Recurso administrativo – Retificação de área – Alterações que não decorrem de mero cálculo matemático – Ausência de trabalho tecnicamente pormenorizado – Área descrita na matrícula indicativa de um quadrilátero irregular, sem ângulos e nivelamento do imóvel – Retificação que importará em acréscimo de área – Exigência de apresentação de trabalho técnico de acordo com os parâmetros do IBAPE – Ofensa ao princípio da especialidade objetiva – Recurso improvido.

Número do processo: 1123618-53.2023.8.26.0100

Ano do processo: 2023

Número do parecer: 156

Ano do parecer: 2024

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1123618-53.2023.8.26.0100

(156/2024-E)

Recurso administrativo – Retificação de área – Alterações que não decorrem de mero cálculo matemático – Ausência de trabalho tecnicamente pormenorizado – Área descrita na matrícula indicativa de um quadrilátero irregular, sem ângulos e nivelamento do imóvel – Retificação que importará em acréscimo de área – Exigência de apresentação de trabalho técnico de acordo com os parâmetros do IBAPE – Ofensa ao princípio da especialidade objetiva – Recurso improvido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Cuida-se de recurso administrativo interposto por JOÃO BATISTA DE ALMEIDA SOBRINHO contra a r.sentença de fls. 62/65, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 6º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, que julgou improcedente pedido de providências para retificação da descrição do imóvel da matrícula nº 26.548 (prenotação nº 814.539), entendendo que a retificação da matrícula deve ocorrer pela forma do art. 213, II da Lei 6.015/73.

Sustenta o recorrente, em síntese, que o pedido de retificação da matrícula deve ser deferido, haja vista ter sido instruído com planta elaborada por profissional legalmente habilitado; alega que não há dúvidas quanto aos limites das divisas; que as linhas perimetrais do terreno são todas absolutamente retas e tendo o terreno a forma de polígono irregular, que há evidente erro material no cálculo da superfície, passível de retificação pelo registrador, nos termos do art. 213 da Lei de Registros Públicos.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento do recurso administrativo (fls. 88/90).

É o Relatório.

Opino.

O recurso administrativo não merece provimento, devendo ser integralmente mantida a bem lançada sentença da MM. Juíza Corregedora Permanente do 6º Registro de Imóveis da Capital.

O recorrente formulou requerimento junto ao 6º RI pretendendo a retificação do imóvel objeto da matrícula 26.548, com fundamento no art. 213, I da Lei 6.015/73, a fim de que fosse corrigida a área total do terreno do imóvel situado na Rua Orlando Calisto, nº 414, passando de 130,20m² para 141,20m².

O requerimento foi feito com base no inciso I do art. 213 da Lei 6.015/73, embasado na planta e projeto de fls. 15/18, retificação unilateral e sem a anuência dos confrontantes.

O Registrador entendeu que o pedido de retificação deve ser feito em observância à disciplina do inciso II do mesmo artigo, ou seja, com a apresentação de trabalho técnico orientado pelas normas do IBAPE e assinado por profissional legalmente habilitado.

As justificativas sustentadas pelo Registrador devem ser mantidas, na medida em que o frágil trabalho técnico apresentado às fls. 15/18 não consegue espancar a insegurança na apuração da área revelada pelo Registrador.

No tema da retificação de área, a Lei 6.015/73 encerra a seguinte disciplina:

Art. 213. O oficial retificará o registro ou a averbação:

I – de ofício ou a requerimento do interessado nos casos de:

a) omissão ou erro cometido na transposição de qualquer elemento do título;

b) indicação ou atualização de confrontação;

c) alteração de denominação de logradouro público, comprovada por documento oficial;

d) retificação que vise a indicação de rumos, ângulos de deflexão ou inserção de coordenadas georreferenciadas, em que não haja alteração das medidas perimetrais;

e) alteração ou inserção que resulte de mero cálculo matemático feito a partir das medidas perimetrais constantes do registro;

f) reprodução de descrição de linha divisória de imóvel confrontante que já tenha sido objeto de retificação;

g) inserção ou modificação dos dados de qualificação pessoal das partes, comprovada por documentos oficiais, ou mediante despacho judicial quando houver necessidade de produção de outras provas;

II – a requerimento do interessado, no caso de inserção ou alteração de medida perimetral de que resulte, ou não, alteração de área, instruído com planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no competente Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura – CREA, bem assim pelos confrontantes.

O Oficial apontou que não há evidência de que se trata de correção decorrente da aplicação de mero cálculo aritmético, considerando que as medidas do perímetro (frente, lados e fundo) não sofreram alterações e permaneceram como consta no álbum tabular. Justificou a recusa, ainda, com o fato de que a área que se pretende retificar não é um polígono regular, possuindo quatro lados com medidas diferentes, sem informação na matrícula dos ângulos e nivelamento do imóvel. A matrícula indica a medida de cada lado, mas sem descrição de ângulos ou de linhas paralelas, o que, segundo o registrador, inviabiliza a retificação administrativa e unilateral, entendendo que o caso subsume-se à disciplina do art. 213, II da Lei 6.015/73.

Para além desta insegurança gerada em razão da caracterização do polígono, o Registrador apresentou cópia do mapa do cadastro no Geosampa, o qual atesta que o terreno possui seis lados e não quatro como descrito na matrícula, o que traz ainda mais dúvida para a retificação pretendida.

Deveras, não se trata de simplesmente acrescentar dado dedutível a partir dos assentamentos registrários, por aplicação aritmética, pois indiscutível que o imóvel encerra um polígono irregular. Além disso, como bem pontuado pelo Oficial a fl. 27, foram feitas buscas na origem da matrícula com fim de exaurir qualquer possibilidade de erro na transposição do título causal acerca da descrição do imóvel, constatando-se que não houve erro na transposição nos elementos do registro e a descrição contida na matrícula corresponde perfeitamente à que consta dos livros e plantas arquivadas em Cartório na época.

Por fim, sustentou o Registrador que o procedimento de confirmação do formato da figura geométrica do imóvel retificando o item 6.4.1) possui método específico, não observado pelo recorrente. O trabalho técnico apresentado às fls. 15/18, a toda evidência, não atende à criteriosa exigência das normas elaboradas pelo IBAPE.

Todos esses fatores somados levaram o Registrador a rejeitar o pedido de retificação unilateral da área, com fundamento no potencial risco na retificação nos moldes requeridos.

Para além de tais óbices, extrai-se que a alteração importará acréscimo de área, saltando de 130,20m² para 141,20m², um acréscimo que torna necessária a manifestação dos confrontantes, obviamente interessados, com observância do disposto no artigo 213, II da LRP.

Assim sendo, como das informações tabulares não se infere por si só a medida faltante, por não haver angulação reta na deflexão, é imprescindível a retificação bilateral, haja vista o teor da inovação descritiva e o potencial de atingir interesses de outrem.

As razões apresentadas pelo Oficial Registrador para obstar a retificação são fundamentadas, o trabalho é tecnicamente frágil e com informações insuficientes, tudo a indicar falta segurança no deferimento da retificação pretendida.

E como bem pontuado na sentença “diversos quadriláteros irregulares podem ser formados com as medidas constantes da matrícula. Assim, não se pode concluir com segurança que a fórmula aplicada pelo arquiteto quando do projeto da casa foi acertada.” (fls. 62/65).

Em situações semelhantes, vários precedentes desta E. Corregedoria da Justiça ilustram cenários de insegurança e incerteza quanto ao erro, assinalando a impossibilidade da retificação na forma buscada, exigindo-se o processamento na forma do art. 213, II da Lei 6.015/73. Neste sentido:

“se o imóvel tem formato geométrico regular, portanto conhecendo-se seus ângulos de deflexão, que sejam retos, conhecidas as perimetrais, a determinação da área de superfície não demanda mais que mero cálculo, destarte sem necessidade de chamamento de terceiros ao feito. Às vezes, inclusive, a própria perimetral, acaso desconhecida, pode ser inferida do confronto com o registro vizinho, tanto quanto o formato do imóvel pode ser extraído da verificação de plantas oficiais arquivadas na serventia” (v., a respeito, RDI 37/17 e Processo CG n. 1.002/97).

“De toda a maneira, porém, serão sempre dados registrários, tabulares, que poderão permitir a conclusão de que a inserção de área de superfície encerra mera correção indiferente a terceiros, porque intra muros, decorrente de mero cálculo, até.” (Processo CG 360/2004).

“A retificação unilateral do registro, por decisão do Juiz Corregedor Permanente (artigo 213, I, da Lei n° 6.015/73), somente se admite em casos especiais, em que o erro ou os dados faltantes, bem como a inexistência potencial de prejuízo a terceiros, podem ser apurados mediante análise dos elementos registrários. Assim ocorre, por exemplo, na inserção da área total em imóvel que tem formato regular e ângulos retos de deflexão, sendo previamente conhecidas as medidas perimetrais, pois neste caso a área é apurada por simples cálculo aritmético.” (Processo CG 222/2004).

Deste modo, a hipótese dos autos não permite a retificação na forma autorizada pelo artigo 213, inciso I, da Lei de Registros Públicos.

Posto isso, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência, é no sentido de negar provimento ao recurso administrativo.

Sub censura.

São Paulo, data registrada no sistema.

Maria Isabel Romero Rodrigues Henriques

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Vistos. Aprovo o parecer apresentado pela MM. Juíza Assessora da Corregedoria e por seus fundamentos, ora adotados, nego provimento ao recurso administrativo interposto. São Paulo, 08 de março de 2024. (a) FRANCISCO LOUREIRO, Corregedor Geral da Justiça. ADV: VALÉRIA SANTOS MOREIRA, OAB/SP 389.383 e CYNTHIA ALBANO DE OLIVEIRA BEDIN, OAB/SP 315.535.

Fonte: DJE/SP.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Escritura de Venda e Compra – Continuidade Registral e disponibilidade tabular observadas – Registro em conformidade com o princípio tempus regit actum – Cessões contratuais intermediárias não inscritas na matrícula – Realidade extratabular – Contratos apenas circunstancialmente mencionados no título, referidos para contextualizar a cadeia de transmissões extratabulares – Ordens de indisponibilidade em relação a dois dos cedentes decretadas posteriormente às operações econômicas – Cancelamento prévio prescindível – Tempus regit factum – Exigência afastada – Dúvida improcedente – Recurso provido.

Apelação Cível nº 1001677-54.2024.8.26.0019

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1001677-54.2024.8.26.0019
Comarca: AMERICANA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1001677-54.2024.8.26.0019

Registro: 2024.0000995133

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001677-54.2024.8.26.0019, da Comarca de Americana, em que é apelante VILLAGIO 020102 EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS SPE LTDA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMOVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE AMERICANA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação e julgaram improcedente a dúvida, determinando o registro da escritura de venda e compra de fls. 16-21, prenotada sob o nº 404012, objeto da nota devolutiva nº 70.920, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 10 de outubro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1001677-54.2024.8.26.0019

Apelante: Villagio 020102 Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda

Apelado: Oficial de Registro de Imoveis e Anexos da Comarca de Americana

VOTO Nº 43.592

Registro de imóveis – Escritura de Venda e Compra – Continuidade Registral e disponibilidade tabular observadas – Registro em conformidade com o princípio tempus regit actum – Cessões contratuais intermediárias não inscritas na matrícula – Realidade extratabular – Contratos apenas circunstancialmente mencionados no título, referidos para contextualizar a cadeia de transmissões extratabulares – Ordens de indisponibilidade em relação a dois dos cedentes decretadas posteriormente às operações econômicas – Cancelamento prévio prescindível – Tempus regit factum – Exigência afastada – Dúvida improcedente – Recurso provido.

A suscitada, inconformada com a r. sentença de fls. 66-69, que confirmou o juízo negativo de qualificação registral, interpôs apelação.

Questiona a exigência levantada pelo Oficial, afirmando que as indisponibilidades em nome de Renato de Caroli e Eliana Aparecida Botasso de Caroli, terceiros em relação à compra e venda, não obstam o registro da escritura pública correspondente (fls. 83-96). Aguarda, logo, o julgamento improcedente da dúvida, a reforma do resolvido em primeira instância.

A Procuradoria Geral da Justiça, em seu parecer, manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

O dissenso versa a respeito da registrabilidade da escritura pública de venda e compra de fls. 16-21, lavrada no dia 6 de outubro de 2023, contrato ajustado entre a proprietária tabular, a vendedora Anagro Agropecuária Ltda, e a suscitada/recorrente, então adquirente do bem imóvel identificado na matrícula n.º 102.983 do RI de Americana.

O Oficial, ao suscitar a dúvida, escorando-se na nota devolutiva n.º 70.920 (fls. 32-34), relacionada à prenotação n.º 404.012 (efetuada no dia 10 de janeiro de 2024), condicionou o registro ao cancelamento das indisponibilidades em nome de Renato de Caroli e Eliana Aparecida Botasso de Caroli (fls. 1-5), ambos indicados, na escritura, ao lado de outros terceiros, como cedentes de direitos.

As indisponibilidades arroladas pelo Oficial não atingem a situação jurídica da vendedora, pessoa em nome de quem registrado o imóvel, quer dizer, não afetam sua legitimidade para dele dispor; sob outro prisma, em atenção ao histórico negocial detalhado no título, inexistiam ao tempo da cessão de direitos concluída pelos cedentes Renato de Caroli e Eliana Aparecida Botasso de Caroli.

Considerada a realidade tabular, enfim, as condições registrais vigentes por ocasião da prenotação, as ordens judiciais de indisponibilidade, não averbadas na matrícula n.º 102.983 do RI de Americana, estranhas à proprietária tabular, não obstam a inscrição constitutiva pretendida, que está em conformidade com o princípio do trato sucessivo e a disponibilidade registral (tabular).

O registro requerido tem respaldo na titularidade de direito inscrita na matrícula, preservando a integridade da cadeia de titularidade de direitos reais; por outro lado, a aptidão registral do título aquisitivo não é afetada pelas indisponibilidades enumeradas pelo Oficial, desprovidas de força, in concreto, para obstar o acesso da escritura de venda e compra ao álbum imobiliário.

Ao outorgar a escritura pública de venda e compra, a proprietária tabular, retendo, à época, um domínio formal, conservando uma propriedade nua, vazia, apenas cumpriu um dever seu, escorada em sua titularidade formal e em sua autonomia privada, não alcançada pelos comandos de indisponibilidade.

O título formaliza um negócio jurídico vinculado, devido, “o negócio jurídico é, aí, pagamento”[1], e sua inscrição realiza o princípio da segurança jurídica, concorrendo para a estabilização das relações jurídicas; ajusta-se, ademais, ao princípio tempus regit actum, conforma-se com a legislação vigente e as normas registrais; ao tempo da prenotação, não havia obstáculos ao registro.

Negócios jurídicos extrínsecos ao registro, então alheios à matrícula, extratabulares, em particular, aqui, as cessões de posições contratuais mencionadas na escritura de venda e compra, cessões intermediárias, lá descritas apenas para contextualizar a cadeia de sucessões, e melhor justificar a outorga do título, não se prestam, na hipótese vertente, a bloquear o registro.

O controle dessas cessões, não levadas a registro, não submetidas à qualificação registral, não compete ao Oficial. No que interessa, apenas se, à luz da cadeia de transmissões extratabulares no título exposta em perspectiva histórica, apurasse, em consulta à Central Nacional de Indisponibilidade de Bens, cessões contratuais contrárias às ordens de indisponibilidades, caber-lhe-ia recusar o registro, no entanto, caso tivessem sido decretadas anteriormente aos negócios jurídicos dispositivos que as afrontariam.

Prevalece, nessa situação, relacionada a títulos não enviados a registro, abordados en passant, circunstancialmente, apenas para revelar a cadeia de transmissões, a diretriz tempus regit factum. Assim, sobre o tema, ajusta-se a compreensão deste C. Conselho Superior da Magistratura, expressa, originariamente, na Apelação n.º 0043598-78.2012.8.26.0100, rel. Des. Renato Nalini, j. 26.9.2013, para limitar o controle registral da disponibilidade, em relação às cessões contratuais intermediárias não levadas a registro, que deve considerar as datas das contratações, e não a da prenotação.

Ocorre que as ordens listadas na nota devolutiva são, todas, supervenientes à cessão e transferência de direitos e obrigações aperfeiçoada entre, de um lado, Renato de Caroli e Eliana Aparecida Botasso de Caroli (aqueles a quem se referem as ordens de indisponibilidade) e, de outro, Rodrigo Mascarenhas Machado e Helen Ostan dos Santos Machado.

Trata-se de negócio jurídico datado de 13 de maio de 2016, antecedido pela promessa de venda e compra que pactuaram, no dia 22 de novembro de 2012, com a vendedora, proprietária tabular, e sucedido pelas cessões contratuais ajustadas (por Rodrigo Mascarenhas Machado e Helen Ostan dos Santos Machado) com a LTB Incorporadora de Imóveis Ltda., no dia 6 de abril de 2017, e por esta, em 8 de agosto de 2023, com a suscitada/recorrente.

Já as indisponibilidade nºs 202108.2611.00923608-IA-220, 202108.2611.00923614-IA-700, 202003.0210.01078426-IA-220, 202004.2910.01131911-IA-070 e 202311.1614.03035652-IA-190, então relativas, as duas primeiras, ao processo nº 1004081-59.2016.8.26.0019, as outras duas, ao processo nº 1012324-95.2016.8.26.0114, e, a última, ao processo nº 0010070-33.2020.5.15.0099, foram todas comandadas a partir de 2019.

Nessa senda, ao cederem os seus direitos sobre o bem imóvel descrito na matrícula n.º 102.983 do RI de Americana, no ano de 2016, Renato de Caroli e Eliana Aparecida Botasso de Caroli não estavam privados do poder (da faculdade) de alienação, não lhes faltava legitimidade, legitimação, esta entendida, conforme escólio de Antonio Junqueira de Azevedo, como poder de dispor, “uma condição de eficácia dos negócios de disposição.”[2]

Titulares dos direitos cedidos, deles, ao tempo da cessão contratual, Renato de Caroli e Eliana Aparecida Botasso de Caroli podiam dispor, portanto, a exigência apresentada pelo Oficial, condicionando o registro da escritura pública de venda e compra ao cancelamento das indisponibilidades, deve ser afastada.

Diante do exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação e, nessa linha, julgo improcedente a dúvida, determinando o registro da escritura de venda e compra de fls. 16-21, prenotada sob o n.º 404012, objeto da nota devolutiva n.º 70.920.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota:

[1] Antonio Junqueira de Azevedo. Negócio jurídico e declaração negocialnoções gerais e formação da declaração negocial. Tese de titularidade – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1986, p. 218-219.

[2] Negócio jurídico e declaração negocial …, opcit., p. 155-157. (DJe de 22.10.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Escritura Pública de Compra e Venda – Certidão Negativa de Débito – CND – Exigência afastada – Item 117.1 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Precedentes do Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Nacional de Justiça – Veto à revogação do art. 47 da Lei Nº 8.212/91 que não altera o panorama legislativo da matéria – Exigência de averbação da alteração da razão social da pessoa jurídica alienante – Documentos que permitem identificação entre a pessoa jurídica proprietária tabular e aquela mencionada no título – Óbice afastado – Apelo provido

Apelação Cível nº 1048718-65.2024.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1048718-65.2024.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1048718-65.2024.8.26.0100

Registro: 2024.0001011702

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1048718-65.2024.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante LUÍS ANTONIO NOGUEIRA SPINARDI, é apelado 17º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro da escritura pública de compra e venda na matrícula nº 8.417 do 17º Registro de Imóveis da Capital, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 10 de outubro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1048718-65.2024.8.26.0100

Apelante: Luís Antonio Nogueira Spinardi

Apelado: 17º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 43.585

Registro de imóveis – Dúvida – Escritura Pública de Compra e Venda – Certidão Negativa de Débito – CND – Exigência afastada – Item 117.1 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Precedentes do Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Nacional de Justiça – Veto à revogação do art. 47 da Lei Nº 8.212/91 que não altera o panorama legislativo da matéria – Exigência de averbação da alteração da razão social da pessoa jurídica alienante – Documentos que permitem identificação entre a pessoa jurídica proprietária tabular e aquela mencionada no título – Óbice afastado – Apelo provido

Trata-se de apelação interposta por LUÍS ANTONIO NOGUEIRA SPINARDI em face da r. sentença de fls. 199/207, proferida pela MMª Juíza Corregedora Permanente do 17º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, que, em procedimento de dúvida, manteve a qualificação negativa para registro da escritura pública de compra e venda lavrada em 19 de abril de 2023 (livro 775, pags. 080/083) pelo 1º Tabelionato de Notas da Comarca de Itatiba, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 8.417.

A apelação busca a reforma da sentença, a fim de permitir o ingresso do título ao fólio real. Alega que a exigência de apresentação de CND afronta previsão contida nas NSCGJ, além de contrariar entendimento do Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Nacional da Justiça, no sentido de autorizar a dispensa aos Cartórios de Registro de Imóveis da apresentação de certidão negativa de débito (CND) nas operações notarias. Quanto à divergência da denominação social, assinala que o nome social da pessoa jurídica é POMGAR COMÉRCIO REPRESENTAÇÕES E SERVIÇOS DE AUTOPEÇAS LTDA, constante nos documentos societários da pessoa jurídica, inexistindo dúvida quanto à identidade societária pelo número de inscrição do CNPJ nº 61.245.551/0001-00 (fls. 210/240).

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do apelo (fls. 259/264).

É o relatório.

A apelação merece provimento.

O apelante apresentou para registro ao 17º Oficial de Registro de Imóveis da Capital escritura pública de compra e venda lavrada em 19 de abril de 2023, pag. 80/83, do livro 775 e Ato Retificatório lavrado em 31 de julho de 2023, pag. 022, do Livro 781, pela 1ª Tabeliã de Notas de Itatiba, tendo por objeto o imóvel da matrícula nº 8.417 daquela Serventia, título que foi prenotado sob nº 282.129 e recebeu a seguinte Nota Devolutiva (fls. 19/29):

“Em atenção aos arts. 47 e 48 da Lei 8.212/91:

‘Art. 47. É exigida Certidão Negativa de Débito-CND, fornecida pelo órgão competente, nos seguintes casos:

I – da empresa:

(…)

b) na alienação ou oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo’

‘Art. 48. A prática de ato com inobservância do disposto no artigo anterior, ou o seu registro, acarretará a responsabilidade solidária dos contratantes e do oficial que lavrar ou registrar o instrumento, sendo o ato nulo para todos os efeitos.

(…)

§3º. O servidor, o serventuário da Justiça, o titular de serventia extrajudicial e a autoridade ou órgão que infringirem o disposto no artigo anterior incorrerão em multa aplicada na forma estabelecida no art. 92, sem prejuízo da responsabilidade administrativa e penal cabível’.

(…)

1.1. Face ao exposto, necessária a apresentação de certidão negativa relativa a créditos tributários federais e à dívida ativa da União, abrangendo inclusive as contribuições previdenciárias e as de terceiros, emitida pela Secretaria da Receita Federal, em nome da vendedora POMGAR – COMÉRCIO REPRESENTAÇÕES E SERVIÇOS DE AUTO PEÇAS LTDA, válida à época da prenotação, tendo em vista que não fora possível a emissão pelo site da Receita Federal ou o afastamento da referida exigência em decisão em procedimento de dúvida nos termos do art. 198 e seguintes da Lei 6.015/73 (…)

2. O título apresentado e a matrícula 8.417 divergem em relação à razão social da transmitente/vendedora, já que na matrícula consta a denominação de POMGAR – COMÉRCIO REPRESENTAÇÃO E SERVIÇOS DE AUTO PEÇAS LTDA., enquanto que no título indica-se POMGAR – COMÉRCIO REPRESENTAÇÕES E SERVIÇOS DE AUTO PEÇAS LTDA.

Assim sendo, pede-se apresentar o contrato social da transmitente, com a referida alteração e o respectivo registro no órgão competente, em via original ou cópia autenticada, ou retificar o título no que se refere a esse elemento de identificação.”

Como se observa da nota devolutiva, dois foram os óbices.

Quanto ao primeiro, relativamente à apresentação de Certidão Negativa de Débito CND, o afastamento da exigência se impõe, pois aplicável o item 117.1 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, que preceitua:

“117.1. Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais.”

Pois bem.

A jurisprudência consolidada deste Conselho é no sentido de que exigir certidões negativas de tributos federais e contribuições previdenciárias para a prática de ato de registro caracteriza exercício abusivo de cobrar tributos. Consoante reiteradas decisões, inclusive do Supremo Tribunal Federal, “o Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção, convertendo-os em instrumentos de acertamento da elação tributária, para, em função deles e mediante interdição ou grave restrição ao exercício da atividade empresarial, econômica ou profissional constranger o contribuinte a adimplir obrigações fiscais eventualmente em atraso” (STF, RE 666405/RS, Rel. Min. Celso de Mello).

Ainda sobre o tema, julgados deste Conselho:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – INSTRUMENTO PARTICULAR DE CESSÃO DE DIREITOS – CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO – CND – EXIGÊNCIA AFASTADA, SEGUNDO ATUAL ORIENTAÇÃO DESTE CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA E DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – SUBITEM 117.1, CAPÍTULO XX, TOMO II, DAS NORMAS DE SERVIÇO DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA – APELO PROVIDO” (CSM/SP – apelação nº 1003559-67.2022.8.26.0198, Rel. Des. Torres Garcia, j. em 22/09/2023).

“Registro de Imóveis – Carta de Adjudicação – Desqualificação do título judicial, exigindo-se certidão negativa de débitos (CND) expedida conjuntamente pela Receita Federal e pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – Impossibilidade Item 119.1, do Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ – Registrador que não pode assumir o papel de fiscal dos tributos não vinculados ao ato registrado – Dúvida improcedente – Apelação provida” (Apelação Cível n. 1000791-27.2017.8.26.0625, Rel. Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, j. 15.5.2018, DJe 17.7.2018).”

Caracterizaria, em síntese, restrição a interesses privados em desacordo com a orientação do E. STF, a qual se alinhou este C. CSM, e, nessa trilha, incompatível com limitações inerentes ao devido processo legal, porque mascararia uma cobrança por quem não é a autoridade competente, longe do procedimento adequado à defesa dos direitos do contribuinte, em atividade estranha à fiscalização que lhe foi cometida, ao seu fundamento e fins legais, dado que as obrigações tributárias em foco não decorrem do ato registral buscado.

E os respeitáveis argumentos apresentados na r. sentença recorrida não têm o condão de modificar o entendimento já consolidado. Isso porque as diversas decisões judiciais e administrativas mencionadas, que resultaram no afastamento da exigência das certidões e na inserção do item 117.1 no Capítulo XX das NSCGJ, foram proferidas enquanto vigentes os artigos 47 e 48 da Lei nº 8.212/91.

Assim, ainda que o dispositivo legal que revogava em parte o art. 47 da Lei nº 8.212/91 tenha sido vetado (art. 20, IV, da Lei nº 14.382/2022), não houve alteração no panorama legislativo da matéria.

Em outras palavras: o art. 47 da Lei nº 8.212/91 permanece em vigor, assim como já ocorria quando a tese que dispensou a apresentação de CND passou a prevalecer.

No que se refere ao segundo óbice, verifica-se que está ele embasado na divergência da denominação da pessoa jurídica no título (POMGAR COMÉRCIO, REPRESENTAÇÕES E SERVIÇOS DE AUTOPEÇAS LTDA) e na matrícula do imóvel (POMGAR COMÉRCIO REPRESENTAÇÃO E SERVIÇOS DE AUTOPEÇAS LTDA). Em ambos os casos, o CNPJ é de nº 61.245.551/0001-00.

A despeito da sutil divergência na denominação da razão social da vendedora, os documentos dos autos comprovam que a razão social da vendedora transmitente é aquela que consta do título levado a registro (POMGAR COMÉRCIO REPRESENTAÇÕES E SERVIÇOS DE AUTOPEÇAS LTDA), o mesmo que consta na Ficha Cadastral da JUCESP, onde registrados seu contrato social e demais atos cadastrais.

Portanto, comprovada a identidade, inconfundível a pessoa jurídica constante no título e a que figura como proprietária tabular, não há que se falar em ofensa ao princípio da especialidade subjetiva.

No mais, nada impede que, posteriormente, a alteração da razão social da pessoa jurídica em questão seja objeto de averbação junto à matrícula do imóvel, pois a Lei 6.015/73 prevê a retificação do registro de imóveis sempre que se fizer necessária inserção ou modificação dos dados de qualificação pessoal das partes.

Com tais considerações, respeitado o entendimento da MMª Juíza Corregedora, concluindo que não haverá quebra na linha de continuidade a macular o registro, conclui-se que a recusa não deve prevalecer.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro da escritura pública de compra e venda na matrícula nº 8.417 do 17º Registro de Imóveis da Capital.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 22.10.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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