Processo 1139557-44.2021.8.26.0100
Dúvida – Registro de Imóveis – Tereza Maria Reikdal – Do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida inversamente suscitada por Teresa Maria Reikdal para, consequentemente, afastar o óbice e determinar o registro do título. Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. – ADV: MARCELO DE PAULA BECHARA (OAB 125132/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo Digital nº: 1139557-44.2021.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Requerente: Tereza Maria Reikdal
Requerido: 14º Oficial de Registro de Imoveis da Capital
Prioridade Idoso
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Vistos.
Trata-se de dúvida inversa suscitada por Teresa Maria Reikdal em face da negativa do Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital em proceder ao registro da escritura de inventário e partilha dos bens do Espólio de Alberto Reikdal, pela qual o imóvel matriculado sob nº 30.846 foi partilhado.
O título foi desqualificado após o Oficial identificar ordens de indisponibilidade de bens e direitos lançadas contra a herdeira Gisele Reikdal Kallaur, que recebeu a maior parte de seu quinhão em adiantamento de legítima, uma vez que o valor trazido à colação influencia no pagamento dos quinhões hereditários.
A parte suscitante alega que o bem não pode ser atingido pela ordem de indisponibilidade, pois a colação de bens recebidos em adiantamento de legítima não caracteriza ato de disposição voluntária.
Documentos vieram às fls. 10/32.
Diante do vencimento da prenotação, o título recebeu novo protocolo (n.848.199 – fls.33, 38/39 e 95/98).
O Oficial se manifestou às fls.40/43, reafirmando a impossibilidade de registro enquanto não demonstrado o cancelamento das restrições e baixa na CNIB. Sustenta que, pelo princípio da saisine, com a abertura da sucessão, a herança transmite-se desde logo e a colação é um tipo de compensação que resulta em cessão dos direitos do herdeiro sobre os imóveis, submetendo-se à indisponibilidade decretada até que seja cancelada, o que seria diferente se houvesse prova de efetivo adiantamento, de modo a evitar tentativa de contornar a indisponibilidade.
O Ministério Público opinou pela improcedência da dúvida inversa, com manutenção do óbice registrário (fls. 102/104).
É o relatório.
Passo a fundamentar e a decidir.
No mérito, a dúvida inversa é improcedente. Vejamos os motivos.
O entendimento jurisprudencial é pacífico no sentido de que a indisponibilidade dos bens do alienante decretada em juízo inviabiliza o registro da transferência de propriedade.
Todavia, no caso concreto, verifica-se que os imóveis objeto da partilha não ingressaram no patrimônio da herdeira Gisele Reikdal Kallaur, que recebeu antecipadamente seu quinhão, de modo que não podem ser considerados atingidos pelas ordens de indisponibilidade.
Tal como consta na escritura copiada às fls.14/19, o inventariado deixou um patrimônio líquido avaliado em R$1.539.969,41 para ser partilhado entre a viúva meeira e três herdeiros-filhos, cabendo a cada um destes últimos um quinhão equivalente a R$256.661,56.
A herdeira Gisele, por sua vez, trouxe à colação o valor de R$255.000,00, recebido a título de adiantamento de legítima, restando a ela apenas uma diferença no valor de R$1.661,56, que recebeu de seus irmãos a título de reposição no pagamento do seu quinhão (itens 7 e 8 – fls.16/17).
Nos termos dos artigos 1.846 e 1.847 do Código Civil, a legítima pertencente aos herdeiros necessários é calculada sobre o valor dos bens existentes na abertura da sucessão, adicionando-se, imediatamente, o valor dos bens sujeitos a colação.
Ressalte-se que a colação é obrigatória inclusive ao donatário que, ao tempo do falecimento do doador, já não possuir os bens doados, os quais serão conferidos em espécie (artigo 2.003 do CC).
Nesse contexto, como a herdeira recebeu antecipadamente a maior parte de seu quinhão, sobrou muito pouco a suceder após a morte de seu pai, de modo que essa compensação, imposta por lei, para preservar a isonomia entre os herdeiros, não pode ser entendida como efetivo ato de disposição voluntária sobre o restante do patrimônio partilhado.
Note-se que o ato de disposição voluntária foi exercido apenas pelo autor da herança quando, ainda em vida, adiantou a legítima de sua herdeira.
Ademais, mesmo na ausência de maior detalhamento acerca dos bens transferidos em adiantamento da legítima, extrapola o aspecto formal da qualificação registral a conjectura de eventual ardil na tentativa de contornar a ordem de indisponibilidade, incumbindo apenas aos credores da herdeira buscar o reconhecimento jurisdicional de eventual fraude.
Observe-se que, embora não se confunda com o instituto da renúncia, a colação lançada na partilha ora analisada surte efeitos práticos idênticos, afastando da herdeira Gisele o recebimento dos bens partilhados, ressalvado o pagamento de uma diferença muito pequena, em dinheiro, em valor inferior a um por cento do seu quinhão hereditário.
Sobre a possibilidade de renúncia de herança por herdeiro que tenha patrimônio gravado por ordem de indisponibilidade, o C. CSM já se posicionou favoravelmente:
“Registro de Imóveis – Dúvida – Partilha causa mortis – Escritura pública – Renúncia por herdeiro contra o qual pesavam indisponibilidades decorrentes de ordens jurisdicionais Cessão de parte dos bens do espólio a filho desse herdeiro Óbice aos pretendidos registros decorrentes da partilha Indisponibilidade que, entretanto, não impunha ao herdeiro o dever de aceitar Fraude contra credores e fraude à execução que não podem ser apreciadas na via administrativa Apelação a que se dá provimento para, afastado o óbice e reformada a r. sentença, permitir os registros almejados” (Apelação Cível nº 1039545-36.2019.8.26.0506, Rel. Des. Ricardo Anafe, j. 04 de maio de 2021).
Em suma, o que se vê é que os imóveis partilhados não ingressaram no patrimônio da herdeira, não podendo a colação ser equiparada a ato de disposição, pelo que tais bens não podem ser atingidos pelas ordens de indisponibilidade.
Em consequência, o óbice registrário imposto pelo Oficial deve ser afastado, permitindo-se o ingresso do título apresentado.
Do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida inversamente suscitada por Teresa Maria Reikdal para, consequentemente, afastar o óbice e determinar o registro do título.
Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.
Oportunamente, arquivem-se os autos.
P.R.I.C.
São Paulo, 31 de janeiro de 2022.
Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Juíza de Direito (DJe de 03.02.2022 – SP)
Fonte: INR Publicações.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.
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