Apelação – Ação de indenização por danos materiais e morais – Reconhecimento de firma mediante a utilização de documento falso, possibilitando a transferência de veículo – Pedido improcedente – Pretensão de reforma – Impossibilidade – Presença de excludente de nexo de causalidade – Fato de terceiro – Tabelião que adotou as cautelas necessárias – Ausência de erro grosseiro – Precedentes – Recurso desprovido.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1093364-78.2015.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante RECOVER COMERCIAL DE VEICULOS E CENTRO AUTOMOTIVO LTDA, são apelados OFICIAL DE REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS E DE INTERDIÇÕES E TUTELAS DA COMARCA DE DIADEMA e ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores SIDNEY ROMANO DOS REIS (Presidente sem voto), EVARISTO DOS SANTOS E LEME DE CAMPOS.

São Paulo, 27 de janeiro de 2021.

MARIA OLÍVIA ALVES

Relatora

Assinatura Eletrônica

Voto nº 32.125

Apelação nº 1093364-78.2015.8.26.0100

Apelante: Recover Comercial de Veiculos e Centro Automotivo Ltda.

Apelados: Estado de São Paulo e Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas da Comarca de Diadema

Comarca: 12ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo

Juíza: Dra. Paula Micheletto Cometti

APELAÇÃO – Ação de indenização por danos materiais e morais – Reconhecimento de firma mediante a utilização de documento falso, possibilitando a transferência de veículo – Pedido improcedente – Pretensão de reforma – Impossibilidade – Presença de excludente de nexo de causalidade – Fato de terceiro – Tabelião que adotou as cautelas necessárias – Ausência de erro grosseiro – Precedentes – Recurso desprovido.

Trata-se de ação de indenização por danos materiais e morais ajuizada por Recover Comercial de Veículos e Centro Automotivo Ltda. contra o Estado de São Paulo e Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas da Comarca de Diadema, sob o fundamento de que adquiriu o veículo descrito na inicial de falsário que se passou pelo verdadeiro proprietário por meio de documentação com firma autenticada junto ao Registro Civil de Diadema.

Conforme sentença de fls. 241/248, o pedido foi julgado improcedente, condenada a autora ao pagamento das custas, despesas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa.

Irresignada, apela a autora. Sustenta, em síntese, que da prova produzida nos autos se extrai que o Cartório, acaso realizasse as diligências necessárias, poderia reconhecer a falsidade do documento que gerou a abertura da firma e não tendo o feito, lesou a apelante e tem o dever de indenizar (fls. 252/259).

Foram apresentadas contrarrazões (fls. 262/278 e 283/291).

É o relatório.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e nego-lhe provimento.

É certo que a responsabilidade dos notários e registradores, à época dos fatos, era objetiva, conforme dispunha a antiga redação do art. 22 da Lei nº 8.935/1994, in verbis:

“Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos.”

A responsabilidade do Estado também é objetiva, conforme assentado no Tema 777 do STF, que fixou a tese de que “O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa.”

No entanto, encontra-se presente excludente do nexo de causalidade, qual seja, o fato de terceiro.

Conforme se extrai dos autos, um estelionatário falsificou a CNH do proprietário do veículo, alterando a fotografia e a assinatura existente no documento verdadeiro (fls. 106).

Ora, não se pode exigir do tabelião que ateste a real autenticidade do documento, até porque não possui conhecimento técnico para tanto. Ressalte-se que não há qualquer indício que o documento apresentado fosse grosseiramente falso.

Pelo contrário, como declarou o auxiliar de cartório que recebeu a CNH para a abertura de firma, os procedimentos foram estritamente seguidos:

“O depoente analisou a textura do documento, bem como se a foto era parte integrante do próprio documento e, se o mesmo obedecia aos padrões de um documento autêntico (…)”aparentava ser um documento verdadeiro, inclusive com a marca d’água do brasão e da palavra DENATRAN posta no documento e visivelmente a olho nu mediante luz (…) “verificou a data de validade da carteira (…) Verificou também, a tarja prateada na parte inferior ao documento (…) comparou a pessoa com a foto da CNH, sendo a mesma pessoa” (fls. 195/197).

Assim, como a firma reconhecida pelo réu é idêntica à do documento que lhe foi apresentado o qual, repise-se, não possuía sinais grosseiros de falsificação, conclui-se pela presença da excludente de nexo de causalidade.

Como bem ponderou a MM. Juíza a quo, “No tocante à suposta divergência das fotos, não era possível ao Cartório verificar tal informação, pois, conforme destacado nos depoimentos de fls. 195/197 e fls. 198/199, no site do DENATRAN não consta a foto do suposto portador da CNH. Ademais, nem as Normas da Corregedoria e nem as Normas Internas do Cartório de Registro Civil exigem acesso ao site do DENATRAN para a verificação da autenticidade do documento. A autora exige uma aferição de estrita autenticidade pelo corréu que não condiz com a realidade e nem com a legislação aplicável. Tal exigência implicaria na necessidade de uma estrutura pericial nos cartórios, em toda abertura e reconhecimento de firma” (fls. 246).

Nesse sentido:

“APELAÇÃO – Indenização – Responsabilidade civil – Danos materiais e morais – Prejuízos patrimoniais e extrapatrimoniais decorrentes do reconhecimento de firma falsa por Tabelião de Notas – ‘O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa’, tese fixada no Tema 777 com Repercussão Geral (‘leading case’ – RE 842846) – Adoção da teoria do risco administrativo – Admissibilidade de causas excludentes do nexo causal – Fato de terceiro configurado – Manutenção da r. sentença por seus próprios e jurídicos fundamentos – Inteligência do art. 252 do RITJ – Recurso desprovido” (TJSP; Apelação Cível 1006952-56.2019.8.26.0278; Relator (a): Silvia Meirelles; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Público; Foro de Itaquaquecetuba – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 14/10/2020; Data de Registro: 14/10/2020).

“RESPONSABILIDADE CIVIL Imóvel Contrato de compra e venda Cartório de Notas Reconhecimento de assinatura Erro grosseiro Estelionato Perda do imóvel Nexo de causalidade Não configuração Danos materiais e morais Impossibilidade – Seja a responsabilidade da Administração objetiva ou subjetiva, é sempre indispensável a prova do nexo de causalidade, sem o qual não há dever de indenizar” (Apelação Cível 0014311-17.2012.8.26.0053; Relator (a): Teresa Ramos Marques; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 10ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 10/06/2019; Data de Registro: 12/06/2019). Destarte, nada há que se reparar na r. sentença.

Nos termos do disposto no artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, considerando o trabalho adicional nessa fase recursal e atendendo-se aos critérios legais e trabalhos desenvolvidos, majoro os honorários para 11% do valor atualizado da causa.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

MARIA OLÍVIA ALVES

Relatora – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1093364-78.2015.8.26.0100 – São Paulo – 6ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Maria Olívia Alves – DJ 26.02.2021

Fonte: INR Publicações

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Lei estadual não pode instituir imposto sobre doação e herança no exterior


Os estados e o Distrito Federal não possuem competência legislativa para instituir a cobrança do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) nas hipóteses de doações e heranças instituídas no exterior. O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos, firmou esse entendimento no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 851108, com repercussão geral reconhecida (Tema 825), em sessão virtual encerrada em 26/2.

De acordo com a decisão, mesmo diante da omissão do legislador nacional acerca da matéria, os estados-membros não podem editar leis instituindo a cobrança com base na competência legislativa concorrente. A Constituição de 1988 estabelece que cabe à lei complementar federal – e não a leis estaduais – regular a competência e a instituição do ITCMD quando o doador tiver domicílio ou residência no exterior ou se a pessoa falecida possuir bens, tiver sido residente ou domiciliada ou tiver seu inventário processado no exterior.

No caso dos autos, o Estado de São Paulo questionava acórdão do Tribunal de Justiça local (TJ-SP) que, ao negar apelação, negou ao governo estadual o poder de cobrar o ITCMD sobre doação testamentária instituída por cidadão italiano, domiciliado em seu país, em favor de brasileira, consistente em móvel localizado na cidade de Treviso e quantia em euros. O TJ-SP considerou inconstitucional dispositivo da Lei estadual 10.705/2000 regulamentando a cobrança, sob o fundamento de que, inexistindo a lei complementar a que se refere o artigo 155, parágrafo 1º, inciso III, da Constituição Federal, a legislação paulista não poderia exigir o ITCMD na hipótese.

Competência concorrente

O voto do ministro Dias Toffoli, relator, pelo desprovimento do recurso, foi seguido pela maioria dos ministros. Ele esclareceu inicialmente que, como regra, no campo da competência concorrente para legislar, inclusive sobre direito tributário, o artigo 24 da Constituição Federal dispõe caber à União editar normas gerais, podendo os estados e o Distrito Federal suplementar aquelas, ou, inexistindo normas gerais, exercer a competência plena para editar tanto normas de caráter geral quanto normas específicas. Na jurisprudência da Corte, de acordo com o relator, tal competência somente os autoriza a legislar, de maneira plena, sobre direito tributário, para atender peculiaridades.

Lei complementar

Segundo Toffoli, não podem ser invocadas a competência concorrente do artigo 24 da Constituição nem a autorização do artigo 34, parágrafo 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) para fundamentar a existência de um direito dos estados e do Distrito Federal de legislar sobre a matéria, sem a necessária da lei complementar. Isso porque, a seu ver, devido ao elemento da extraterritorialidade, o legislador constituinte determinou ao Congresso Nacional que procedesse a um maior debate político sobre os critérios de fixação de normas gerais de competência tributária, com o intuito de evitar conflitos de competências geradores de bitributação entre os estados da Federação e entre países com os quais o Brasil possui acordos comerciais, mantendo uniforme o sistema de tributos.

A lei complementar exigida, apontou o relator, não tem o sentido único de norma geral ou de diretrizes, mas de diploma necessário à fixação nacional da exata competência dos estados, equalização de conflitos de competência.

Ficaram vencidos no mérito os ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Gilmar Mendes, que acolhiam o recurso do estado de São Paulo. Para essa corrente, ante a omissão do legislador nacional em estabelecer as normas gerais pertinentes à competência para instituir o imposto nas hipóteses referidas, podem os estados-membros fazer uso de sua competência legislativa plena, sem prejuízo de que posterior edição de lei complementar nacional venha a regulamentar a matéria.

Modulação

A maioria do colegiado aderiu à proposta de modulação dos efeitos, constante do voto do relator, para que a decisão passe a produzir efeitos a contar da publicação do acórdão, ressalvando as ações judiciais pendentes de conclusão até o mesmo momento, nas quais se discuta: (1) a qual estado o contribuinte deve efetuar o pagamento do ITCMD, considerando a ocorrência de bitributação; e (2) a validade da cobrança desse imposto, não tendo sido pago anteriormente. Contudo, não foi acolhida a proposta de apelo ao Poder Legislativo para que supra a omissão e discipline a matéria por meio de lei complementar.

Tese

A tese de repercussão geral firmada foi a seguinte: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.

Processos relacionados
RE 851108

Fonte: INR Publicações

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