CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente, impedindo-se o registro de Escritura Pública de venda e compra, englobando cessão – Ausência de recolhimento de imposto – ITBI que é devido pela cessão e pela venda e compra – Impossibilidade de reconhecimento de inconstitucionalidade e de decadência ou prescrição pela via administrativa – Recurso desprovido.


PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1123982-06.2015.8.26.0100

Registro: 2016.0000807675

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1123982-06.2015.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são partes é apelante CLAUDINEI SALOMÃO, é apelado 14º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Por maioria de votos, negaram provimento ao recurso. Declarará voto divergente o Desembargador Ricardo Dip.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU.

São Paulo, 18 de outubro de 2016.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1123982-06.2015.8.26.0100

Apelante: Claudinei Salomão

Apelado: 14º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 29.558

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente, impedindo-se o registro de Escritura Pública de venda e compra, englobando cessão – Ausência de recolhimento de imposto – ITBI que é devido pela cessão e pela venda e compra – Impossibilidade de reconhecimento de inconstitucionalidade e de decadência ou prescrição pela via administrativa – Recurso desprovido.

Trata-se de dúvida suscitada pelo 14º Oficial do Cartório de Registro de Imóveis da Capital, sob o fundamento de que a escritura de venda e compra levada pelo interessado a registro só pode ser efetivamente registrada se forem recolhidos dois ITBI´s: pela venda e compra e pela cessão nela incluída.

A sentença recorrida entendeu corretas as exigências, ressaltando, ainda, que não cabe à instância administrativa declarar eventual prescrição ou decadência de crédito tributário.

Inconformado com a respeitável decisão, o interessado interpôs, tempestivamente, o presente recurso. Alega que a cobrança de dois ITBI`s implica bis in idem e que há decadência do crédito tributário referente à cessão. Diz, ainda, sobre a inconstitucionalidade da cobrança de ITBI sobre cessão não levada a registro.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

O recurso não comporta provimento.

Há precedentes desse Conselho Superior da Magistratura no sentido da obrigatoriedade do recolhimento do imposto, tanto da cessão quanto da adjudicação compulsória. O mesmo raciocínio estende-se à compra e venda, por escritura (pois a adjudicação visa a supri-la). Não há de seu falar em bis in idem, dado que os fatos geradores são diversos.

Leia-se o Decreto Municipal 51.267, de 13 de julho de 2010:

Art. 1º O Imposto sobre Transmissão “Inter Vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição ITBI-IV tem como fato gerador:

I a transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso: a) de bens imóveis, por natureza ou acessão física; b) de direitos reais sobre bens imóveis, exceto os de garantia e as servidões;

II a cessão, por ato oneroso, de direitos relativos à aquisição de bens imóveis.

Art. 2º Estão compreendidos na incidência do Imposto:

I a compra e venda;

IX a cessão de direitos decorrente de compromisso de compra e venda;

Veja-se o julgamento da apelação de n. 0000027-02.2010.8.26.0238, Rel. Desembargador Maurício Vidigal, onde a questão do exame de constitucionalidade também é abordada:

“É fato incontroverso nos autos a previsão contida no art. 3º, incisos V e XI, da Lei Municipal n. 003, de 1º de Fevereiro de 1989, quanto à obrigatoriedade do recolhimento de ITBI, tanto na cessão de direitos decorrente de compromisso de compra e venda, como na adjudicação.

Assim, por expressa disposição legal, cabem dois pagamentos de impostos, havendo dever legal do Oficial Registrador em fiscalizar os respectivos recolhimentos nos termos do art. 30, inc. XI, da Lei 8.935/94 e do art. 289 da Lei n.6.015/73.

Não é possível verificar a constitucionalidade de lei municipal na esfera administrativa, mas, apenas, exame da legalidade estrita.

Nestes termos, ausente o recolhimento do imposto devido em razão da adjudicação do imóvel, como previsto na referida norma do município, inviável o acesso do título ao registro imobiliário.

Há precedentes do Conselho Superior da Magistratura no mesmo sentido do ora decidido, a exemplo das Apelações Cíveis n.1.145-6/0, Rel. Des. Luiz Tâmbara, j. 16/11/2009,914-6/3, Rel. Des. Ruy Camilo, j. 14.10.2008, e365-6/7, Rel. Des. José Mário Antonio Cardinale, j. 06/12/2005.”

Da mesma maneira, é cediço que o Oficial e o Corregedor Permanente, na seara administrativa, não podem decidir sobre prescrição ou decadência tributárias, matéria de cunho jurisdicional, que demanda o contraditório, perante o juízo competente, com a participação da Fazenda Pública. Notadamente ao Oficial cabe zelar pelo recolhimento do tributo.

Nesse sentido, o voto da apelação cível de n. 1.221-6/8, cujo Relator foi o Desembargador Munhoz Soares:

“A prova do recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos”, porém, é requisito previsto nos artigos 289 da Lei nº 6.015/73 e 30, inciso XI, da Lei nº 8.935/94, e não pode ser dispensada (cf. CSM, Apelação Cível nº 579-6/3, da Comarca de Ribeirão Pires, de que foi relator o Desembargador Gilberto Passos de Freitas).

Essa exigência, por sua vez, não é afastada pela alegação de prescrição porque o procedimento de dúvida tem natureza administrativa e não se presta para sua a declaração, até porque dele não participa o credor tributário. Nesse sentido foi o v. acórdão prolatado por este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 551-6/6, da Comarca de São Bernardo do Campo, de que foi relator o Desembargador Gilberto Passos de Freitas, assim fundamentado:

‘Ademais, a prescrição e a decadência de tributos podem ser reconhecidas somente na via jurisdicional, pois extrapolam os estreitos limites deste procedimento administrativo de dúvida registrária. Assim decidiu este Conselho Superior da Magistratura nos autos da Apelação Cível nº 000.460.6/0-00, “verbis”: Registro de imóveis – Dúvida julgada improcedente – Formal de partilha – Inexistência de prova do recolhimento do imposto de transmissão “causa mortis” – Prescrição do imposto que não pode ser reconhecida neste procedimento de dúvida, de que não participa a Fazenda do Estado – Provas, ademais, insuficientes para reconhecer a inexistência de causa interruptiva ou suspensiva da prescrição – Recurso provido para julgar a dúvida procedente.

(…)

Ao oficial de registro cumpre fiscalizar o pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício, na forma do art. 289 da Lei nº 6.015/73, e dentre estes impostos se encontra o de transmissão “causa mortis”, cuja prova do recolhimento, ou isenção, deve instruir o formal de partilha.

Inexistente tal prova, correta a recusa manifestada pelo Sr. Oficial ao registro do título porque não tem, entre suas atribuições, a de reconhecer prescrição de crédito tributário. Neste sentido o seguinte trecho do v. acórdão prolatado por este C. Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 154-6/4, da Comarca de Lorena, que relatei: “O art. 289 da Lei de Registros Públicos é categórico ao estabelecer que “cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício.’

Por outro lado, não lhes compete, evidentemente, o reconhecimento de eventual prescrição de créditos tributários, matéria estranha, de todo, à atividade registrária. Cogitase de questão que só pode ser objeto de discussão e decisão em esfera própria, a qual, sem dúvida, não coincide com o restrito âmbito de atuação dos registradores”.

É inviável, ademais, o reconhecimento da prescrição neste procedimento de dúvida porque, a par da natureza administrativa, dele não participa o credor tributário que é o titular do direito cuja pretensão a apelada pretende seja declarada extinta”.

Nesses termos, pelo meu voto, à vista do exposto, nego provimento ao recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação Cível 1123982-06.2015.8.26.0100

Procedência: São Paulo

Apelante: Claudinei Salomão

Apelado: 14º Oficial do Registro de Imóveis da Comarca

VOTO DIVERGENTE (n. 42.785):

1. Da veniam, permito-me divergir da solução dada ao caso.

2. Ao desempenhar a função comunitária que lhes foi cometida, os ofícios de registro de imóveis podem ser recrutados,quodammodo, para contribuir em algumas atividades do Estado.

Não está de todo mal, pois, que se lhes haja atribuído a fiscalização do adimplemento dos tributos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício (inc. VI do art. 134 do Cód. Tributário Nacional; art. 289 da Lei n. 6.015, de 31-12-1973).

Est modus in rebus, sunt certi denique fines, entretanto. Aos registradores frise-se só há de exigir que verifiquem a existência de pagamento dos tributos que exsurjam dos atos praticados por eles, ou perante eles, no exercício de sua função, como corretamente já determina a lei. Fora daí (i.e., se ocorre extra tabulas o ato jurídico que serve de fato gerador), aos oficiaisnão cabe controle fiscal sobre exação alguma, não cabendo impor-lhes indiscriminadamente a função de coletores de tributos que de algum modo o seja venham a tanger, ainda longinquamente, os atos que praticarem.

No caso de cessão de compromisso meramente referida em escritura de compra e venda esta, sim, apresentada a registro stricto sensu , tem sido este o entendimento majoritário de nosso Conselho:

– “Centra-se a controvérsia no fato de ser ou não exigível pelo Oficial do Cartório de Registro de Imóveis a comprovação do recolhimento de imposto de transmissão incidente sobre a cessão de direitos não levada a registro. No caso dos autos o titular do domínio outorgou o título de venda e compra diretamente ao cessionário, com a anuência daquele que cedeu os direitos do compromisso de venda e compra. Está assentado que nessa hipótese não se registrará a cessão, já que a outorga da escritura pública de venda e compra diretamente ao terceiro cessionário dispensa o registro das cessões intermediárias, porque não haverá ofensa ao princípio da continuidade. Por imperativo do artigo 289 da Lei de Registros Públicos e do artigo 134, VI, do Código Tributário Nacional a responsabilidade tributária do Oficial de Registro está circunscrito ‘aos atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício’. Não há falar, pois, em dever de fiscalizar atos que não serão escriturados.” (Apel. Cív. 20.436-0/6 Rel. Des. Antonio Carlos ALVES BRAGA, j. 11.5.1995; cf. ainda, da mesma relatoria: Apel. Cív. 20.522-0/9, Apel. Cív. 20.513-0/8 e Apel. Cív. 20.512-0/3, todas as três julgadas em 20.2.1995).

– “Incumbe ao Oficial Registrador a verificação do recolhimento dos tributos que incidam sobre os atos por ele praticados, conforme determina o artigo 289 da Lei de Registros Públicos. Ao contrário, quanto aos atos que não são submetidos ao seu crivo, não tem ele obrigação de exercer tal fiscalização. Portanto, não compete ao Oficial zelar pela incidência de imposto de transmissão relativo a cessões que não ingressarão no Registro de Imóveis.” (CSM, Apel. Cív. 190-6/8 Rel. Des. JOSÉ MARIO ANTONIO CARDINALE, j. 13.10.2004)

– “Na hipótese dos autos, foi outorgada escritura de venda e compra […]. Não obstante haja menção, nessa escritura, ao instrumento particular de compromisso de compra e venda anteriormente passado […], referido instrumento particular […] não foi levado a registro, assim como tampouco foi levado a registro o instrumento particular de cessão de direitos […], igualmente referido em tal escritura. […] Não cabe ao Sr. Oficial Registrador fiscalizar o recolhimento de tributos eventualmente incidentes sobre negócios jurídicos que não tenham sido levados a registro, mas ao contrário tenham sido apenas referidos no título, como ocorre in casu. […] Quanto às cessões que não devam ser registradas está o Oficial do Cartório de Registro de Imóveis dispensado do dever legal de fiscalizar o recolhimento. Nessa questão, a qualificação registrária deve estar adstrita à verificação do recolhimento dos impostos de transmissão relativos aos atos escriturados.” (CSM, Apel. Cív. 927-6/2 Rel. Des. RUY CAMILO, j. 4.11.2008)

Não se sustenta, portanto, a exigência mantida pelo r. decisum objeto, que, pelo meu voto, é afastada, para que se proceda ao registro stricto sensu da compra e venda, como se rogara.

TERMOS EM QUE, cum magna reverentia, dou provimento à apelação, para reformar a r. sentença de origem.

É como voto.

Des. RICARDO DIP

Presidente da Seção de Direito Público (DJe de 07.12.2016 – SP)

Fonte: INR Publicações – DJE/SP | 07/12/2016.

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Recusa ao registro de hipoteca – Lei Municipal que impede a oneração do imóvel, que era público, sem autorização legislativa – Ausência de autorização – Desqualificação correta – Falta de menção à Lei Municipal que exigiu a autorização legislativa na matrícula do bem imóvel – Conhecimento da lei que se presume – Apelação desprovida.


ACÓRDÃOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 0002681-96.2015.8.26.0363

Registro: 2016.0000729874

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 0002681-96.2015.8.26.0363, da Comarca de Mogi-Mirim, em que são partes é apelante CERÂNTOLA DO BRASIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA., é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE MOGI MIRIM.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:“Negaram provimento ao recurso, v.u. Declarará voto convergente o Desembargador Ricardo Dip.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

São Paulo, 30 de setembro de 2016.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação n.º 0002681-96.2015.8.26.0363

Apelante: Cerântola do Brasil Indústria e Comércio Ltda.

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Mogi Mirim

VOTO N.º 29.543

Registro de Imóveis – Recusa ao registro de hipoteca – Lei Municipal que impede a oneração do imóvel, que era público, sem autorização legislativa – Ausência de autorização – Desqualificação correta – Falta de menção à Lei Municipal que exigiu a autorização legislativa na matrícula do bem imóvel – Conhecimento da lei que se presume – Apelação desprovida.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Cerântola do Brasil Indústria e Comércio Ltda. contra a sentença de fls. 32/33, que manteve a recusa ao pretendido registro da escritura pública de abertura de crédito com garantia hipotecária e outras avenças, tendo como credora a recorrente, como devedora Jobema Indústria e Comércio de Móveis Ltda. e como garantia o imóvel identificado na mat. n.º 39.202 do RI de Mogi Mirim.

Sustenta a apelante, nas razões de fls. 35/38, que a omissão na mat. n.º 39.202 acerca da necessidade de autorização legislativa para a constituição de hipoteca é razão suficiente a autorizar o ingresso do título apresentado, em prestígio de sua boa-fé, da segurança jurídica e do princípio da publicidade registral. Argumenta, ainda, que prescreveu qualquer pretensão à retomada do imóvel pela Municipalidade.

Recebido o recurso no duplo efeito e enviados os autos ao C. CSM, a Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer de fls. 53/54, opinou pelo desprovimento da apelação.

É o relatório.

De acordo com o r. 1 da mat. n.º 29.929 do RI de Mogi Mirim (fls. 22), o Município de Mogi Mirim, uma vez autorizado pela Lei Municipal n.º 1.371/1982 (fls. 18/20), vendeu o bem imóvel lá descrito a Stiloflex Indústria e Comércio Ltda., que ficou obrigada a destinar a área para fins industriais e a só aliená-lo mediante prévia autorização legislativa (arts. 4º e 5º da Lei Municipal n.º 1.371/1982 fls. 19).

A av. 2 da mesma matrícula dá conta de que três galpões foram construídos no bem imóvel; a av. 3, por sua vez, revela que parte do bem imóvel foi desmembrada e permutada com o Município de Mogi Mirim; o remanescente onde foram construídos os galpões, mediante autorização dada pela Lei Municipal n.º 1.880/1989, foi transferido a José Benedito de Mattos, conforme av. 4, dando origem a nova matrícula, que recebeu o n.º 39.202, com encerramento do assento original (fls. 22).

O r. 1 da mat. n.º 39.202 do RI de Mogi Mirim, sem mencionar a Lei Municipal que autorizou o negócio (art. 1º da Lei Municipal n.º 1.880/1989 fls. 17), refere-se à transferência do bem de Stiloflex Indústria e Comércio Ltda. a José Benedito de Mattos; o r. 2, também sem citar a lei autorizativa (art. 1º da Lei Municipal n.º 1.880/89 fls. 17), dá conta de que o imóvel foi incorporado ao patrimônio de Jobema Indústria e Comércio de Móveis Ltda., que, em seguida, deu-o em hipoteca em favor da Caixa Econômica Federal, consoante o r. 3, garantia essa cancelada por meio da av. 4 (fls. 21).

Pleiteia o apelante o registro na mat. n.º 39.202 de nova hipoteca, desta vez em seu favor, pretensão essa vetada tanto pelo Oficial como pelo MM Juiz Corregedor Permanente que analisou a dúvida.

E a desqualificação do título está correta.

A Lei Municipal n.º 1.371/1982, que autorizou a venda do bem imóvel aqui tratado pelo Município de Mogi Mirim a Stiloflex Indústria e Comércio Ltda., prescreve em seu art. 4º:

Artigo 4º A empresa adquirente poderá dar em garantia o imóvel para fins de financiamento na obtenção de recursos junto aos órgãos oficiais para a implantação do projeto industrial.

Parágrafo Único Á exceção do disposto no “caput” do artigo, é vedado à empresa adquirente transacionar a gleba, sem prévia autorização legislativa. (fls. 23)

Por sua vez, a Lei Municipal n.º 1.880/1989, que autorizou Stiloflex Indústria e Comércio Ltda. a ceder o imóvel em dação em pagamento a José Benedito de Mattos e a Jobema Indústria e Comércio de Móveis Ltda., estabelece em seu art. 3º:

Artigo 3º Fica mantida a destinação industrial da área objeto da presente lei; bem como todas as demais disposições da Lei nº 1.371/82; inclusive no tocante à transação.

Cabe destacar que a qualificação do título é restrita ao aspecto formal, motivo pelo qual não é atribuição do Oficial questionar e examinar a constitucionalidade das leis municipais. Assim, ainda que os atos legislativos tratem de compra e venda com encargo, incomum figura jurídica, não é dado nem ao Oficial nem à Corregedoria Geral ou Permanente analisar, no âmbito administrativo, a compatibilidade dessas leis com a Constituição.

Feita essa observação, nota-se que a hipoteca acordada na escritura pública de fls. 24/26 não podia mesmo ser registrada.

Na esteira da Lei Municipal n.º 1.371/1982, repetida na parte que aqui interessa pela Lei Municipal n.º 1.880/1989, o imóvel matriculado sob o nº 39.202 no RI de Mogi Mirim só pode ser “transacionado” com prévia autorização legislativa.

Essa autorização, a propósito, foi concedida anteriormente, por meio da Lei Municipal n.º 1.880/1989, por ocasião da dação em pagamento da área a José Benedito de Mattos e a Jobema Indústria e Comércio de Móveis Ltda.

Não tendo havido autorização legislativa para a constituição da hipoteca, correta a exigência feita pelo Oficial.

Ainda que o alcance do termo “transacionar”, utilizado no parágrafo único do art. 4º da Lei Municipal n.º 1.371/1989, possa dar margem à dúvida, a interpretação conjunta com seu caput leva à lógica conclusão de que a autorização legislativa também é necessária para fins de constituição de hipoteca.

Com efeito, o caput do art. 4º abre uma única exceção à regra de exigência de autorização legislativa: dação em garantia do bem imóvel para fins de obtenção de recursos junto a órgãos oficiais com vistas à implantação do projeto industrial.

Por se enquadrar então nessa exceção, o título contemplando a hipoteca registrada sob nº 3 na mat. nº 39.202 foi qualificado positivamente. Tratava-se de hipoteca constituída com o fim de obtenção de recursos de órgão oficial, no caso,a Caixa Econômica Federal.

Já no caso do título em exame, a qualificação foi negativa porque a apelante de modo algum pode ser tida como órgão oficial.

Para defender o ingresso do título mesmo sem a autorização legislativa, a recorrente destaca a omissão na mat. n.º 39.202 a respeito das restrições impostas pelas Leis Municipais n.ºs 1.371/1982 e 1.880/1989.

Assim, portanto, pelo seu entendimento, a falta de textual menção no assento registral aos atos legislativos municipais impediria a desqualificação do título, pois o registro imobiliário tem por função principal tornar públicas as informações relevantes sobre os imóveis.

De fato, a mat. n.º 39.202 do RI de Mogi Mirim não menciona as leis municipais que exigem autorização legislativa para a alienação ou oneração do bem imóvel. Entretanto, embora recomendável que a matrícula trouxesse tal informação, o lapso não tem o condão de tornar inócuas as leis que reclamam, como requisito de validade, a prévia autorização legislativa.

Isso porque, segundo a regra do art. 3º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”. A despeito de ser uma ficção jurídica, trata-se de princípio fundamental para a preservação da ordem e para o bom funcionamento da sociedade.

Desse modo, a falha na matrícula não é motivo que, por si só, justifique o ingresso do título recusado pelo Oficial.

Ademais, não se pode esquecer que a mat. n.º 39.202, lacunosa em relação às leis municipais, teve sua origem na mat. 29.929, também do RI de Mogi Mirim, no bojo da qual as duas leis municipais e a necessidade de autorização legislativa são mencionadas.

Note-se, ainda, que a mat. n.º 39.202 faz expressa referência ao fato de que sua origem decorre do encerramento da mat. n.º 29.929.

Daí conclui-se que, malgrado a informação não conste da mat. n.º 39.202, havia possibilidade da recorrente ter ciência da restrição imposta pelas leis municipais.

Em arremate, qualquer discussão a respeito da prescrição agitada (em recurso apenas) pela recorrente é irrelevante, especialmente nessa seara administrativa, para definir a potência registral da escritura pública de abertura de crédito com garantia hipotecária e outras avenças.

Posto isto, nego provimento à apelação.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação Cível 0002681-96.2015.8.26.0363

Procedência: Mogi Mirim

Apelante: Cerântola do Brasil Indústria e Comércio Ltda.

Apelado: Oficial do Registro de Imóveis da Comarca

VOTO CONVERGENTE (n. 42.780):

1. Como já houve oportunidade de dizer em caso análogo (cf. autos 0002682-81.2015), é princípio do registro de imóveis o da legalidade, a cujo controle se obriga o registrador, submetido que se acha à integralidade do ordenamento normativo posto.

2. Desse modo, ainda que, no caso, fosse de supor – datum, neque concessum – padecer de omissão a matriz do imóvel objeto, por nela não se enunciar a necessidade de autorização legislativa para constituir-se hipoteca relativa a prédio matriculado, isto não levaria a superar o óbice ao registro da versada garantia, exatamente porque o registrador público deve observar a inteireza da legalidade.

3. Calha, de toda a sorte, que não era obrigatória a inscrição matricial dos termos das Leis ns. 1.371/1982 e 1.880/1989, de Mogi Mirim, pois ressalvada a hipótese de expressa imperação legal em contrário (p.ex., a que se refere à hipoteca legal: n. 2 do inc. I do art. 167 da Lei n. 6.015, de 31-12-1973)- , a publicidade ex lege tem o mesmo efeito presuntivo (ou ficcional) da publicidade registrária.

Sequer parece mesmo ser conveniente que o registro tenda à praxis de inscrever matéria objeto de publicidade secundum legem, salvo haja determinação legal em contrário. Já porque isto conspiraria contra as exigências econômicas de tempo, gastos, esforços e espaço na matrícula (da qual se reclama visualidade gráfica). Já porque seria inviável que, na quase infinda indicação de requisitos e condições expressas nas leis, o registro dificilmente seria integral. Já porque o excesso, na registração, é causa frequente de nulidade.

4. Por derradeiro, bem observou o r. voto de relação não ser da competência do registrador “questionar a constitucionalidade das leis municipais”. Aliás, não lhe é da competência arguir inconstitucionalidade alguma de normas ou atos normativos.

Com efeito, no domínio administrativo, a recusa da observância de norma por incompatibilidade vertical é dacompetência privativa do Chefe do Poder (em nosso caso, do Presidente de nosso Tribunal de Justiça), com incontinenti adoção de medidas para que, em via jurisdicional, venha a declarar-se a inconstitucionalidade agitada.

No território administrativo que inclui a jurisdição administrativa –, entender que todo e qualquer agente possa recusar, por aventada inconstitucionalidade, a observância da normativa, é admitir, no fim e ao cabo, o caos burocrático e a instauração da insegurança jurídica.

TERMOS EM QUE, nego provimento à apelação, acompanhando o correto r. voto de relatoria.

Des. RICARDO DIP

Presidente da Seção de Direito Público (DJe de 25.11.2016 – SP)

Fonte: INR Publicações – DJE/SP | 29/11/2016.

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