CSM/SP: Registro de imóveis – Certidão de inteiro teor do instrumento contratual de alteração de contrato social visando à integralização de capital social – Imóvel cujo valor venal é superior ao valor atribuído no instrumento contratual – Recusa fundada na ausência de manifestação da fazenda estadual, necessária ante a possível incidência do imposto de doação sobre o ato de integralização de bem imóvel porque atribuído ao imóvel valor inferior à sua avaliação fiscal – Exigência indevida – Apelo provido – Dúvida improcedente.


Apelação nº 1018372-29.2022.8.26.0577

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1018372-29.2022.8.26.0577

Comarca: SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1018372-29.2022.8.26.0577

Registro: 2023.0000177708

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1018372-29.2022.8.26.0577, da Comarca de São José dos Campos, em que é apelante BSP EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS R20 LTDA, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso e julgaram a dúvida improcedente, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL) E WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO).

São Paulo, 7 de março de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1018372-29.2022.8.26.0577

APELANTE: BSP Empreendimentos Imobiliários R20 LTDA

APELADO: 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São José dos Campos

VOTO Nº 38.938

Registro de imóveis – Certidão de inteiro teor do instrumento contratual de alteração de contrato social visando à integralização de capital social – Imóvel cujo valor venal é superior ao valor atribuído no instrumento contratual – Recusa fundada na ausência de manifestação da fazenda estadual, necessária ante a possível incidência do imposto de doação sobre o ato de integralização de bem imóvel porque atribuído ao imóvel valor inferior à sua avaliação fiscal – Exigência indevida – Apelo provido – Dúvida improcedente.

Trata-se de apelação interposta por BSP EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS R20 LTDA. contra r. sentença (fls. 324/325) que julgou procedente a dúvida e manteve a recusa do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São José dos Campos em promover o registro da integralização de seu capital social na matrícula nº 142.002, conforme a certidão de inteiro teor do instrumento particular de alteração do contrato social apresentada, sob o fundamento de ser necessária a manifestação da Fazenda Pública Estadual a respeito de eventual incidência do Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e Doação – ITCMD sobre a diferença entre a avaliação fiscal do imóvel transmitido e o valor que lhe foi atribuído no instrumento de alteração do contratual.

Alega a apelante, em suma, que a transmissão de bens para integralização de capital social configura negócio jurídico oneroso, conforme já entendeu este Conselho Superior da Magistratura, nos autos da Apelação Cível nº 1002258-19.2020.8.26.0081, julgado em 11 de março de 2021, da Relatoria do então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Ricardo Mair Anafe, e de acordo com a tese fixada para o Tema nº 796 de repercussão geral apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que incide ITBI (e não ITCMD) sobre eventual diferença de valores do imóvel integralizado.

Acrescenta que eventual discordância da Fazenda Estadual enseja manifestação em procedimento próprio, não se sustentando a negativa do Oficial, na espécie. Informa que realizou o recolhimento do ITBI sobre o valor venal dos imóveis, e que, acaso houvesse valorização das quotas do sócio que não integralizou o capital da sociedade com os imóveis, haveria isenção quanto ao ITCMD por não extrapolar o valor previsto no artigo 6º, inciso II, alínea “a”, da Lei Estadual nº 10.705/2000. Por fim, faz referência a outro caso semelhante em que a exigência anteriormente feita foi superada após os esclarecimentos trazidos ao Oficial, pugnando para que a solução seja a mesma no presente caso.

Requer, portanto, o provimento da apelação, com o julgamento improcedente da dúvida (fls. 341/353).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opina pelo provimento do recurso (fls. 433/437).

É o relatório.

A recusa do registro do instrumento particular de alteração do contrato social visando à integralização do capital foi lastreada nos seguintes argumentos (nota de devolução nº 85378 fls. 136/139):

“De acordo com a análise do instrumento da empresa BSP Empreendimentos Imobiliários R20 Ltda foi verificada a possível incidência do imposto de doação sobre o ato de integralização de bem imóvel uma vez que foi atribuído ao bem valor inferior ao valor de mercado, considerado pela Fazenda Estadual como fato gerador.

Isso porque, a sócia BSP Empreendimentos Imobiliários D152 Ltda integraliza o capital social através de bens imóveis cujos valores atribuídos são menores que os valores venais, o que tem por consequência a valorização das quotas dos demais sócios, não havendo no contrato social qualquer evidência de que ocorreu uma compensação financeira por parte dos outros sócios.

Assim, para possibilitar o registro da integralização será necessária a manifestação da Fazenda Pública Estadual, a respeito da incidência ou não do tributo. Base legal artigo 289, Lei 6.015/73, Lei Estadual 10.705/00, CAT 89/2020, de 1/11/2020, RC nº 22070/2020 de 10/08/2020 e 25122/2022 de 15/03/2022 (https://legislacao.fazenda.sp.gov.br/Paginas/RC22070_2020.aspx)”.

Na suscitação da dúvida (fls. 1/9), o Oficial faz referência à certidão de inteiro teor do instrumento particular de alteração do contrato social da sociedade BSP Empreendimentos Imobiliários R20 LTDA., arquivado na Junta Comercial do Estado de São Paulo JUCESP sob nº 598.210/19-2, em 18/11/2019, pelo qual a sócia BSP Empreendimentos Imobiliários D152 Ltda. integralizou três bens imóveis para aumento do capital social, sendo um deles do 1º Oficial de Registro de Imóveis de São José dos Campos (matrícula nº 142.002) e os outros dois localizados na cidade de Campinas; a sócia BSP Empreendimentos Imobiliários D161 Ltda. integralizou com diversos outros imóveis.

Com a integralização do capital, a BSP Empreendimentos Imobiliários D152 Ltda. passou a ser titular de 1.699.246 quotas sociais, a BSP Empreendimentos Imobiliários S.A. permaneceu com 61.000.000 quotas sociais, a BSP Empreendimentos Imobiliários D161 Ltda. passou a ter 864.328 quotas sociais e Bradesco SegPrev Investimentos Ltda. Permaneceu com 1 quota social.

O imóvel objeto da matrícula nº 142.002 foi integralizado por valor inferior ao venal. Ao imóvel foi atribuído o valor de R$ 209.601,00, inferior ao valor venal de R$ 768.691,87.

Considerou o Oficial configurado o ato de doação, fazendo referência a entendimento da Fazenda do Estado de São Paulo, uma vez que a integralização do capital social com bem imóvel, com atribuição de valor inferior ao valor venal, valoriza o capital social como um todo e, por via reflexa, aumenta ou valoriza as quotas dos demais sócios que não integralizam o capital com o bem imóvel.

Nesse sentido, fez referência à Consulta Tributária nº 25.122/2022, que, ao tratar de questão semelhante, concluiu:

“…na hipótese de integralização de capital social acima do valor que cabe a cada sócio, sem o correspondente reflexo em sua participação na sociedade, esta Consultoria Tributária entente que pode haver doação de bens ou direitos, portanto sujeita à incidência do ITCMD”.

Mas a dúvida não procede.

A transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição, está sujeita à incidência do imposto de transmissão, de competência do Município, nos termos do artigo 156, II, da Constituição Federal.

Vale destacar que há imunidade na transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, na transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil, conforme o disposto no inciso I do §2º do artigo 156, da Carta Magna.

Então, a integralização de capital social com conferência de bens imóveis é negócio jurídico oneroso que goza da imunidade prevista no inciso I do §2º do artigo 156, da Constituição Federal, ressalvada a exceção prevista no mesmo dispositivo legal.

Nos termos do que este Conselho Superior da Magistratura decidiu nos autos da Apelação Cível nº 1002258-19.2020.8.26.0081, julgada em 11 de março de 2021, e que foi relator o então eminente Corregedor Geral da Justiça, DES. RICARDO MAIR ANAFE, a transmissão de bem para a integralização do quinhão no capital da sociedade constitui negócio jurídico oneroso porque importa na sua retirada do patrimônio do sócio e na transferência ao patrimônio da sociedade que tem personalidade jurídica própria, com a correspondente atribuição ao sócio de quotas proporcionais ao capital integralizado” (grifei).

Tratando-se, pois, de negócio jurídico oneroso, sujeito à competência tributária do Município, a Lei Estadual nº 10.705/2000, que dispõe sobre a instituição do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), não enumera como fato gerador nem confere isenção à integralização de capital social.

Relativamente à integralização de bens que excedam o limite do capital social, o Pretório Excelso, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 796.376/SC, de 5 de agosto de 2020, fixou para o Tema nº 796 da repercussão geral a seguinte tese:

“A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.

No julgamento da já mencionada Apelação Cível nº 1002258-19.2020.8.26.0081, a questão foi bem analisada, valendo a transcrição:

“Conforme a ementa do v. acórdão, sobre o excedente entre o valor de mercado do bem imóvel integralizado e o valor atribuído no contrato social incide o ITBI, o que exclui a exigência de comprovação da declaração e recolhimento, ou isenção, do ITCMD:

‘EMENTA. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS – ITBI. IMUNIDADE PREVISTA NO ART. 156, § 2º, I, DA CONSTITUIÇÃO. APLICABILIDADE ATÉ O LIMITE DO CAPITAL SOCIAL A SER INTEGRALIZADO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO. 1. A Constituição de 1988 imunizou a integralização do capital por meio de bens imóveis, não incidindo o ITBI sobre o valor do bem dado em pagamento do capital subscrito pelo sócio ou acionista da pessoa jurídica (art. 156, §2º). 2. A norma não imuniza qualquer incorporação de bens ou direitos ao patrimônio da pessoa jurídica, mas exclusivamente o pagamento, em bens ou direitos, que o sócio faz para integralização do capital social subscrito. Portanto, sobre a diferença do valor dos bens imóveis que superar o capital subscrito a ser integralizado, incidirá a tributação pelo ITBI. 3. Recurso Extraordinário a que se nega provimento. Tema 796, fixada a seguinte tese de repercussão geral: ‘A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado’ (RE 796376, Relator para o Acórdão Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 05/08/2020, Processo Eletrônico Repercussão Geral Mérito DJe-201, Divulg. 24-08-2020, Public. 25-08.2020 – grifei).

Verifica-se no r. voto do Excelentíssimo Ministro Alexandre de Moraes, que foi o redator para o acórdão:

‘Na questão com repercussão geral reconhecida, debate-se o alcance da imunidade tributária do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis ITBI, prevista no art. 156, § 2º, I, da Constituição, sobre imóveis incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, quando o valor desses bens excede o limite do capital social a ser integralizado’.

Ainda conforme o v. acórdão, nas hipóteses não abrangidas pela imunidade tributária incide a tributação pelo ITBI:

‘Disso decorre, logicamente, que, sobre a diferença do valor dos bens imóveis que superar o valor do capital subscrito a ser integralizado, incidirá a tributação pelo ITBI, pois a imunidade está voltada ao valor destinado à integralização do capital social, que é feita quando os sócios quitam as quotas subscritas. Por outro lado, nada impede que os sócios ou os acionistas contribuam com quantia superior ao montante por eles subscrito, e que o contrato social preveja que essa parcela será classificada como reserva de capital. Essa convenção se insere na autonomia de vontade dos subscritores. O que não se admite é que, a pretexto de criar-se uma reserva de capital, pretenda-se imunizar o valor dos imóveis excedente às quotas subscritas, ao arrepio da norma constitucional e em prejuízo ao Fisco municipal. Ainda que o preceito constitucional em apreço tenha por finalidade incentivar a livre iniciativa, estimular o empreendedorismo, promover a capitalização e o desenvolvimento das empresas, não chega ao ponto de imunizar imóvel cuja destinação escapa da finalidade da norma’.

Destarte, na interpretação da tese fixada para o Tema nº 796 da repercussão geral impõe-se a conclusão de que a integralização de bens imóveis com valor superior ao do capital subscrito constitui fato gerador do ITBI, o que, reitero, afasta a incidência do ITCMD. Assim decidida a matéria em sede de repercussão geral, para efeito de julgamento do recurso de apelação prevalece a tese fixada pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, o que afasta a exigência de comprovação do recolhimento, ou isenção, do ITCMD como requisito para o registro de contrato de integralização do capital social'”.

E o presente caso é semelhante ao que foi apreciado nos autos da aludida apelação, impondo-se, então, a mesma solução pela improcedência da dúvida.

Ressalve-se que, na situação vertente, o requerente apresentou o comprovante de pagamento do ITBI levando em conta o valor total de R$ 775.222,45 (fls. 124/125).

Aqui deve ser feita a mesma ressalva levada a efeito no precedente invocado, “a decisão da dúvida não impede que a Fazenda do Estado adote as medidas que considerar cabíveis para o lançamento e cobrança de eventual Imposto de Transmissão ‘Causa Mortis’ e Doação – ITCMD, mas em procedimento próprio”.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao apelo e julgo improcedente a dúvida.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator. (DJe de 10.05.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações.

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TJ/SP: Mandado de Segurança – Exigência de devolução do valor do desconto de 5% concedido pelo Decreto Estadual nº 46.455/02 no recolhimento do ITCMD – Impossibilidade: não há previsão legal desta sanção na legislação tributária – Inteligência do disposto no artigo 112 do CTN que submete as sanções fiscais ao princípio da legalidade e prevê que a interpretação seja favorável ao contribuinte – Sentença mantida – Reexame necessário e recurso voluntário desprovidos.


ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária nº 1016003-10.2022.8.26.0562, da Comarca de Santos, em que é apelante ESTADO DE SÃO PAULO e Recorrente JUÍZO EX OFFICIO, são apelados MAYRA MOURA DE OLIVEIRA e NATÁLIA MOURA DE OLIVEIRA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento aos recursos. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores COIMBRA SCHMIDT (Presidente sem voto), EDUARDO GOUVÊA E LUIZ SERGIO FERNANDES DE SOUZA.

São Paulo, 14 de fevereiro de 2023.

MAGALHÃES COELHO

Relator

Assinatura Eletrônica

Apelação / Remessa Necessária nº 1016003-10.2022.8.26.0562 – Comarca de Santos

Apelante: Estado de São Paulo

Recorrente: Juízo Ex Officio

Apelados: Mayra Moura de Oliveira e Natália Moura de Oliveira

Interessado: Delegado Regional Tributário do Litoral Drt 02 – Posto Fiscal de Santos

Voto nº 61994

MANDADO DE SEGURANÇA – Exigência de devolução do valor do desconto de 5% concedido pelo Decreto Estadual nº 46.455/02 no recolhimento do ITCMD – Impossibilidade: não há previsão legal desta sanção na legislação tributária – Inteligência do disposto no artigo 112 do CTN que submete as sanções fiscais ao princípio da legalidade e prevê que a interpretação seja favorável ao contribuinte – Sentença mantida – Reexame necessário e recurso voluntário desprovidos.

Vistos, etc.

I. Trata-se de mandado de segurança impetrado por Mayra Moura de Oliveira e Natália Moura de Oliveira contra ato coator expedido pelo Delegado Regional Tributário do Litoral DRT 02, pedindo ao final que a autoridade coatora proceda com a emissão da guia DARE retificada, somente em relação ao ITCMD suplementar, incidente apenas sobre o acréscimo do investimento inventariado em sobrepartilha, sem aplicação de estorno do desconto de 5% concedido na partilha inicial, juros e multa moratória.

II. Em primeiro grau a ordem foi concedida, determinando-se, portanto, que fosse determinada a retificação da Guia DARE, constando nela o montante devido a título de sobrepartilha.

III. Interposto recurso de apelação pela Fazenda Pública Estadual, pugnando pela reforma da sentença.

Alega, em síntese, que cabe apenas ao legislador estadual a fixação de regras sobre impostos cuja instituição seja de sua competência, desde que respeitadas as limitações ao poder de tributar e os princípios de direito tributário. Aduz que o desconto de 5% sobre o valor a ser recolhido a título de ITCMD apenas pode ser concedido quando o contribuinte recolhe o valor total dentro do prazo de 90 dias a contar da abertura da sucessão. Assim, como no caso houve sobrepartilha, com recolhimento de valor devido a título de ITCMD após os referidos 90 dias, então as impetrantes não fariam jus ao desconto, devendo devolver este valor e, ainda, pagar juros e multa de mora.

IV. Foram apresentadas contrarrazões às fls. 120/127 pedindo a manutenção da sentença.

É o relatório.

Trata-se, como se vê, de mandado de segurança impetrado por Mayra Moura de Oliveira Natália Moura de Oliveira contra ato coator expedido pelo Secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, no qual pediram a concessão da ordem para que fosse retificada Guia DARE de recolhimento do ITCMD, para o fim de afastar a exigência de devolução do valor correspondente da 5% de desconto pelo pagamento, dentro de 90 dias, do montante devido a título do referido tributo.

Em primeiro grau, como já relatado, a ordem foi concedida, determinando à autoridade coatora que emita Guia DARE, sem o estorno do desconto anteriormente concedido à partilha inicial, aplicando-se a alíquota apenas sobre o valor do bem a ser sobrepartilhado, afastando-se os juros e a multa moratória.

A sentença deve ser mantida.

Decorre dos autos que as impetrantes, na condição de herdeiras de Rosemary Moura de Oliveira, falecida em 29/06/21, promoveram a abertura do inventário e realizaram a partilha dos bens deixados pelo de cujus, recolhendo o ITCMD correspondente a esta operação, com o desconto de 5%, em razão do previsto no artigo 31, §1º do Decreto Estadual nº 46.455/02:

2 – será concedido desconto de 5% (cinco por cento) sobre o valor do imposto devido, desde que recolhido no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data da abertura da sucessão.

Contudo, após a lavratura da escritura do inventário, as impetrantes tiveram conhecimento de um investimento realizado pela de cujus no valor de R$ 5.019,81, razão pela qual procederam à confecção de Declaração Retificadora do ITCMD nº 71712731. Nesta operação, o sistema da SEFAZ/SP desconsiderou o desconto de 5% aplicado na declaração original, bem como lançou o ITCMD incidente do investimento sobrepartilhado com juros e multa de mora.

De fato, ainda que tenha restado valor a ser inventariado, não é possível que o Fisco determine, no caso em questão, a devolução do montante referente aos 5% de desconto.

Em primeiro lugar, porque a letra da lei não faz esta exigência.

Note-se que segundo o disposto no artigo 31, §1º, 2 do Decreto nº 46.455/02, o desconto será concedido quando o contribuinte fizer o recolhimento do tributo em até 90 dias a contar da abertura da sucessão.

No caso, as impetrantes, acreditando terem apenas um patrimônio de R$ 673.469,42 para inventariar, procederam, rapidamente, ao recolhimento do ITCMD no valor de R$ 25.591,84 com o respectivo desconto de R$ 1.346,94.

O desconto, como se vê, era devido na ocasião do pagamento do tributo.

E a legislação tributária estadual, ao contrário do sustentado pelo Fisco, não afirma que o desconto deverá ser expurgado na hipótese de sobrepartilha, de modo que, como bem observado na sentença, sua exigência pelo Fisco constitui penalidade sem previsão na lei, em afronta ao princípio da legalidade e ao disposto no artigo 112 do CTN, segundo o qual a lei tributária que impõe penalidades deve ser interpretada favoravelmente ao acusado:

Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto:

I – à capitulação legal do fato;

II – à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos;

III – à autoria, imputabilidade, ou punibilidade;

IV – à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.

Em segundo lugar porque, o que salta aos olhos no caso concreto, é que as impetrantes, quando do recolhimento do ITCMD acreditavam que estavam, de fato, procedendo ao recolhimento de todo o tributo, pois não sabiam da existência do referido investimento de pouco mais de 5 mil reais.

Portanto, está mais do que comprovado que as impetrantes agiram de boa-fé, não buscaram iludir o Fisco ou esconder valores a serem inventariados. Tanto assim que logo que tiveram conhecimento do investimento, procederam à realização da sobrepartilha.

Nestes termos, é abusiva e ilícita a exigência do Fisco no sentido de que as impetrantes devem devolver o valor do desconto de 5%.

Pelas razões expostas, deve ser negado provimento ao reexame necessário e ao recurso voluntário interposto pela Fazenda Pública Estadual.

Daí o porquê, nego provimento aos recursos necessário e voluntário.

MAGALHÃES COELHO

Relator – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação / Remessa Necessária nº 1016003-10.2022.8.26.0562 – Santos – 7ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Magalhães Coelho – DJ 27.02.2023

Fonte: INR Publicações.

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