CSM/SP: Direito de família – Escritura pública de venda e compra de imóvel próprio adquirido pela alienante no estado de casada sob o regime da separação obrigatória de bens – Registro recusado – Dúvida julgada improcedente – Apelo provido para determinar o registro do título.

Apelação Cível nº 1011895-19.2024.8.26.0577

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1011895-19.2024.8.26.0577
Comarca: SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1011895-19.2024.8.26.0577

Registro: 2025.0000656811

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1011895-19.2024.8.26.0577, da Comarca de São José dos Campos, em que é apelante ROSA MARIA ALVES PUPPIO CARBONE, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação e julgaram improcedente a dúvida, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES  DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 26 de junho de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1011895-19.2024.8.26.0577

Apelante: Rosa Maria Alves Puppio Carbone

Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São José dos Campos

VOTO Nº 43.826

Direito de família – Escritura pública de venda e compra de imóvel próprio adquirido pela alienante no estado de casada sob o regime da separação obrigatória de bens – Registro recusado – Dúvida julgada improcedente – Apelo provido para determinar o registro do título.

I – Caso em exame1. O Oficial negou o registro porque o imóvel não consta como de titularidade exclusiva da vendedora, que o adquiriu no estado de casada sob o regime da separação obrigatória de bens. 2. A interessada/adquirente, alegando que o bem imóvel alienado integra o patrimônio particular da vendedora, apelou da r. sentença, que confirmou o juízo de desqualificação registral.

II – Questões em discussão3. O exato conteúdo e o alcance da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal. 4. A pertinência da comprovação exigida, relacionada à propriedade exclusiva do imóvel objeto da compra e venda, à luz do entendimento atual da jurisprudência sobre o tema.

III – Razões de decidir5. A comunhão dos aquestos, no regime da separação obrigatória de bens, não é a regra, tampouco é presumida, muito menos de forma absoluta. 6. Embora, nos termos da Súmula n.º 377, se admita a partilha dos bens adquiridos onerosamente e por esforço comum, este deve ser provado, não pode ser presumido, em conformidade com a orientação do C. Superior Tribunal de Justiça. 7. Em se tratando de regime da separação obrigatória (legal) de bens, é ônus do interessado comprovar a efetiva participação no esforço para a aquisição onerosa, não sendo admissível, ainda mais na esfera administrativa, possa prevalecer a presunção de comunhão. 8. A regra é a separação patrimonial. A exceção é a existência de aquestos, subordinada à prova do esforço comum. A exigência impugnada acaba por inverter a textual opção do legislador e a interpretação do C. Superior Tribunal de Justiça sobre o conteúdo e o exato alcance do verbete 377.

IV – Dispositivo. 9. Recurso provido, dúvida julgada improcedente, registro determinado.

Tese de julgamento: 1. A comunicação dos bens onerosamente adquiridos sob regime da separação obrigatória exige a comprovação de esforço comum. 2. A qualificação do título não se presta à inquirição de realidade extratabular.

Legislação citada: CC/1916, art. 259.

Jurisprudência citada: STJ, Embargos de Divergência em REsp n.º 1.171.820/PR, rel. Min. Raul Araújo, j. 26.8.2015; REsp n.º 1.689.152/SC, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 24.10.2017;

Embargos em Divergência em REsp n.º 1.623.858/MG, rel. Ministro Lázaro Guimarães, j. 23.5.2018; AgInt no AgRg no Agravo em REsp n.º 233.788/MG, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 19.11.2018; AgInt nos EDcl no AgInt no Agravo em REsp n.º 1.084.439/SP, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 3.5.2021; CSM/TJSP, Apelação Cível n.º 1000094-56.2023.8.26.0120, rel. Des. Francisco Loureiro, j. 12.9.2024, e na Apelação Cível n.º 1017957-06.2024.8.26.0309, rel. Des. Francisco Loureiro, j. 16.12.2024.

A interessada Rosa Maria Alves Puppio Carbone pede, na posição de compradora, o registro da escritura de venda e compra do imóvel matriculado sob o n.º 34.753 do 1.º RI de São José dos Campos, alienado pela proprietária tabular Vera Mascagni Junqueira de Andrade, que, hoje viúva, o adquiriu onerosamente, por meio de título lavrado no dia 6 de março de 1985, enquanto casada, sob o regime da separação obrigatória de bens, com Nelson Junqueira de Andrade.

Ao recusar o registro do título de fls. 6-10, prenotado sob o n.º 760.900, e ao suscitar a dúvida, justificando a necessidade do prévio inventário dos bens deixados por Nelson Junqueira de Andrade, a Registradora invocou a Súmula n.º 377 do E. Supremo Tribunal Federal, a presunção de comunicabilidade dos bens adquiridos na constância do casamento, não afastada à época da aquisição do imóvel (a escritura de 1985 não aponta tratar-se de bem imóvel particular), que, na matrícula, não consta como pertencendo apenas à vendedora (fls. 1-4 e 19-21).

A dúvida foi julgada procedente, conforme a r. sentença de fls. 68-70.

Irresignada, a interessada recorreu. Em suas razões de fls. 76-86, alegou que o imóvel alienado integra o patrimônio particular da vendedora e a releitura da Súmula n.º 377 pelo C. Superior Tribunal de Justiça, que excluiu a presunção de comunicabilidade dos aquestos e passou a exigir, para fins de comunhão, a prova do esforço comum para sua aquisição. Aguarda, assim, o provimento da apelação e o registro da escritura de venda e compra.

A d. Procuradoria-Geral de Justiça, em seu parecer de fls. 115-118, opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

1. A interessada Rosa Maria Alves Puppio Carbone, ora recorrente, busca o registro do título aquisitivo de fls. 6-10, escritura de venda e compra lavrada no dia 20 de dezembro de 2023, na matrícula n.º 34.753 do 1.º RI de São José dos Campos, que tem por objeto o bem imóvel por ela adquirido, então alienado por Vera Mascagni Junqueira de Andrade, viúva, que o adquiriu, há trinta anos, na condição de casada, sob o regime da separação obrigatória de bens, com Nelson Junqueira de Andrade (fls. 16-18, r. 4).

A desqualificação registral, expressa na nota devolutiva de fls. 19-21 e na suscitação de dúvida de fls. 1-4, está assentada na Súmula n.º 377 do E. Supremo Tribunal Federal, de acordo com a qual “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”, escora-se, precipuamente, na presunção de comunicabilidade e, sob essa lógica, na falta de partilha do patrimônio conjugal atribuindo o imóvel exclusivamente à vendedora.

A controvérsia repousa, em última análise, nos efeitos da Súmula n.º 377 do E. Supremo Tribunal Federal.

2. Tenho pessoalmente sérias dúvidas a respeito da incidência da Súmula n.º 377 na vigência do atual Código Civil, porque ausente a sua razão de ser, a regra do art. 259 do Código Civil de 1916, segundo a qual, no regime da separação convencional de bens, silente o pacto antenupcial, haveria a comunicação dos aquestos, bens adquiridos na constância do casamento.

À época da legislação civil revogada, a jurisprudência estendeu a eficácia de aludida regra, e logo a aplicação dos princípios da comunhão parcial quanto aos bens adquiridos no curso do matrimônio, ao regime da separação obrigatória de bens.

Aí se encontra a origem da Súmula n.º 377, aprovada pelo E. Supremo Tribunal Federal no dia 3 de abril, editada no dia 8 de maio de 1964.

Ocorre que o Código Civil em vigor, Código Reale, não contém norma semelhante à do art. 259 do Código Beviláqua, regra que distorce o regime da separação de bens.

Sobre mencionado dispositivo, dizia Silvio Rodrigues:

Tal regra, que surge como um alçapão posto na lei para ludibriar a boa-fé dos nubentes e conduzi-los a um regime de bens não desejado, só encontra explicação na indisfarçável preferência do legislador de 1916 pelo regime da comunhão e na sua desmedida tutela do interesse particular, injustificável em assunto que não diz respeito à ordem pública. … [1]

Seja como for, de acordo com a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça, o verbete 377 da Excelsa Corte segue em vigor, subsiste, é aplicável, malgrado sob uma nova leitura.

O C. Superior Tribunal de Justiça fez, com efeito, a releitura do preceito sumular, para evitar, de um lado, o locupletamento injusto, situações de injustiça, que desconsiderassem o esforço comum na construção do patrimônio formado posteriormente ao casamento, e, de outro, a automática conversão, a transformação (pura e simples) da separação obrigatória de bens em regime da comunhão parcial.

3. A comunhão dos aquestos, no regime da separação obrigatória de bens, não é a regra, tampouco é presumida, muito menos de forma absoluta. Embora, nos termos da Súmula n.º 377, se admita a partilha dos bens adquiridos de forma onerosa e por esforço comum, este, o esforço comum, deve ser demonstrado, comprovado, em suma, não pode ser presumido.

O entendimento no sentido da presunção do esforço comum firmado no preceito sumular vem sofrendo temperamento pelo C. Superior Tribunal de Justiça, que em diversos precedentes e com a finalidade de evitar confusão com o regime da comunhão parcial de bens, tem exigido a prova de esforço comum na aquisição de bens no caso de separação legal. Consolidou-se, na verdade, em aludido sentido.

O mais recente posicionamento da Corte Superior a respeito da interpretação da Súmula n.º 377 do E. Supremo Tribunal Federal, o da sua Segunda Seção, foi estabelecido nos Embargos de Divergência em Recurso Especial n.º 1.171.820/PR, rel. Min Raul Araújo, j. 26.8.2015, de cuja ementa extraio os seguintes excertos:

1. Nos moldes do art. 258, II, do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos (matéria atualmente regida pelo art. 1.641, II, do Código Civil de 2002), à união estável de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens.

2. Nessa hipótese, apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição, devem ser objeto de partilha.

Do corpo do v. acórdão constam passagens, abaixo transcritas, que resumem com precisão a questão e a exata exegese do alcance da Súmula n.º 377 pelo C. Superior Tribunal de Justiça:

Cabe definir, então, se a comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento ou da união depende ou não da comprovação do esforço comum, ou seja, se esse esforço deve ser presumido ou precisa ser comprovado. Noutro giro, se a comunhão dos bens adquiridos pode ocorrer, desde que comprovado o esforço comum, ou se é a regra.

Tem-se, assim, que a adoção da compreensão de que o esforço comum deve ser presumido (por ser a regra) conduz à ineficácia do regime da separação obrigatória (ou legal) de bens, pois, para afastar a presunção, deverá o interessado fazer prova negativa, comprovar que o ex-cônjuge ou ex- companheiro em nada contribuiu para a aquisição onerosa de determinado bem, conquanto tenha sido a coisa adquirida na constância da união. Torna, portanto, praticamente impossível a separação dos aquestos.

Por sua vez, o entendimento de que a comunhão dos bens adquiridos pode ocorrer, desde que comprovado o esforço comum, parece mais consentânea com o sistema legal de regime de bens do casamento, recentemente confirmado no Código Civil de 2002, pois prestigia a eficácia do regime de separação legal de bens. Caberá ao interessado comprovar que teve efetiva e relevante (ainda que não financeira) participação no esforço para aquisição onerosa de determinado bem a ser partilhado com a dissolução da união (prova positiva).

No mesmo sentido, há diversos precedentes recentes da Corte Superior: REsp n.º 1.689.152/SC, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 24.10.2017; Embargos em Divergência em REsp n.º 1.623.858/MG, rel. Ministro Lázaro Guimarães, j. 23.5.2018; AgInt no AgRg no Agravo em REsp n.º 233.788/MG, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 19.11.2018; e AgInt nos EDcl no AgInt no Agravo em REsp n.º 1.084.439/SP, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 3.5.2021.

De tal forma, tratando-se do regime da separação legal (obrigatória) de bens, cabe ao interessado provar a efetiva participação no esforço para a aquisição onerosa do bem, não sendo admissível que na via administrativa possa prevalecer a presunção de comunhão.

A exigência da Registradora, neste contexto, acaba por inverter a textual opção do legislador e a clara interpretação atual do C. Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema.

4. Do exposto, na falta de prova do esforço comum do casal, não há que se falar em fato jurídico capaz de amparar a divisão de bens entre os cônjuges, a exigência de partilha então comprobatória da atribuição do bem imóvel exclusivamente à vendedora e, portanto, é de se reconhecer a falta de interesse jurídico no suposto e eventual direito à meação.

Vale aqui a lição de Francisco José Cahali:

(…) Isto porque o novel legislador deixou de reproduzir a regra contida no malfadado artigo 259 (CC/1916). Desta forma, superada está a Súmula n.° 377, desaparecendo a incidência de seu comando no novo regramento. Sabida a nossa antipatia à Súmula, aplaudimos o novo sistema. E assim, não mais se admite a prevalência dos princípios da comunhão parcial quanto aos bens adquiridos na constância do casamento pelo regime de separação obrigatória (separação legal). A separação obrigatória passa a ser, então, um regime de efetiva separação de bens, e não mais um regime de comunhão simples (pois admitida a meação sobre os aquestos), como alhures. A exceção deve ser feita, exclusivamente, se comprovado o esforço comum dos cônjuges para a aquisição de bens, decorrendo daí uma sociedade de fato sobre o patrimônio incrementado em nome de apenas um dos consortes, justificando, desta forma, a respectiva partilha quando da dissolução do casamento. Mas a comunhão pura e simples, por presunção de participação sobre os bens adquiridos a título oneroso, como se faz no regime legal de comunhão parcial, e até então estendida aos demais regimes, deixa de encontrar fundamento na lei. (…).[2]

Neste quadro, em razão de recentes interpretações do C. Superior Tribunal de Justiça a respeito da aplicabilidade da Súmula n.º 377 do STF e da necessidade de comprovação do esforço comum para permitir a comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento sob o regime de separação obrigatória, dependendo do exercício da pretensão e da prova do esforço comum, impossível admitir que na via administrativa o Oficial subverta tal regime jurisprudencial, ao qual subordinado, impondo exigência fundada na presunção, que, como se disse, não mais prevalece.

Em síntese: o apelo da interessada é de ser provido, e isso porque a exigência está em desacordo com a compreensão atual do preceito sumular n.º 377, a respeito de sua aplicabilidade, e contraria a orientação hodierna deste C. Conselho Superior da Magistratura sobre o tema, expressa, v.g., na Apelação Cível n.º 1000094-56.2023.8.26.0120, j. 12.9.2024, e na Apelação Cível n.º 1017957-06.2024.8.26.0309, j. 16.12.2024, ambas de minha relatoria.

Daí a reforma da r. sentença.

A intelecção sumulada, isoladamente, não confere ao cônjuge, in casu, ao seu espólio, o direito à meação dos bens adquiridos durante o casamento sem que seja provado o esforço comum, assim, a qualificação do título deve se ater dentro de tais lindes e, nessa senda, sem projeção exógena para inquirição de uma realidade extratabular.

Ante o exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO à apelação para afastar a exigência e, julgando a dúvida improcedente, determinar o registro da escritura de venda e compra de fls. 6-10.

FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Direito CivilDireito de Família. 21.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 166. v. 6.

[2] A súmula n.º 377 e o novo código civil e a mutabilidade do regime de bens. In: Revista do Advogado, n.º75, abril. 2004, p. 29.

Fonte: DJE/SP 07.07.2025.

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CSM/SP: Direito registral – Registro de imóveis – Negativa de registro de formal de partilha – Exigência de averbação prévia de descaracterização da natureza rural do imóvel – Impossibilidade de cadastro perante o INCRA – Imóvel inserido dentro do perímetro urbano – Recurso provido.

Apelação Cível nº 1048210-77.2024.8.26.0114

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1048210-77.2024.8.26.0114
Comarca: CAMPINAS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1048210-77.2024.8.26.0114

Registro: 2025.0000656813

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1048210-77.2024.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que é apelante LEANDRO GUIMARÃES PARADELLA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso de apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 26 de junho de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1048210-77.2024.8.26.0114

Apelante: Leandro Guimarães Paradella

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas VOTO Nº 43.833

Direito registral – Registro de imóveis – Negativa de registro de formal de partilha – Exigência de averbação prévia de descaracterização da natureza rural do imóvel – Impossibilidade de cadastro perante o INCRA – Imóvel inserido dentro do perímetro urbano – Recurso provido.

I. Caso em exame

1. Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que manteve óbice ao registro de formal de partilha na matrícula n. 86.841, confirmando exigência de averbação prévia para descaracterização da natureza rural do imóvel. A parte apelante apresentou certidão municipal que atesta sua inclusão dentro do perímetro urbano e notificação do INCRA a respeito do indeferimento de pedido de cadastramento do imóvel como rural.

II. Questão em discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se a exigência de providências pela parte para averbação de descaracterização da natureza rural do imóvel pode ser afastada, tendo em vista a impossibilidade de cumprimento à vista da negativa do INCRA em cadastrar o imóvel como rural.

III. Razões de decidir

3. O princípio da legalidade estrita no sistema registral exige que o título atenda aos ditames legais. O Oficial deve obstar o ingresso de títulos que não satisfaçam os requisitos legais. 4. A exigência de providências para averbação da descaracterização do imóvel como rural é impossível de ser cumprida já que seu cadastramento foi indeferido pelo INCRA. Ademais, a Lei Complementar Municipal n. 207/2018 e certidões municipais confirmam a vocação urbana do imóvel.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso provido.

Tese de julgamento: “1. A impossibilidade de cadastramento do imóvel junto ao INCRA permite o afastamento da exigência. 2. Vocação urbana do imóvel confirmada por legislação municipal e certidões. 3. Documentos suficientes para averbação da alteração de natureza”.

Legislação citada:

– Lei n. 6.766/1979, art. 53;

– Lei n. 6.015/73, art. 198;

– Lei n. 8.935/1994, art. 28;

– Lei Complementar Municipal n. 207/2018.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Leandro Guimarães Paradella contra a r. sentença de fls. 642/646, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas, que julgou procedente a dúvida suscitada, mantendo óbice ao registro de formal de partilha na matrícula n. 86.841 daquela serventia (fls. 413/414), ou seja, confirmando a exigência de prévia averbação para descaracterização da natureza rural do imóvel.

O Oficial esclareceu que o título se trata de formal de partilha expedido do processo de autos n. 0022620-68.1994.8.26.0114, que tramitou perante a 3ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Campinas, e foi prenotado sob o n. 410.481; que o registro foi negado em razão de o loteamento Chácaras Belvedere, em que se localiza o imóvel registrado na matrícula n. 86.841, possuir natureza rural; que, apesar do imóvel ter sido incluído no perímetro urbano, seria necessário realizar a averbação da descaracterização da natureza rural; que, para isso, o interessado deveria apresentar à serventia certidão emitida pelo INCRA e certidão de perímetro urbano expedida pela Municipalidade de Campinas, conforme exigência do artigo 53 da Lei n. 6.766/1979; que, na mesma oportunidade, o interessado foi questionado sobre a intenção de registro de direito de habitação em nome da viúva meeira, requerido à fl. 69 do formal de partilha; que o título foi reapresentado e prenotado sob o n. 432.028 (fls. 10), desta vez instruído com certidão expedida pelo Município de Campinas (fls. 403/405 e 672/674), que atesta que o imóvel encontra-se inserido no perímetro urbano, ao lado de notificação emitida pelo INCRA (fls. 402 e 675), informando o indeferimento do pedido de cadastro do imóvel como rural, tendo em vista que sua área é menor do que a fração mínima de parcelamento rural e sua localização dentro do perímetro urbano; que, na mesma oportunidade, foi informado o desinteresse no registro do direito real de habitação e requerido o registro de três escrituras públicas de doação do mesmo imóvel, as quais, entretanto, não foram apresentadas para qualificação; que os atos registrais foram novamente negados, conforme nota devolutiva n. 73.621, acostada às fls. 411/412, com reiteração da necessidade de realização de prévia averbação de descaracterização da natureza rural do bem conforme item 121, Capítulo XX, das NSCGJ; que a suscitação de dúvida foi requerida pelo advogado Paulo Eduardo Cezar sem a apresentação de procuração; que a serventia solicitou informações ao INCRA e à Prefeitura Municipal de Campinas por meio de ofícios, a respeito da alteração da natureza rural para urbana, mas não obteve respostas; que era habitual o registro de loteamento com propósitos rurais em razão de estarem localizados fora do perímetro urbano, mesmo que os imóveis já possuíssem características urbanas; que os proprietários e adquirentes de imóveis nessa situação relatam que estes estão cadastrados há muitos anos perante o fisco municipal e que têm dificuldades em realizar o cadastro perante o INCRA, o que inviabiliza a regularização da propriedade; que a notificação emitida pelo INCRA faz supor que o bem já não é mais rural; que houve suscitação de dúvida em caso semelhante, em que a exigência foi afastada (processo de autos n. 1020531-10.2021.8.26.0114); que a análise sobre a superação da exigência diante da impossibilidade de cumprimento apenas pode ser feita pelo juízo corregedor, conforme artigo 198 da Lei n. 6.015/73 (fls. 01/09).

O formal de partilha foi acostado às fls. 11/397.

Às fls. 418/423, o Oficial informou que foi apresentada à serventia procuração para regularização da representação processual do interessado, o qual, apesar de devidamente notificado (fls. 543/546), não se manifestou.

O Oficial informou às fls. 554/555 que a parte apresentou à serventia três escrituras públicas de doação, cujo registro também foi negado devido à necessidade do registro prévio do formal de partilha objeto desta suscitação de dúvida, tudo em atenção ao princípio da continuidade registrária (fls. 554/555).

Irresignado diante da procedência da dúvida, o apelante sustenta que a Lei Complementar Municipal n. 207/2018, a qual dispõe sobre demarcação e ampliação do perímetro urbano e instituição da zona de expansão urbana do Município de Campinas, não foi considerada pela decisão de primeiro grau; que apresentou à serventia certidão expedida pela municipalidade, a qual atesta que o imóvel está inserido dentro do perímetro urbano, além de demonstrativo de IPTU; que endereçou ao INCRA requerimento de caracterização do imóvel como rural, o qual foi indeferido em razão de sua metragem e destinação; que o Município é competente para legislar a respeito da expansão e limites de seu perímetro urbano; que apresentou todos os documentos exigidos e ainda assim não alcançou ingresso (fls. 653/658).

O Oficial se manifestou novamente (fls. 678/682), reiterando os esclarecimentos feitos inicialmente e ressaltando a aparente impossibilidade de se promover o descadastramento do imóvel perante o INCRA.

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 693/694).

É o relatório.

De proêmio, é importante ressaltar que o Registrador, titular ou interino, dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

De fato, no sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais.

Em outras palavras, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

É o que se extrai do item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

No mérito, porém, o recurso merece provimento. Vejamos os motivos.

No caso concreto, verifica-se que formal de partilha foi apresentado para registro na matrícula n. 86.841, cujo objeto é a gleba n. 29 do loteamento Chácaras Belvedere.

A qualificação foi negativa, com exigência de averbação prévia de descaracterização do imóvel como rural (artigo 53 da Lei n. 6.766/1979[1] e no item 121, Capítulo XX, das NSCGJ[2]), já que originado de loteamento dessa natureza, apesar de possuir vocação urbana há vários anos.

Para tanto, o interessado deveria requerer junto ao INCRA o cadastramento do imóvel e, posteriormente, seu descadastramento.

Pedido neste sentido foi feito, mas indeferido nos seguintes termos (fls. 401/402):

Em atenção ao seu pedido de inclusão/atualização cadastral de imóvel rural no Sistema Nacional de Cadastro Rural SNCR, protocolado nesta autarquia por meio da Declaração Eletrônica, referente ao imóvel rural Gleba de terra nº29 Chác.Belvedere, localizado no município de CAMPINAS SP, informamos que seu pedido foi indeferido.

Inclusão de área oriunda de desmembramento de imóvel rural abaixo da fração mínima de parcelamento, com infringência ao art. 8º da Lei 5.868/1972

1- Imóvel comprovadamente inserido em perímetro urbano não tendo comprovação de que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial. 2- Requerentes não constam como proprietários registrados em matrícula anexa de número 86841“.

Quando se tem em vista o fundamento da negativa do INCRA (tamanho e inserção no meio urbano), evidencia-se como impossível o cumprimento da exigência imposta pelo Oficial, o que ele próprio ressalta.

Exigência, ademais, que não faz sentido já que o bem, sem características de imóvel rural, não está cadastrado perante o INCRA.

Tanto é assim que está inserido no perímetro urbano e é objeto de tributação pelo IPTU (fls. 403/405, 668, 672/674 e 676).

Em outras palavras, a exigência tal como formulada configura obstáculo intransponível ao direito da parte de regularizar a propriedade do bem e dele dispor (registro do formal de partilha e de escrituras públicas de doação – fls. 556/564, 580/590, 602/613 e 669/671).

Vale observar que, pelo critério da localização (artigo 32, §1º, do CTN[3]), submete-se, como regra, ao IPTU o imóvel situado em zona urbana assim definida em lei municipal, justamente como ocorre no presente caso.

A Lei Complementar Municipal n. 207/2018, que dispõe sobre demarcação e ampliação do perímetro urbano e instituição da zona de expansão urbana do Município de Campinas, o demonstrativo de IPTU e certidão emitida pela Municipalidade confirmam a inserção do imóvel no perímetro urbano e evidenciam sua vocação urbana, como bem constatado pelo INCRA (fls. 403/405, 668, 672/674 e 676).

Os documentos que compõem o título são suficientes, portanto, para realização da averbação prévia de descaracterização do imóvel como rural, o que viabilizará, posteriormente, o registro do formal de partilha.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso de apelação.

FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] “Art. 53. Todas as alterações de uso do solo rural para fins urbanos dependerão de prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, do Órgão Metropolitano, se houver, onde se localiza o Município, e da aprovação da Prefeitura municipal, ou do Distrito Federal quando for o caso, segundo as exigências da legislação pertinente”.

[2] “121. Serão averbadas a alteração de destinação do imóvel, de rural para urbano, bem como a mudança da zona urbana ou de expansão urbana do Município, quando altere a situação do imóvel”.

[3] “Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município. § 1º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público (…)”.

Fonte: DJE/SP 07.07.2025.

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CSM/SP: Direito tributário – Formal de partilha – Excesso de meação com torna – Registro condicionado ao recolhimento do ITBI – Dúvida julgada procedente – Apelo desprovido. Direito tributário – Formal de partilha – Excesso de meação com torna – Registro condicionado ao recolhimento do ITBI – Dúvida julgada procedente – Apelo desprovido.

Apelação Cível nº 1171475-61.2024.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1171475-61.2024.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1171475-61.2024.8.26.0100

Registro: 2025.0000681925

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1171475-61.2024.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante WASHINGTON LUIS DA SILVA, é apelado 16º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 1º de julho de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1171475-61.2024.8.26.0100

Apelante: Washington Luis da Silva

Apelado: 16º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 43.829

Direito tributário – Formal de partilha – Excesso de meação com torna – Registro condicionado ao recolhimento do ITBI – Dúvida julgada procedente – Apelo desprovido.

I – Caso em exame.

1. O interessado, irresignado com o juízo de desqualificação registral que recaiu sobre o formal de partilha apresentado a registro, em especial, com a exigida comprovação do recolhimento de ITBI, requereu suscitação de dúvida, impugnando o excesso de meação e ponderando que a partilha não teve por objeto patrimônio imobiliário. 2. Julgada procedente a dúvida, recorreu.

II – Questões em discussão.

3. A amplitude objetiva do patrimônio a ser valorado na aferição do excesso de meação. 4. A configuração da disparidade da partilha da meação e da hipótese de incidência do imposto de transmissão.

III – Razões de decidir.

5. A desproporção da partilha da meação deve ser avaliada à luz da totalidade do patrimônio comum, patrimônio coletivo do casal, ou seja, não deve levar em conta apenas o patrimônio imobiliário. 6. A partilha foi desigual. Embora as dívidas do casal tenham sido repartidas na mesma proporção, os direitos reais de aquisição sobre bens imóveis e os bens móveis discriminados na convenção de divórcio foram atribuídos unicamente ao divorciando, que, em contrapartida, obrigou-se a compensar financeiramente a divorcianda. 7. O excesso de meação, caracterizado, ocorreu mediante pagamento de torna, qualificando-se assim como oneroso o negócio de partilha, situação a ensejar a incidência do ITBI, cujo recolhimento deve ser controlado pela Oficial. 8. O título judicial, tal como exibido, sem demonstração do pagamento do tributo, não admite registro.

IVDispositivo.

9. Recurso desprovido.

Tese de julgamento1. A desproporção da partilha da meação deve considerar a totalidade do patrimônio do casal, patrimônio coletivo, e não somente o patrimônio imobiliário. 2. A partilha desigual da meação com torna é causa de incidência de ITBI; ausente contrapartida, na falta assim de prestação correspectiva, o excesso de meação dá ensejo ao ITCMD.

Legislação citada: CF, arts. 155, I, e 156, II; Lei do Município de São Paulo n.º 11.154/1991, art. 2.º, VI.

Jurisprudência citadaTJSP, Apelação/Remessa Necessária n.º 1012763-39.2020.8.26.0576, rel. Des. Mônica Serrano, j. 10.2.2021, Apelação/Remessa Necessária n.º 1038844-42.2020.8.26.0053, rel. Des. Raul De Felice, j. 29.11.2021, Apelação n.º 1071093-12.2021.8.26.0053, rel. Des. Silva Russo, j. 12.1.2023, Remessa Necessária nº 1058944-81.2021.8.26.0053, rel. Des. Marcelo L Theodósio, j. 8.2.2023, Apelação/Remessa Necessária nº 1026398-02.2023.8.26.0053, rel. Des. Silva Russo, j. 18.9.2023, Apelação/Remessa Necessária n.º 1001526-73.2022.8.26.0176, rel. Des. Ricardo Chimenti, j. 1.º.11.2023, Apelação/Remessa Necessária n.º 1074978-63.2023.8.26.0053, rel. Des. Tania Mará Ahualli, j. 16.4.2024, Apelação n.º 1070881-20.2023.8.26.0053, rel. Des. João Alberto Pezarini, j. 3.7.2024, e Apelação n.º 1010120-86.2024.8.26.0053, rel. Des. Ricardo Chimenti, j. 26.7.2024; CSM/TJSP, Apelação Cível n.º 1060800-12.2016.8.26.0100, rel. Des. Pereira Calças, j. 6.6.2017, e Apelação Cível n.º 1053923-75.2024.8.26.0100, rel. Des. Francisco Loureiro, j. 19.9.2024.

A Registradora condicionou o registro do formal de partilha expedido nos autos do processo n.º 1010311-06.2023.8.26.0009, que então tramitou pela 1.ª Vara de Família e Sucessões do Foro Regional de Vila Prudente, requerido para ser realizado na matrícula n.º 193.679 do 16.º RI desta Capital, ao recolhimento do ITBI referente ao excesso de meação, amparada no art. 2.º, VI, da Lei Municipal n.º 11.154/1991. Ponderou que o imposto é devido, ainda quando o excesso é compensado com bens móveis ou direitos comuns; a partilha, alegou, deve ser igual, em relação aos bens imóveis (fls. 1-3).

Em sua impugnação, o interessado Washington Luis da Silva, advogado constituído pelo divorciando, argumentou: o bem imóvel matriculado sob o n.º 193.679, então alienado fiduciariamente em garantia à Coimex, não foi partilhado, mas sim as prestações relacionadas ao preço e às quotas consorciais satisfeitas durante a união estável e o casamento; o patrimônio do casal, equivalente a R$ 332.723,89, foi igualmente partilhado, tanto que a cada um dos companheiros/cônjuges coube R$ 166.361,95; em suma, não se justifica a exigência feita, a comprovação de recolhimento de ITBI, não incidente na hipótese vertente (fls. 200-205).

A dúvida foi julgada procedente, nos termos da r. sentença de fls. 218-224. Irresignado, o interessado apelou, reproduzindo, em linhas gerais, em suas razões de fls. 230/237, os termos de sua manifestação de fls. 200-205, acima sintetizados, e, nessa linha, requerendo o afastamento da exigência impugnada e, logo, o registro do título judicial.

A d. Procuradoria-Geral de Justiça, em seu parecer de fls. 258-261, opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

1. O dissenso versa sobre o registro do formal de partilha de fls. 13-194 na matrícula n.º 193.679 do 16.º RI desta Capital, título judicial prenotado sob o n.º 665563, expedido nos autos do processo n.º 1010311-06.2023.8.26.0009, que então tramitou pela 1.ª Vara de Família e Sucessões do Foro Regional de Vila Prudente.

A Oficial, ao justificar a desqualificação registral, ponderou que o patrimônio imobiliário dos divorciandos foi partilhado desigualmente. Escorou-se, assim, ao negar a pretendida inscrição, na regra do art. 2.º, VI, da Lei Municipal n.º 11.154/1991, assim vazada:

Art. 2.º Estão compreendidos na incidência do imposto:

VI – o valor dos imóveis que, na divisão de patrimônio comum ou na partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges separados ou divorciados, ao cônjuge supérstite ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão.

O interessado, ora recorrente, Washington Luis da Silva, procurador do divorciando Everson Volpone do Nascimento, advogado por ele constituído (fls. 23-24), discorda do apontado excesso de meação e, alegando que o patrimônio coletivo do casal, a ser considerado em sua totalidade, foi igualmente partilhado, questiona a exigida comprovação de recolhimento do ITBI, acrescentando a inexistência de partilha imobiliária.

2. A disparidade da partilha da meação, a desproporção dos quinhões de cada um dos divorciandos, deve, realmente, ser aferida à luz da totalidade do patrimônio comum, patrimônio separado do casal. Ou seja, não deve levar em conta exclusivamente o patrimônio imobiliário.

A legislação municipal aludida pela Oficial está assentada em uma compreensão fraturada, em uma visão seccionada da noção de patrimônio. Ao concretizar, via lei ordinária, a hipótese de incidência eleita constitucionalmente, ao cuidar (em especial) da tributação do excesso de meação, atendo-se somente à partilha dos imóveis, o ente tributante não observou, em sua exatidão, o princípio da capacidade econômica[1], abrindo espaço, em situações concretas, para a sua vulneração e, ainda, a ofensa à proibição do confisco.

Na aferição da massa de bens pertencente coletivamente ao casal, universalidade de direito marcada pela unidade, “complexo de relações jurídicas … dotadas de valor econômico”[2], conjunto de direitos e obrigações, situações jurídicas subjetivas patrimoniais ativas e passivas suscetíveis de avaliação pecuniária[3], e, particularmente, no momento da partilha, para fins de apurar eventual excesso de meação, impõe considerar a totalidade dos bens, dos elementos integrantes desse patrimônio, isto é, além dos bens imóveis, os móveis e o passivo, as obrigações e as dívidas pendentes de liquidação.

Aliás, em controvérsias envolvendo excesso de meação e cobrança de ITBI (e conforme o caso, ITCMD), assim se posicionou este E. Tribunal, em precedentes de suas C. Câmaras de Direito Público. [4] Trata-se de intelecção que, já tendo sido, no passado recente, a deste C. Conselho Superior da Magistratura[5], tornou a sê-la, ao ser apreciada a Apelação Cível n.º 1053923-75.2024.8.26.0100, de minha relatoria, j. 19.9.2024.

Seja como for, a irresignação improcede.

Ainda que considerada a totalidade do patrimônio coletivo dos divorciandos, a partilha, realmente, foi desigual, a respaldar a exigência impugnada. Ocorrente compensação patrimonial, traço da onerosidade da operação econômica, o ITBI é devido. Se ausente estivesse a reposição, a prestação correspectiva, contrapartida da atribuição patrimonial a favor do divorciando, devido seria o ITCMD.

3. O patrimônio bruto dos divorciandos, isto é, “o conjunto dos direitos com valor econômico, excluindo as obrigações”, composto, in casu, pelos direitos reais de aquisição sobre os imóveis matriculados sob o n.º 164.390 do 6.º RI desta Capital e o n.º 193.679 do 16.º RI desta Capital, e bens móveis, somava, nos termos da partilha, R$ 332.723,89; as dívidas, por sua vez, decorrentes de dois empréstimos, montavam R$ 125.402,34.

patrimônio global, integrado pelo ativo e pelo passivo com valor econômico, alcançava R$ 458.126,23; o líquido, correspondente à diferença entre o ativo e o passivo, totalizava R$ 207.321,55.

As dívidas, obrigações de pagamento do casal, obrigações que, valorada a relação interna dos divorciandos, compunham as meações de cada um deles, foram entre eles rateadas, então na mesma proporção. In concreto, descontadas as prestações dos contratos de mútuo em folha de pagamento da divorcianda, o divorciando se comprometeu, mês a mês, a depositar, em conta corrente sob titularidade dela, o valor equivalente a 50% das parcelas.

Agora, a despeito do sustentado lá no acordo de partilha, e aqui no processo de dúvida, todos os bens componentes do patrimônio bruto do casal couberam ao divorciando, que assumiu a obrigação de pagar à divorcianda o valor de R$ 166.361,95, a ser liquidado em três prestações semestrais, iguais e sucessivas de R$ 55.453,98, por meio de depósitos em conta corrente sob titularidade dela.

Quer dizer, os direitos reais de aquisição sobre os imóveis e os bens móveis discriminados na convenção de divórcio foram todos eles atribuídos ao divorciando, que, em contrapartida, obrigou-se a compensar financeiramente a divorcianda.

Conforme adiantado, a partilha foi desigual, portanto, resta configurada a exigibilidade do imposto de transmissão, em particular, a do ITBI, tributo de competência municipal, previsto no art. 156, II, da CF, cujas hipóteses de incidência são a transmissão onerosa inter vivos de imóveis ou de direitos reais sobre bens imóveis e a cessão onerosa de direitos a sua aquisição.

O excesso de meação ocorreu mediante pagamento de torna, qualificando-se assim como oneroso o negócio de partilha, situação a ensejar a incidência do ITBI. Outra seria a solução se o excesso de meação estivesse desacompanhado de contraprestação, caso tivesse sido pactuado a título gratuito, o que levaria à incidência do ITCMD, positivado no art. 155, I, da CF, de competência dos Estados e Distrito Federal.

Sobre o tema, o E. Supremo Tribunal Federal, há mais de seis décadas, ainda antes da Lei do Divórcio, aprovada em 1977, editou a Súmula 116, admitindo o imposto de reposição, in verbis: “em desquite ou inventário, é legítima a cobrança do imposto de reposição, quando houver desigualdade nos valores partilhados.”

Diante do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO – Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Conforme justa advertência de Misabel Abreu Machado Derzi, “… a capacidade econômica objetiva não se esgota na escolha da hipótese de incidência, já constitucionalmente posta, na quase totalidade dos impostos. É necessária a realização de uma concreção paulatina, que somente se aperfeiçoa com o advento da lei ordinária da pessoa jurídica competente. … E será, no quadro comparativo entre a Constituição e as leis inferiores (complementares e ordinárias), que a questão da capacidade econômica objetiva ganhará importância.” (Limitações constitucionais ao poder de tributarInTratado de Direito Constitucional. Ives Gandra da Silva Martins, Gilmar Ferreira Mendes, Carlos Valder do Nascimento (coords.). 2.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 264. v.2)

[2] Art. 91 do CC.

[3] Francisco Amaral, ao cuidar das coisas coletivas, dividindo-as em universalidades de fato e universalidades de direito, enquadrando nestas os bens conjugais, destaca seu caráter unitário, a união ideal que as particulariza, “formando uma entidade complexa que transcende as coisas componentes, com uma única denominação e um só regime jurídico, embora mantendo a individualidade prática e jurídica dos seus elementos.” (Direito Civil: introdução. 6.ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 327-328).

[4] Apelação/Remessa Necessária n.º 1012763-39.2020.8.26.0576, rel. Des. Mônica Serrano, j. 10.2.2021, Apelação/Remessa Necessária n.º 1038844-42.2020.8.26.0053, rel. Des. Raul De Felice, j. 29.11.2021, Apelação n.º 1071093-12.2021.8.26.0053, rel. Des. Silva Russo, j. 12.1.2023, Remessa Necessária nº 1058944-81.2021.8.26.0053, rel. Des. Marcelo L Theodósio, j. 8.2.2023, Apelação/Remessa Necessária nº 1026398-02.2023.8.26.0053, rel. Des. Silva Russo, j. 18.9.2023, Apelação/Remessa Necessária n.º 1001526-73.2022.8.26.0176, rel. Des. Ricardo Chimenti, j. 1.º.11.2023, Apelação/Remessa Necessária n.º 1074978-63.2023.8.26.0053, rel. Des. Tania Mara Ahualli, j. 16.4.2024, Apelação n.º 1070881-20.2023.8.26.0053, rel. Des. João Alberto Pezarini, j. 3.7.2024, e Apelação n.º 1010120-86.2024.8.26.0053, rel. Des. Ricardo Chimenti, j. 26.7.2024.

[5] Apelação n.º 1060800-12.2016.8.26.0100, rel. Des. Pereira Calças, j. 6.6.2017.

Fonte: DJE/SP 07.07.2025.

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