Artigo: Lei nº 13.112/2015: Na prática nada mudou quanto ao direito da mãe – Por Letícia Franco Maculan Assumpção


* Letícia Franco Maculan Assumpção

A Lei nº 13.112, de 30 de março de 2015, foi publicada em 31 de março e a imprensa vem noticiando que: “Agora é lei: mãe pode registrar filho no cartório sem presença do pai1.”

Manchetes como essa podem levar as pessoas a acreditar que tudo mudou no que se refere ao registro de nascimento, quando, na realidade, na prática dos Cartórios de Registro Civil, nada mudou no que tange ao direito da mãe declarar o nascimento em igualdade de condições com o pai da criança.

A referida Lei nº 13.112/2015 somente veio reconhecer o que já vinha sendo aplicado nos Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais, ou seja, veio declarar de forma expressa que não há prevalência de direitos para o pai declarar o nascimento de filho, podendo o nascimento ser declarado pela mãe ou pelo pai.

Tal interpretação decorre da própria Constituição de 1988 que equiparou o homem e a mulher em direitos e obrigações2 e a mesma interpretação já havia sido fixada pela Corregedoria-Geral de Justiça de Minas Gerais por meio do Código de Normas do Extrajudicial, Provimento nº 260/CGJ-MG, que entrou em vigor em 10 de dezembro de 2013.

De fato, consta de forma expressa do referido Código de Normas, em seu art. 443, o direito equivalente que têm o pai e a mãe para fins de registro de nascimento do filho: § 1º O pai e a mãe estão igualmente obrigados a declarar o nascimento do filho comum, não havendo prevalência entre eles.

Muito importante ressaltar que a nova Lei nº 13.112/2015 não torna a  declaração feita exclusivamente pela mãe suficiente para que o nome do pai conste do registro da criança. Se os pais da criança não são casados, a mãe não pode incluir o nome do pai no registro, é preciso que o próprio pai reconheça a paternidade, declarando-a ao Oficial do Registro Civil, podendo o reconhecimento no momento do registro3 ser feito também mediante apresentação ao Oficial de declaração com firma reconhecida ou por instrumento público, ou, ainda, por meio de procurador legalmente constituído (procuração com firma reconhecida ou por instrumento público).

O Código de Normas de Minas Gerais, em seu art. 457, § 3º,  seguindo o que determina o Provimento nº 28 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, estabeleceu que, sendo os pais da criança casados entre si, é possível que a mãe faça incluir no registro o nome do pai, pois há presunção legal de que o marido é o pai, mas apenas se for apresentada certidão de casamento expedida após o nascimento da criança e cuja validade, para esse fim, é de 90 (noventa) dias.  A maioria dos Códigos de Normas dos demais Estados da Federação têm normas semelhantes sobre esse tema.

E a nova Lei  nº 13.112/2015 efetivamente manteve a necessidade de reconhecimento da paternidade pelo pai não casado com a mãe da criança, pois a nova redação dada o item 1º do art. 52 expressamente determinou que deve ser observado o disposto no § 2º do art. 54 da Lei 6.015/73, segundo o qual somente pode ser lançado no registro de nascimento o nome do pai nos termos da legislação civil vigente.

No que se refere à alteração do item 2º do art. 52, há um efeito prático: o prazo legal para o registro de nascimento é de 15 (quinze) dias (art. 50 da Lei nº 6.015/73), mas, antes da lei nº 13.112/2015, somente a mãe tinha a ampliação do prazo por mais 45 (quarenta e cinco) dias. Logo, somente a mãe tinha 60 (sessenta) dias para comparecer perante um Oficial de Registro Civil e fazer a declaração de nascimento. Com a nova Lei nº 13.112/2015, a ampliação agora se aplica para o pai e para a mãe, assim, tanto o pai quanto a mãe têm 60 (sessenta) dias para fazer a declaração de nascimento perante o Oficial competente.

A questão do registro de nascimento dentro do prazo legal é importante no que tange à fixação de competência territorial para registro. No prazo legal para registro, há opção quanto ao Cartório onde o nascimento pode ser registrado: no Cartório que serve ao local do nascimento ou no Cartório que serve à residência dos pais da criança ou do próprio registrando (no caso de o registrando já ser maior de 16 anos). Após o prazo legal, apenas pode ser feito o registro no Cartório que serve ao local da residência. O prazo legal agora, para o pai e para a mãe, foi igualado e passou a ser de 60 (sessenta) dias, podendo, nesse prazo, o pai ou a mãe pode optar por declarar o registro no cartório que serve ao local hospital ou no cartório que serve ao local da residência.

Não há multa para o registro de nascimento feito fora do prazo legal. O texto original da Lei de Registros Públicos previa tal multa, que era dispensada para o pobre, mas a Lei nº 10.215/2001 estabeleceu a gratuidade mesmo para os registros feitos após o vencimento do prazo, respeitando a Lei nº 9.534/1997, que instituiu a gratuidade do registro de nascimento para todas as pessoas.

No entanto, no registro fora do prazo legal, é importante lembrar que, nos termos do Provimento nº 28 do CNJ, somente é afastada a necessidade de apresentar duas testemunhas se o registrando tiver menos de 12 (doze) anos de idade e for apresentada a DNV: os dois requisitos devem ser observados para que seja afastada a necessidade das testemunhas.

Se o registrando tiver mais de 12 (doze) anos de idade ou não sendo apresentada a DNV, há que ser observado o complexo procedimento de Registro Tardio descrito no referido Provimento nº 28 do CNJ, sendo obrigatória a apresentação de duas testemunhas que tenham conhecimento do nascimento, entrevista com registrando e testemunhas que devem ser reduzidas a termo, apresentação de documentos e fotografia do registrando, certidão das provas apresentadas, entre outras exigências.

Para visualizar a alteração da Lei de Registros Públicos, apresenta-se tabela comparativa abaixo:

REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 13.112/2015 NOVA REDAÇÃO DADA PELA LEI 13.112/2015
Art. 52. São obrigados a fazer declaração de nascimento: Art. 52. São obrigados a fazer declaração de nascimento:
1º o pai; 1o o pai ou a mãe, isoladamente ou em conjunto, observado o disposto no § 2o do art. 54;        (Redação dada pela Lei nº 13.112, de 2015)
2º em falta ou impedimento do pai, a mãe, sendo neste caso o prazo para declaração prorrogado por quarenta e cinco (45) dias; 2º no caso de falta ou de impedimento de um dos indicados no item 1o, outro indicado, que terá o prazo para declaração prorrogado por 45 (quarenta e cinco) dias;        (Redação dada pela Lei nº 13.112, de 2015)
3º no impedimento de ambos, o parente mais próximo, sendo maior achando-se presente; 3º no impedimento de ambos, o parente mais próximo, sendo maior achando-se presente;
4º em falta ou impedimento do parente referido no número anterior os administradores de hospitais ou os médicos e parteiras, que tiverem assistido o parto; 4º em falta ou impedimento do parente referido no número anterior os administradores de hospitais ou os médicos e parteiras, que tiverem assistido o parto;
5º pessoa idônea da casa em que ocorrer, sendo fora da residência da mãe; 5º pessoa idônea da casa em que ocorrer, sendo fora da residência da mãe;
6º finalmente, as pessoas encarregadas da guarda do menor. 6º finalmente, as pessoas encarregadas da guarda do menor.

Em conclusão e em resumo: os direitos da mãe e do pai quanto ao registro de nascimento de seu filho foram igualados. Ambos têm o mesmo direito de declarar o nascimento, não há prioridade, e ambos têm o mesmo prazo para declarar o nascimento, que agora é de 60 (sessenta) dias. Nesse prazo, o pai ou a mãe pode optar por declarar o registro no cartório que serve ao local do hospital ou no cartório que serve ao local da residência. Não foi afastada a necessidade de reconhecimento da paternidade pelo pai que não seja casado com a mãe da criança.


1  Manchete do Jornal do Brasil de 3 de abril de 2015.

2  Nos termos da Constituição da República de 1988: Art.5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações,nos termos desta Constituição”.

Também no art. 226, § 5º, a Constituição proclama que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (art. 226, § 5°).
O reconhecimento de paternidade também pode ser feito posteriormente ao registro, pelos procedimentos previstos na Lei nº 8.560/92 ou por meio da declaração regida pelo Provimento nº 16/CNJ.

* Letícia Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1991), pós-graduada e mestre em Direito Público. Foi Procuradora do Município de Belo Horizonte e Procuradora da Fazenda Nacional. Aprovada em concurso, desde 1º de agosto de 2007 é Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. É autora de diversos artigos na área de Direito Tributário, Direito Administrativo, Direito Civil, bem como Direito Registral e Notarial, publicados em revistas jurídicas, e do livro Função Notarial e de Registro. É Diretora do CNB/MG e Presidente do Colégio Registral de Minas Gerais.

Fonte: Recivil – MG | 07/04/2015.

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Artigo: Novo Tabelião/Registrador – Novo CNPJ? – Por Igor Emanuel da Silva Gomes


* Igor Emanuel da Silva Gomes

Com a eclosão dos concursos públicos para outorga das serventias extrajudiciais (cartórios), temos acompanhado em todo o Brasil diversos casos no tocante a possibilidade, ou não, de nova inscrição de Cadastro Nacional de Pessoa Jurídicas – CNPJ.
Nosso posicionamento acerca da matéria é bastante legalista, de modo que, nos termos da lei, a atividade notarial e registral é exercida em caráter privado, por delegação do Poder Público. Não poderia ser diferente, considerando que estes são os termos do artigo 236 da Constituição, in verbis:
Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
§ 1º – Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
§ 2º – Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
§ 3º – O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses. (grifos nossos)
O §1º menciona “notários” e “oficiais de registro”, o que deixa claro que o exercício privado da atividade é titularizado por uma pessoa natural. Isso é reforçado no §3º, ao definir a forma de ingresso na atividade pelo concurso público, modalidade de concorrência pública típica de pessoas naturais.
A Lei Federal nº 8.935/94 veio regulamentar o §1º do artigo 236 supramencionado e reza o seguinte:
Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.
Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.
Art. 5º Os titulares de serviços notariais e de registro são os:
I – tabeliães de notas;
II – tabeliães e oficiais de registro de contratos marítimos; (…)
IV – oficiais de registro de imóveis;
Vê-se claramente nos artigos 3º e 5º que os serviços notariais e registrais são titularizados por tabeliães e oficiais de registro, que são profissionais do direito, mais uma vez deixando claro que a atividade é exercida por uma pessoa física, todavia, depende de INSCRIÇÃO NO CNPJ.
Ademais, segundo o art. 1º, o conteúdo dos serviços notariais e registrais é de serviço público lato sensu. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello define tal atividade como função pública, diferenciando-a do serviço público stricto sensu por seu objeto não contemplar uma prestação material, mas sim uma prestação jurídica. Em outras palavras, não se trata de atividade econômica, sendo inaplicáveis a ela conceitos como o de “estabelecimento”, próprio do Direito Empresarial (arts. 1.142 e seguintes do Código Civil).
Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, externado na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.151, no seguinte trecho da ementa:
“II – Regime jurídico dos serviços notariais e de registro: (…) c) a sua delegação somente pode recair sobre pessoa natural, e não sobre uma empresa ou pessoa mercantil (…)” (grifo nosso)
E para não restar dúvidas, não há como enquadrar o serviço notarial e registral em nenhuma das hipóteses previstas no Código Civil, nem como pessoa jurídica de direito público (art. 41), nem como pessoa jurídica de direito privado (art. 45). Não há nenhum registro a que o oficial ou o tabelião estejam submetidos para poderem exercer suas funções (art. 45 do Código Civil).
No Brasil, a atividade notarial e registral ainda é muito mal compreendida. O Estado de São Paulo é o que está mais avançado em termos de doutrina e regularização da atividade (já realizou 8 concursos públicos desde 1999, enquanto outros Estados ainda não conseguiram concluir o primeiro. O Desembargador Luís Paulo Aliende Ribeiro conseguiu compilar de forma magistral o melhor entendimento sobre a atividade em sua tese de doutorado, fruto de seus longos anos no setor do extrajudicial na Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da função pública notarial e de registro. São Paulo: Saraiva, 2009. 188p.
Na contramão de toda a legislação pátria, a Receita Federal editou instrução normativa obrigando ao oficial de registro a se cadastrar no CNPJ (antigamente prevista no inc. IX do art. 5º da Instrução Normativa RFB n. 1.183/2011, atualmente repetida no art. 4º, IX da Instrução Normativa RFB n. 1470/2014, que vem repetindo o texto das precedentes). Isso causa uma confusão enorme, pois “se toda pessoa jurídica tem CNPJ, nem toda pessoa que tem CNPJ é jurídica.”
Se a compreensão da natureza jurídica da atividade notarial e registral já é difícil para o operador do direito, para o leigo tornou-se impossível. Assim, todo mundo passou a contratar com o “cartório” e seu CNPJ. Ora, se cartório não é pessoa jurídica, não tem legitimidade para ocupar um pólo contratual. Entretanto, por portar um CNPJ, todos passaram a contratar com o “cartório” e não mais com oficial, inclusive a contratação de empregados.
Para tentar corrigir essa distorção, a Receita Federal editou a Instrução Normativa n. 971/2009, que em seu art. 19, II, g, obriga os “cartórios” à inscrição no CEI (cadastro específico do INSS), ou seja, deixou claro que a contratação dos empregados deveria ser vinculada à pessoa física do empregador. Ademais, o notário e oficial de registro faz a declaração de imposto de renda como pessoa física, através do carnê-leão.
Atualmente, o CNPJ para o oficial de registro só tem uma função: o preenchimento da Declaração sobre Operações Imobiliárias (DOI) – art. 8º da Lei 10.426/2002 e Instrução Normativa RFB 1.112/2010, e eventuais outras obrigações acessórias perante o Conselho Nacional de Justiça.
No mais, o CNPJ só se presta a causar confusão, ao dar aparência de pessoa jurídica a alguém que é pessoa física. Isso, inclusive, causa reflexos em obrigações acessórias do ISS, pois alguns Municípios insistem em tentar enquadrar o oficial como tomador de serviço com o dever de fazer a retenção do ISS na fonte, obrigação própria das pessoas jurídicas.
Da Responsabilidade Pessoal do Titular
No tocante à responsabilidade, doutrina e jurisprudência são uníssonas no sentido de que a responsabilidade de cada oficial é compartimentada: cada um responde pelo período em que esteve na titularidade do serviço. Assim se dá tanto com relação à responsabilidade civil quanto com relação à responsabilidade fiscal. Isso implica dizer que um oficial não responde por atos de outros oficiais que o precederam. Em outras palavras, a INVESTIDURA na função é ORIGINÁRIA, tem os mesmos efeitos da usucapião.
EMENTA:APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE CANCELAMENTO DE REGISTRO PÚBLICO – DUPLICIDADE DE REGISTRO DE IMÓVEL – RESPONSABILIDADE CIVIL PESSOAL DO OFICIAL TITULAR NA ÉPOCA DO FATO DANOSO – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. O cartório não oficializado não possui personalidade jurídica, conclui-se que a responsabilidade civil e criminal é exclusiva do titular da serventia pelos atos praticados durante o período de sua competência, não podendo o sucessor (atual titular da serventia) responder por ato ilícito praticado pelo sucedido (anterior titular). 2. No caso em comento, a recorrente pretende a condenação do Oficial do 2º Cartório de Registro Geral de Imóveis de Guarapari pelos danos causados em decorrência da existência de duplicidade de registros do imóvel de sua propriedade. Contudo, a duplicidade decorreu de um erro perpetrado pelo titular do cartório que o antecedeu, e quando verificada a referida irregularidade o atual titular do cartório, ora recorrido, tomou as providências cabíveis, procedendo a respectiva consulta junto ao Juízo competente e averbando as anotações de advertência ao pé de cada matrícula. 3. Não se pode admitir que titular sucessor, de forma infalível, pudesse apurar e apontar todas as irregularidades perpetradas pelo Oficial sucedido, já que se tratam de milhares de registros, sem que a época houvesse um sistema digitalizado. 4. Assim, em que pese a averbação de compra e venda do imóvel levada a efeito em 1989 pela ora recorrente tenha sido realizada sob a competência do recorrido, não pode ser imputado ao mesmo os prejuízos decorrentes da existência de duplicidade de registros, erro perpetrado pelo Oficial anterior, muito menos pela negligência na prestação dos serviços notariais. 5. Não merece reparos a sentença recorrida, porquanto não comprovada o nexo de causalidade entre a conduta do Oficial do 2º Cartório de Registro de Imóveis de Guarapari, ora recorrido, e os danos sofridos pela recorrente decorrente da existência de duplicidade de registros do imóvel de sua propriedade, a autorizar a reparação decorrente de responsabilidade civil. 3. Recurso conhecido e desprovido. CONCLUSÃO: ACORDA O(A) EGREGIO(A) SEGUNDA CÂMARA CÍVEL NA CONFORMIDADE DA ATA E NOTAS TAQUIGRÁFICAS DA SESSÃO, QUE INTEGRAM ESTE JULGADO, À UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. (Apelação Nº 0007480-55.2009.8.08.0021 (021090074804)
No mesmo sentido, segue em síntese decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo:
“Irresignado, o agravante sustenta, em breve síntese, que: (i) não é possível equiparar os cartórios com as pessoas formais do art. 12 do CPC, pois os mesmos não possuem conteúdo econômico imediato, tampouco são capazes de contrair direitos e obrigações; (ii) os cartórios representam apenas o espaço físico onde é exercida a função pública delegada ao particular, pessoa física a quem o Estado outorga a delegação por meio do condizente concurso público; (iii) os cartórios não possuem personalidade jurídica, não são empresas, não têm fundo de comércio, não visam ao lucro, nem estipulam livremente o valor dos emolumentos cobrados; (iv) o fato dos cartórios serem inscritos no CNPJ não desnatura a condição de pessoa física do notário ou registrador, uma vez que tal cadastro destina-se exclusivamente para fins de recolhimento de tributos de terceiros e prestação de informações sobre operações imobiliárias. (…) Dessa forma, por consectário, assentou-se que a obrigação jurídica pelos danos causados pela má prestação do serviço cartorário (notarial ou registral) deve ser suportada unicamente pelo serventuário que perpetrou o ato viciado. Isto porque, seu sucessor assumiu a delegação diretamente do Poder Público, e não adquirindo fundo de comércio ou por transferência de todos as obrigações e os direitos advindos do seu antecessor.” (Agravo de Instrumento Nº 0046520-93.2013.8.08.0024. TJ\ES)
A citada decisão ainda faz referência a importantes lições de Carlos Roberto Teixeira Guimarães, doutrinador amplamente citado pelos Tribunais Superiores para reafirmar que a responsabilidade pelo Serviço Notarial e Registral recai sobre a pessoa do Titular delegatário da época da ocorrência do fato, uma vez que cartório é ente despersonalizado, in verbis:
“A serventia nada mais é do que o espaço físico de uma repartição pública, onde, se presta um tipo de serviço público essencial à inserção do indivíduo na ordem jurídica, para o efetivo exercício de determinados interesses tutelados, ou, para a expressão documental da personalidade. (…) Então, a estabilidade no serviço extrajudicial, para o oficial delegado tem como termo inicial o ato administrativo de delegação pela autoridade competente. Aqui, é que primariamente começa a responsabilidade, pois, é ato de delegação que se tem o marco da investidura em função pública. (…) A delegação é uma descentralização administrativa intuitu personae na pessoa do oficial delegatário (…). Aqui identificamos uma espécie de ausência de responsabilidade civil, seja pelo regime ordinário, ou pelo regime extraordinário, pois, à serventia, a repartição pública cartorial, não se empresta personalidade civil, porque não é pessoa titular de direitos e deveres na ordem jurídica, privada ou pública. O cartório não atende ao artigo 1º, da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. (…) Destarte, o arquivo público está fora do comércio jurídico de direito privado, tanto que, só se defere seu gerenciamento, pela delegação constitucional dos serviços notariais e de registros públicos. Esta delegação transfere a estabilidade no gerenciamento do foro extrajudicial. Por isso, não há relação jurídica entre o cartório e qualquer pessoa. A invenção do constituinte na delegação constitucional não tirou da serventia a natureza de mera repartição pública, pois, a preocupação maior do legislador é com a eficiência no serviço pela desestatização. No regime ordinário temos a descentralização na pessoa do particular, daí porque é esta a pessoa que ordinariamente responde por tudo do cartório, enquanto, no regime extraordinário, a responsabilidade pelo cartório é do Estado (…) A responsabilidade vem da personalidade e como tal, o cartório, só é um arquivo público gerenciado por particular, daí porque, a serventia, ou o serviço não responderem por quaisquer débitos. (…) O tabelião público ou o oficial público registrador não são, certamente, empresários, muito menos, profissionais liberais, “Suas” serventias são arquivos públicos de todos do povo. Portanto, por não se tratar de unidade econômica, muito menos por não ter personalidade jurídica, ao cartório não se empresta responsabilidade civil por débitos de quaisquer natureza, inclusive por direitos do trabalhador. Todos os danos ou débitos ou dívidas e créditos ocorrentes no espaço e no tempo da repartição cartorial, se devem aos seus responsáveis e nunca a serventia em si mesma, que não é personagem na ordem jurídica. (In: A Responsabilidade Civil Cartorária Extrajudicial, Rio de Janeiro: Senai/RJ, 2005, p. 50-53 e 129-131 – grifo nosso)
Tratar o tema de outra forma acabaria por inviabilizar o sistema, pois nenhum profissional do direito em sã consciência se submeteria a um exigente concurso para assumir um serviço e se deparar com dívidas do anterior oficial. Essa alea não faz parte da ideia de concurso público.
Nessa sequencia de ideias, quando o oficial ingressa na atividade, dá início a todas as relações jurídicas a ele pertinentes, quer com relação ao serviço (responsabilidade civil), quer com relação ao fisco (responsabilidade tributária), quer com relação aos empregados (responsabilidade trabalhista).
Esse ideal, consentâneo com a natureza jurídica do serviço, é praticamente inviabilizado pela obrigação de portar um CNPJ, pois todos deixam de enxergar o correto (a figura do oficial) e passam a tratar com uma aparência (o “cartório”).
Portanto, entendemos que qualquer restrição ao notário e/ou registrador para obtenção de um novo CNPJ e, consequentemente, imposição para que seja utilizado CNPJ antigo, aberto pelo anterior tabelião, somente poderia ser instituída por lei, em sentido estrito; e não por ato infralegal ou entendimento administrativo.
Nas palavras do Dr. Clodomir Sebastião Reis, Juiz Federal do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, na ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento nº 0015177-82.2013.4.01.0000/DF (03/04/2013), “a delegação do exercício da atividade notarial e de registro é concedida à pessoa física, não sendo atribuída personalidade jurídica ao respectivo tabelionato. Assim, a concessão de CNPJ é feita para a pessoa do tabelião para que este exerça a atividade pública que lhe foi delegada. Não há CNPJ para pessoa jurídica, mas sim para o notário. O notário e/ou tabelião é investido em cargo público em caráter originário, sem qualquer vinculação com o notário anterior. Ademais, a exigência de que o novo titular do cartório utilize o mesmo número do CNPJ fornecido ao seu antecessor não encontra amparo legal (…)”.
Finalmente, considerando que o Tabelionato não é dotado de personalidade jurídica própria e que a inscrição no CNPJ é em nome da pessoa física do Tabelião e não do Tabelionato, entendo ser ilegítima a exigência de utilização, pelo novo titular do Cartório, do mesmo número de CNPJ fornecido ao seu antecessor.
São nossas considerações.

* Igor Emanuel da Silva Gomes é Advogado Militante, sócio da ESG Advocacia, Parecerista; Assessor Jurídico do 2º Ofício de Notas do Juízo de Vitória/ES. Graduado em Direito pela FDCI – Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim/ES. MBA – Pós Graduando em Direito Civil e Processual Civil pela FGV – Fundação Getúlio Vargas. Contato: (027) 2141-3373 / (027) 99936-3163  // e-mail: igoremanuel.adv@gmail.com http://igoremanuel.blogspot.com.br/

Fonte: Notariado | 06/04/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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