Artigo: A imprescindível atuação do tabelião de notas na reprodução assistida post mortem – Por Karin Rick Rosa


*Karin Rick Rosa

A infertilidade humana é encarada pela medicina como um problema de saúde, com implicações médicas e psicológicas. Os avanços científicos no sentido de solucionar os problemas que impedem ou dificultam a reprodução humana são visíveis. Não bastasse isso, a criopreservação de material e biológico para uso em reprodução assistida também é uma alternativa quando a pessoa precisa se submeter a algum tratamento médico que pode ter como efeito a infertilidade.

Desde 1992 o Conselho Federal de Medicina tem se dedicado a normatizar a reprodução assistida. A primeira Resolução nº 1.358 já determinava que, nos casos de divórcio, doenças graves ou de falecimento de um dos cônjuges ou de ambos, é necessária a manifestação da vontade por escrito sobre o destino a ser dado aos pré-embriões criopreservados. Entretanto, nada dispunha sobre a utilização dos embriões post mortem.

Em 2010 foi editada a Resolução nº 1.957, substituindo a Resolução de 1992, tratando, pela primeira vez, do assunto relativo ao uso do material biológico criopreservado para reprodução assistida post mortem. A finalidade era afastar a ilicitude ética no uso do material biológico criopreservado, o que, de acordo com esta resolução, dependia da existência de uma autorização prévia específica do(a) falecido(a).

A Resolução 2.013, publicada em 2013, trouxe significativas atualizações, como por exemplo, impôs limitação de idade às mulheres no uso das técnicas de reprodução assistida e previu a utilização das técnicas de reprodução assistida para pessoas solteiras e casais homoafetivos. Outras mudanças importantes dizem com a possibilidade de descarte dos embriões criopreservados há mais de cinco anos, do uso das técnicas para tentativa de cura de doença de outro filho do casal e da permissão à gestação compartilhada em união homoafetiva em que não exista infertilidade. A autorização para reprodução assistida post mortem foi mantida, exigindo a autorização prévia específica do(a) falecido(a).

A Resolução 2.013 foi revogada pela Resolução 2.121, de 24 de setembro de 2015. No que se refere à reprodução assistida post mortem, a atual resolução estabeleceu a forma escrita à manifestação prévia: “no momento da criopreservação, os pacientes devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino a ser dado aos embriões criopreservados em casos de divórcio, doenças graves ou falecimento, de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los”.

Observa-se que desde o primeiro momento em que a reprodução post mortem passou a ser prevista como possibilidade pelo Conselho Federal de Medicina, sempre houve uma preocupação com a manifestação de vontade dos pacientes. A forma escrita para esta manifestação, todavia, somente veio expressa no ano de 2015.  A partir de março deste ano, com a publicação do Provimento nº 52 pelo Conselho Nacional de Justiça, ficou estabelecida a forma pública à manifestação de vontade, mediante termo de autorização prévia específica do falecido ou falecida para o uso do material biológico criopreservado. E não é só isso. Quando a reprodução assistida se der por doação voluntária de gametas ou de gestação por substituição, além da declaração de nascido vivo, da declaração do diretor técnico da clínica, centro ou serviço de reprodução humana com firma reconhecida, deverão ser apresentados outros três termos, dois de consentimento e um de aprovação prévia, por instrumento público: um termo de consentimento prévio do doador ou doadora, autorizando expressamente que o registro de nascimento da criança a ser concebida seja realizado em nome de outrem; um termo de aprovação prévia do cônjuge ou do companheiro do doador ou doadora, autorizando expressamente a realização do procedimento de reprodução assistida; um termo de consentimento do cônjuge ou do companheiro da beneficiária ou receptora do material biológico, autorizando expressamente a realização do procedimento.

Fica evidente a participação necessária do tabelião de notas na fase que antecede a realização dos procedimentos de reprodução assistida, cumprindo com uma das funções mais importantes que lhe incumbe, qual seja, a de prevenção de litígio. Toda a evolução científica que veio para ajudar pessoas com problemas de fertilidade tem consequências e impactos no modelo tradicional de atribuição da maternidade e paternidade para o direito civil, especialmente para o direito de família e das sucessões, passando inexoravelmente pelo registro civil das pessoas naturais. Ao estabelecer a forma pública para os documentos que servirão para tutelar os direitos e garantias dos envolvidos nestes procedimentos, ganham os cidadãos, ganha a sociedade, ganha a ciência.

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*Karin Rick Rosa é advogada e assessora jurídica do Colégio Notarial do Brasil. Mestre em Direito e especialista em Direito Processual Civil pela Unisinos. Professora de Direito Civil Parte Geral e de Direito Notarial e Registral da Unisinos. Professora do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos. Professora da Escola Superior da Advocacia/RS. Professora convidada do Instituto Internacional de Ciências Sociais (SP). Coordenadora da Especialização em Direito Notarial e Registral da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Autora e organizadora de obras jurídicas.

Fonte: Notariado | 30/08/2016.

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Artigo: TESTAMENTO VITAL- DECLARAÇÃO PRÉVIA DE VONTADE – Por Mary Jane Lessa


*Mary Jane Lessa

O bem que praticares em algum lugar; é teu advogado em toda parte. (Francisco Xavier)

No exercício de minha profissão fiz vários testamentos, mas a experiência de uma declaração antecipada de vontade, conhecido como testamento vital, fez-me enxergar novos horizontes ao desejo das partes. Pessoas em perfeita consciência de sua autonomia e do direito ao consentimento informado, tomando decisões relacionadas a sua vida, saúde, integridade e relacionamentos, assumindo os riscos de suas decisões, quer sejam boas ou más.

Esta autonomia está prevista no artigo 15 do Código Civil de 2002: “Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.”

Relata o mencionado artigo, o direito do paciente decidir livremente sobre a sua pessoa e seu bem-estar, sua vontade expressa desde o seu relacionamento com o médico,com o hospital, com a familia e sociedade.

No momento em que a pessoa é acometida por uma enfermidade grave, passado o sentimento de dor e estado de luto vivenciado por uma sequência de sentimentos debilitantes, da impótência ao desejo e autonomia por suas proprias escolhas. E, é essa nossa função notarial, transcrever em nossos livros as declarações de vontade das partes, oferecendo-lhe o testamento vital, a fim de garantir que possa desenhar sua trajetória de vida de acordo com seus princípios, até sua morte.

Nossa Constitutição Federal aborda o direito à vida como  base de todos os fundamentos e princípios do ordenamento jurídico.Todavia há controvérsia em relação as diretivas antecipada de vontade e ao seu sentido jurídico, uma vez que a escritura de testamento tem efeito após a morte e o desejo declarado no testamento vital tem efeito antes da morte do outorgante. É um valor moral e espiritual inseparado à pessoa, elencado no rol de direitos principais.

Ele evidencia que o direito à vida deve ser explorado juntamente com a razão da dignidade da pessoa humana, de forma que não se pode falar em direito à existência sem que se tenha uma vida digna.

Como em outro instrumento público, o testamento é lavrado mediante desejo expresso pela parte que encontra-se em no pleno gozo de suas faculdades mentais, observados todos os requisitos legais pelo notário, onde ele, ora outorgante poderá dispor acerca dos mecanismos, procedimentos médicos, cuidados e tratamentos que deseja ou não ser submetido quando na enfermidade sob risco de morte, em especial, nos casos da impossibilidade de manifestação de vontade própria, dada a enfermidade. Cabendo-lhe ainda mencionar neste instrumento a presença de dois profissionais: o médico e o advogado da confiança do testador, bem como demais formalidades expressas nos art. 1.864 a 1.867 do CCB.

Em linhas gerais, a escritura de ultima vontade e/ou testamento vital, nos ordenamentos jurídicos tem como conteúdo disposições de recusa ou aceitação de tratamentos que prolonguem a vida, sendo aplicável nesses casos o art. 1899 do CCB ” Quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador.”

Ressalto ainda que, o Conselho Federal de Medicina através da Resolução nº 1.995/2012 defende a diretiva antecipada de vontade, observando ser “o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”, como exemplo a reanimação em caso de parada cardio-respiratória, transfusão de sangue, etc.

No Brasil ainda não existe legislação específica sobre o tema, e por este motivo os cuidados devem ser ainda maiores. Entretanto, assim como o próprio testamento,  é um ato unilateral, personalíssimo e revogável, é dirigido à eficácia jurídica antes da morte do interessado; por outro lado, este instrumento é elaborado por pessoa juridicamente capaz, devidamente assinado, onde o interessado declara quais tipos de tratamentos médicos deseja ou não se submeter, o que deve ser respeitado de forma incontroversa nos casos futuros em que a parte encontra-se impossibilitado de manifestar sua vontade, tendo efeito erga omnes, aplicando ao mesmo, por analogia ao artigo 1.858 do Código Civil, onde diz que “[…] o testamento é ato personalíssimo, podendo ser mudado a qualquer tempo”. (BRASIL, 2013: 280).

Dissipando quaisquer dúvidas sobre o desejo da parte, a declaração prévia de vontade, impede que o paciente seja submetido a métodos que o mesmo desacredite, cuja finalidade é apenas prolongar a sua vida sem nenhum outro resultado. Não se trata de eutanásia, mas de distinguir a morte como parte da vida humana, deixando que ocorra sem métodos artificiais que procratine a angustia do paciente, garantindo-lhe um tratamento digno.

Registrando em seus livros de notas o desejo e protegendo a vontade das partes; considerado a autonomia e capacidade destas para decidir, e assim assegurar o seu direito de escolha, quando enfermo e em estado irreversível. O tabelião passa a ser um conselheiro, não apenas na solução de contendas e problemas negociais e familiares, mas na formalização documental da vontade das partes, proporcionando um tratamento médico ou uma morte digna, a fim de que o paciente, ora outorgante em instrumento público, possa exigir e obter como alternativa uma morte confortável e/ou continuação de seu sofrimento por meio de tratamentos que não vão regressar a sua saúde.

Os princípios constitucionais iluminam o direito do paciente em decidir sobre a sua vida e também sobre sua morte. Não se trata de “pedir” para morrer, mas de “como” morrer com dignidade, cabendo ao direito brasileiro a garantia e a promoção da dignidade da pessoa humana.

Fonte: Notariado | 28/08/2016.

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