CGJ/SP: Notícia de fato – Aquisição de terras rurais por pessoas enquadradas no artigo 1º, §1º, da Lei nº 5.709/1971 com suposta inobservância dos limites estabelecidos no mesmo diploma legal – Títulos aquisitivos já registrados no fólio real – Nulidade de pleno direito do registro que depende da observância do disposto no artigo 214 da Lei 6.015/1973 ou de deflagração de processo judicial – Registrador de imóveis que não tem competência para sindicar, para além dos documentos exigidos para o registro do título de aquisição dos imóveis, se as pessoas jurídicas brasileiras adquirentes estão a mascarar, em sua estrutura, pessoa jurídica ou física estrangeira que seria a sua real controladora – Parecer pelo arquivamento do processo.


  
 

Número do processo: 98992

Ano do processo: 2021

Número do parecer: 436

Ano do parecer: 2023

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 2021/98992

(436/2023-E)

Notícia de fato – Aquisição de terras rurais por pessoas enquadradas no artigo 1º, §1º, da Lei nº 5.709/1971 com suposta inobservância dos limites estabelecidos no mesmo diploma legal – Títulos aquisitivos já registrados no fólio real – Nulidade de pleno direito do registro que depende da observância do disposto no artigo 214 da Lei 6.015/1973 ou de deflagração de processo judicial – Registrador de imóveis que não tem competência para sindicar, para além dos documentos exigidos para o registro do título de aquisição dos imóveis, se as pessoas jurídicas brasileiras adquirentes estão a mascarar, em sua estrutura, pessoa jurídica ou física estrangeira que seria a sua real controladora – Parecer pelo arquivamento do processo.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de Notícia de Fato – NF 1.34.001.005109/2021-22, fls. 09 a 14, levada a conhecimento da Procuradoria Geral da República, na data de 26/05/2021, envolvendo a possível prática de ilícitos violadores dos limites legais para aquisição de terras por estrangeiro no território brasileiro, em desacordo, portanto, com o disposto na Lei nº 5.709/1971, especialmente em seu artigo 1º, §1°, bem como eventuais delitos praticados quanto à estrutura societária utilizada para a aquisição de terras rurais por pessoas estrangeiras, com relação ao grupo empresarial que supostamente seria constituído pelas empresas ( i) BRACELL CELULOSE SOLÚVEL ESPECIAL PARTICIPAÇÕES LTDA, CNPJ 31.026.351/0001-03, (ii) BRACELL SP CELULOSE LTDA, CNPJ 53.943.098/0001-87; (iii) TURVlNHO PARTICIPAÇÕES LTDA , CNPJ 30.682.919/0001- 73; (iv) ESTRELA SSC HOLDING S.A., CNPJ 29.400.630/0001-35; (v) VENEZA NEGÓCIOS E PARTICIPAÇÕES S.A.; CNPJ 11.408.973/ 0001-80.

Diante da intervenção do Ministério Público Estadual, fls. 496/ 505, houve extração de cópias dos autos e remessa a esta Corregedoria Geral da Justiça para conhecimento e eventuais providências acerca dos atos notariais por Tabelionatos de Notas em contrariedade à recomendação da Corregedoria Nacional de Justiça e às normas dos itens 91 e 92 do Capítulo XX das NSCGJ ( conforme parecer nº 250/2010 exarado pela Eg. Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo).

O feito prosseguiu com a instrução dos autos com as cópias das fichas de breve relato da Jucesp das empresas acima descritas, assim como com as informações solicitadas aos registros de imóveis a fls. 511/512.

Sobreveio a informação da Dicoge 5, aduzindo que não há cadastramento de aquisições de imóvel rural por estrangeiro, envolvendo as mencionadas pessoas jurídicas, assim como as respostas das unidades envolvidas (Agudos, Bauru, Botucatu, Duartina, Garça, Lençóis Paulista, Marília e Pompéia), todas no sentido de que os registros foram efetuados em acordo com a Lei nº 5.709/1971 (fls. 1617/1618).

Aos autos foram juntadas as principais peças extraídas da Ação Civil Pública, em trâmite perante a 4ª Vara Cível da Comarca de Marília, autos de nº 1015442-58.2022.8.26.0344, onde se alega a adoção, pelo Grupo Bracell, de uma estrutura societária ilícita e abusiva, e a consequente violação dos limites impostos pela Lei nº 5.709/1971 às pessoas estrangeiras e sociedades a elas equiparadas, sobretudo na aquisição de propriedades rurais e celebração de negócios jurídicos nos Municípios de Oriente, Vera Cruz e Álvaro de Carvalho , que superam 10% do total do território de cada um deles (fls. 1664/1695).

É o relatório.

Inicialmente, é preciso constar que a discussão do caso envolve a Lei nº 5.709/1971 que, segundo sua ementa, “Regula a Aquisição de Imóvel Rural por Estrangeiro Residente no Pais ou Pessoa Jurídica Estrangeira Autorizada a Funcionar no Brasil e dá outras Providências“.

Interessa, na espécie, o disposto no artigo 1° e seu §1°, que dispõem:

”Art. 1º – O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil só poderão adquirir imóvel rural na forma prevista nesta Lei.

§1º – Fica, todavia, sujeita ao regime estabelecido por esta Lei a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior “.

E os limites de aquisição de imóveis rurais para tais pessoas são os que constam do artigo 12:

”Art. 12 – A soma das áreas rurais pertencentes a pessoas estrangeiras, físicas ou jurídicas, não poderá ultrapassar a um quarto da superfície dos Municípios onde se situem, comprovada por certidão do Registro de Imóveis, com base no livro Auxiliar de que trata o art. 10.

§ 1º – As pessoas da mesma nacionalidade não poderão ser proprietárias, em cada Município, de mais de 40% (quarenta por cento) do limite fixado neste artigo.

§ 2° – Ficam excluídas das restrições deste artigo as aquisições de áreas rurais:

I- inferiores a 3 (três) módulos;

II- que tiverem sido objeto de compra e venda, de promessa de compra e venda, de cessão ou de promessa de cessão, mediante escritura pública, ou instrumento particular devidamente protocolado no Registro competente, e que tiverem sido cadastradas no INCRA em nome do promitente comprador, antes de 10 de março de 1969;

III- quando o adquirente tiver filho brasileiro ou for casado com pessoa brasileira sob o regime de comunhão de bens.

§ 3º – O Presidente da República poderá, mediante decreto, autorizar a aquisição além dos limites fixados neste artigo, quando se tratar de imóvel rural vinculado a projetos julgados prioritários em face dos planos de desenvolvimenlo do País”.

Discutiu-se, nesta Corregedoria Geral da Justiça, a vigência do disposto no artigo 1°, parágrafo 1°, da Lei 5.709/1971, tendo sido proferido o Parecer CGJ nº 461/12-E, aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça à época, Desembargador José Renato Nalini, e publicado no Diário Eletrônico da Justiça em 11/12/2012, no sentido de que tais dispositivos legais não se encontravam em vigor.

Todavia, o parecer em referência foi suspenso em MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA 2.463, em trâmite no Excelso Supremo Tribunal Federal, conforme decisão do então eminente Relator, Ministro Marco Aurélio, em 1°/ 09/2016, cuja ementa se transcreve:

“MEDIDA LIMINAR – AQUISIÇÃO DE IMÓVEIS RURAIS POR ESTRANGEIROS – RECEPÇÃO DO ARTIGO 1º §1º DA LEI Nº 5. 709/1971 – RELEVÂNCIA – DEFERIMENTO “.

A ação ainda não está julgada. Há voto do então Relator, Ministro Marco Aurélio, pela procedência do pedido formulado para assentar a nulidade do Parecer nº 461/12-E da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, por ilegalidade e tendo em conta a recepção, pela Constituição Federal, do artigo 1°, §1°, da Lei nº 5.709/1971, assegurando à União e ao Incra a atribuição de conceder à pessoa jurídica estrangeira ou equiparada autorização para adquirir imóvel rural. Mas também há voto contrário do Ministro Alexandre de Moraes, no sentido da improcedência da Ação Cível Originária 2.463, com o reconhecimento expresso de que o artigo 1º, §1°, da Lei nº 5.709/1971, não foi recepcionado pela Constituição da República de 1988 porque, a partir da Emenda Constitucional nº 6, de 1995, “a distinção entre empresas brasileiras com base na nacionalidade do capital deixou de existir no texto constitucional a demonstrar que o texto constitucional não mais admite o tratamento discriminatório de empresas brasileiras pelo ordenamento jurídico“.

Na sequência, votou o Ministro Nunes Marques, acompanhando o relator, sobrevindo pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes.

Apesar da divergência aberta pelo Ministro Alexandre de Moraes, a liminar pela suspensão do parecer em referência se mantém, de modo que a conclusão é pela vigência do disposto no artigo 1º, parágrafo 1°, da Lei 5.709/1971.

Fixados estes pontos, passa-se à análise da notícia de fato encaminhada.

Como já mencionado no relatório, o Ministério Público do Estado de São Paulo (fls. 496/ 505) noticiou ter tomado conhecimento, por meio de delação anônima, de que pessoas jurídicas do denominado grupo empresarial “Bracell” haveriam adquirido imóveis rurais em desacordo com os limites impostos pela Lei nº 5.709/1971.

As pessoas jurídicas envolvidas são:

i. BRACELL CELULOSE SOLÚVEL ESPECIAL PARTICIPAÇÕES LTDA, CNPJ 31.026.351/ 0001-03,

ii. BRACELL SP CELULOSE LTDA, CNPJ 53.943.098/ 0001-87;

iii. TURVINHO PARTICIPAÇÕES LTDA, CNPJ 30.682.919/0001-73;

iv. ESTRELA SSC HOLDING S.A, CNPJ 29.400.630/0001-35; e

v. VENEZA NEGÓCIOS E PARTICIPAÇÕES S.A; CNPJ 11.408.973/0001-80.

E os imóveis em questão estão localizados nas Comarcas de Agudos, Bauru, Botucatu, Duartina, Garça, Lençóis Paulista, Marilia e Pompéia.

Diante disso, foi determinado a fls. 511/512, que a Dicoge 5 verificasse a existência de algum cadastramento de aquisição de imóvel rural por estrangeiro, em seus assentos, envolvendo alguma das mencionadas pessoas jurídicas, e a resposta foi negativa (fls. 1617/1618).

Também se determinou a expedição de ofícios aos registros de imóveis das Comarcas de Agudos, Bauru, Botucatu, Duartina, Garça, Lençóis Paulista, Marilia e Pompeia para informação no mesmo sentido em que solicitado à Dicoge 5.

Consideradas as informações dos Registradores de Garça, Botucatu, Marília, Bauru, Pompéia, Duartina, Lençóis Paulista e Agudos, as que a informação da Dicoge 5 a fls. 1617/1618 faz referência, com indicação das folhas dos autos em que se encontram, vê-se que as únicas pessoas jurídicas que possuem imóveis rurais são TURVINHO PARTICIPAÇÕES LTDA, CNPJ 30.682.919/ 0001-73, e ESTRELA SSC HOLDING S.A, CNPJ 29.400.630/0001-35. Também consta que Lwarcell Celulose Ltda, anteriormente denominada Lwarcel Celulose e Papel Ltda, atualmente denominada Bracell SP Celulose Ltda, é proprietária de imóveis rurais (fls. 629/631).

Vale dizer, as pessoas jurídicas de Turvinho Participações Ltda, Estrela SSC Holding S.A e Lwarcell Celulose Ltda, atualmente denominada Bracell SP Celulose Ltda apresentaram títulos aquisitivos de imóveis aos correspondentes Oficiais de Registro e obtiveram qualificação positiva, logrando, portanto, serem inscritas como suas proprietárias tabulares.

Sabe-se que a qualificação positiva não enseja deflagração da atuação da Corregedoria Permanente do Oficial de Registro de Imóveis nem do Conselho Superior da Magistratura.

Apenas diante de qualificação negativa e de suscitação de dúvida é que atuam a Corregedoria Permanente do Registrador de Imóveis e, caso haja recurso de apelação, o Conselho Superior da Magistratura, competindo ao Corregedor Geral da Justiça a relataria dos recursos.

Em suma, ante eventual qualificação negativa dos títulos de aquisição de imóveis, caberia suscitação de dúvida perante a Corregedoria Permanente do Oficial de Registro, e somente na hipótese de existir apelação é que seria deflagrada a atuação do Conselho Superior da Magistratura.

Na espécie, não há noticia de que tenha havido qualificação negativa dos títulos apresentados a registro pelas pessoas indicadas anteriormente, mas qualificação positiva dos referidos documentos, de modo que ingressaram no fólio real.

Ante a qualificação positiva dos títulos aquisitivos, eventual nulidade do registro por ofensa ao disposto na Lei nº 5.709/1971 só pode ser dirimida mediante invocação específica perante a Corregedoria Permanente, com observância do disposto no artigo 214 da Lei nº 6.015/1973, assegurada a oitiva de todos os atingidos (§1º).

Não bastasse, descabe ao Oficial de Registro de Imóveis sindicar, para além dos documentos exigidos para o registro do titulo de aquisição dos imóveis, se as pessoas jurídicas brasileiras adquirentes de imóveis estão a mascarar, em sua estrutura, pessoa jurídica ou física estrangeira que seria a sua real controladora. Esta discussão só pode ser levada a efeito em juízo, como, aliás, consta ter sido feito nos autos da ação civil pública, processo nº 1015442-58.2022.8.26.0344, em trâmite perante a 4ª Vara Cível da Comarca de Marília.

A análise que compete ao Oficial é meramente formal, baseada na documentação apresentada, não lhe cabendo fazer ilações para concluir, como fez o autor da ação civil pública noticiada nos autos, que há evidenciada “adoção, pelo Grupo Bracell de uma estrutura societária ilícita e abusiva, seja com precificação equivocada e injustificada de ações preferenciais, ou se furtando de obter a prévia aprovação das autoridades competentes para o ingresso de sócios estrangeiros que possuem participação majoritária do capital social e/ou controle de sociedades brasileiras” e consequente “violação, pelo Grupo Bracell dos limites impostos pela Lei nº 5.709/1971 às pessoas estrangeiras e sociedades a elas equiparadas, sobretudo na aquisição de propriedades rurais e celebração de negócios jurídicos” (fls. 1690/1691).

Considerado, portanto, o ingresso dos títulos aquisitivos dos imóveis no fólio real conforme os documentos apresentados ao Registrador, e não lhe competindo diligenciar para além da documentação que se lhe apresenta para aferir eventual burla à lei, nada há a ser determinado no âmbito administrativo.

Em conclusão, ressalvada a atuação da esfera judicial, ou a regular atuação dos legitimados para suscitar a nulidade de pleno direito do registro, nos termos do artigo 214 da Lei nº 6.015/1973, não existe determinação a ser proferida por esta Corregedora Geral da Justiça.

Ante o exposto, o parecer que respeitosamente submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é pelo arquivamento do presente expediente.

Sub Censura

São Paulo, 19 de outubro de 2023.

Cristina Aparecida Faceira Medina Mogioni

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Vistos. Aprovo o parecer da MM.ª Juíza Assessora desta Corregedoria Geral da Justiça e, por seus fundamentos, ora adotados, determino o arquivamento do presente expediente. Publique-se. São Paulo, 20 de outubro de 2023. (a) FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA, Corregedor Geral da Justiça.

Diário da Justiça Eletrônico de 25.10.2023

Decisão reproduzida na página 157 do Classificador II – 2023.

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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