CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida registral julgada procedente – Carta de sentença que visa à transmissão de bem – Título judicial que se submete à qualificação registral – Registro de cédula rural hipotecária – Necessidade de anuência do credor hipotecário para a transferência da titularidade do imóvel – Óbice devidamente fundamentado (art. 59 do decreto-Lei Nº 167/67) – Recurso não provido.


  
 

Apelação Cível nº 1002655-57.2022.8.26.0615

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1002655-57.2022.8.26.0615
Comarca: TANABI

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1002655-57.2022.8.26.0615

Registro: 2024.0000246853

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1002655-57.2022.8.26.0615, da Comarca de Tanabi, em que é apelante ANDREA KARLE DE MELO JERÔNIMO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE TANABI.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 20 de março de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1002655-57.2022.8.26.0615

APELANTE: Andrea Karle de Melo Jerônimo

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Tanabi

VOTO Nº 43.209

Registro de imóveis – Dúvida registral julgada procedente – Carta de sentença que visa à transmissão de bem – Título judicial que se submete à qualificação registral – Registro de cédula rural hipotecária – Necessidade de anuência do credor hipotecário para a transferência da titularidade do imóvel – Óbice devidamente fundamentado (art. 59 do decreto-Lei Nº 167/67) – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta por Andréa Karle de Melo Jerônimo, contra a r. sentença de fls. 212/214, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis de Tanabi, que manteve a negativa de registro na matrícula nº 6.245 da carta de sentença extraída dos autos nº 0004255-87.2006.8.26.0358 da 2ª Vara da Comarca de Mirassol.

Alega a apelante, em síntese: que a decisão proferida no processo nº 0004255-87.2006.8.26.0358 transitou em julgado e, portanto, deve ser cumprida; que os registros das hipotecas cedulares oneraram de forma fraudulenta o imóvel, pois houve simulação; que a citação dos titulares de domínio tornou litigiosa a coisa; que a carta de sentença foi extraída de processo ajuizado antes da inscrição das hipotecas cedulares; que a sentença recorrida colide com o teor da Súmula 308 do STJ. Pede, ao final, a reforma da sentença, com a determinação do registro do formal de partilha apresentado (fls. 219/233).

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 265/268).

É o relatório.

Perante a 2ª Vara da Comarca de Mirassol, tramitou ação de consignação em pagamento (autos nº 0004255-87.2006.8.26.0358) proposta pela ora apelante contra Luana Cardoso de Oliveira, João Carlos Fernandes e Leonil Pavanete Fernandes, os dois últimos titulares de domínio do imóvel rural matriculado sob nº 6.245 no Registro de Imóveis de Tanabi. Ao final, sobreveio sentença que, por força de compromisso de compra e venda, determinou a transferência do imóvel à ora apelante (fls. 109/114), com trânsito em julgado devidamente certificado (fls. 115). Extraída carta de sentença e apresentada a registro, o título judicial foi desqualificado. Segundo o Oficial, as hipotecas cedulares registradas sob nºs 45, 46 e 49 na matrícula nº 6.245 impedem o registro pretendido (fls. 167).

Inicialmente, recorde-se que o título judicial também se submete à qualificação pelo Oficial, tal como dispõe o item 117 do Capítulo XX do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, cujo teor é o seguinte:

117. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

Nesse sentido, convém destacar o seguinte trecho extraído de caso análogo:

De início, saliente-se que a origem judicial do título não impede a sua qualificação nem implica desobediência, como está no item 117 do Capítulo XX do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça e, no mais, é lição corrente deste Conselho Superior da Magistratura (mencione-se, por brevidade, o decidido na Apelação Cível n.º 0003968-52.2014.8.26.0453, j. 25.2.2016). Observe-se, ademais, que in casu se trata, verdadeiramente, de título judicial (passível, portanto, de qualificação), e não de ordem judicial (hipótese em que cumprimento seria coativo e independeria do exame de legalidade próprio da atividade registral” (CSM/SP – Apelação nº 1018352-48.2021.8.26.0100, Rel. Des. Ricardo Anafe, j. Em 14/12/2021).

Este C. Conselho Superior da Magistratura tem decidido, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (TJSP; Apelação Cível 0003968-52.2014.8.26.0453; Relator (a): Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Pirajuí – 1ª Vara; Data do Julgamento: 25/2/2016; Data de Registro: 13/4/2016).

Fixada essa premissa, correta a exigência feita pelo Oficial e, por consequência, a sentença proferida no procedimento de dúvida.

O artigo 59 da do Decreto-lei nº 167/67, ao tratar da hipoteca decorrente de cédula de crédito rural, dispõe:

“Art 59. A venda dos bens apenhados ou hipotecados pela cédula de crédito rural depende de prévia anuência do credor, por escrito”.

Sobre a necessidade de anuência para alienação do bem, já se manifestou este Conselho Superior:

“REGISTRO DE IMÓVEIS  DÚVIDA REGISTRAL  Escritura pública de compra e venda  Negativa de registro em face de hipotecas cedulares  Decreto-lei nº 167/67  Disponibilidade condicionada ao cancelamento das hipotecas ou anuência por escrito do credor  Precedentes do Conselho Superior da Magistratura  Alienação anterior que contou com a anuência dos credores que não beneficia novas alienações  Necessidade de autorização atual ou cancelamento das hipotecas  Exigências mantidas  Dúvida procedente – Recurso não provido” (CSM/SP – Apelação nº 1003066-02.2019.8.26.0132, j. em 13/02/2020 – Rel. Des. Ricardo Mair Anafe).

Nota-se que a regra que prevalece para as hipotecas em geral – segundo a qual o imóvel hipotecado pode ser livremente alienado[1] – não se aplica à hipoteca cedular, cujos bens somente podem ser vendidos com a prévia anuência do credor.

A discussão acerca de eventual fraude ou simulação na oneração do imóvel não pode ser travada nos estreitos limites deste procedimento administrativo. Note-se que a citação para a ação ajuizada em 2006 não estava registrada na matrícula do bem (art. 167, I, 21, da Lei nº 6.105/73), de modo que se presume a boa fé do credor hipotecário, que também não integrou o feito que deu origem à carta de sentença apresentada.

Nada impede, é claro, que na esfera jurisdicional busque a recorrente ineficácia das hipotecas frente à promessa de compra e vena anterior. Não se admite, porém, que tal matéria seja apreciada pelo registrador ou pelo Juiz Corregedor Permanente sem sede de dúvida, na esfera administrativa.

E a juntada dos dois acórdãos proferidos em ações de embargos de terceiro (fls. 276 e seguintes) mostra que a apelante busca o cancelamento das hipotecas justamente para obter o registro de seu título.

Com efeito, canceladas as hipotecas, o artigo 59 do Decreto-lei nº 167/67 acima transcrito se torna inaplicável ao caso.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota:

[1] Art. 1.475. É nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel hipotecado. Parágrafo único. Pode convencionar-se que vencerá o crédito hipotecário, se o imóvel for alienado. (Lei 10.406/2002) (DJe de 27.03.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

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