Artigo: PACTO PÓS-NUPCIAL: PARA RATIFICAR, APÓS AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, REGIME DE BENS ESCOLHIDO QUANDO DE CASAMENTO CELEBRADO NO EXTERIOR – Por Letícia Franco Maculan Assumpção


*Letícia Franco Maculan Assumpção

1- Introdução

Como já esclarecido em artigo anterior[1], o pacto antenupcial, ou contrato antenupcial, é um negócio jurídico bilateral de direito de família, sob a condição suspensiva da celebração do casamento, destinado a estabelecer regime de bens.

No Brasil, nos termos do parágrafo único do art. 1640 do Código Civil, o pacto antenupcial deve obrigatoriamente ser feito por escritura pública, sendo sua lavratura, assim, de atribuição exclusiva do Notário, conforme art. 6º da Lei nº 8.935/94. É indispensável o pacto antenupcial quando os nubentes quiserem adotar o regime da comunhão universal, o da participação final nos aquestos, o da separação convencional ou ainda qualquer outro regime, posto que a doutrina e a jurisprudência admitem a criação de regimes diversos daqueles previstos no Código Civil.

Muito já se escreveu sobre o pacto antenupcial[2], mas o pacto pós-nupcial é novidade no Brasil e sua importância ainda está sendo, aos poucos, reconhecida, não se encontrando menção a tal ato jurídico na lei brasileira, apesar de já ser objeto de diversas decisões judiciais, que autorizam a sua lavratura.

 2- O pacto pós-nupcial

O pacto pós-nupcial é um acordo que rege o regime de bens vigente no casamento já celebrado. No Brasil, o pacto pós-nupcial poderá ser lavrado após autorização judicial específica, conforme estabelece o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do RESP 1300205[3]: “o pacto pós-nupcial […] em nossa legislação, depende de aprovação do Poder Judiciário para que seja válido.” A jurisprudência, pois, já reconheceu a possibilidade de lavratura do pacto pós-nupcial, sendo que o RESP acima mencionado tratou da sua utilização para fins de alteração do regime de bens. Em artigo anterior, apresentamos sua utilidade também para fins de retificação de registro civil, caso assim seja determinado pelo Ministério Público, no processo de retificação de registro civil previsto no art. 110 da Lei de Registros Públicos[4]. Também poderia o pacto pós-nupcial ratificar um regime de bens escolhido quando de casamento celebrado no exterior? Essa questão será examinada no decorrer deste artigo.

3- Do exame de caso concreto em que foi autorizada a lavratura do pacto antenupcial para ratificar regime de bens escolhido no exterior

Caso concreto inédito ocorreu em Minas Gerais.  Um casal casou-se na Itália e naquele país optou pelo regime da SEPARAÇÃO DE BENS, a vigorar durante seu casamento.

A lei italiana não exige a celebração de pacto antenupcial para optar pelo regime da SEPARAÇÃO DE BENS, tendo a opção sido feita diretamente perante o Oficial do Estado Civil.

Registraram o casamento no Consulado Geral do Brasil na Itália e fizeram a transcrição do casamento no Brasil, mas nem no registro feito no Consulado, nem na transcrição foi esclarecido que o regime de bens escolhido era o da separação de bens[5].

O casal estava preocupado com a situação, bem como ciente dos problemas que poderia ter, pois no Brasil, para a escolha do referido regime da separação de bens, é obrigatória a lavratura de pacto e que, sempre que apresentassem a sua certidão de casamento, já transcrita, haveria questionamento sobre o regime de bens. Sendo assim, procuraram esta Tabeliã, apresentando o problema.

Esta Tabeliã, dentre as soluções possíveis, atenta ao princípio da liberdade, que rege o Direito de Família, e também aos princípios notariais da cautelaridade, da tecnicidade e da juridicidade[6], entendeu que a melhor opção seria a lavratura de pacto pós-nupcial, pois a sua apresentação em muito facilitaria os negócios que o casal no futuro viesse a realizar no Brasil, evitando transtornos e demora para esclarecimento da situação, razão pela qual solicitou autorização para sua lavratura ao Juízo competente[7], que assim decidiu:

“Considerando que os cônjuges já registraram o casamento no Brasil, mas que, em face do regime escolhido, de fato, haveria a necessidade, no nosso país, do pacto, a única forma de garantir que eles possam dar plena eficácia ao ato praticado no exterior, é através de sua complementação, aqui, com o pacto pós-nupcial, razão pela qual AUTORIZO SUA LAVRATURA”

Assim, foi lavrada a escritura de pacto pós-nupcial, para RATIFICAR a escolha pelo regime da separação de bens, de forma que a vontade do casal foi reconhecida no Brasil.

4 – Conclusão

O pacto pós-nupcial é uma realidade no Brasil e no mundo, apesar de não existir previsão do referido ato na legislação brasileira. No Brasil a doutrina e a jurisprudência já reconhecem a importância do pacto pós-nupcial para definição do novo regime de bens após autorização judicial, considerando a tendência da desjudicialização ou extrajudicialização. Também há a possibilidade de lavratura de pacto pós-nupcial para fins de correção de erro existente no registro civil, conforme já apresentado em artigo anterior[8], bem como para a ratificação de regime de bens escolhido quando de casamento celebrado no exterior, o que foi demonstrado no presente artigo.

A liberdade é um princípio fundamental no Direito de Família, correlacionando-se com o princípio da autonomia privada. O Poder Judiciário, os advogados e os notários e registradores devem atuar em conjunto para privilegiar a vontade e a liberdade das pessoas, garantindo também a segurança jurídica.

*Letícia Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1991), pós-graduada e mestre em Direito Público. Foi Procuradora do Município de Belo Horizonte e Procuradora da Fazenda Nacional. Aprovada em concurso, desde 1º de agosto de 2007 é Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. É autora de diversos artigos na área de Direito Tributário, Direito Administrativo, Direito Civil e Direito Notarial, publicados em revistas jurídicas, e dos livros Função Notarial e de Registro e Casamento e Divórcio em Cartórios Extrajudiciais do Brasil. É Diretora do INDIC – INSTITUTO NACIONAL DE DIREITO E CULTURA e Coordenadora da pós-graduação em Direito Notarial e Registral do CEDIN – CENTRO DE DIREITO E NEGÓCIOS. É Presidente do Colégio do Registral de Minas Gerais e Diretora do CNB-MG.

[1] Ver artigo O PACTO PÓS-NUPCIAL: na alteração de regime de bens após autorização judicial e na retificação de registro civil, de autoria de Letícia Franco Maculan Assumpção e de Bernardo Freitas Graciano. Disponível em: http://www.notariado.org.br. Acesso em: 3 dez. 2017.

[2] Para aprofundamento, ver artigo de minha autoria O PACTO ANTENUPCIAL DE SEPARAÇÃO DE BENS QUANDO OS NUBENTES ESTÃO SUJEITOS À SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. Disponível em: < http://www.recivil.com.br/noticias>. Acesso em: 22 out. 2016.

[3] REsp 1300205 – Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA – Data da Publicação 20/04/2015.

[4] Ver artigo O PACTO PÓS-NUPCIAL: na alteração de regime de bens após autorização judicial e na retificação de registro civil, de autoria de Letícia Franco Maculan Assumpção e de Bernardo Freitas Graciano. Disponível em: http://www.notariado.org.br. Acesso em: 3 dez. 2017.

[5] A Resolução nº 155, do Conselho Nacional de Justiça, art. 13, parágrafos 2º e 3º, determina que a omissão do regime de bens no assento de casamento, lavrado por autoridade consular brasileira ou autoridade estrangeira competente, não obstará o traslado, facultando a averbação do regime de bens posteriormente, sem a necessidade de autorização judicial, mediante apresentação de documentação comprobatória.

[6] Conforme BRANDELLI, Leonardo. Princípios da Função Notarial. Disponível em: www.anoreg.org.br. Acesso em: 3 dez. 2017.

[7] Decisão proferida pela MMa. Juíza de Direito da Vara de Registros Públicos de Belo Horizonte, MG, Dra. Maria Luiza de Andrade Rangel Pires, nos autos do processo de nº 8004508.45.2017.813.0024.

[8] Ver artigo O PACTO PÓS-NUPCIAL: na alteração de regime de bens após autorização judicial e na retificação de registro civil, de autoria de Letícia Franco Maculan Assumpção e de Bernardo Freitas Graciano. Disponível em: http://www.notariado.org.br. Acesso em: 3 dez. 2017.

Fonte: CNB/CF | 04/12/2017.

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Artigo: TERREMOTO NOTARIAL E REGISTRAL – ESCALA CNJ 6.2 – Por ARTHUR DEL GUÉRCIO NETO


O recente Provimento n° 62 do CNJ, que regulamentou o apostilamento, foi um verdadeiro terremoto para a atividade notarial e registral, gerando uma fissura entre as atividades dos tabeliães de notas e dos oficiais de registro civil.

Que a falta de união entre a classe existe há décadas, sendo um grande entrave à evolução da categoria, não há novidade alguma. No entanto, de tempos em tempos ela se renova com visibilidade exagerada, como neste mês de novembro de 2017.

O principal problema do Provimento foi, em seu artigo 4°, aparentemente segmentar a atuação de cada tabelião e oficial no apostilamento, a atos de sua respectiva competência:

Art. 4º Os titulares do serviço notarial e de registro são autoridades apostilantes para o ato de aposição de apostila nos limites de suas atribuições, sendo-lhes vedado apostilar documentos estranhos a sua competência.

 

  • 1º O ato de apostilamento de documentos públicos produzidos no território nacional obedecerá estritamente às regras de especialização de cada serviço notarial e de registro, nos termos da Lei n. 8.935, de 18 de novembro de 1994.

 

Sem perder muito tempo, a ARPEN emitiu Nota de Esclarecimento, destacando-se o seguinte trecho:

“Por fim, cabe-nos ainda esclarecer: 1. O disposto no art. 4º do Provimento nº 62/2017 explicita o entendimento reiterado pelo E. Conselho Nacional de Justiça em inúmeras reuniões e eventos no qual cada atribuição extrajudicial deverá prestar os serviços de apostilamento sob os documentos ali formalizados ou certificados; 2. Não é mais obrigatório o ato de reconhecimento de firma nos documentos públicos emitidos por autoridades brasileiras; e, 3. O apostilamento de certidão de registro de documento e de reconhecimento de firma somente será permitido em documentos de natureza privada, art. 9°, § 4° (o que torna proibido o reconhecimento de firma de documentos emitidos por outras especialidades para o seu apostilamento)”.

É notório que a grande maioria dos documentos apostilados atualmente é formada porcertidões de nascimento, casamento e óbito, utilizadas na obtenção da dupla cidadania. A própria imprensa destaca o apostilamento sempre atrelado a matérias envolvendo a busca da dupla cidadania.

O imediato nem sempre é adequado, ou alguém duvida que em alguns poucos anos a tal da dupla cidadania será obtida sem a necessidade de tantos documentos?

Querer limitar a atuação dos tabeliães de notas no apostilamento é amarrar os braços desse profissional, que são amparados pela Lei Federal n° 8.935/94. Basta uma rápida leitura dos artigos 6° e 7°, para notar que autenticar fatos e reconhecer firmas são competências dos notários. Aliás, competência legalmente exclusiva, no caso do reconhecimento de firmas, mas faticamente nem tanto, pois em São Paulo há compartilhamento com os próprios oficiais de registro civil (legislação estadual).

O apostilamentoé ato híbrido, mistura a função autenticatória com o reconhecimento de assinatura, não cabendo limitação ao tabelião de notas. Apostilar é da essência do tabelião de notas, seja lá qual for o conteúdo do documento!Tal posição mereceria revisão somente mediantealteração da Lei Federal n° 8.935/94.

Perdas e ganhos individuais deveriam ter sido deixados de lado nesse primeiro momento, com fomentoa ampla discussão de aplicação do Provimento, para ofertar à população uma solução razoável.

Definitivamente não é adequadouma pessoa portando, por exemplo, uma escritura declaratória e uma certidão de registro civil, ser orientada por um tabelião de notas, a fazer um apostilamento em sua serventia, e o outro num oficial de registro civil. Legalidades à parte, isso fere a lógica, o bom senso!

O resultado todos sabemos. Mais reclamações, mais afirmações de que o serviço é burocrático, que os cartórios não têm lógica, arranhando uma imagem já habitualmente atacada externamente.

Poderia ser diferente. Poderia haver entendimento. A médio prazo, quem agradece é a atividade, totalmente dependente dessa postura harmonizadora para sobreviver.

ARTHUR DEL GUÉRCIO NETO– Tabelião, Professor, Escritor e Coordenador do Blog do DG (www.blogdodg.com.br).

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