Artigo: A Base de Cálculo do ITCMD Paulista – Teoria e Prática em Breves Considerações – Por Antonio Herance Filho


* Antonio Herance Filho

O tema é controvertido e os desencontros de opinião entre notários, registradores e demais operadores do Direito envolvidos com a matéria, marcam a história do tributo de competência do Estado desde a edição da Lei paulista nº 10.705/00.

O principal problema, embora não seja ele o único, está ligado à base de cálculo de incidência da alíquota do imposto nas transmissões de bens e direitos, sejam motivadas pela morte ou por ato de liberalidade de seu titular.

Delimitando o alcance da presente mensagem, consideraremos, tão somente, os bens imóveis, para facilitar nossa comunicação, dando-lhe maior eficiência, e enfrentando o que mais tem angustiado os responsáveis tributários, no caso, os notários e os registradores, profissionais que devem condicionar a prática dos atos de seus respectivos ofícios à apresentação prévia da prova de quitação do tributo, quando relacionados com a transmissão, a título não oneroso, de imóveis e de direitos a eles relativos, em razão do que dispõe o inciso VI, do artigo 134 do Código Tributário Nacional.

Apresentaremos, a seguir, a ordem em que as normas do Regulamento do ITCMD (Decreto nº 46.655/02), relativas à determinação da base de cálculo dos imóveis, devem ser aplicadas.

Antes de qualquer outra, cumpre ao sujeito passivo do tributo (contribuinte: donatário ou herdeiro), e ao responsável tributário (notário e ou registrador), a observação do que dispõe o artigo 12, que, com a clareza solar, define que a base de cálculo do imposto é o valor de mercado do bem na data da abertura da sucessão ou da lavratura do instrumento de doação.

O valor de mercado de um bem, todos nós sabemos, é o valor pelo o qual ele seria, em circunstâncias normais, vendido. É o quanto vale o bem. Pense, caro leitor, no valor do imóvel em que você reside, provavelmente, com sua família. Você sabe quanto ele vale. É esse o valor de mercado (conhecido como venal, mas não aquele valor utilizado pelo município para o lançamento do IPTU).

Se o valor de mercado é conhecido, não há dúvidas; é sobre ele que deve ser aplicada a alíquota do tributo estadual.

Se ele, contudo, não for conhecido haveremos de aplicar outras regras, por exemplo, a do item 1, do Parágrafo Único, do artigo 16 do mesmo Regulamento, que abre a possibilidade de ser utilizado, no caso dos imóveis rurais, o valor médio da terra-nua e das benfeitorias divulgado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo ou por outro órgão de reconhecida idoneidade.

Assim, se o valor de mercado não é conhecido, eis uma oportunidade de usar aquele que guarda muita proximidade, salvo exceções, com o real valor das propriedades rurais. E o Fisco o aceitará e isso já está pacificado, mas não se algum dado concreto ou forte indício sinalizar que o valor de mercado é superior ao revelado pelo IEA.

No caso dos imóveis urbanos, por seu turno, é de se aplicar, quando o valor de mercado não for conhecido, a regra do item 2, do Parágrafo Único, do artigo 16 do RITCMD, desde que o imóvel esteja situado em município que tenha adotado o chamado Valor de Referência, utilizado para cálculo do ITBI municipal, como é o caso de São Paulo, Capital do Estado.

O Fisco também aceita o Valor de Referência como base de cálculo do ITCMD, mas se o valor de mercado (valor verdadeiro), for superior ao utilizado pelo município, devem o contribuinte e os respectivos responsáveis utilizar o valor real do bem, desprezando assim a informação municipal.

Mas e nos municípios que ainda não adotaram o Valor de Referência, ou similar sistemática de tributação do ITBI, como encontrar o valor de mercado?

Talvez perguntando ao próprio mercado. Avaliações feitas por empresas ou profissionais habilitados podem ajudar a dirimir eventuais dúvidas, porventura, existentes.

Mais um caminho viável é buscar do Posto Fiscal competente, nos termos do artigo 148 do Código Tributário Nacional e do § 2º, do artigo 11 da Portaria CAT (Estado de São Paulo) nº 15/2003, o devido arbitramento do valor de mercado do bem.

Outras duas regras a serem visitadas são as das alíneas “a” e “b”, do inciso I, do artigo 16 do diploma em comento, que estabelecem pisos mínimos da base de cálculo. O valor utilizado no lançamento do IPTU, para imóveis urbanos e do ITR, para os rurais.

Dito isso tudo, dá para compreender que:

1) O valor a ser considerado, como regra, na tributação do ITCMD nas transmissões de imóveis é o seu valor de mercado. O valor pelo qual o imóvel seria, em condições normais, vendido;

2) Desconhecido o do valor de mercado do imóvel, o Fisco admite, em regra, a utilização do:

a) Valor médio divulgado pelo IEA, no caso dos imóveis rurais; e

b) Valor de Referência, no caso dos imóveis urbanos, nos municípios que o adotam para o cálculo do ITBI.

3) Em nenhuma hipótese a base de cálculo será inferior ao valor utilizado no lançamento do IPTU ou do ITR, conforme o caso.

Saber quanto vale o bem, quase sempre se sabe. Na realidade, a dificuldade está nas barreiras construídas pela cultura de que a escrituração do imóvel, por economia (ilegal, diga-se), usualmente, leva o adquirente a declarar valor muito menor do que o real, o que maltrata o princípio da verdade real.

Para encerrar, peço ao leitor que não me veja como ingênuo, mas eu penso que o dever do contribuinte é o de recolher o tributo com base no verdadeiro valor do bem que recebe, seja por herança ou doação, pena de ser acusado de praticar a evasão fiscal (fuga do imposto ou de parte dele, sonegação), e o dever dos responsáveis tributários (notários e registradores), é de não deixarem por menos, caso queiram dormir em paz.

___________

* O autor é advogado, professor de Direito Tributário em cursos de pós-graduação, coeditor das Publicações INR – Informativo Notarial e Registral e coordenador da Consultoria INR. É, ainda, diretor do Grupo SERAC.

Fonte: Grupo Serac – Boletim Eletrônico INR nº 6700 | 25/11/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.




Artigo. A lei 13.043, de 13 novembro de 2014: alterações no procedimento de alienação fiduciária de bens móveis – Por Vitor Frederico Kümpel


* Vitor Frederico Kümpel

Em 13 de novembro último entrou em vigor a lei 13.043 com 114 artigos, todos eles modificando uma série de leis anteriores, trazendo para a comunidade jurídica a necessidade de um estudo pormenorizado de uma série de institutos jurídicos. No nosso caso, a analise recairá sobre o procedimento da alienação fiduciária em garantia de bem móvel, ou seja, o decreto lei 911 de 1° de outubro de 1969.

Durante muito tempo, o referido decreto era tido como um ranço do regime miliar, até porque subscrito pelos ministros da marinha de guerra, do exército e da aeronáutica militar. Porém, passados 45 anos, o decreto lei 911 de 1° de outubro de 1969 passou por duas grandes reformas, uma promovida pela lei 10.931 de 2004 e outra, dez anos mais tarde, em 2014, pela lei 13.043, vigente há poucos dias, e que, de certa forma, moderniza o procedimento, coadunando-o à nova realidade social. Contudo, não há como negar que o instituto continua a gerar ainda grandes discussões, tanto em órbita material como processual.

Na prática, a Alienação Fiduciária de bens móveis é comum quando um comprador adquire um bem, normalmente um automóvel, a crédito e permanece como possuidor direto e depositário do mesmo, respondendo por todos os encargos civis e penais a ele relacionados. O credor, por sua vez, toma o próprio bem em garantia e a propriedade consolida em suas mãos com o inadimplemento da obrigação. O instituto é amplamente utilizado no Brasil, sobretudo, na compra de automóveis, como já dito. Neste caso, a alienação é registrada no documento de transferência do veículo (DUT) a fim de certificar (súmula 92 do STJ).

Em 2004, a lei 10.931 ampliou sobremaneira o instituto da alienação fiduciária no âmbito das empresas financeiras. Permitiu-se a alienação fiduciária em garantia de bens fungíveis, bem como a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, tais como os títulos de crédito, além de importantes modificações no procedimento de busca e apreensão de bens móveis, o que repercutiu no mecanismo de purgação da mora, conferindo à consolidação da propriedade tratamento mais compatível com as exigências do mercado.

Dentre os destaques da alteração legislativa de 2004, temos o procedimento de busca e apreensão do bem móvel em caso de inadimplemento parcial, ou seja, de mora. O procedimento foi introduzido pelo decreto lei 911/69 e em 2004 a lei 10.931 reduziu para cinco dias o prazo de purgar da mora ou para a consolidação da propriedade fiduciária nas mãos do credor.

Melhor explicando, o STJ passou a entender que os §§ 1° e 2° do art. 3° não diziam respeito à purgação da mora, mas sim à necessidade do pagamento integral da dívida pendente – “nos contratos firmados na vigência da lei 10.931/2004, que alterou o art. 3º, §§ 1º e 2º, do decreto-lei 911/1969, compete ao devedor, no prazo de cinco dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida – entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial –, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária”. Com isso o devedor nos 5 dias após a concessão da liminar passou a ter a obrigação de quitar a dívida sob pena de consolidação da propriedade em nome do credor.

Pelo Decreto 911/69, despachada a inicial e executada a liminar, o réu era citado para em três dias apresentar contestação e/ou se já tivesse pago 40% do preço financiado, purgar a mora. No caso da contestação, o devedor poderia somente alegar ou o pagamento do débito ou o cumprimento das obrigações contratuais. Para a purgação da mora, o juiz, tempestivamente agendava prazo final não superior a dez dias. Se, mesmo assim, a mora não fosse purgada (independentemente da contestação), cinco dias após o decurso do prazo de defesa o juiz proferiria a sentença, consolidando a propriedade plena e exclusiva nas mãos do proprietário fiduciário (art. 3º, §§). Tínhamos, dessa forma, um procedimento que garantia um prazo de quinze dias para a purgação da mora e direito de contestação anterior à consolidação da propriedade. Embora não tão ágil o sistema seguramente alicerçava-se nos princípios do devido processo legal, ampla defesa e contraditório, garantindo assim, tanto o devedor fiduciante, como o credo fiduciário.

Mencionadas as alterações de 2004, dez anos depois, óbvio que o intuito do legislador com a lei 13.041, foi agilizar ainda mais a venda dos bens retomados, conferindo fluidez e mais dinâmica ao mercado, bem como celeridade ao sistema processual. Aliás, esse tem sido o foco das legislações mais recentes.

Dentre as principais características da nova lei 13.043 de novembro de 2014 na regulamentação da alienação fiduciária de bem imóveis citamos: (i) alteração na caracterização da mora ex re (prescinde-se de notificação formal); (ii) permanência da proibição ao pacto comissório; (iii) inserção do RENAJUD no procedimento; (iv) precatória simplificada; (v) retirada do bem do depósito em até 48 horas; (vi) agilização na venda direta do bem a terceiros; (vi) possibilidade de apelação da sentença apenas quanto ao seu efeito devolutivo; (vii) possibilidade de requisição pelo próprio credor do pedido de busca e apreensão em ação executiva para a entrega da coisa (art. 4° do decreto lei 911 de 1969, com redação dada pela lei 13.043 de 2014). Vejamos algumas das alterações mais detalhadamente.

O contrato que se converte em direito real de alienação fiduciária em garantia bens móveis continua a ser lavrado por instrumento público ou particular, sendo imprescindível para eficácia “erga omnes” o seu registro no ofício de títulos e documentos do domicilio do vedor (art. 129, 5º item da LRP). A especialização do contrato continua com as mesmas bases do art. 1° do decreto lei em questão.

Pela recente alteração, a primeira grande novidade está no fato de que em caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais passa-se ser imprescindível a prestação de contas do contrato para que o devedor saiba exatamente o valor da dívida e o saldo apurado. Uma vez prestada contas a mora (imperfeição no pagamento) ocorre de forma automática prescindindo-se de notificação via TD ou protesto do título, bastando a carta registrada com aviso de recebimento, não sendo inclusive exigido que a assinatura no documento seja a do próprio destinatário, o que vem a confirmar a solução aplicada pelo STJ2. Trata-se de uma simples notificação extrajudicial, indispensável para o ajuizamento da ação de busca e apreensão (sumula 72 do STJ). O legislador renuncia a segurança em nome da celeridade e da redução de custos.

Uma vez comprovada a mora, passa o proprietário credor a ter condição de procedibilidade para a ação de busca e apreensão com direito a tutela liminar, que inclusive pode ser apreciada em plantão judicial. Com a nova redação o direito a liminar passou a ser ininterrupto, garantindo ao credor o direito de buscar o judiciário aos sábados, domingos e feriados, inclusive em recesso.

Como já mencionado, a lei 10.931 já havia alterado o sistema anterior que garantia direito a purgação da mora caso houvesse ocorrido o pagamento com pelo menos 40% do preço financiado, ocasião em que o devedor teria dez dias para a referida purgação. Com a mudança de 2004 cinco dias após executada a liminar consolidava a propriedade em nome do credor fiduciário que podia até o prazo de cinco dias quitar integralmente a dívida pendente e com isso se livrar da consolidação sem o pagamento de outro ônus decorrente da mora.

Com a nova legislação ao decretar a busca e apreensão do veículo, o juiz passa a inserir diretamente a restrição judicial na base de dados do RENAVAM via RENAJUD, um sistema eletrônico de inserção de constrição. Com tal medida, o bem automaticamente se torna inalienável até a retirada da constrição após a apreensão do veículo e a efetividade formal da liminar já está garantida no sistema, remanescendo o bem fora do comercio, até que o oficial de justiça consiga cumprir a liminar liberando o automóvel para o credor, situação que muitas vezes perdura por meses.

Com o fim de agilizar o cumprimento da busca e apreensão, pode o credor, agora, deprecar o pedido para o juízo de outra comarca automaticamente, bastando juntar cópia da petição inicial e do despacho concessivo da liminar. Outra medida agilizadora, está no fato que uma vez apreendido o veículo será intimada a instituição financeira para a retirada do mesmo do local em que se encontra no prazo de 48h.

Outra grande mudança está na adaptação do procedimento à decisão do Supremo Tribunal Federal que passou a entender não ser mais possível prisão por dívida decorrente de depósito ou mesmo por depósito puro, revogando, por conseguinte, o art. 4º do decreto 911 que admitia a conversão de busca e apreensão em ação de depósito (STF, Res 349.703 e 466.343, com a publicação da súmula vinculante 25). Pela nova sistemática, caso o bem não seja encontrado, haverá a conversão do pedido de busca e apreensão em ação executiva direta ou convertida e serão penhorados, nos próprios autos bens do devedor quanto bastem para assegurar a execução.

Por fim, é bom mencionar que o terceiro interessado fiador ou avalista que pagar a dívida se subrroga na qualidade de credor fiduciário para todos os fins (art.6º). Muito embora discutíveis algumas modificações sob o ponto de vista do devedor e suas garantias, são também louváveis as mudanças na proteção da afetividade do crédito, bem como quanto à agilização do procedimento que em última análise implicará em redução de custo, estimulando ainda mais a indústria automobilística no Brasil. Discussão, que remanecerá para outro registralhas está no artigo 102 da lei em debate que criou o artigo 1.368-B e que entende a alienação fiduciária como um direito real de aquisição. Contudo, esse é assunto para outra hora, até o próximo Registralhas!

__________

1STJ, 2ª Seção. REsp 1.418.593-MS, rel. min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/5/2014 (recurso repetitivo)

2STJ, 4ª Turma. AgRg no AREsp 419.667/MS, rel. min. Luis Felipe Salomão, julgado em 6/5/2014.

__________

Vitor Frederico Kümpel é juiz de Direito em São Paulo, doutor em Direito pela USP e coordenador da pós-graduação em Direito Notarial e Registral Imobiliário na EPD – Escola Paulista de Direito.

* O artigo foi escrito em coautoria com Ana Paula Ribeiro Ferreira da Costa, graduanda da Faculdade de Direito da USP e pesquisadora jurídica.

Fonte: Migalhas | 25/11/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.