ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1008861-23.2020.8.26.0562, da Comarca de Santos, em que é apelante MARIA JOSEFA DOS REIS (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado JUÍZO DA COMARCA.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores FERNANDO REVERENDO VIDAL AKAOUI (Presidente sem voto), LUIZ ANTONIO COSTA E MIGUEL BRANDI.
São Paulo, 18 de novembro de 2024.
ADEMIR MODESTO DE SOUZA
Relator(a)
Apelação Cível nº 1008861-23.2020.8.26.0562.
Apelante: Maria Josefa dos Reis.
Comarca: Santos – 3ª Vara de Família e Sucessões.
Magistrada: Mariella Amorim Nunes Rivau Alvarez.
V O T O Nº 11773
DIREITO SUCESSÓRIO. ARROLAMENTO DE BENS. TESTAMENTO PÚBLICO NO QUAL A TESTADORA, DE NACIONALIDADE ESPANHOLA, DECLARA AUSÊNCIA DE ASCENDENTES E DESCENDENTES VIVOS. CÔNJUGE QUE TERIA FALECIDO NA ARGENTINA. AUSÊNCIA DE CERTIDÃO DE CASAMENTO E ÓBITO, APESAR DE DILIGÊNCIAS NOS CONSULADOS RESPECTIVOS. EXTINÇÃO DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. CONVERSÃO PARA O RITO DO INVENTÁRIO (ART. 610, CPC). PROVIMENTO DO RECURSO
1. A ausência de documentos não deve constituir impedimento intransponível ao cumprimento da vontade da falecida, principalmente se considerado o fato de que a requerente é beneficiária da gratuidade judiciária.
2. Embora esgotada a possibilidade material de obtenção dos documentos, persiste a necessidade de cumprimento da disposição de última vontade da falecida.
3. A incerteza sobre o local do casamento e óbito, aliada à declaração da testadora de não ter descendentes ou ascendentes vivos, justifica a adoção do procedimento de inventário, permitindo a intimação de herdeiros conhecidos e desconhecidos por edital.
3. Sentença de extinção afastada. Recurso provido.
1. Trata-se de arrolamento de bens (fls.28/29) de MARIA ALICE GONZALEZ IGLESIAS, requerido por MARIA JOSEFA DOS REIS, julgado extinto pela r. sentença de fls. 263/265, cujo relatório se adota, condenada a autora ao recolhimento das custas e despesas do processo, observado o disposto no art. 98, § 3º, CPC.
Apela a autora, ao fundamento de ter justificado a impossibilidade de juntada de parte dos documentos solicitados em precedente decisão, “haja vista que era apenas uma amiga, uma companheira da de cujus, desconhecendo o local de seu casamento, bem como o local de registro do óbito de seu marido”. Aduz que “não restam dúvidas acerca da vontade da falecida, que deixou ‘todas e quaisquer quantias existentes em contas-correntes, cadernetas de poupança e aplicações bancárias; notadamente aquelas depositadas nas contas nº. 17330-9 e 06846-7, junto ao Banco Itaú S/A, Agência 0268’”. Sustenta que “da Certidão de Óbito da falecida – fls. 15/16, bem como do próprio testamento – fls. 17/18 é possível observar que seus ascendentes já eram falecidos, assim como seu cônjuge”.
Processado o recurso sem preparo (a apelante é beneficiária da gratuidade judiciária).
É o relatório.
2. Verifica-se dos autos que, por testamento público (fls. 17/18), Maria Alice Gonzales Iglesias declarou ser de nacionalidade espanhola e viúva de Floriano Martinez Suarez, falecido na Argentina em 20/01/1994, não possuindo ascendentes ou descendentes vivos, razão pela qual legou a integralidade do saldo de suas contas bancárias em benefício da requerente.
O óbito da testadora foi declarado por Angélica Conejero Gonzalez, sobrinha da falecida, conforme informação prestada nos autos 1012760-29.2020.8.26.0562, que cuidou da retificação de assentamento de óbito.
A impossibilidade de a requerente apresentar em juízo a certidão de casamento de Maria Alice Gonzales Iglesias, bem assim a certidão de óbito de Floriano Martinez Suarez, não pode constituir empeço intransponível ao cumprimento da última declaração de vontade da falecida, em especial porque houve emprego de esforços junto aos consulados da Espanha e da Argentina (fls. 34/35).
Considerando o fato de a requerente ser beneficiária da gratuidade judiciária, a necessidade de colaboração internacional para obtenção das certidões de casamento e óbito não autorizaria a extinção do processo por ausência de documento essencial.
Contudo, a incerteza do local exato do casamento e do óbito, quando associada à declaração da testadora, de nacionalidade espanhola, de que não teria ascendentes ou descendentes vivos, remete à possibilidade solução diversa, mediante adoção do procedimento do inventário, até porque a pretensão se funda em disposição de última vontade (art. 610, CPC), com intimação dos parentes conhecidos, como é o caso da sobrinha Angélica Conejero Gonzale, bem assim, por edital (art. 626, CPC), daqueles ignorados, com a finalidade de, inteirando-se da demanda em curso, possam se manifestar, oportunizando-se ainda a manifestação do Ministério Público enquanto fiscal da ordem jurídica. Nesse sentido:
INVENTÁRIO. INDEFERIMENTO DO PEDIDO PARA CITAÇÃO EDITALÍCIA. HERDEIROS DESCONHECIDOS. RECURSO PROVIDO. Inventário. Insurgência contra decisão que indeferiu o pedido para citação editalícia de eventuais herdeiros colaterais da de cujus, pela linha paterna, com concessão de prazo suplementar para a juntada de documentação. Não houve pedido de efeito. A de cujus era solteira, não tinha irmãs e nem filhos. Tantos seus pais quanto seus avós maternos são falecidos, tendo como herdeiras apenas duas tias maternas. O falecido pai da autora da herança era cidadão espanhol e deixou aquele país rumo ao Brasil em 1954, falecendo aos 93 anos em 2017 Constam apenas os nomes dos avós paternos da de cujus. Seu falecimento é presumível, inexistindo quaisquer informações a respeito de eventuais tios paternos. A procura por tais parentes colaterais deve ocorrer apenas caso se tivesse a certeza da existência deles. Excessivo rigor processual. Hipótese na qual a lei impõe a citação editalícia. Inteligência do art. 259, III, do CPC. Doutrina e jurisprudência. Decisão reformada para determinar a citação por edital de eventuais herdeiros colaterais pela linha paterna. Recurso provido. [1]
O recurso, do exposto, afasta a r. sentença de extinção, determinando-se o prosseguimento do arrolamento.
3. Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso.
ADEMIR MODESTO DE SOUZA
Relator
Nota:
[1] TJSP; Agr avo de Instrumento 2015672-82.2021.8.26.0000; Relator (a) : J.B. Paula Lima; Órgão Julgador : 10ª Câmara de Direito Privado; Foro de I tu – Vara de Família e Sucessões; Data do Julgamento: 13/02/2021; Data de Registro: 13/02/2021.
Dados do processo:
TJSP – Apelação Cível nº 1008861-23.2020.8.26.0562 – Santos – 7ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Ademir Modesto de Souza – DJ 22.11.2024
Fonte: DJE/SP.
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