Responsabilidade solidária de cônjuge dispensa outorga uxória, decide TJSP


O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP reconheceu que ato de assunção de responsabilidade solidária por parte do cônjuge não se equipara à prestação de aval, e afastou a exigência de que seja conferida outorga conjugal nos termos do artigo 1.647, inciso III, do Código Civil.

No caso analisado, a mulher ajuizou ação declaratória de nulidade de aval em razão de uma ação de execução movida por uma cooperativa contra o esposo, que figura como avalista no título executivo. Ela alegou que já mantinha casamento civil com o homem quando ele assinou a cédula de crédito bancário, e requereu que fosse considerada nula a garantia, uma vez que a ela não autorizou. Conforme defesa da cooperativa, a responsabilidade solidária pelo cônjuge varão não exige a outorga uxória. Ao julgar improcedente o pedido em primeira instância, o juiz considerou que o esposo não assinou o documento como avalista, mas sim na qualidade de devedor solidário.

A mulher argumentou ainda que, por ocasião da contratação da cédula de crédito bancário individualizada na petição inicial, seu esposo já mantinha casamento civil pelo regime da comunhão universal de bens. Deste modo, a assinatura teria se dado nas condições de representante da sociedade empresária e avalista, ausente outorga uxória para tanto, o que acarretaria na nulidade da garantia.

Segundo o relator, a assunção de responsabilidade em nome próprio se deu claramente na condição de devedor solidário, o que afasta a tese de nulidade do título. No entanto, tal defesa não pode ser alegada em sede de ação declaratória, uma vez que não se sabe a respeito de eventual constrição de patrimônio comum que atinja a meação da mulher.

O magistrado pontuou: “Cabe dizer, ainda, que o STJ já firmou entendimento de que despicienda é a outorga uxória a que alude o inciso III, do art. 1.647, do Código Civil em relação aos títulos de crédito regidos por leis próprias, aplicando-se apenas e tão somente aos títulos ditos inominados.” Para ele, em caso de legitimação ordinária não se permite que um terceiro que não é aquele que afirma ser titular do direito material lesado ou ameaçado venha demandar ou defender direito de outrem em nome próprio.

Princípio geral

Para o presidente da seção Amapá do Instituto Brasileiro de Família – IBDFAM, Nicolau Crispino, o TJSP fez prevalecer o princípio geral dos contratos, de que os acordos devem ser cumpridos. “É o que estabelece o conhecido princípio pacta sunt servanda. Não havendo necessidade de a apelante participar do negócio praticado pelo seu esposo, não há como pleitear a nulidade do ato praticado, fazendo-se cumprir a vontade do contratante.
Portanto, o esposo da apelante assumiu responsabilidade solidária de uma dívida, não havendo na legislação civil, qualquer regra exigindo que a apelante deveria ter anuído com essa garantia oferecida pelo seu esposo.”

O advogado explica que, segundo consta no acórdão em análise, a esposa ingressou com uma ação declaratória de nulidade de aval, em virtude de uma cooperativa ter proposto uma ação de execução contra a empresa e seu esposo, em função de ele ter assinado cédula de crédito bancário, sem o consentimento da apelante. “De acordo com o que consta do referido julgado, a esposa apelante requereu a nulidade da garantia ofertada pelo esposo, considerando que tal garantia seria semelhante ao aval, precisando, segundo a apelante, do consentimento da esposa, conforme o previsto no inciso III, do art. 1.647, do Código Civil.”

“A apelante era casada sob o regime da comunhão parcial de bens. O que ocorreu, verdadeiramente, foi a ‘assunção de responsabilidade solidária da dívida pelo cônjuge da apelante, situação que dispensa a outorga uxória’, deixando de ser aplicada a regra contida no inciso III, do artigo 1.647, III, do Código Civil”, avalia.

O especialista lembra que o artigo 1.647 enumera as hipóteses dos negócios jurídicos os quais o cônjuge não poderá praticar sem a anuência do outro, ou seja, sem a outorga conjugal. Lembra ainda que a exigência de autorização existe para proteger o patrimônio do casal, atingindo a autonomia privada de cada um deles.

“A parte final do caput do art. 1.647 excepciona essa regra determinando que, no regime de “separação absoluta”, não há necessidade da outorga conjugal. Contudo, no rol de regime de bens definidos no Código Civil brasileiro, não existe propriamente esta espécie da “separação absoluta”. Existe o regime convencional de separação de bens, que é estabelecido por pacto antenupcial, e o regime legal de separação de bens, estabelecido naqueles casos determinados pelo artigo 1.641, por exemplo, os que contraírem matrimônio com inobservância das causas suspensivas.

Segundo ele, interpretando a exceção prevista no caput do art. 1.647, somente no regime legal de separação de bens é que não se deve exigir a outorga conjugal para os negócios praticados por um dos cônjuges, elencados nos incisos desse referido artigo.

“No presente caso, a apelante pretendeu anular o ato praticado pelo esposo, em virtude dela entender que estava diante de aval por ele praticado, em garantia de uma dívida da empresa do esposo. O TJSP entendeu que o esposo da apelante contratou uma cédula de crédito bancário, tornando-se avalista e devedor solidário, de acordo com o art. 275 do Código Civil”, explica.

Para Nicolau, mesmo que se admitisse que o esposo da apelante havia apenas prestado aval como garantia a uma determinada dívida, e por isso devesse haver anuência da apelante, não é essa a interpretação atual do STJ. “Segundo esse Tribunal Superior, a regra trazida no inciso III, do art. 1.647, diz respeito apenas aos avais prestados nos títulos regidos pelo Código Civil, e não naqueles regidos por leis especiais (REsp 1526560/MG), como no caso analisado.”

“Muito embora o mencionado inciso III, do art. 1.647 trate, conjuntamente, da fiança e do aval, há distinção entre ambos. Eles representam modo de garantia pessoal de dívidas, contudo os dois possuem diferenças, como, por exemplo, o chamado benefício de ordem, a favor do fiador, contido no art. 827, do Código Civil. Com a existência desse benefício de ordem, a responsabilidade pela dívida, na fiança, não pode ser solidária. No aval não há o benefício de ordem, sendo, portanto, o avalista responsável, solidariamente, pela dívida”, ressalta.

Outorga conjugal

O advogado Euclides de Oliveira, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, pontua que a  expressão “uxória” refere-se à mulher, que foi a autora da ação no caso examinado. “Mas no plano legal, tem-se que o certo seria falar em outorga conjugal, ou seja, tanto do marido quanto da mulher, para a prática de atos de alienação ou oneração de bens no curso do casamento.”

“A anuência do cônjuge é requisito de validade do ato nas condições previstas no art. 1.647 do CC, exceto no regime da separação absoluta de bens. De igual forma, o art. 1.687 afirma que nesse regime cada um dos cônjuges administra e dispõe livremente dos seus bens.
Há mais uma previsão de liberação da outorga conjugal no art. 1.656 do CC, por convenção de pacto antenupcial no casamento sob o regime da participação final nos aquestos.”

Para o especialista, a decisão do TJSP segue a linha de anteriores julgamentos do TJSP e de outros tribunais, incluindo precedente do STJ , conforme citações na fundamentação do acórdão. “O caso envolvia a situação de um homem casado, sócio de empresa, que assinou cédula de crédito bancário como devedor solidário. Entendeu-se que não se tratava de aval, que exigiria outorga uxória, mas sim de assunção de dívida em conjunto com a sociedade comercial, regendo-se por leis próprias nesse contrato nominado. Deu-se, portanto, uma valoração da atividade empresária, que fortalece a autonomia de negócios da empresa e a eficácia dos seus contratos”, comenta.

Segundo o advogado, o benefício de ordem favorece o devedor sócio, nos termos do artigo 1.024 do Código Civil, porque os seus bens particulares não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais. Se houvesse a previsão desse benefício no contrato, subsistiria a responsabilidade solidária de forma mitigada, em caráter subsidiário, desde que insuficientes os bens da sociedade para suportar o pagamento da dívida.

Ação regressiva

De acordo com Euclides, considerando-se que as partes eram casadas no regime comunitário de bens,  prevalece a regra geral da comunicabilidade das dívidas, prevista no artigo 1.667 do Código Civil. Excetuam-se as hipóteses enumeradas no artigo 1.668, com destaque para o inciso III, que menciona as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum.

Ele acrescenta: “A suposição é de que as dívidas contraídas durante o casamento reverteram em aquisição de bens para ambos os cônjuges. Cabe, no entanto, a possibilidade de ação regressiva se a penhora atingir bens particulares da mulher (excluídos da comunhão universal, como os que foram havidos por herança ou doação sem cláusula de comunicabilidade), ou se a mulher comprovar que os bens havidos pela sociedade comercial não lhe trouxeram qualquer proveito econômico, por serem elementos de uma eventual  conduta fraudulenta por parte do cônjuge varão.”

“A esse propósito, acrescento  que, no julgado em exame, entendeu-se também que não cabia o ajuizamento de ação declaratória de nulidade do contrato pela mulher porque não comprovou que a execução atingiu seu patrimônio. Assim, como terceiro não titular do direito material lesado ou ameaçado, não lhe era dado defender direito de outrem em nome próprio”, conclui Euclides.

Nicolau Crispino pontua que a decisão confirmou que deve ser garantido o resguardo da meação da apelante não anuente do ato praticado pelo seu esposo, ou seja, garantindo que ela possa reivindicar o resgate de sua parte na comunhão, caso esta parte seja atingida por alguma execução que venha a ser sofrida, em razão da dívida do esposo.  Para ele, o mencionado acórdão se baseou em precedentes do próprio Tribunal, e deixou claro que a apelante não obteve êxito nessa ação declaratória, haja vista que não se teve notícia “de eventual constrição de patrimônio comum que atinja a meação da autora apelante”, na postulação que deu origem ao julgado que ora se analisa. “Portanto, caso haja prova de que a sua meação tenha sido atingida por eventual execução da referida dívida, pode a apelante acionar, regressivamente, o seu esposo, em ação própria, demonstrando também, não ter sido a família do casal beneficiada pela referida dívida, com base nos artigos 1.664 e 1.666 do Código Civil.”

Fonte: IBDFAM

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“Racismo reverso”: Especialista aponta como argumento perpetua a discriminação


Uma das formas mais recorrentes de se perpetuar o racismo ocorre quando há tentativa de deslegitimar ou se apoderar do lugar das vítimas dessa forma nefasta de discriminação. Rechaçado por especialistas, o termo “racismo reverso” volta à pauta sempre para designar supostos casos de preconceito contra brancos. Tal entendimento não é admitido por ativistas e estudiosos, afinal, configura-se como uma forma de desvirtuar o foco do efetivo enfrentamento à desigualdade racial no país, que assola negros, indígenas e outros grupos.

“Vivemos em uma sociedade tão imersa no racismo estrutural que há até quem acredite que não existe racismo no Brasil. Além disso, dizer que existe ‘racismo reverso’ é justamente seguir o que essa estrutura racista quer nos fazer acreditar”, explica a advogada Caroline Ingrid de Freitas Vidal, presidente da Comissão de Diversidade Racial e Etnia do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.

Confira, a seguir, alguns pontos mencionados pela advogada para comprovar a falácia do racismo reverso:

Pessoas brancas e negras não concorrem em grau de igualdade

Segundo Caroline Vidal, não é possível afirmar que as oportunidades de uma pessoa negra são exatamente iguais às oportunidades de pessoas brancas. “Não posso dizer que a livre concorrência no mercado de trabalho, a situação alimentar ou a oportunidade de se relacionar são iguais.”

Ela acrescenta: “Um branco não é excluído e marginalizado por ser branco, pode ser por outras razões, mas não pela cor da pele”, explica a advogada. Para ela, esse discurso adquire grande proporção porque parte da sociedade brasileira não acredita que exista a necessidade de uma luta racial.

Não somos todos iguais

Por uma herança histórica e cultural negada, e por uma dívida do Estado mantida pelo comportamento social, a igualdade ainda está longe da realidade. Neste contexto, segundo a advogada, pessoas brancas têm utilizado o termo “racismo reverso” para justificar o próprio comportamento discriminatório. Ela exemplifica que nenhuma pessoa é excluída de uma roda de conversa, de um evento social ou de uma entrevista de emprego por ser branca.

“Uma criança, ainda que nunca lhe seja verbalizado que ela é excluída pela cor da sua pele, sente o motivo dessa exclusão. Ela é marginalizada e o tempo todo incapacitada pela estrutura racial que temos. Ainda que a pessoa branca tenha seus problemas de classe, ela não pode dizer que sofre racismo. Existe a discriminação pela classe social, por sua aparência, mas jamais poderá dizer que está sofrendo discriminação em razão da cor da pele”, frisa Caroline.

O negro não pode errar, o branco sim

A advogada pontua ainda que a sociedade não aceita os defeitos, dores e incapacidades, comuns a todos os seres humanos, quando os identificam em pessoas negras. “Os brancos podem errar, pedir desculpas e todo mundo irá perdoar e nutrir empatia. Já uma pessoa negra que erra não é perdoada, não é bem vista e não recupera sua imagem social.”

Para Caroline, isso é ainda mais grave tendo em vista que, por muitas vezes, os negros irão repetir o comportamento opressor e agressivo que lhes foi dado a vida inteira. “Brancos podem divergir de assuntos, cometer erros e ainda sim ter suas imagens ressignificadas, os negros não”, argumenta.

Brasil é um país racista

De acordo com a advogada, a ideia de que o Brasil não é um país racista é propagada para desqualificar aqueles que tentam conscientizar quem mais precisa: os próprios negros. Ela destaca que a luta antirracista é invisibilizada e marginalizada diariamente, o que resulta no enfraquecimento de movimentos importantes. “Perdendo a força, perde-se também a capacidade de emancipação das próprias pessoas que seriam as mais interessadas.”

Caroline reflete: “Pessoas que lutam contra o racismo são vistas como extremistas. Criou-se no imaginário de pessoas negras que, se elas se embranquecerem, serão socialmente aceitas. Isso começa pela estética e vai até o comportamento submisso. Quando resolvemos mostrar nosso potencial, ocupar espaços e cargos de poder, muitos se sentem ameaçados, percebendo que a hegemonia poderá ser prejudicada”, observa a especialista.

Tema deve ser pauta o ano todo

Além dos casos isolados que impulsionam o debate sobre racismo, tal como aconteceu em 2020, com os casos cruéis que culminaram na morte de pessoas no Brasil e no exterior, o Instituto Brasileiro de Direito de Família- IBDFAM, busca dar visibilidade ao tema tendo em vista sua extrema importância para a construção de uma sociedade mais equânime. A luta antirracista é o tema da Revista Informativa do IBDFAM n° 55.

Fonte: IBDFAM

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