CSM/SP: Registro de imóvel – Dúvida – Carta de adjudicação – Exigência de recolhimento do ITBI – Hipótese de efetiva transferência da propriedade – Não obstante, o recolhimento foi realizado antecipadamente, na ocasião do registro da carta de arrematação dos direitos sobre o imóvel – Hipótese na qual o alienante permaneceu como dono – Inocorrência do fato gerador do tributo – Inexigível duplo recolhimento – Precedentes do Conselho Superior da Magistratura, amparados em julgados do STJ e do STF – Recurso provido.


PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 0009528-83.2014.8.26.0223

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0009528-83.2014.8.26.0223, da Comarca de Guarujá, em que é apelante ALCINDO DOMINGUES DE MIRANDA BARRETO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE GUARUJÁ.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, PARA AFASTAR A EXIGÊNCIA DO RECOLHIMENTO DO ITBI E DETERMINAR O REGISTRO DO TÍTULO, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI (VICE PRESIDENTE), JOSÉ DAMIÃO PINHEIRO MACHADO COGAN (DECANO, em exercício), ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 15 de dezembro de 2015.

JOSÉ CARLOS GONÇALVES XAVIER DE AQUINO

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação Cível n.° 0009528-83.2014.8.26.0223

Apelante: Alcindo Domingues de Miranda Barreto

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis da Comarca do Guarujá

VOTO N.° 29.021

Registro de imóvel – Dúvida – Carta de adjudicação – Exigência de recolhimento do ITBI – Hipótese de efetiva transferência da propriedade – Não obstante, o recolhimento foi realizado antecipadamente, na ocasião do registro da carta de arrematação dos direitos sobre o imóvel – Hipótese na qual o alienante permaneceu como dono – Inocorrência do fato gerador do tributo – Inexigível duplo recolhimento – Precedentes do Conselho Superior da Magistratura, amparados em julgados do STJ e do STF – Recurso provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença do MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca do Guarujá, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa de registro da carta de adjudicação apresentada referente aos imóveis matriculados sob números 69.424, 69.425 e 69.426, sob o fundamento de que dois são os fatos geradores do imposto, porque a arrematação que determinou o primeiro recolhimento do ITBI deu-se sobre os direitos sobre os imóveis, e, na adjudicação compulsória, o que se efetivará é a transferência do direito real de propriedade. Acrescenta que os polos passivos de ambas as ações ajuizadas pelo suscitado Alcindo Domingues foram diversos e a legislação tributária municipal estabelece arrematação e adjudicação como fatos geradores autônomos.

O apelante afirma, em suma, que o ITBI foi recolhido por antecipação, na ocasião do registro da arrematação dos direitos sobre os imóveis, e que não deve ser recolhido duas vezes. Diz que as partes e os imóveis envolvidos são os mesmos e que a arrematação judicial é forma originária de aquisição de propriedade.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

O recurso merece ser provido.

A r. sentença manteve a exigência do Oficial sob o fundamento de que o ITBI incide tanto na hipótese de transmissão de direitos em relação ao imóvel quanto na hipótese de transmissão da titularidade do domínio do imóvel, conforme prevê a legislação municipal.

A Oficial, por sua vez, baseia-se no artigo 84, “e”, da Lei Complementar n.° 38/1997 e sobre o dever e a responsabilidade dos notários e registradores no recolhimento dos impostos.

Não obstante, é preciso considerar que há precedentes recentes deste Conselho Superior da Magistratura, baseados em julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a despeito das legislações municipais que determinam o recolhimento do ITBI nos casos de compromisso de compra e venda e outros contratos de natureza pessoal, pelos quais se transmitem apenas os direitos relativos ao bem imóvel, de acordo com a Constituição Federal e o Código Civil, o ITBI tem incidência e é devido apenas quando a escritura pública de compra e venda (ou por instrumento particular nos casos previstos em lei) é apresentada para registro, pois, somente neste momento ocorre a efetiva transferência da titularidade do domínio ao comprador, do contrário, o alienante continua proprietário do imóvel.

Assim sendo e apesar da previsão de incidência do ITBI na legislação municipal, a inconstitucionalidade desta norma é manifesta, e, como tal, excepcionalmente, pode ser reconhecida na esfera administrativa.

É pertinente transcrever a ementa e o trecho de interesse da Apelação Cível n°. 0015683-73.2011.8.26.0590, relatada pelo Desembargador José Renato Nalini, então Corregedor Geral da Justiça, julgada no dia 12/9/2012, que se aplica por analogia ao caso em tela:

“APELAÇÃO – REGISTRO DE IMÓVEL – RECUSA – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – NÃO INCIDÊNCIA DE ITBI – PAGAMENTO ANTECIPADO DO TRIBUTO – INEXISTÊNCIA DO FATO GERADOR – LAPSO TEMPORAL DE MAIS DE 40 ANOS ENTRE O PAGAMENTO DO ITBI ANTECIPADO E A LAVRATURA DE ESCRITURA DE VENDA E COMPRA. Recurso conhecido, mas não provido.”

“Todavia, o imposto é devido somente por ocasião do registro de transmissão da propriedade de bens ou direitos, a teor do disposto no art. 1245 do Código Civil – “transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo noRegistro de Imóveis. §1°. Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”(agr. Reg. Em Agr. Inst. N° 448.245/DF, Rel. Min. Luiz Fux).

A respeito da exigência de pagamento antes do registro do título translativo da propriedade vale colacionar parte do voto proferido pelo Des. Roberto Martins de Souza na Apelação n.° 0039993-95.2009.8.26.0564, da Comarca de São Bernardo, com plena aplicação ao caso em tela:

(…) cabe aqui o ensinamento de Kiyoshi Harada: “(…) Convém ressaltar, que a transmissão da propriedade imobiliária só se opera com o registro do título de transferência no registro de imóveis competente, segundo o art. 1.245 do Código Civil, que assim prescreve: ‘Transfere-se entre vivos a propriedade mediante registro do título translativo do Registro de Imóveis.’

O §1° desse artigo dispõe enfaticamente que “enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”. Portanto, a exigência do imposto antes da lavratura da escritura da escritura de compra e venda ou do contrato particular, quando for o caso, como consta da maioria das legislações municipais, é manifestamente inconstitucional. Esse pagamento antecipado do imposto não teria amparo no §7° do art. 150 da CF, que se refere à atribuição ao ‘sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realiza o fato gerador presumido’.

“Por isso, o STJ já pacificou sua jurisprudência no sentido de que o ITBI deve incidir apenas sobre transações registradas em cartório, que impliquem efetiva transmissão da propriedade imobiliária (Resp 1.066, 253364, 12.546, 264064, 57.641; AGA 448.245; ROMS 10.650). Curvamo-nos à jurisprudência remansosa do STJ, reformulando nosso ponto de vista anterior, quer porque inaplicável o §7° do art. 150 da CF em relação ao ITBI, quer porque o fato gerador desse imposto, eleito pelo art. 35, II, do CTN, em obediência ao disposto no art. 156, II, da CF, é uma situação jurídica, qual seja, a transmissão da propriedade imobiliária.” (“Direito Tributário Municipal”, segunda edição, São Paulo: Atlas, página 100)”.

Neste mesmo sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Instrumento particular de contrato de promessa de venda e compra de unidade condominial a ser construída e outras avenças – Resignação não configurada – Dúvida conhecida – Comprovação do Recolhimento do ITBI e anuência da credora hipotecária – Exigências descabidas – Tributo não incidente – Precedentes do STF e do STJ – Inaplicabilidade do parágrafo único do art. 1º da Lei 8.004/1990 ao caso dos autos. Súmula n.° 308 do STJ – Dúvida improcedente – Recurso provido. (Apelação Cível n.° 900016-61.2011.8.26.0577 – Rel. Des. José Renato Nalini – j. 7/2/2013).

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. NÃO INCIDÊNCIA DO ITBI. 1. Controvérsia decidida à luz de normas infraconstitucionais. Ofensa indireta à constituição do Brasil. 2. A celebração de contrato de compromisso de compra e venda não gera obrigação ao pagamento do ITBI. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AI – AGR 603.309/MG, Rel. Min. Eros Grau, Julgamento: 18/12/2006).

Verifica-se, pois, que foi incorreta a exigência e o recolhimento do ITBI na ocasião em que houve registro da arrematação referente aos direitos sobre o imóvel, e que o correto seria recolher o imposto apenas em razão do registro da carta de adjudicação que efetivamente transmitiu a titularidade do domínio.

Assim sendo, e considerando que o recolhimento indevido deve ser considerado recolhimento antecipado, afasta-se a exigência e determina-se o registro do título.

Isto posto, dou provimento ao recurso, para afastar a exigência do recolhimento do ITBI e determinar o registro do título.

JOSÉ CARLOS GONÇALVES XAVIER DE AQUINO

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Fonte: DJE | 29/02/2016.

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Artigo: A Função Econômica do Protesto: Sua efetividade na recuperação de Crédito (Parte II: Protesto de Sentença Judicial) – Por José Flávio Bueno Fischer


* José Flávio Bueno Fischer

Nosso artigo publicado no mês de janeiro deste ano no site do Colégio Notarial do Brasil, intitulado “a função econômica do protesto: sua efetividade na recuperação de crédito”, demonstrou a relevante função econômica do protesto no Brasil, já que por ser um meio rápido e eficaz de recuperação de crédito, contribui com a instituição de um ambiente negocial de confiança e de segurança. Isso porque, os devedores, temerosos em terem seus nomes inscritos nos órgãos de proteção de crédito, acabam por pagar as dívidas levadas a protesto, o que torna o instituto um meio muito eficiente na recuperação do crédito.
O referido artigo demonstrou, ainda, que, apesar do protesto ter nascido como figura integrada exclusivamente ao universo cambiário, daquele se desvinculou e passou a ser admitido em relação a outros documentos de dívida.
Pois bem. O assunto do presente artigo, em continuidade ao desenvolvimento da ideia da função econômica do protesto, é justamente a questão envolvendo o protesto de outros documentos de dívida, notadamente a sentença judicial.
Com efeito, com o advento da Lei nº 9.492/97, houve a ampliação do objeto do protesto, eis que seu artigo 1º definiu o instituto como “o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.” Desde então, instaurou-se a controvérsia na doutrina e jurisprudência brasileira sobre a possibilidade de se levar a protesto a sentença judicial.
Analisando a questão, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 750.805-RS, firmou o entendimento segundo o qual “a sentença condenatória transitada em julgado é título representativo de dívida”, incluindo-se, assim, na previsão legal do art. 1º da Lei nº 9.492/97, sendo, desta forma, possível o protesto da sentença condenatória, transitada em julgado, que represente obrigação pecuniária líquida, certa e exigível.
Tal julgamento não foi unânime, com um placar de três votos a favor e dois contra, o que denota a divisão que existia no meio jurídico em relação à matéria.
Entretanto, o novo Código de Processo Civil, que entrará em vigor em março deste ano, espancou a controvérsia ao prever expressamente a possibilidade de protesto de sentença judicial em seu artigo 517:

Art. 517. A decisão judicial transitada em julgado poderá ser levada a protesto, nos termos da lei, depois de transcorrido o prazo para pagamento voluntário previsto no art. 523.
§ 1o Para efetivar o protesto, incumbe ao exequente apresentar certidão de teor da decisão.
§ 2o A certidão de teor da decisão deverá ser fornecida no prazo de 3 (três) dias e indicará o nome e a qualificação do exequente e do executado, o número do processo, o valor da dívida e a data de decurso do prazo para pagamento voluntário.
§ 3o O executado que tiver proposto ação rescisória para impugnar a decisão exequenda pode requerer, a suas expensas e sob sua responsabilidade, a anotação da propositura da ação à margem do título protestado.
§ 4o A requerimento do executado, o protesto será cancelado por determinação do juiz, mediante ofício a ser expedido ao cartório, no prazo de 3 (três) dias, contado da data de protocolo do requerimento, desde que comprovada a satisfação integral da obrigação.

Ou seja, do texto do artigo acima, infere-se que é permitido o protesto de decisão judicial definitiva, que preveja obrigação pecuniária, certa, líquida e exigível. Inclusive, decisão que imponha a obrigação de prestar alimentos, conforme previsão do artigo 528, §1º, do novo Código de Processo Civil.
Percebe-se, ainda, que, conforme disposição do “caput” do artigo 517, o credor só pode levar a protesto a decisão após transcorrido o prazo para pagamento voluntário da dívida, que é de 15 (quinze) dias após o devedor ser regularmente intimado para tanto. Em outras palavras, a sentença só pode ser levada a protesto se o devedor ficar inerte após intimado para pagar o débito.
Este procedimento trazido pelo novo CPC, que permite o protesto da decisão judicial transitada em julgado após o devedor deixar de fazer o pagamento voluntário no prazo concedido para tanto, concilia os interesses do credor e do devedor, pois viabiliza ao credor um meio rápido e eficiente de satisfação de seu crédito, ao mesmo tempo que protege o devedor contra constrangimentos patrimoniais desnecessários e indevidos, garantindo a observância de prazo para que este possa pagar o valor do débito voluntariamente.
De fato, a penhora de bens e valores, que seria a sequência natural do processo de execução caso não houvesse a possibilidade do protesto da sentença, há muito tem se mostrado uma medida penosa tanto para o credor, quanto para o devedor. Para o credor, porque, não raras vezes, não são encontrados bens ou valores para serem penhorados, restando a execução frustrada. Para o devedor, porque a penhora é uma restrição gravíssima ao patrimônio, que ocasiona sérias limitações, inclusive, muitas vezes, para o sustento de seus próprios negócios.
Ao contrário, o protesto da sentença judicial é uma medida justa e eficaz tanto para o credor, que, na maioria das vezes, vê seu crédito ser satisfeito com rapidez diante do medo do devedor de ter seu crédito abalado face a inscrição de seu nome em órgãos de proteção ao crédito, quanto para o devedor, que além de ter o prazo judicial de 15 (quinze) dias para pagar voluntariamente a dívida, tem mais o prazo extrajudicial de 3 (três) dias após ser intimado pelo Tabelionato de Protesto, além da segurança de não ter seu nome inscrito em órgãos de proteção ao crédito antes de ciente e intimado acerca da dívida e de seu valor.
Assim, o protesto de decisão judicial é mais uma faceta deste instituto a corroborar sua importante função econômica, de um instrumento extrajudicial de cobrança e um importante e eficaz meio de recuperação de crédito, que desafoga o Poder Judiciário e garante maior efetividade às suas decisões.
Louvável, portanto, a previsão do novo Código de Processo Civil acerca do protesto de decisão judicial, que a par de não ser propriamente uma novidade, traz mais força ao instituto dentro do ordenamento jurídico, encerrando dúvidas e controvérsias acerca de sua utilização nas sentenças judiciais transitadas em julgado.

José Flávio Bueno Fischer
1º Tabelião de Novo Hamburgo/RS
Ex-presidente do CNB-CF
Membro do Conselho de Direção da UINL

Fonte: Notariado | 26/02/2016.

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