exigibilidade da escritura pública para a instrumentalização de alguns negócios jurídicos, de modo a exigir a atuação sistemática dos Registradores e Juízes Corregedores. Assim, o art. 64 da Lei n° 8.934/94 permite que o sócio, munido de certidão expedida pela Junta Comercial, possa alienar direitos reais incidentes sobre imóveis, para fins de integralização do capital subscrito, o que não significa dizer que a permissão legislativa possa ser interpretada extensivamente para viabilizar a transferência de bens da sociedade em benefício do sócio, nos termos da jurisprudência do Colendo Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível n° 491-6/1, Serra Negra,julgamento em 11/05/2006, DJ 12/07/2006, Relator Desembargador GILBERTO PASSOS DE FREITAS). Noutras palavras, já se decidiu:

“Admite-se a utilização de instrumento particular com o fim de materializar a conferência de bens pelos sócios para integralizar o capital social, mas tal exceção, derivada do texto do art. 64 da lei fed. n° 8.934/94, deve ser interpretada de modo restritivo. Tal dispositivo legal permite a utilização de certidão expedida pela Junta Comercial, extraída dos atos constitutivos ou de sua alteração, como título hábil para, perante o registrador, possibilitar a alienação de direitos reais incidentes sobre imóveis, mas sempre, invariavelmente, para a composição ou o aumento do capital social e nunca, para sua redução ou dissolução” (Ap. Cív. n° 63.971-0/1 – Capital, j. 28.10.99, rei. Des. NIGRO CONCEIÇÃO)”.

Assim, documento particular registrado perante a JUCESP, extraído de ato constitutivo ou de sua alteração, pode servir como título hábil para possibilitar apenas a alienação de direitos reais incidentes sobre imóveis para a composição ou o aumento do capital social de empresa, não havendo qualquer margem para interpretação extensiva ou analógica à empresa estrangeira, desprovida de referido documento essencial.

Sob qualquer aspecto, portanto, mostra-se acertada a qualificação negativa do título apresentado para registro do titulo, sendo certo que as exigências formuladas pelo Oficial devem ser atendidas para ingresso à luz das normas e da jurisprudência acima mencionadas.

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada pelo 4º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Sílvio José Genesini Júnior e, em consequência, mantenho o óbice registrário.

Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

São Paulo, 10 de janeiro de 2024.

Renata Pinto Lima Zanetta

Juíza de Direito (DJe de 12.01.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

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