ARTIGO: UMA ESCOLA CHAMADA CARTÓRIO – POR ANDERSON NOGUEIRA GUEDES


*Anderson Nogueira Guedes

UMA ESCOLA CHAMADA CARTÓRIO

Como o tempo passa rápido!

Ainda me lembro daqueles primeiros dias em que comecei a trabalhar no cartório.

Aceitei o convite e encarei o desafio.

Eu que, até então, almejava ser juiz, acabei por me apaixonar pela profissão logo nos primeiros meses.

Apaixonei-me, sobretudo, por uma expressão muito usada em nosso dia a dia:

“O referido é verdade e dou fé”.

Quem lê, entenda!

Como sempre gostei de estudar, abracei com afinco mais uma vez os livros e me dediquei ao estudo dessa tão nobre atividade.

E, de lá para cá, passaram-se mais de treze (13) anos.

Aprendi muitas coisas no decorrer dessa trajetória, graças a Deus!

Mas, muitas delas, não encontrei nos livros.

O tempo e a experiência na atividade, aliados à bagagem que eu trazia comigo, ensinaram-me uma série de lições!

Lições para toda a vida!

Aprendi a ficar feliz ao ver a felicidade de um pai e de uma mãe ao registrarem seu filho recém-nascido.

Aprendi a respeitar a dor daqueles que comparecem à serventia para declarar o óbito de um ente querido ou de um amigo chegado.

Quantas não foram as vezes que me emocionei ao realizar um casamento comunitário, vendo a satisfação estampada nas faces daqueles que, por anos, já conviviam como marido e mulher e sonhavam em se “casar no cartório” ou “de papel passado”, como já ouvi muitos dizerem no balcão da serventia.

Assim como aprendi a respeitar “o silêncio” de um casal ao assinar uma escritura de divórcio ou de separação, depois de ratificarem os termos pré-acordados.

Entendi que, por mais decididos que demonstrem estar, e independentemente dos motivos da separação, quem nunca sonhou em ter um casamento feliz para todo o sempre, como nas histórias da Disney?

Aprendi, também, a me concentrar naquela escritura complexa ou naquele infindável estatuto social apresentado para registro, mesmo em meio aos gritos e choros de crianças. Sim, é isso mesmo. Mesmo em meio aos gritos e choros de crianças!

Já imaginou a dona Maria indo registrar o quarto ou quinto integrante da família?

Criança querendo colo, fazendo manha, batendo no irmãozinho mais novo. Já vi de tudo!

Já tivemos que segurar, inclusive, bebê de colo ou entreter as crianças para que a mãe pudesse ler e assinar o documento.

Qual foi o registrador civil, tabelião ou escrevente que nunca fez isso?

Aprendi, ainda, que, em alguns casos, ao assinar uma escritura de partilha de bens, alguns ficam tristes porque preferiam ter a pessoa amada ao seu lado, enquanto que outros só faltam pular de alegria ao receberem os bens herdados.

É!O ser humano é assim!

Entendi o significado daquele velho ditado: “quem está na chuva é para se molhar”, levando serviço para casa, estudando vários casos à noite, trabalhando em feriados, nos finais de semana e refletindo em como descascaria aquele belo “abacaxi” que levaram para eu descascar.

Aprendi, também, a identificar algumas atitudes suspeitas e a maneira de agir de alguns indivíduos que procuram ludibriar os atendentes do cartório. E como tem crescido em nosso país esse tipo de situação!

Aprendi a ter calma e a ser cauteloso quando tais virtudes são recomendadas.

Aprendi que a educação e o respeito desarmam qualquer atitude grosseira e agressiva.

Que, às vezes, é melhor se calar e prosseguir em frente, diante de palavras ásperas e jogadas ao vento.

Aprendi a ter paciência ao lidar com a impaciência e tolerância ao lidar com a intolerância.

Percebi que o nosso mundo está doente, e as pessoas cada vez mais agitadas, ansiosas, apreensivas e precisando de Deus.

Enfim compreendi, que “é melhor dar do que receber” e que “é dando que se recebe”. Afinal de contas, cordialidade gera cordialidade, e respeito gera respeito!

Entendi que, assim como eu, muitos amam a profissão e se dedicam a ela e a bem servir a população.

Que, apesar de estar sendo atacada, a atividade tem sido cada vez mais necessária, pois essencial à paz social e à segurança jurídica das relações negociais. Principalmente em tempos nebulosos e obscuros como estes em que estamos vivendo, em que parece que a corrupção e a injustiça vão prevalecer.

Já imaginou como seria se não existisse a autenticação de documentos e o reconhecimento de firmas? Já pensou na insegurança, caso não existisse o Registro Civil das Pessoas Naturais, para registrar os atos da vida civil, do nascimento ao óbito? E, se não houvesse o Registro de Imóveis para assegurar a propriedade imobiliária?

Acredito que seria um caos. Falsificações rolariam soltas e muitos seriam enganados e prejudicados.

A insegurança jurídica subiria a níveis catastróficos.

E, para quem acha que trabalhar em cartório é só lidar com computador e no ar condicionado, no “bem-bom” como dizem alguns, pergunto:

Você sabe o que é sair daquela festa legal em um final de semana, ou de um almoço com a família no domingo, ou, ainda, se levantar às duas, três ou quatro horas da manhã para lavrar um óbito, fazendo chuva, estando frio ou calor?

Sabia que muitas vezes se faz necessário fazer diligências fora da serventia, em presídios, hospitais, maternidades, e estar preparado para se deparar com as mais diversas situações, sentimentos e reações?

Sabe o que é fazer diligência para a lavratura de uma ata notarial em zona rural? Ter que abrir e fechar porteiras e realizar o seu serviço no sol e literalmente comendo poeira? Ao tabelião que nunca fez isso, aconselho que adicione à sua bagagem mais essa experiência.

Sabe o que é proceder a uma intimação de protesto ou notificação extrajudicial e ser recebido de maneira grosseira e, não poucas vezes, agressiva?

Imagina como é acabar de fazer um casamento, em meio à festa dos noivos, testemunhas e parentes e, na sequência, ter que lavrar um óbito, em meio ao choro e dor dos que aqui ficaram?

Celebrar o casamento civil, e, algum tempo depois, formalizar a separação ou o divórcio daquele mesmo casal?

Amo a minha profissão! E, hoje, compreendo que, assim como em todas as outras, nela existem desafios e dificuldades, os quais devem ser superados.

Devemos fazer do limão uma limonada e encontrar paz em meio às adversidades.

Aprendi, ainda, que além de conhecimento jurídico, devemos entender um pouco de psicologia, de aconselhamento, de mediação e de vida com Deus.

Devemos gastar um pouco mais de tempo com as pessoas, quando assim o caso exigir. Devemos ser HUMANOS!

Como é gratificante ver um sorriso no rosto de um cliente satisfeito! Como é bom ser valorizado pela qualidade dos seus serviços e do seu atendimento!

Vamos ser francos, quem tem muito tempo e paciência hoje em dia para ouvir e dar um bom conselho, jurídico ou não, a quem necessita? Isso vale para qualquer profissão. Isso vale para a vida!

Nesse novo mundo de tecnologias, de conectividade e de interação virtual, ser “humano” tem sido cada vez mais difícil e raro.

Estamos vivendo a era do virtual, do superficial, do “tudo para ontem” e das facilidades.

Como diria um velho amigo: “nesse mundo de correria, quem menos corre, voa!”

Devemos fazer do tempo o nosso aliado, e não encará-lo como um inimigo ou vilão.

Fazer cada dia valer a pena, e escrever uma história que inspire outros a também irem além!

Aprendi que é necessário ouvir o idoso e ter paciência com o infante, e, às vezes, até levantar de nossas cadeiras para abrir a porta para quem necessita.

Lembra-se? Cordialidade gera cordialidade; respeito gera respeito! Não há nada de mais nisso. É apenas HUMANIDADE!

Quantas experiências! Quanto aprendizado! Costumo dizer que o cartório é uma escola.

Tenho para mim, inclusive, que todos esses anos de atividade e todas essas experiências deveriam valer muito na prova de títulos dos concursos para o ingresso nas atividades notariais e registrais em nosso país. Como tenho sofrido com isso! E eu que achava que passar em um dos concursos mais disputados e difíceis do país era a parte mais difícil!

Comecei a entender, com relação à atividade, que não importa a especialidade, a classe é uma só. Notários e registradores devem ser valorizados e respeitados, recíproca e isonomicamente.

Devemos lutar unidos, em prol da sobrevivência e valorização das atividades, e pelo bem da sociedade. Especialmente por aqueles que laboram em serventias pequenas e deficitárias e pelos registradores civis, que, na maioria das vezes, não são suficientemente remunerados pelos seus serviços, exercendo-os muito mais por amor à profissão e ao próximo do que por qualquer outra coisa.

É preciso também, cada vez mais, valorizar o cidadão que procura os nossos serviços, prestando-lhe um atendimento mais humano e eficaz. E isso serve para todo o serviço público!

Certa vez, li uma matéria escrita por um juiz de direito, em que ele afirmava que somente às vésperas de se aposentar é que se considerava “pronto” para julgar aquele que tinha sido o seu primeiro caso, naquela sua primeira e longínqua comarca do interior.

Estou longe de me aposentar, ainda mais agora com essa tal reforma previdenciária, mas me lembro de ter refletido muito sobre aquilo e de como aquela honesta e humilde afirmação tocou o meu coração.

Nossas atitudes determinam a forma como vivemos e influenciam o ambiente no qual estamos inseridos. As nossas escolhas determinam o nosso futuro e também daqueles que estão à nossa volta!

Como um eterno aprendiz, compreendi que no teatro da vida devemos ser os atores do espetáculo, e não a plateia que apenas assiste ao show, como diria aquele escritor famoso!

Nas noites de estudo e finais de semana de trabalho, tive a convicção de que o trabalho é uma bênção, mas que a vida é uma grande dádiva de Deus! E, como diz a letra daquela canção, “É PRECISO SABER VIVER!”.

Afinal de contas, como o tempo passa rápido!

*O autor, Anderson Nogueira Guedes, é Notário e Registrador Substituto do Tabelionato Guedes – 2º Serviço Notarial e Registral de Campo Novo do Parecis-MT, Secretário-Adjunto da ARPEN-MT e conselheiro fiscal do IEPTB-MT.

Fonte: Anoreg/MT | 08/06/2017.

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ARTIGO: QUAL É O SEU ESTADO CIVIL? – POR ANDERSON NOGUEIRA GUEDES


*Anderson Nogueira Guedes

Essa é uma pergunta simples e deveria ter uma resposta simples também.

Mas, na prática, não é o que sempre acontece.

Muitas pessoas respondem tal questionamento de maneira errada. Umas, por desconhecimento; outras, de maneira proposital.

É uma pergunta corriqueira na prática notarial e registral, e geralmente é acompanhada de outras, necessárias à correta e adequada identificação e qualificação das partes.

Após identificarmos uma pessoa, com a conferência dos originais de seus documentos pessoais, normalmente a questionamos sobre seus dados básicos de qualificação: estado civil, profissão e endereço atual.

Isso é muito comum, principalmente no Tabelionato de Notas, seja na abertura de um cartão de assinaturas, seja na lavratura de um ato notarial como uma procuração, uma escritura ou um testamento.

Não precisei de muito tempo na atividade para perceber que muitas pessoas realmente desconhecem o seu próprio estado civil.

– “Sou casado!” Respondem alguns, acreditando que a união estável e/ou o casamento religioso têm o condão de alterar o estado civil de uma pessoa.

Já outros, respondem: “Sou solteiro!” Acreditando que a separação, o divórcio ou o falecimento do cônjuge o tornam novamente solteiro.

Outros, por outro lado, respondem: “Sou amasiado!”

Mas, em suma, o que é estado civil?

Podemos dizer que, em direito, estado civil é a situação de uma pessoa com relação ao matrimônio ou à sociedade conjugal. É basicamente isso.

É como nos apresentamos em nosso dia a dia, no trato social.

Em nosso ordenamento jurídico, em uma visão tradicional e clássica, os possíveis estados das pessoas com relação ao casamento são: solteiro, casado, separado (judicial ou extrajudicialmente), divorciado e viúvo.

Solteira é a pessoa que não está e nunca esteve ligada a outra pelo vínculo do casamento. Também o é aquele que teve a sociedade conjugal rompida pela nulidade ou anulação do casamento, nos termos do artigo 1.571, II, do Código Civil.

Casada é a pessoa que se encontra ligada a outra pelo vínculo do casamento, nos termos da legislação civil em vigor. O casamento civil está disciplinado pelo artigo 1.511 e seguintes do Código Civil e pelo artigo 70 e seguintes da Lei de Registros Públicos.

Separada é a pessoa que rompeu a sociedade conjugal por meio de uma ação de separação judicial ou de uma escritura pública de separação consensual.

Divorciado é aquele que rompeu o vínculo do seu casamento por meio de uma ação judicial de divórcio ou de uma escritura pública de divórcio consensual.

Mister se faz frisar que a Lei nº 11.441, de 04 de janeiro de 2007, possibilitou a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa, em tabelionatos de notas. E, de lá para cá, milhares de processos deixaram de abarrotar o Judiciário, gerando grande economia de tempo e de recursos aos cofres públicos. Atualmente, a separação e o divórcio, extrajudiciais, estão previstos no artigo 733 do novo Código de Processo Civil – Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, que assim preconiza:

Art. 733. O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731.

§ 1o A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.

§ 2o O tabelião somente lavrará a escritura se os interessados estiverem assistidos por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.”

Viúvo, por fim, é o indivíduo que teve o vínculo do seu casamento rompido pelo falecimento de seu cônjuge.

Esses são, segundo a legislação pátria, os possíveis estados das pessoas naturais com relação ao casamento. São as modalidades de estado civil existentes em nosso país.

Vale ressaltar que grandes civilistas, como Flávio Tartuce (2016, p. 150/152), defendem a criação de um novo estado civil familiar, de companheiro ou convivente, para as pessoas que convivem em união estável.

O fato é que não existe, até agora, legislação expressa nesse sentido.

Deve-se, entretanto, observar que, apesar de não haver previsão legal expressa quanto ao estado civil de companheiro ou convivente, não poderá a união estável ser omitida por qualquer dos companheiros, principalmente na realização de negócios jurídicos.

Deve-se ter zelo e muito cuidado na coleta dos dados de identificação e qualificação das partes e na conferência da documentação comprobatória das declarações por elas prestadas.

As implicações, em caso de erro ou inexatidão, são inúmeras. Tanto no campo social, quanto na esfera patrimonial.

Já imaginou um indivíduo casado se apresentando ao Oficial de Registro Civil para instruir processo de habilitação para um novo casamento, e declarando-se solteiro?

Imagine agora o “seu José”, casado com a “dona Maria”, de quem está separado de fato, vendendo sozinho um imóvel do casal, ao se declarar solteiro.

Você pode até dizer: “Ah! Isso é fácil de constatar!”

Na prática isso não é tão simples assim.

Não se esqueça que a velocidade com que as coisas acontecem na atual conjuntura social é espantosa. Todos querem tudo para ontem!

Mas não podemos falhar com a qualidade dos serviços em razão da pressa que nos é imposta. Agilidade em detrimento da qualidade do serviço nunca será uma boa opção.

As coisas têm que ser equilibradas.

O equilíbrio, a nosso ver, sempre será o melhor caminho a seguir.

A declaração inexata do estado civil, por equívoco ou má fé da parte, somada à falta de zelo ou atenção do profissional do direito ou de seus prepostos, pode acarretar grandes prejuízos a terceiros e, em consequência, levar as partes interessadas/envolvidas a infindáveis demandas judiciais, que poderiam ser evitadas no balcão da serventia.

A correta e adequada identificação das pessoas que figuram nos atos notariais e registrais garantem a almejada segurança jurídica, a nosso ver cerne das atividades notariais e registrais, e asseguram a eficácia jurídica dos atos praticados pelos notários e registradores.

Quando estou colhendo os dados de identificação de uma pessoa, a fim de saber se o que ela declarou corresponde à verdade, geralmente reforço o questionamento quanto ao estado civil:

– “Você já foi casado em cartório?”.

Isso tem um sentido. Muitos dos que se declaram solteiros são, na verdade, separados, divorciados ou viúvos.

É evidente que essa simples indagação não me dá a certeza de que o que está sendo declarado corresponde à verdade, mas me dá um indicativo de qual caminho seguir.

Caso nunca tenha se casado junto a um Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, claro está que se trata de pessoa solteira, mesmo que conviva ou tenha convivido por um longo tempo com outra em união estável.

Por outro lado, caso a pessoa responda que sim, a exigência da respectiva certidão de casamento é medida que se impõe, sobretudo em atos negociais.

As pessoas solteiras, maiores e capazes, têm, a princípio, livre administração/disposição de seus bens. Já os casados, em regra, necessitam de anuência do outro cônjuge (outorga uxória ou autorização marital) para alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis, bem como para prestar fiança ou aval, assim como nos demais casos do artigo 1.647 do Código Civil.

Em determinados casos, exige-se, inclusive, que a certidão de casamento esteja atualizada, a fim de se aferir o atual e verdadeiro estado civil da pessoa.

 Frise-se que toda e qualquer situação que altere o estado civil dos consortes deverá ser noticiada à margem do registro de casamento do casal, com fulcro no artigo 29, §1º, a, da Lei de Registros Públicos – Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e no artigo 10, I, do Código Civil.

Desta forma, serão objeto de averbação o divórcio, a separação e o restabelecimento da sociedade conjugal, bem como as sentenças que decretarem a nulidade ou anulação do casamento.

Apesar de referidos dispositivos legais não preverem a averbação da viuvez, a boa prática e as normas das corregedorias estaduais normalmente  recomendam a sua anotação à margem do registro de casamento.

Assim, em vindo o casal a se separar ou divorciar, judicial ou extrajudicialmente, a restabelecer a sociedade conjugal, ou vindo a falecer qualquer do par, tais informações deverão constar do assento de casamento e das respectivas certidões emitidas.

Em regra, uma pessoa que jamais tenha se “casado em cartório” (como costumeiramente se diz), por mais que com outra mantenha ou tenha mantido união estável, mesmo que por um longo período, não poderá ser considerada casada, separada, divorciada ou viúva. É solteira! Existem, entretanto, algumas situações em que a lei dispensa a celebração do casamento em cartório, como no caso do casamento religioso com efeitos civis, as quais serão abordadas em outra oportunidade.

Por outro lado, uma pessoa que se casou no civil, mesmo que separada de fato de seu cônjuge, não poderá ser considerada separada ou divorciada, enquanto pendente a separação ou divórcio.

Agora, o que dizer de pessoa separada, judicial ou extrajudicialmente, vindo o seu ex-cônjuge a falecer antes da conversão da separação do casal em divórcio?

Imaginemos a seguinte situação: José e Maria vieram a se separar juridicamente (judicial ou extrajudicialmente). Após a separação do casal, sem que tenha havido a conversão em divórcio, José veio a falecer. Qual é o estado civil de Maria? Pense um pouquinho aí!

Certa vez, uma senhora procurou a nossa serventia e me confessou que não sabia qual era o seu estado civil. Disse-me que havia se separado judicialmente de seu ex-marido há muitos anos, e que antes de promoverem a conversão da separação judicial em divórcio, veio ele a falecer. Confidenciou-me que não aguentava mais aquela situação, pois, segundo ela, ninguém sabia dizer ao certo qual era o seu estado civil. E, por isso, constrangida, apresentava-se sempre como separada judicialmente.

Sem hesitar, disse a ela: – “A senhora é viúva!”

Realmente, inúmeras foram as vezes que vi pessoas se equivocando quanto a essa situação específica, inclusive vários outros profissionais do direito. Muitos acham que, nesse caso, a pessoa permanece como separada judicialmente.

Não podemos nos esquecer que a separação, judicial ou extrajudicial, não tem o condão de dissolver o casamento válido. A separação extingue a sociedade conjugal, mas não dissolve o vínculo do matrimônio.  Desta forma, em vindo a falecer o ex-cônjuge separado (judicial ou extrajudicialmente), o sobrevivente deverá ser considerado viúvo, uma vez que o casamento não havia, ainda, sido dissolvido pelo divórcio.

Esse é, a nosso ver, o melhor entendimento.

Se não for assim, como poderá a pessoa, nesse caso, contrair novas núpcias, eis que o Código Civil em vigor veda o casamento de pessoas separadas?

Nunca mais poderá se casar com outra pessoa, e, assim, prosseguir com a sua vida?

O operador do direito, apesar de não lidar com uma ciência lógica como a matemática, deve procurar, no ordenamento, soluções lógicas, pertinentes e adequadas às situações que surgem em nosso dia a dia. Essa é a minha humilde opinião.

Nem todas as situações estão expressa e literalmente previstas no texto de lei. Aliás, isso seria praticamente impossível, haja vista a grande dinâmica existente em nossa sociedade.

Deve ter, desta forma, um conhecimento amplo do ordenamento jurídico, utilizando-se das regras de hermenêutica jurídica, e, muitas vezes, de interpretação sistemática, a fim de dar uma boa, adequada e justa solução aos casos que lhe são apresentados.

E não me venha com filosofia, dizendo que o que é justo para mim pode não ser justo para você! Estou falando de equilíbrio e bom-senso.

Lembro-me sempre das lições de meu primeiro professor de Direito Civil:

– “O Direito tem que fazer sentido”, dizia ele.

Confesso que a prática muitas vezes não reflete a beleza encontrada na teoria. Quer um exemplo genérico para você entender do que estou falando? Onde estão, saúde, educação, alimentação, transporte, moradia e outros tantos direitos sociais assegurados pela Constituição Federal a todos os brasileiros? Não estude bastante e consiga um bom emprego para ver o que acontece. E, depois, trabalhe bastante e continue estudando.

Desabafos à parte, voltemos ao que interessa.

O estado civil da pessoa, no caso em tela, é o de viúva.

Nesse diapasão, ensina-nos Maria Berenice Dias (2010, p. 59):

“Ocorrendo a morte de um dos cônjuges depois da separação, o sobrevivente assume a condição de viúvo. Essa conclusão tem uma justificativa lógica. Advindo a morte de um do par, não há a possibilidade de decretação do divórcio. Deste modo, é necessário reconhecer que a morte libera o separado para novo casamento. O mesmo não acontece quando ocorre o falecimento de um dos cônjuges depois do divórcio. Os divorciados continuam sendo assim identificados mesmo depois da morte do ex-cônjuge. O casamento já estava dissolvido”.

Apesar de simples, o assunto pode, por vezes, tornar-se tormentoso, como no caso daquela senhora que sempre se declarava separada judicialmente.

De suma importância, portanto, a correta identificação e qualificação das partes nos atos notariais e registrais, exigindo-se, sempre, dos notários e registradores, bem como de seus prepostos, muita atenção e zelo na realização de seu mister, a fim de que os seus atos venham a garantir as almejadas segurança e eficácia jurídicas.

Desta forma, depois de tudo devidamente esclarecido, pergunto-lhe:

Qual é mesmo o seu estado civil?

BIBLIOGRAFIA:

BRASIL. Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 09 de agosto de 2017.

BRASIL. Código de Processo Civil Brasileiro, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/L13105.htm>. Acesso em: 09 de agosto de 2017.

BRASIL. Lei de Registros Públicos, Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015consolidado.htm>. Acesso em: 09 de agosto de 2017.

BRASIL. Lei nº 11.441, de 04 de janeiro de 2007. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/L11441.htm>. Acesso em: 09 de agosto de 2017.

DIAS, Maria Berenice. Divórcio Já! Comentários à Emenda Constitucional 66, de 13 de julho de 2010. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume Único. 6 ed. São Paulo: Método, 2016.

*O autor, Anderson Nogueira Guedes, é Tabelião Substituto do Tabelionato Guedes – 2º Serviço Notarial e Registral da comarca de Campo Novo do Parecis-MT. Bacharel em Direito e Secretário-Adjunto da ARPEN/MT.

Fonte: Anoreg/MT | 11/08/2017.

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