O futuro da Justiça


*José Renato Nalini

Todo ser humano tem uma noção do que é sofrer uma injustiça. O convívio não é fácil, mesmo em células naturais como a família. Numa era de esgarçamento de valores, não é raro que irmãos se desentendam por inúmeras razões. Uma delas é o patrimônio. Desde que o capitalismo foi erigido como a forma natural de distribuição dos bens da vida e o socialismo não se mostrou exitoso em suas várias experiências, o dinheiro se impôs como senhor absoluto.

Se há brigas familiares, o que não dizer de outras relações sociais? A pacificação não é a regra, mas a exceção. No mundo de hoje existe um individualismo exagerado e a sensibilidade aflora ante a mínima provocação. Fator de multiplicação de litígios, pois ninguém quer "sair perdendo" ou "ficar em situação de inferioridade".

O resultado de tudo isso é a multiplicação de processos judiciais. A ação em juízo é ainda considerada a maneira mais civilizada de compor conflitos. É a derradeira fase de uma lenta evolução que começou com a retorção imediata – a reação instantânea do ofendido contra o ofensor – e passou para a lei de Talião. Esta já representou um avanço: trouxe a proporcionalidade, inexistente na etapa anterior. O "olho por olho, dente por dente" foi um progresso.

Entregar a um terceiro imparcial a atribuição de resolver a querela foi o estágio seguinte. Mas parece que teremos de pensar em outras opções. O Brasil tem hoje 93 milhões de processos em curso. Para 200 milhões de pessoas, o número é um exagero inadministrável. Parece que todos os indivíduos são litigantes. Será o Brasil um país símbolo da beligerância?

Explica-se o fenômeno do excesso de demandas por várias causas. Para os otimistas, ele é resultado de uma Constituição Cidadã que acreditou no Judiciário e explicitou que nenhuma lesão ou ameaça a direito venha a ser subtraída à apreciação de um juiz de direito. Atentas a essa escolha do constituinte, as pessoas acordaram e procuraram o foro, destravando o represamento de pretensões insatisfeitas. É a demanda reprimida que desaguou nessa multiplicidade de processos.

Sob concepção tal, o número elevado de ações a tramitar pelos juízos e tribunais brasileiros seria uma espécie de termômetro democrático altamente favorável à democracia. A Justiça funciona. Os tribunais estão abertos à população.

Mas outra leitura também é possível. Menos ufanista. Mais realista. Os filósofos gregos já proclamavam: "nada em excesso". O excesso debilita e mata. A Justiça não dá conta desse elevado número de processos. Para vencê-los, a resposta é sempre a mesma: precisamos de mais orçamento, de mais juízes, de mais funcionários, de mais edifícios destinado aos fóruns. A resposta a tais demandas não tem sido outra: o Estado brasileiro tem carências permanentes e intensas. Ele precisa de Justiça, é óbvio. Mas não precisa menos de infraestrutura, saneamento básico, moradia, transporte, saúde, educação e segurança. Onde encontrar dinheiro para atender a todos esses direitos legítimos?

Diante de situação tal, incumbe a cada brasileiro formular a sua receita para enfrentar o problema. Haveria uma "terceira via", que não fosse a ampliação até o infinito ou o congelamento mantenedor da atual situação de déficit no funcionamento do Judiciário?

Essa terceira via está nas alternativas de resolução de conflito diversas do juízo convencional. O direito anglo-saxão é pródigo em fórmulas de harmonização que não precisam do Estado-juiz tradicional. Há muito tempo investem na conciliação, na negociação, na mediação, na transação, no "rent-a-judge" e em inúmeras outras modalidades subtraídas ao dispendioso, lento e complexo padrão judicial.

Essa linha precisa ser mais utilizada, após serena análise de todos aqueles que se compenetram de que o Judiciário não é problema exclusivo dos juízes. Nem dos demais profissionais da área jurídica. O Judiciário é um serviço estatal posto à disposição do povo. É a população a legitimada a discuti-lo, a oferecer propostas de aperfeiçoamento, a zelar pelo seu efetivo bom funcionamento, a exigir dele a eficiência prometida pelo constituinte.

Sem esse debate nacional, as soluções brotadas no natural hermetismo da cultura jurídica nem sempre atenderão ao desejo da sociedade. Esta mesma que sustenta o equipamento judicial, cujo crescimento é contínuo e permanecerá submetido à mesma lógica.

Brasileiros: pensem nisso e contribuam para um debate fundamental ao fortalecimento da democracia.

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José Renato Nalini é presidente do TJ/SP

Fonte: Migalhas | 21/01/14

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Da importância da guarda compartilhada


*Cristiane de Pinho Vieira

Sem dúvida, deve-se priorizar o "melhor interesse da criança".

Se os pais tiverem a noção e a consciência da necessidade da instalação de um "território neutro" para os filhos, certamente vão romper com o velho paradigma da guarda unilateral.

Para que se possa haver a igualdade de direitos tão preconizados na família moderna, é importante ressalvar que o amor materno não é superior que o amor paterno, no sentido de que não vem predeterminado, mas sim, que é construído nas relações estabelecidas como qualquer outro amor, e a sua intensidade vai depender de cada relação e de cada pessoa.

Na guarda compartilhada, ambos os pais participam das necessidades vitais do filho.

Esse instituto entrou na legislação brasileira apenas em 2008 (com a lei 11.698/08, que alterou o CC/02).

O art. 1.583, § 1º, do CC/02 definiu a guarda compartilhada como sendo "a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns".

A continuidade do convívio da criança com ambos os pais é indispensável para o seu saudável desenvolvimento psicoemocional e, sendo assim, o ideal a ser almejado é a guarda compartilhada mesmo havendo intransigência.

Com a custódia física concentrada nas mãos de apenas um dos pais e a convivência do outro com a prole, apenas quinzenalmente, ou mesmo semanalmente, o ex-cônjuge que não detém a guarda, quando muito, limita-se a um exercício prejudicial, inócuo, distanciando-se de sua prole e privando-a de importante referencial para a sua formação.

O artigo 1.584 do CC/02, § 2º dispõe: "Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada".

Mesmo que possa haver litígio, não é óbice para a aplicação da guarda compartilhada, pois, em termos psicológicos, é a melhor solução para os filhos, pois permite maior convivência com ambos os genitores.

Os problemas que os litígios causariam não se modificariam independentemente da guarda ser compartilhada ou exclusiva.

De acordo com entendimento do STJ, a guarda compartilhada pode ser decretada mesmo sem consenso entre pais.

O bom senso dos pais deve prevalecer considerando os interesses da criança. Nesse tipo de guarda podem e devem os filhos passar um período com o pai e outro com a mãe. O direito de visita deve ser substituído pelo direito à convivência.

O modo como se opera o regime de visitas pode ser acordado pelos pais ou, na falta de consenso, determinado pelo juiz.

Na guarda compartilhada, inexiste pensão alimentícia, dividindo os pais os encargos de criação, sustento e educação do filho comum.

Esse instituto deixa de ser um "precedente" e passa a ser o modelo preferencial a ser aplicado pelo julgador.

A convivência simultânea e harmoniosa com ambos os genitores é que irá insculpir nos filhos o sentimento de união e de solidariedade familiar, indispensáveis à formação e ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e social de qualquer cidadão.

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Cristiane de Pinho Vieira é advogada do escritório Zamari e Marcondes Advogados Associados S/C.

Fonte: Migalhas | 16/01/14

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