Artigo: Indenização pelo uso exclusivo do imóvel de propriedade comum dos ex-cônjuges – Por Karin Rick Rosa


*Karin Rick Rosa

A realização de divórcio em tabelionatos de notas acontece com relativa frequência. Os números mostram que, passados dez anos da publicação da Lei 11.441/07, os casais que preenchem os requisitos legais preferem a escritura pública para formalizar a extinção do vínculo matrimonial à sentença judicial homologatória.

Tal circunstância exige do tabelião de notas um conhecimento cada vez mais especializado dos temas que versam o Direito de Família. Temas que não são poucos, e que muitas vezes não encontram na lei e na jurisprudência uma resposta uníssona. Nem por isso deve o tabelião de notas abandonar sua função de assessoramento e orientação, característica do notariado do tipo latino e que garantem a independência funcional o diferenciando do notariado anglo-saxão, que atua como um mero carimbador. Aliás, por não ser um mero carimbador é que o tabelião de notas precisa ter e manter uma formação jurídica sempre atualizada, tornando-o apto a fornecer o assessoramento e a orientação adequados e assim cumprir com sua função.

Pois bem. Neste contexto, o assunto trazido à análise está relacionado ao Direito de Família, à extinção do vínculo matrimonial, e à possibilidade de cobrança de valor a título de indenização ou aluguel naqueles casos em que um dos cônjuges permanece com o uso exclusivo de um bem comum. No dia 08/02/2017 a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça reconheceu o direito à indenização pelo uso exclusivo de imóvel de propriedade comum de ex-cônjuges no julgamento do REsp 1.250.362 – RS. Os Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi, Nancy Andrighi (voto-vista) e Luis Felipe Salomão votaram acompanhando o Ministro Relator Raul Araújo. Foram votos vencidos os Ministros Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro. O julgamento foi presidido pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

O argumento adotado pelo Ministro Relator para reconhecer o direito à indenização foi a vedação ao enriquecimento sem causa. Como requisito necessário para que se configure o direito à indenização é preciso que a parte que toca a cada um no divórcio ou separação tenha sido definida por qualquer meio inequívoco. Ou seja, que se tenha como certo o quinhão de cada um. No caso concreto, a divisão do imóvel foi feita na proporção de 50% para cada um, sendo que o cônjuge que permaneceu, utiliza ou utilizava o bem para residir e também para atividade comercial.

A decisão recorrida, originária do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, considerou que enquanto não levada a efeito a partilha dos bens comuns, tem-se o estado denominado de mancomunhão e, em razão deste estado, não cabe indenização ou aluguel ao cônjuge que não está na posse do bem.

O acórdão faz referência expressa, inclusive com a transcrição de ementas, à divergência presente na própria Corte Superior, que por vezes admite a cobrança e outras vezes não, analisando a questão do ponto de vista do exercício da propriedade, se pela mancomunhão ou se pelo condomínio. Há menção, também, ao fato de ser esta uma discussão antiga nos Tribunais.

O momento que configura a mancomunhão também é objeto de controvérsia, pois uma parte da doutrina entende que a separação extingue o regime de bens e estabelece a mancomunhão, a qual perdura até que se efetive a partilha, enquanto outra parte entende que a mancomunhão deixa de existir com a separação, independentemente de partilha, quando a relação patrimonial entre os ex-cônjuges, então passaria a ser reger pelas regras do condomínio.

Buscando se afastar da discussão mancomunhão/condomínio, para o Ministro Relator Raul Araújo importa menos o modo do exercício do direito de propriedade, se comum ou exclusivo (mancomunhão ou condomínio), e mais a relação de posse.

Deste modo, entende que o fato gerador da indenização é a posse exclusiva por um dos ex-cônjuges, independentemente da existência de mancomunhão ou de condomínio, com a ressalva de que este direito não é automático.

No voto vencido, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva cita doutrina para destacar a diferença entre a mancomunhão e o condomínio, que reside no fato de existir, no condomínio, uma fração ideal que permite a alienação ou a oneração do bem, observado o direito de preferência, ao passo que na mancomunhão não existe uma individualização ou delimitação, no sentido de ser possível alienar ou gravar a parte de um ou de outro. Ambos são donos da coisa, de mão comum. O Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva entende que se apenas um dos cônjuges utilizar o bem de forma exclusiva, impedindo de forma concreta ou prática o usufruto do bem pelo outro, independentemente de estar em mancomunhão ou em condomínio, surge o direito ao ressarcimento. Todavia, para o Ministro Cueva, deverá ser analisada a boa-fé do cônjuge que permaneceu no uso exclusivo do bem, ressaltando que nos casos  em que um dos cônjuges abdica gratuita e provisoriamente o direito de habitar o bem comum, ou ainda, quando o fato de as partes não coabitarem o imóvel até a partilha se deve a motivos emocionais ou pessoais impeditivos, o direito à indenização não é inconteste. Analisando a questão sob a ótica da boa-fé, o uso exclusivo poderá configurar ato ilícito, pelo abuso de direito, fazendo surgir o direito à indenização.

O que se observa, pois, é que o direito à indenização pelo uso exclusivo de bem comum por um dos ex-cônjuges tem sido reconhecido pelos Tribunais a partir de linhas de argumentação distintas. Certo, porém, é que a decisão a este respeito deverá sempre levar em consideração as circunstâncias concretas do caso, sem generalizações.

Ao tabelião, reitere-se, incumbe a tarefa de assessor e orientar na inventio do direito e na busca pela res iusta[1].

[1]DIP, Ricardo. Prudência Notarial. SP: 2012, Quinta Editorial.

*Karin Rick Rosa é advogada e assessora jurídica do Colégio Notarial do Brasil. Mestre em Direito e especialista em Direito Processual Civil pela Unisinos. Professora de Direito Civil Parte Geral e de Direito Notarial e Registral da Unisinos. Professora do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos. Professora da Escola Superior da Advocacia/RS. Professora convidada do Instituto Internacional de Ciências Sociais (SP). Coordenadora da Especialização em Direito Notarial e Registral da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Autora e organizadora de obras jurídicas.

Fonte: CNB/CF | 15/05/2017.

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Artigo: “Na lavratura de escritura de união estável é obrigatória a adoção do regime da separação legal de bens quando um dos conviventes contar com mais de 70 anos de idade?” – Por Rafael Depieri


*Rafael Depieri

A união estável é uma situação de fato, na qual duas pessoas mantém uma relação configurada na “convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”[1]. E por ser um instituto não oriundo de um ato jurídico constitutivo, como o casamento, torna-se dificultosa a comprovação de sua existência jurídica, ou seja, depende de decisão judicial sempre que houver dúvida quanto ao seu termo inicial e, quando for o caso, à sua dissolução.

Nessa linha, é permitido aos conviventes declarar, por meio de escritura pública ou até por instrumento particular, que convivem em união estável, inclusive indicando a época do início do relacionamento, cabendo ao tabelião de notas tão somente reconhecer a capacidade e a livre manifestação das partes, sendo lhe vedada a aferição da veracidade dos fatos alegados pelos conviventes, os quais poderão ser comprovados ou contestados judicialmente.

Interessante observar que a declaração da união estável será sempre posterior ao início da relação, uma vez que é praticamente impossível que as partes primeiro façam o contrato para só depois começarem a  se unir pública, duradoura e continuamente. Evidente que não terá esse contrato de união estável efeito constitutivo, mas sim meramente declaratório do que as partes já vêm vivendo e que, naquele momento, perceberam-se naquela situação jurídica e resolveram declará-la em uma escritura pública, inclusive indicando o regime de bens.

Assim, o regime de bens não necessariamente se aplicará ao momento posterior da assinatura da escritura união estável. Isto porque se trata de ato declaratório no qual as partes buscam reconhecer uma situação já constituída.

Nesse sentido, a aplicação ou não do regime legal da separação obrigatória de bens irá depender da idade dos conviventes no início da relação declarada na escritura pública, independente da data da lavratura do ato notarial, ou seja, caso no marco inicial da união um dos conviventes já seja septuagenário deverá ser adotado obrigatoriamente o regime da separação de bens (art. 1.641, II, do CC/02), conforme reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça[2].

Da mesma forma, a Egrégia Corregedoria Geral da Justiça Paulista recentemente decidiu, em expediente que discutia o registro de uma escritura de união estável no Livro E do Registro Civil, que é a idade dos conviventes no início da união que importa para eventual imposição do regime da separação, independente da data da lavratura ao ato notarial, in verbis:

União Estável – Regime de Separação Obrigatória – Segundo a jurisprudência

do E. STJ, aplica-se à união estável o art. 1641, II, do CC – É a idade dos conviventes no início da convivência que importa para eventual imposição do regime de separação de bens, sendo irrelevante o momento em que eventualmente venham a formalizar a união, por meio de escritura pública – Salvo raras exceções, não cabe ao Tabelião ou ao Registrador colher provas da veracidade das idades que os conviventes declararem por ocasião da escritura pública de união estável – Recurso desprovido. (CGJ-SP – Processo 1000633-29.2016.8.26.0100, Relator: Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças, Data de Julgamento: 13/10/2016, Data de Publicação: DJ: 21/11/2016)

Curioso ainda observar que a decisão foi mais além, firmando entendimento de que qualquer alteração no regime de bens de casais em união estável só pode ser feita por decisão judicial, conforme trecho do Parecer de lavra do Exmo. Juiz Iberê de Castro Dias:

“…. Assim como acontece com o casamento (art. 1639, §2º, do CC), o regime de bens vigente entre os conviventes quando do início da união estável somente poderá ser alterado por decisão judicial.” (grifo nosso)

*Rafael Depieri é assessor jurídico do CNB/SP.Advogado, é bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduado em Direito Notarial e Registral pela Faculdade Arthur Thomas. Envie sua dúvida para cnbjuridico@cnbsp.org.br

Fonte: CNB/SP | 29/04/2017.

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