ARTIGO: Como aproveitar o prazo de consolidação da propriedade na alienação fiduciária para a venda em leilão do imóvel retomado – Por Mauro Antônio Rocha


*Mauro Antônio Rocha

1. O jornal ‘O Estado de São Paulo’ publicou, na edição de 28 de janeiro passado, reportagem sobre o mercado imobiliário, dando conta de que, somente em 2016, mais de 14 mil unidades imobiliárias foram ‘retomadas’ por meio de execução extrajudicial em contratos de alienação fiduciária em garantia, em decorrência de inadimplemento dos pagamentos pelos mutuários, com crescimento de 247% em relação ao ano anterior, acumulando em quase R$ 10 bilhões o valor de estoque desses bens nos balanços das instituições financeiras.

Esses 14.184 imóveis, conforme dados apurados pela Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo – ARISP, serão – obrigatoriamente – vendidos em leilões públicos realizados nos prazos e conforme procedimentos dispostos na Lei nº 9.514/1997, ou, em caso de resultado negativo nos leilões, mediante venda direta, conforme determina o art. 35 da Lei nº 4.595/1964, no prazo máximo de um ano, prorrogável a critério do Banco Central do Brasil.

O rito proposto pela Lei nº 9.514/1997 para a alienação do bem imóvel objeto de consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário por meio de leilão público visa proporcionar a recuperação de recursos em montante suficiente para a reposição integral do valor devido com os respectivos encargos, mas, também, reembolsar, total ou parcialmente, os efetivos dispêndios financeiros do devedor mediante a devolução do excesso eventualmente apurado. Outrossim, a opção pela alienação do imóvel no ambiente supostamente controlado do leilão público, capaz de conferir publicidade à intenção de venda e generalizar a participação e licitação de compra, demonstra a preocupação do legislador em dar transparência à transação e proteger os interesses do devedor.

No entanto, esses imóveis ‘retomados’ são, quase sempre, oferecidos à venda em cerimônias furtivas, destituídas de qualquer planejamento, organização e da imprescindível publicidade e divulgação, que afastam, quando não impedem, a participação dos reais interessados na aquisição, favorecendo negócios com cartas marcadas e resultados contrários aos interesses dos envolvidos – credor fiduciário e fiduciante – frustrando a intenção da lei de que a alienação alcance valor minimamente compatível com a avaliação técnica e projeções de mercado e, principalmente, deixando o credor, a quem a lei confiou a responsabilidade pela consecução da venda, desnecessariamente exposto a pretensões indenizatórias do devedor e de terceiros eventualmente prejudicados.

Há que se reconhecer, entretanto, que, para além do descuido do credor com relação aos procedimentos legais, também os prazos estipulados para a realização dos leilões – trinta dias para o primeiro e mais quinze dias, se necessário um segundo, sempre contados da averbação da consolidação da propriedade – são insuficientes e embaraçam a organização desses eventos.

Para confrontar essa dificuldade – e cumprir os desígnios da lei – resta ao credor fiduciário – e aqui nos referimos especialmente aos credores massivos, entidades financeiras e grandes incorporadoras – utilizar de maneira inteligente a oportunidade que é proporcionada pelo alargamento do prazo para averbação obrigatória da consolidação da propriedade, estabelecido pelas corregedorias dos Tribunais de Justiça de diversos estados para suprir a ausência de dispositivo legal expresso e específico.

2. Com efeito, a consolidação da propriedade decorre do não pagamento, total ou parcial, da dívida no termo contratual (art. 26, caput, da Lei nº 9.514/1997) e se perfaz, de direito, pela averbação na matrícula imobiliária, após (1) o decurso do prazo legal deferido ao devedor ou fiduciário para a purgação da mora, (2) a certificação desse fato pelo Oficial de Registro competente e (3) requerimento do fiduciário mediante comprovação do recolhimento do imposto sobre transmissão de bem imóvel incidente sobre a transação.

Nesse sentido, dispõe o § 7º do art. 26 da referida lei, com a redação dada pela Lei nº 10.931/2004 que decorrido o prazo legal sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá a averbação, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, à vista da prova do pagamento por este, do imposto de transmissão inter vivos e, se for o caso, do laudêmio.

Ocorre que a lei não dispôs expressamente sobre o prazo designado para que o credor requeira a averbação da consolidação da propriedade.

A ausência de prazo expresso no texto legal não pode, entretanto, ser entendido como inexistência de prazo. Há que se atentar para o fato de que a consolidação da propriedade finaliza o procedimento registral da execução extrajudicial da garantia fiduciária que, por sua vez, se inicia com a prenotação do requerimento de intimação, cujos efeitos cessam automaticamente no prazo comum de 30 dias, determinado pelos artigos 188 e 205 da Lei nº 6.015/1973, salvo as exceções legalmente discriminadas (dúvida, 2ª hipoteca, editais para a constituição de bem de família, entre outros), caso o registro não se complete por omissão do interessado em atender às exigências legais. Dessa forma, a rigor, o prazo de trinta dias que se inicia com a prenotação restaria prorrogado desde a data de expedição ou postagem da intimação até a do decurso do prazo de purgação de mora, cabendo ao credor comprovar o pagamento dos tributos de transmissão antes de esgotado o trintídio.

Todavia, ao cuidar das intimações e da consolidação da propriedade fiduciária, no Capítulo XX das normas gerais dedicadas às atividades extrajudiciais, a Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo estipulou, que decorrido o prazo de 120 (cento e vinte) dias sem as providências elencadas no item anterior, os autos serão arquivados e a consolidação da propriedade fiduciária exigirá novo procedimento de execução extrajudicial.

O procedimento adotado pela Corregedoria do Tribunal de Justiça paulista – a rigor totalmente desconectado da intenção de celeridade proposta pela lei – foi replicado em normas gerais expedidas em outros estados da federação e terminou por transformar-se, de maneira geral, em prazo admitido nacionalmente.

 3. Esse prazo concedido para a averbação da consolidação da propriedade dá ao credor, agora em situação de absoluta vantagem, a possibilidade de negociar o recebimento da dívida para o convalescimento contratual ou a liquidação do contrato e consequente cancelamento da alienação fiduciária.

A condição de vantagem do credor decorre da sensível alteração na situação das partes contratantes provocada pela regular intimação do devedor ou fiduciante – afastando do devedor a conveniência de adiar ou dificultar a efetivação do ato de ciência e aproximando-o do credor em busca do acertamento da situação pendente, o que é, quase sempre, consentâneo com o interesse do credor fiduciário, em razão dos elevados custos da retomada do imóvel, desocupação, recuperação e manutenção física, segurança, impostos incidentes sobre a propriedade e demais custos incorridos no período que entremeia a consolidação da propriedade e a efetiva alienação do imóvel,

De outro lado, esse prazo de cento e vinte dias representa uma valiosa oportunidade para os leilões públicos sejam organizados e planejados de forma a escapar das hastas modorrentas e viciadas cometidas em detrimento dos interesses do credor e do devedor, abrindo aos credores a oportunidade de promover grandes eventos periódicos para a alienação de centenas de propriedades consolidadas no interregno, que poderão ser realizados individualmente ou em conjunto com outras entidades, num único local, no mesmo estilo e com a eficácia dos feirões da casa própria, agregando à oferta de venda a participação profissional de leiloeiros, corretores de imóveis, oficiais de notas e de registro de imóveis e, especialmente, despertando o interesse dos consumidores e investidores na disputa pela aquisição dos bens mediante oferta do melhor preço, propiciando a participação dos verdadeiros interessados na aquisição dos imóveis com real possibilidade de licitar de forma transparente e, por que não, realizando novos negócios mediante o financiamento da aquisição pelos contendores.

Evidentemente, poderá um ou outro devedor ingressar em juízo para exigir a averbação da consolidação e realização imediata dos leilões ou, ainda, algum interessado poderá recolher os tributos para inicia o cômputo do prazo determinado para a venda, porém, reconhecido o risco de responder por perdas e danos comprovados, não há previsão de sanção para a realização intempestiva do leilão, podendo o credor manter a programação definida e a divulgação dos resultados positivos desses eventos aos poucos minará o voluntarismo judicial dos devedores.

[1] O autor é advogado graduado pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduado em Direito Imobiliário e Direito Registral e Notarial. Professor, palestrante e Coordenador Jurídico de Contratos Imobiliários da Caixa Econômica Federal – CEF.

Fonte: iRegistradores | 07/02/2017.

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Artigo – O pacto pós-nupcial no direito brasileiro – Por Bernardo Freitas Graciano e Letícia Franco Maculan Assumpção


*Bernardo Freitas Graciano e Letícia Franco Maculan Assumpção

O pacto antenupcial, ou contrato antenupcial, é um negócio jurídico bilateral de direito de família, sob a condição suspensiva da celebração do casamento, destinado a estabelecer regime de bens. O contrato antenupcial, também denominado pré-nupcial, existe há séculos. Pesquisadores do Departamento de Arqueologia da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, encontraram na Mesopotâmia, atual território do Iraque, uma tábua do século 4 a.C. com um detalhado acordo de casamento.

Nos termos do parágrafo único do artigo 1.640 do Código Civil brasileiro, o pacto antenupcial tem que ser feito por escritura pública, sendo sua lavratura, assim, de atribuição exclusiva do notário, conforme artigo 6º da Lei 8.935/94. É indispensável o pacto quando os noivos querem adotar o regime da comunhão universal, da participação final nos bens materiais, da separação convencional ou de qualquer outro regime, posto que a doutrina e a jurisprudência admitem a criação de regimes diversos daqueles previstos no Código Civil.

Muito já se escreveu sobre o pacto antenupcial, mas existe pacto pós-nupcial? O pacto pós-nupcial é um acordo que rege o novo regime de bens vigente no casamento já celebrado, que no Brasil poderá ser feito após autorização judicial específica para alteração do regime. Na lei brasileira não se encontra menção a tal ato jurídico. No entanto, a jurisprudência vem determinando sua lavratura quando há alteração do regime de bens no curso do casamento.

Nos Estados Unidos da América, já são comuns os postnups, que vêm sendo usados para reduzir o número de divórcios. Estatísticas da American Academy of Matrimonial Lawyers revelam que, em 1995, quando os pactos pós-nupciais começaram a ganhar popularidade, cada escritório de advocacia médio realizava aproximadamente cerca de dois contratos desses por ano. Mais recentemente, a média subiu para oito casos por ano.

No Brasil, essa tendência ao pacto pós-nupcial tem chamado a atenção. O Código de Processo Civil (CPC) alterou o padrão da imutabilidade do regime de bens no casamento, quebrando um paradigma que sempre vigorou no direito brasileiro. A possibilidade de alteração do regime de bens após o casamento trouxe autonomia aos indivíduos no âmbito das relações pessoais e patrimoniais, sendo relevante destacar os reflexos que a alteração produz no âmbito da relação jurídica do casal e de cada um dos cônjuges com terceiros.

O pacto pós-nupcial, com a alteração do regime de bens, estabelece parâmetros que permitem que o casal promova, depois do casamento, um novo arranjo patrimonial. As modificações que vêm ocorrendo no âmbito da família não permitem mais que as decisões sejam rígidas, porque as pessoas e as circunstâncias vão se modificando ao longo do tempo e, muitas das vezes, alterar o regime de bens é uma necessidade de determinados casais, inclusive para manterem os aspectos pessoais da relação.

No direito brasileiro, antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, a alteração de regime de bens na constância do casamento era vedada, mas, desde janeiro de 2003, quando entrou em vigor o Código Civil de 2002, pode haver essa mudança, mediante autorização judicial, em processo no qual devem figurar como partes ambos os cônjuges, que apresentarão pedido motivado e demonstrarão que a alteração não causará prejuízo a terceiros.

Qual a razão para a lavratura de pacto pós-nupcial se já é obrigatória decisão judicial autorizando a mudança do regime? Há vários motivos para se buscar um pacto pós-nupcial, devendo ser considerado que a longevidade da população faz com que as pessoas queiram adequar um casamento já celebrado há muitos anos ao momento em que estão vivendo, preservando o casamento e evitando conflitos, e assim protegendo essa instituição tão importante, que é a família.

Não deveria a própria decisão definir como seria o novo regime vigente a partir de então? Há acórdãos que dispensam a necessidade de lavratura de pacto, posto que a própria decisão judicial pode fixar os parâmetros do novo regime de bens.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em uma ação recente, definiu que o pacto pós-nupcial, em nossa legislação, depende de aprovação do Poder Judiciário para que seja válido. Entretanto, o que tem ocorrido na maioria dos casos é a mera autorização judicial para alteração, deixando para que as próprias partes definam o novo regime que entendem melhor, por meio de escritura pública. Também aqui se vê a tendência à desjudicialização, que mais recentemente vem sendo denominada extrajudicialização. Desse modo, o Judiciário vem atribuindo a notários e registradores soluções jurídicas a problemas dos cidadãos quando não há conflito.

Também poderia o pacto pós-nupcial corrigir um erro material existente no registro? Além da utilização nos casos de alteração no regime de bens, importante ressaltar a possibilidade de uso dos pactos pós-nupciais para casos de retificação de registro civil, em que houve erro material no registro específico. A Lei 12.100/09 veio ampliar o rol de erros passíveis de correção pela via administrativa: qualquer erro que não exija qualquer indagação para a constatação imediata da necessidade de sua correção passou a ser objeto da retificação administrativa.

Fato é que, apesar de não existir previsão legal do referido ato no direito brasileiro, o pacto pós-nupcial é uma realidade no Brasil e no mundo. O rumo do direito brasileiro tem sido no sentido de privilegiar a vontade e a segurança jurídica. Para isso, devem atuar em conjunto a população, o Poder Judiciário, os advogados, e os notários e registradores.

Fonte: CNB/CF – Jornal Estado de Minas | 06/02/2017.

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