CSM/SP: Registro de imóveis – Escritura de Venda e Compra – Continuidade Registral e disponibilidade tabular observadas – Registro em conformidade com o princípio tempus regit actum – Cessões contratuais intermediárias não inscritas na matrícula – Realidade extratabular – Contratos apenas circunstancialmente mencionados no título, referidos para contextualizar a cadeia de transmissões extratabulares – Ordens de indisponibilidade em relação a dois dos cedentes decretadas posteriormente às operações econômicas – Cancelamento prévio prescindível – Tempus regit factum – Exigência afastada – Dúvida improcedente – Recurso provido.


  
 

Apelação Cível nº 1001677-54.2024.8.26.0019

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1001677-54.2024.8.26.0019
Comarca: AMERICANA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1001677-54.2024.8.26.0019

Registro: 2024.0000995133

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001677-54.2024.8.26.0019, da Comarca de Americana, em que é apelante VILLAGIO 020102 EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS SPE LTDA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMOVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE AMERICANA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação e julgaram improcedente a dúvida, determinando o registro da escritura de venda e compra de fls. 16-21, prenotada sob o nº 404012, objeto da nota devolutiva nº 70.920, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 10 de outubro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1001677-54.2024.8.26.0019

Apelante: Villagio 020102 Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda

Apelado: Oficial de Registro de Imoveis e Anexos da Comarca de Americana

VOTO Nº 43.592

Registro de imóveis – Escritura de Venda e Compra – Continuidade Registral e disponibilidade tabular observadas – Registro em conformidade com o princípio tempus regit actum – Cessões contratuais intermediárias não inscritas na matrícula – Realidade extratabular – Contratos apenas circunstancialmente mencionados no título, referidos para contextualizar a cadeia de transmissões extratabulares – Ordens de indisponibilidade em relação a dois dos cedentes decretadas posteriormente às operações econômicas – Cancelamento prévio prescindível – Tempus regit factum – Exigência afastada – Dúvida improcedente – Recurso provido.

A suscitada, inconformada com a r. sentença de fls. 66-69, que confirmou o juízo negativo de qualificação registral, interpôs apelação.

Questiona a exigência levantada pelo Oficial, afirmando que as indisponibilidades em nome de Renato de Caroli e Eliana Aparecida Botasso de Caroli, terceiros em relação à compra e venda, não obstam o registro da escritura pública correspondente (fls. 83-96). Aguarda, logo, o julgamento improcedente da dúvida, a reforma do resolvido em primeira instância.

A Procuradoria Geral da Justiça, em seu parecer, manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

O dissenso versa a respeito da registrabilidade da escritura pública de venda e compra de fls. 16-21, lavrada no dia 6 de outubro de 2023, contrato ajustado entre a proprietária tabular, a vendedora Anagro Agropecuária Ltda, e a suscitada/recorrente, então adquirente do bem imóvel identificado na matrícula n.º 102.983 do RI de Americana.

O Oficial, ao suscitar a dúvida, escorando-se na nota devolutiva n.º 70.920 (fls. 32-34), relacionada à prenotação n.º 404.012 (efetuada no dia 10 de janeiro de 2024), condicionou o registro ao cancelamento das indisponibilidades em nome de Renato de Caroli e Eliana Aparecida Botasso de Caroli (fls. 1-5), ambos indicados, na escritura, ao lado de outros terceiros, como cedentes de direitos.

As indisponibilidades arroladas pelo Oficial não atingem a situação jurídica da vendedora, pessoa em nome de quem registrado o imóvel, quer dizer, não afetam sua legitimidade para dele dispor; sob outro prisma, em atenção ao histórico negocial detalhado no título, inexistiam ao tempo da cessão de direitos concluída pelos cedentes Renato de Caroli e Eliana Aparecida Botasso de Caroli.

Considerada a realidade tabular, enfim, as condições registrais vigentes por ocasião da prenotação, as ordens judiciais de indisponibilidade, não averbadas na matrícula n.º 102.983 do RI de Americana, estranhas à proprietária tabular, não obstam a inscrição constitutiva pretendida, que está em conformidade com o princípio do trato sucessivo e a disponibilidade registral (tabular).

O registro requerido tem respaldo na titularidade de direito inscrita na matrícula, preservando a integridade da cadeia de titularidade de direitos reais; por outro lado, a aptidão registral do título aquisitivo não é afetada pelas indisponibilidades enumeradas pelo Oficial, desprovidas de força, in concreto, para obstar o acesso da escritura de venda e compra ao álbum imobiliário.

Ao outorgar a escritura pública de venda e compra, a proprietária tabular, retendo, à época, um domínio formal, conservando uma propriedade nua, vazia, apenas cumpriu um dever seu, escorada em sua titularidade formal e em sua autonomia privada, não alcançada pelos comandos de indisponibilidade.

O título formaliza um negócio jurídico vinculado, devido, “o negócio jurídico é, aí, pagamento”[1], e sua inscrição realiza o princípio da segurança jurídica, concorrendo para a estabilização das relações jurídicas; ajusta-se, ademais, ao princípio tempus regit actum, conforma-se com a legislação vigente e as normas registrais; ao tempo da prenotação, não havia obstáculos ao registro.

Negócios jurídicos extrínsecos ao registro, então alheios à matrícula, extratabulares, em particular, aqui, as cessões de posições contratuais mencionadas na escritura de venda e compra, cessões intermediárias, lá descritas apenas para contextualizar a cadeia de sucessões, e melhor justificar a outorga do título, não se prestam, na hipótese vertente, a bloquear o registro.

O controle dessas cessões, não levadas a registro, não submetidas à qualificação registral, não compete ao Oficial. No que interessa, apenas se, à luz da cadeia de transmissões extratabulares no título exposta em perspectiva histórica, apurasse, em consulta à Central Nacional de Indisponibilidade de Bens, cessões contratuais contrárias às ordens de indisponibilidades, caber-lhe-ia recusar o registro, no entanto, caso tivessem sido decretadas anteriormente aos negócios jurídicos dispositivos que as afrontariam.

Prevalece, nessa situação, relacionada a títulos não enviados a registro, abordados en passant, circunstancialmente, apenas para revelar a cadeia de transmissões, a diretriz tempus regit factum. Assim, sobre o tema, ajusta-se a compreensão deste C. Conselho Superior da Magistratura, expressa, originariamente, na Apelação n.º 0043598-78.2012.8.26.0100, rel. Des. Renato Nalini, j. 26.9.2013, para limitar o controle registral da disponibilidade, em relação às cessões contratuais intermediárias não levadas a registro, que deve considerar as datas das contratações, e não a da prenotação.

Ocorre que as ordens listadas na nota devolutiva são, todas, supervenientes à cessão e transferência de direitos e obrigações aperfeiçoada entre, de um lado, Renato de Caroli e Eliana Aparecida Botasso de Caroli (aqueles a quem se referem as ordens de indisponibilidade) e, de outro, Rodrigo Mascarenhas Machado e Helen Ostan dos Santos Machado.

Trata-se de negócio jurídico datado de 13 de maio de 2016, antecedido pela promessa de venda e compra que pactuaram, no dia 22 de novembro de 2012, com a vendedora, proprietária tabular, e sucedido pelas cessões contratuais ajustadas (por Rodrigo Mascarenhas Machado e Helen Ostan dos Santos Machado) com a LTB Incorporadora de Imóveis Ltda., no dia 6 de abril de 2017, e por esta, em 8 de agosto de 2023, com a suscitada/recorrente.

Já as indisponibilidade nºs 202108.2611.00923608-IA-220, 202108.2611.00923614-IA-700, 202003.0210.01078426-IA-220, 202004.2910.01131911-IA-070 e 202311.1614.03035652-IA-190, então relativas, as duas primeiras, ao processo nº 1004081-59.2016.8.26.0019, as outras duas, ao processo nº 1012324-95.2016.8.26.0114, e, a última, ao processo nº 0010070-33.2020.5.15.0099, foram todas comandadas a partir de 2019.

Nessa senda, ao cederem os seus direitos sobre o bem imóvel descrito na matrícula n.º 102.983 do RI de Americana, no ano de 2016, Renato de Caroli e Eliana Aparecida Botasso de Caroli não estavam privados do poder (da faculdade) de alienação, não lhes faltava legitimidade, legitimação, esta entendida, conforme escólio de Antonio Junqueira de Azevedo, como poder de dispor, “uma condição de eficácia dos negócios de disposição.”[2]

Titulares dos direitos cedidos, deles, ao tempo da cessão contratual, Renato de Caroli e Eliana Aparecida Botasso de Caroli podiam dispor, portanto, a exigência apresentada pelo Oficial, condicionando o registro da escritura pública de venda e compra ao cancelamento das indisponibilidades, deve ser afastada.

Diante do exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação e, nessa linha, julgo improcedente a dúvida, determinando o registro da escritura de venda e compra de fls. 16-21, prenotada sob o n.º 404012, objeto da nota devolutiva n.º 70.920.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota:

[1] Antonio Junqueira de Azevedo. Negócio jurídico e declaração negocialnoções gerais e formação da declaração negocial. Tese de titularidade – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1986, p. 218-219.

[2] Negócio jurídico e declaração negocial …, opcit., p. 155-157. (DJe de 22.10.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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