Processo 1167253-50.2024.8.26.0100
Dúvida – Registro de Imóveis – Ana Carolina Pontes – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada, para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: GIOVANNA CAMPANELLA ZAMPIERI ROSSETTI (OAB 346171/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo nº: 1167253-50.2024.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 18º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Suscitado: Ana Carolina Pontes
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Interino do 18º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Ana Carolina Pontes, diante de negativa em se proceder ao registro de carta de sentença expedida pelo 9º Tabelião de Notas de São Paulo, extraída dos autos da ação de divórcio de Eduardo Pontes Cobianchi Almeida e Ana Carolina Pontes Cobianchi Almeida (processo n. 1013604-75.2023.8.26.0011), envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 195.901 daquela serventia (prenotação n. 932.253).
O Oficial Interino informa que a desqualificação do título foi motivada pela falta de comprovação do recolhimento do ITBI incidente sobre o excesso de meação do patrimônio imobiliário, na partilha de bens consequente ao divórcio, vez que o único imóvel que compõe o patrimônio comum do casal foi atribuído exclusivamente à divorcianda, causando, desta forma, desproporção no quinhão imobiliário que faziam jus, de modo que o fato gerador do tributo é a diferença do patrimônio imobiliário; que a lei impõe aos registradores controle rigoroso do recolhimento de tributos, sob pena de responsabilidade pessoal (fls. 01/17).
Documentos vieram às fls. 18/287.
Em manifestação dirigida ao Oficial Interino, e em impugnação nos autos, a suscitada aduziu que a exigência deve ser afastada, pois a transmissão do imóvel se deu forma gratuita; que o patrimônio comum do ex-casal é composto por um bem imóvel, no valor de R$ 1.040.773,46, e bens móveis e ativos financeiros, no valor de R$ 2.530.931,77, totalizando o patrimônio de R$ 3.571.705,23; que, pelo acordo homologado, ao varão foi atribuído o quinhão no importe de R$ 1.807.873,82 e à virago o quinhão no importe de R$ 1.763.831,41; que, dessa forma, ainda que à divorcianda tenha sido atribuída a integralidade do imóvel em questão, não houve transmissão onerosa de fração do imóvel, tendo o divorciando renunciado à sua fração ideal daquele bem; que a meação, portanto, deve ser avaliada à luz da totalidade do patrimônio comum do antigo casal, e não apenas em relação ao bem imóvel comum, tampouco sobre qualquer bem individualmente considerado (fls. 18/33, 295/297).
O Ministério Público ofertou parecer, opinando pela manutenção do óbice (fls. 292/294).
É o relatório.
FUNDAMENTO e DECIDO.
De início, cumpre ressaltar que o registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Assim, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
É o que prevê o item 117, Cap. XX, das NSCGJ: “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
Releva destacar, ainda, que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real.
O E. Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Ap. Cível n. 413-6/7). Neste sentido, também a Ap. Cível n. 464-6/9, de São José do Rio Preto:
“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.
E, ainda:
“REGISTRO PÚBLICO. ATUAÇÃO DO TITULAR. CARTA DE ADJUDICAÇÃO. DÚVIDA LEVANTADA. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. IMPROPRIEDADE MANIFESTA. O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência – pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).
Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral.
No mérito, o pedido é procedente.
O título apresentado consiste em uma carta de sentença expedida pelo 9º Tabelião de Notas de São Paulo, extraída dos autos da ação de divórcio de Eduardo Pontes Cobianchi Almeida e Ana Carolina Pontes Cobianchi Almeida (processo n. 1013604-75.2023.8.26.0011), que definiu a partilha do patrimônio conjugal, composto dentre outros bens e direitos, pelo imóvel objeto da matrícula n. 195.901, do 18º Registro de Imóveis de São Paulo.
Extrai-se que a r. sentença, além de decretar o divórcio do casal, homologou o acordo de partilha apresentado, que envolveu ativos financeiros, investimentos, bens móveis e um único bem imóvel, sendo atribuída à universalidade do patrimônio comum o valor de R$ 3.571.705,23, de modo que o seu conjunto foi partilhado de forma igualitária (R$ 1.807.873,82 ao varão e R$ 1.763.831,41 à varoa) uma vez considerados os valores atribuídos ao monte-mor (fls. 67).
Contudo, quando se examina apenas o patrimônio imobiliário,verificasse que coube a Ana Carolina Pontes, com exclusividade, a integralidade do único bem imóvel comum.
Houve, portanto, partilha desigual, cabendo à divorciada um excesso de meação do patrimônio imobiliário, o que se amolda na hipótese de incidência do ITBI, conforme artigo 2º, inciso VI, da Lei Municipal n. 11.154/1991.
Com efeito, o artigo 35 do Código Tributário Nacional c/c o artigo 156, inciso II, da Constituição Federal estabelecem que o fato gerador do ITBI é a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição, competindo aos Municípios legislar a respeito de sua instituição.
Sobre a incidência do ITBI relevante destacar trecho doutrinário: “O que se tributa é a transmissão da propriedade de bem imóvel realizada através de um negócio jurídico oneroso, tais como compra e venda, dação em pagamento ou permuta.” (Registro Imobiliário: dinâmica registral / Ricardo Dip, Sérgio Jacomino, organizadores. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. (Coleção doutrinas essenciais: direito registral; v.6 p. 1.329).
E, em razão da cessão onerosa da propriedade do imóvel objeto da matrícula n. 195.904 do 18º RI, incide o imposto, em observância ao que dispõe o artigo 2º, V, da Lei Municipal n. 12.391/2005:
“Art. 2º – Incluem-se na hipótese de incidência do imposto quaisquer atos onerosos translativos ou constitutivos de direitos reais sobre imóveis, como definidos na lei civil, dentre os quais:
V – o excesso ocorrido nas divisões do patrimônio comum ou na partilha quando for atribuído a um dos cônjuges separados ou divorciados ou ao condômino valor dos bens imóveis localizados no município acima do respectivo quinhão de direito, quando houver tornas ou reposições”.
No mesmo sentido é a redação do artigo 152 do Decreto Municipal n. 59.579 de 03 de julho de 2020.
“Art. 152 – Estão compreendidos na incidência do imposto:
VI – o valor dos imóveis que, na divisão de patrimônio comum ou na partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges separados ou divorciados, ao cônjuge supérstite ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão, considerando, em conjunto, apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum ou monte-mor”.
Deste modo, inquestionável a existência de transmissão onerosa de direito real, fato gerador do imposto de transmissão inter vivos.
Veja-se que o fato gerador do tributo é a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como a cessão de direitos à sua aquisição.
Assim, em havendo expressa previsão legal de exação para a hipótese aqui tratada, não cabe ao Oficial, tampouco a este juízo administrativo, entender pela não tributação.
Desta forma, correta a qualificação registral negativa, vez que o excesso de meação, o que justifica a exigência de comprovante de pagamento do imposto sobre a transmissão de bens imóveis (ITBI).
Para os registradores, vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n. 6.015/1973; artigo 134, inciso VI, do CTN; e artigo 30, inciso XI, da Lei n. 8.935/1994), o que vem corroborado pelo 117.1, Cap. XX, das NSCGJ:
“117.1. – Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais”.
A omissão do delegatário pode ensejar, inclusive, sua responsabilidade solidária no pagamento do tributo, nos exatos termos do artigo 134, inciso VI, do Código Tributário Nacional:
“Art. 134 – Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
(…)
VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu oficio”.
Este também é o entendimento do E. Conselho Superior da Magistratura:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – ESCRITURA PÚBLICA DE PARTILHA POR MUDANÇA DE REGIME DE BENS – QUALIFICAÇÃO NEGATIVA – BENS IMÓVEIS DIVIDIDOS DE FORMA NÃO IGUALITÁRIA – ITBI DEVIDO NOS TERMOS DA LEI MUNICIPAL VIGENTE – ÓBICE MANTIDO APELAÇÃO NÃO PROVIDA” (TJSP; Apelação Cível 1176233-20.2023.8.26.0100; Relator: Francisco Loureiro (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 25/04/2024; Data de Registro: 02/05/2024).
“REGISTRO DE IMÓVEIS – ESCRITURA PÚBLICA DE PARTILHA POR MUDANÇA DE REGIME DE BENS – QUALIFICAÇÃO NEGATIVA – BENS IMÓVEIS DIVIDIDOS DE FORMA NÃO IGUALITÁRIA – ITBI DEVIDO NOS TERMOS DA LEI MUNICIPAL VIGENTE – ÓBICE MANTIDO – APELAÇÃO NÃO PROVIDA.”(TJSP; Apelação Cível 1176233-20.2023.8.26.0100; Relator (a): Francisco Loureiro(Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 25/04/2024; Data de Registro: 02/05/2024)
“REGISTRO DE IMÓVEIS. ITBI. Excesso de meação em favor da apelante. Legislação municipal que apenas considera os bens imóveis para fins de partilha e incidência de ITBI. Impossibilidade do exame de constitucionalidade da lei municipal em sede de qualificação registral ou de recurso administrativo. Cabimento da discussão da questão em ação jurisdicional ou recolhimento do imposto. Recurso não provido” (CSM, Apelação n. 1043473-49.2019.8.26.0100, Relator: Des. Pinheiro Franco j. 1º/11/2019).
“REGISTRO DE IMÓVEIS. ITBI. Legislação municipal que apenas considera os bens imóveis para fins de partilha e incidência de ITBI. Impossibilidade do exame de constitucionalidade da lei municipal em sede de qualificação registral ou de recurso administrativo. Cabimento da discussão da questão em ação jurisdicional ou recolhimento do imposto. Recurso não provido” (CSM, Apelação n. 1025490-37.2019.8.26.0100, Relator: Des. Pinheiro Franco j. 12/09/2019).
Logo, a atribuição da integralidade do patrimônio imobiliário para um dos cônjuges gerou desproporção entre as meações, caracterizando excesso, que receberá tratamento tributário próprio, conforme haja ou não reposição onerosa, que é a compensação financeira feita com patrimônio próprio do cônjuge beneficiado àquele prejudicado na partilha.
Subsiste, portanto, o óbice apontado.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada, para manter o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 25 de novembro de 2024.
Renata Pinto Lima Zanetta – Juíza de Direito
Fonte: DJE/SP 29.11.2024.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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