Artigo: Provimento nº 304/CGJ/2015 – A desnecessidade de apresentar certidões de feitos ajuizados na lavratura de escritura pública – Por Izabella Maria de Rezende Oliveira

* Izabella Maria de Rezende Oliveira

A Corregedoria-Geral de Justiça mineira deixou de exigir como requisito obrigatório para a lavratura de escrituras públicas relativas à alienação ou à oneração de bens imóveis a apresentação da certidão de feitos ajuizados“.

A Lei nº 7.433, de 18 de dezembro de 1985 (dispõe sobre os requisitos para a lavratura de escritura pública), sofreu, recentemente, alteração significativa no parágrafo 2º do artigo 1º, através da Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015.

A redação revogada apresentava a seguinte dicção:

“Art 1º – Na lavratura de atos notariais, inclusive os relativos a imóveis, além dos documentos de identificação das partes, somente serão apresentados os documentos expressamente determinados nesta Lei.

(…)

§ 2º – O Tabelião consignará no ato notarial, a apresentação do documento comprobatório do pagamento do Imposto de Transmissão inter vivos, as certidões fiscais, feitos ajuizados, e ônus reais, ficando dispensada sua transcrição.

(…)”

A nova redação entrou em vigor 30 dias após a publicação da Lei nº 13.097, de 2015, ou seja, no dia 18 de fevereiro de 2015. Assim, desta data em diante a redação do parágrafo 2º do artigo 1º passou a ter a seguinte articulação:

“Art 1º – Na lavratura de atos notariais, inclusive os relativos a imóveis, além dos documentos de identificação das partes, somente serão apresentados os documentos expressamente determinados nesta Lei.

(…)

§ 2º  O Tabelião consignará no ato notarial a apresentação do documento comprobatório do pagamento do Imposto de Transmissão inter vivos, as certidões fiscais e as certidões de propriedade e de ônus reais, ficando dispensada sua transcrição.

(…)”

Partindo para a análise do texto legal, o sobredito dispositivo relaciona o rol de documentos que serão apresentados ao tabelião para fins da prática do ato notarial. Logo, é obrigação funcional do notário exigir a apresentação dos documentos elencados nos preceitos legais.

Anteriormente exigia-se a apresentação dos seguintes documentos: comprovante do pagamento do Imposto de Transmissão inter vivos, as certidões fiscais, certidões de feitos ajuizados e certidões de ônus reais. Com a nova redação, o legislador eliminou do rol a certidão de feitos ajuizados. Assim, em suma, extirpou-se do ordenamento jurídico brasileiro a exigência da apresentação de certidão de feitos ajuizados para fins de lavratura de escritura pública.

Desta maneira, com o advento da Lei nº 13.097, de 2015, o notário não está mais obrigado a exigir a apresentação da certidão de feitos ajuizados.

Em âmbito estadual, o Provimento nº 260/CGJ/2013 (Codifica os atos normativos da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais relativos aos serviços notarias e de registro) normatizou a presente temática no inciso V, do artigo 160, in verbis:

“Art. 160. São requisitos documentais inerentes à regularidade de escritura pública que implique transferência de domínio ou de direitos relativamente a imóvel, bem assim como constituição de ônus reais:

I – apresentação de comprovante de pagamento do imposto de transmissão, havendo incidência, salvo quando a lei autorizar o recolhimento após a lavratura, fazendo-se, nesse caso, expressa menção ao respectivo dispositivo legal;

II – apresentação de certidão fiscal expedida pelo município ou pela União ou comprovante de quitação dos tributos que incidam sobre o imóvel;

III – apresentação da certidão atualizada de inteiro teor da matrícula ou do registro imobiliário antecedente em nome do(s) transmitente(s), salvo nesta última hipótese nos casos de transmissão sucessiva realizada na mesma data pelo mesmo tabelião;

IV – apresentação de certidão de ônus reais, assim como certidão de ações reais ou de ações pessoais reipersecutórias relativamente ao imóvel, expedidas pelo Ofício de Registro de Imóveis competente, cujo prazo de eficácia, para esse fim, será de 30 (trinta) dias;

V – apresentação das certidões de feitos ajuizados expedidas pela Justiça Federal, pela Justiça Estadual e pela Justiça do Trabalho em nome do transmitente ou onerante, provindas do seu domicílio e da sede do imóvel, quando diversa, ou a expressa dispensa pelo adquirente ou credor da apresentação das referidas certidões, ciente dos riscos inerentes à dispensa, o que deve ser consignado em destaque na escritura;

VI – apresentação da certidão de débitos trabalhistas, expedida por meio do sítio eletrônico do Tribunal Superior do Trabalho – TST ou expressa declaração, consignada na escritura, de que as partes envolvidas estão cientes da possibilidade de sua obtenção.

§ 1º A apresentação da certidão fiscal expedida pelo município, exigida nos termos do inciso II, primeira parte, deste artigo, pode ser dispensada pelo adquirente, que, neste caso, passa a responder, nos termos da lei, pelos débitos fiscais acaso existentes.

§ 2º A apresentação das certidões a que se referem os incisos IV a VI deste artigo não exime o alienante ou onerante da obrigação de declarar na escritura, sob responsabilidade civil e penal, a existência de outras ações reais ou pessoais reipersecutórias relativas ao imóvel, assim como de outros ônus reais incidentes sobre ele.

§ 3º As certidões de feitos ajuizados poderão ser obtidas por meio eletrônico perante os tribunais que disponibilizarem a funcionalidade.” (grifo meu)

Destarte, o notário estava obrigado a exigir a apresentação das certidões de feitos ajuizados ou fazer constar a expressa dispensa das mesmas pelo adquirente. Contudo, observa-se que tal redação divergia da nova disposição da legislação federal. Assim, a fim de adequar as disposições contidas no Provimento nº 260/CGJ/2013 às leis vigentes, a Corregedoria-Geral de Justiça publicou em 27 de julho de 2015 o Provimento nº 304/CGJ/2015, o qual altera substancialmente o Provimento nº 260/CGJ/2013, especificamente no artigo 160, veja:

“Art. 160. São requisitos documentais inerentes à regularidade de escritura pública que implique transferência de domínio ou de direitos relativamente a imóvel, bem assim como constituição de ônus reais:

I – apresentação de comprovante de pagamento do imposto de transmissão, havendo incidência, salvo quando a lei autorizar o recolhimento após a lavratura, fazendo-se, nesse caso, expressa menção ao respectivo dispositivo legal;

II – apresentação de certidão fiscal expedida pelo município ou pela União ou comprovante de quitação dos tributos que incidam sobre o imóvel;

III – apresentação da certidão atualizada de inteiro teor da matrícula ou do registro imobiliário antecedente em nome do(s) transmitente(s), salvo nesta última hipótese nos casos de transmissão sucessiva realizada na mesma data pelo mesmo tabelião;

IV – apresentação de certidão de ônus reais, assim como certidão de ações reais ou de ações pessoais reipersecutórias relativamente ao imóvel, expedidas pelo Ofício de Registro de Imóveis competente, cujo prazo de eficácia, para esse fim, será de 30 (trinta) dias;

V – apresentação das certidões de feitos ajuizados expedidas pela Justiça Federal, pela Justiça Estadual e pela Justiça do Trabalho em nome do transmitente ou onerante, provindas do seu domicílio e da sede do imóvel, quando diversa, ou a expressa dispensa pelo adquirente ou credor da apresentação das referidas certidões, ciente dos riscos inerentes à dispensa, o que deve ser consignado em destaque na escritura; (Revogado pelo Provimento nº 304/CGJ/2015)

VI – apresentação da certidão de débitos trabalhistas, expedida por meio do sítio eletrônico do Tribunal Superior do Trabalho – TST ou expressa declaração, consignada na escritura, de que as partes envolvidas estão cientes da possibilidade de sua obtenção. (Revogado pelo Provimento nº 304/CGJ/2015)

§ 1º A apresentação da certidão fiscal expedida pelo município, exigida nos termos do inciso II, primeira parte, deste artigo, pode ser dispensada pelo adquirente, que, neste caso, passa a responder, nos termos da lei, pelos débitos fiscais acaso existentes.

§ 2º A apresentação das certidões a que se refere o inciso IV deste artigo não exime o alienante ou onerante da obrigação de declarar na escritura, sob responsabilidade civil e penal, a existência de outras ações reais ou pessoais reipersecutórias relativas ao imóvel, assim como de outros ônus reais incidentes sobre ele. (Redação dada pelo Provimento nº 304/CGJ/2015)

§ 3º É dispensada a exigência de apresentação de certidões dos distribuidores judiciais para a lavratura de escrituras relativas à alienação ou oneração de bens imóveis. (Redação dada pelo Provimento nº 304/CGJ/2015)

§ 5º1  O tabelião de notas deverá orientar sobre a possibilidade de obtenção das certidões mencionadas no § 3º deste artigo para a maior segurança do negócio jurídico.” (Incluído pelo Provimento nº 260/CGJ/2013)

Logo, do dia 27 de julho de 2015 em diante, data que entrou em vigor o Provimento nº 304/CGJ/2015, a certidão de feitos ajuizados deixou de ser requisito obrigatório para a lavratura de escritura pública. Todavia, objetivando assegurar maior segurança ao negócio jurídico, previu-se a necessidade do tabelião de notas orientar as partes sobre a possibilidade de obtenção das certidões de feitos ajuizados.

Por fim, cumpre esclarecer que a Lei nº 13.097, de 2015, é uma lei complexa e multidisciplinar, assim, dentre tantos outros assuntos, ela também cuidou de concentrar os atos na matrícula do imóvel, e esse é o sustentáculo da extirpação da certidão de feitos ajuizados para a lavratura de escritura pública. Assim, ficarão concentradas na matrícula do imóvel todas as ocorrências relevantes que sejam do interesse de eventuais compradores.

Em resumo, esse foi o teor do novel Provimento nº 304/CGJ/2015 que altera o Provimento nº 260/CGJ/2013. Desta maneira, como reflexo das alterações calhadas na Lei nº 7.433, de 1985, a Corregedoria-Geral de Justiça mineira deixou de exigir como requisito obrigatório para a lavratura de escrituras públicas relativas à alienação ou à oneração de bens imóveis a apresentação da certidão de feitos ajuizados. Mas acresceu a necessidade do tabelião orientar as partes quanto à possibilidade de obtenção das certidões de feitos ajuizados.

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1 Consta a presente incorreção no Provimento nº 304/CGJ/2015. Não se trata de §5º e sim §4º.

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* Izabella Maria de Rezende Oliveira é advogada do Sindicato dos Oficiais de Registro Civil  das Pessoas Naturais do Estado de Minas Gerais – RECIVIL.

Fonte: Recivil | 10/08/2015.

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Artigo: Ministério Público e os cartórios paulistas – Por Marco Antonio de Oliveira Camargo

* Marco Antonio de Oliveira Camargo

No início do mês de julho de 2015 entrou em vigor a Lei Estadual Paulista de nº 15.855, de 2 de julho de 2015 (1), que alterando a Lei de Custas do Serviço de Notas e de Registro, sem alterar o custo final dos serviços prestados pelos cartórios, obteve a “mágica da criação” de uma fonte importante de receita para o Ministério Público do Estado de São Paulo. Com o início de vigência da nova Lei, 3% dos valores arrecadados pelos cartórios serão destinados ao Fundo Especial de Despesa do Ministério Público do Estado de São Paulo como decorrência da fiscalização dos serviços (justificativa constante do próprio texto legal).

O surgimento de um novo beneficiário da renda gerada pela atividade dos serviços notariais e registrais não foi bem compreendido e aceito por alguns cidadãos e colegas de outros estados. Muitos não conseguiram, assim de pronto, entender ou aceitar passivamente uma novidade tão surpreendente. Afinal de contas não é muito intuitiva ou evidente a relação entre a receita auferida pelos serviços de registro e tabelionatos e o custeio da prestação de serviços pelo Ministério Público estadual, ou ainda o fato de que a atividade de fiscalização do serviço público delegado deva ser remunerada por uma fração do custo do serviço.

Não é objetivo do autor analisar o mérito da iniciativa. O que se busca nestas linhas é apenas explicar o fato que tornou possível a existência deste Fundo Especial de Despesa do Ministério Público, que tem potencial para arrecadar uma quantia significativa de recursos para a instituição e que, ao mesmo tempo, não causou nenhuma redução nos rendimentos líquidos do notário e do registrador e tampouco significou aumento de custo para o usuário do serviço;  situação muito diferente da que ocorreu recentemente, quando se iniciou a cobrança de ISS municipal.

O feito parece mesmo uma mágica econômica (2). Entretanto, o inteligente leitor sabe que dinheiro não aparece do nada e que de algum lugar ele deve sair.

A origem dos recursos que vai alimentar o fundo criado está na redução proporcional dos valores que seriam destinados ao pagamento futuro da (merecida) aposentadoria dos titulares e prepostos que atuam nos cartórios do estado.

Em outras palavras: o recurso que irá para o Ministério Público é aquele que deixará de ser encaminhado ao IPESP (Instituto de Pagamentos Especiais do Estado de São Paulo, instituição que até recentemente tinha outra denominação: Instituto de Previdência do Estado de São Paulo).

Conclui-se então que seria preocupante e injusto reduzir o valor da  poupança previdenciária destinada à futuras aposentadorias e pensão. A história deste país e de muitos outros ensina que cometer, no presente, tal imprevidência é receita certa para problema no futuro.

Mas também nesta conclusão apresada reside um engano.

Na verdade não é mágica e nem imprevidente esta interessante alteração no regimento de custas do Estado de São Paulo. Ela é mesmo muito justa. Seria apenas uma questão de tempo para que ela necessariamente viesse a ocorrer.

A justificação de tal afirmação pode ser encontrada  na Lei 8935/1994.Trata-se do dispositivo, que alguns, com certa graça e ironia, denominam  LEONOR (Lei dos Notarios e Registradores). É esta lei, editada no longínquo ano de 1994, que deu início ao desequilíbrio que agora começa a ser revisto.

No Estado de São Paulo, até a edição desta lei que regulamentou o artigo 236 da Constituição Federal, os titulares e trabalhadores nos cartórios do Estado deveriam obrigatoriamente se inscrever em uma “Carteira das Serventias”, órgão vinculado ao IPESP -Instituto de Previdência mantido pelo Poder Público Estadual e que, entretanto, dele era independente em suas fontes de receita e obrigações previdenciárias.

Se, por um lado, as receitas do IPESP, cujo objetivo era a previdência social dos funcionários públicos do Estado de São Paulo, eram provenientes do tesouro estadual e das contribuições individuais dos próprios funcionários públicos. Por outro lado, as receitas da Carteira das Serventias Extrajudiciais tinha como fonte, além das contribuições individuais os titulares e seus prepostos, uma fração do custo total de cada serviço realizado nos cartórios do Estado.(3)

Neste ponto, mostra-se oportuna, a realização de um  pequeno esclarecimento: é plenamente justificável que o empregador seja ao menos parcialmente responsável pela formação de uma reserva para o pagamento do futuro beneficio previdenciário, de aposentadoria ou pensão, do trabalhador que lhe presta serviços.

A mesma regra deve ser utilizada em relação aos serviços prestados pelos cartórios de notas e de registro.

O cidadão que usa dos serviços dos cartórios e por eles paga um valor, conforme definido em lei, se coloca em situação análoga ao de um empregador em relação a seu empregado. Portanto, justo que ele contribua com a acumulação de recursos para a futura aposentadoria de quem está a lhe prestar serviços.

Ressalva feita, retome-se ao tema principal.

A citada lei 8935/94, motivada pela inteligência do dispositivo constitucional, veio modificar radicalmente a ordem de coisas anteriormente vigente.

Com a sua edição não mais se admitiu aos titulares e prepostos do serviço público delegado (cartórios), a vinculação ao mesmo sistema previdenciário destinado aos funcionários públicos em geral, respeitado apenas, como de rigor, o direito adquirido de, em tal sistema permanecer, apenas aqueles que ali já estivessem regularmente inscritos quando da edição da nova lei.

Com o início da vigência da lei 8935/94, tornou-se obrigatória para todos  os novos titulares e prepostos, a vinculação à Previdência Social convencional, o que, como acima citado, deu causa a uma profunda alteração naquela situação de coisas.

Passados mais de vinte anos, sem qualquer nova inscrição e mantida em sua integralidade a  principal fonte de receita daquela Carteira de Previdência, é evidente que a sua situação financeira e atuarial foi modificada.

As pessoas morrem. Um número significativo de vinculados ao sistema, pelo mais diversos motivos de ordem pessoal, optam por se desligar do instituto.

Então, se a receita vem aumentando continuamente e as obrigações, presentes e futuras, estão diminuindo paulatinamente, é evidente que o fiel da balança vai começar a pender para um dos lados.

A realidade aponta claramente  no sentido que o desequilíbrio tende para o superávit. As receitas  crescendo continuamente e as despesas a diminuir cada dia. Diante destes fatos, a conclusão que se impõe é que o recolhimento dos cartórios do estado de São Paulo ao IPESP era mesmo excessivo e deveria ser reduzido paulatinamente até chegar o momento em que venha a ser desnecessário e, portanto, abolido do sistema.

O fato é que a grande maioria dos cartórios do Estado de São Paulo não possui mais nenhuma pessoa vinculada ao sistema previdenciário mantido pelo IPESP e mesmo assim,  com seu trabalho e ocupação  produz renda significativa para um sistema previdenciário que não haverá de beneficiar em nada o seu titular ou qualquer de seus colaboradores.

Sob a responsabilidade do Instituto de Pagamentos Especiais – sucessor legal da carteira das Serventias Extrajudiciais do IPESP – existem milhares de pessoas cujo direito adquirido ao recebimento de benefícios previdenciários deverá ser garantido pela sociedade. Trata-se de uma responsabilidade que não pode ser ignorada pela atual e futuras gerações.

Entretanto, é igualmente verdadeiro que este sistema está em vias de extinção. Ele haverá de se encerrar quando falecer a última pessoa que possua direito adquirido a dele se beneficiar.

Portanto, se recolhia-se demais a um sistema claramente superavitário, justo seria modificar o modelo do recolhimento, reduzindo o excesso do recolhimento feito.

Opção simples seria apenas promover a correspondente redução do custo final do serviço, entretanto, optou-se pela criação deste novo Fundo Especial.

A lei, em um passe de mágica (ou em um golpe de mestre, se assim se preferir definir a situação), conseguiu o que não parecia ser matematicamente possível: conseguiu receita adicional para a manutenção de um serviço público de alta relevância para a sociedade, sem prejudicar a receita dos cartórios do Estado e sem onerar ainda mais o cidadão.

A lei de custas, com sua redação anterior, determinava que ao IPESP seria destinada uma fração percentual equivalente 13,157894%  do preço total dos serviços praticados pelos cartórios de notas e de registro  (com referência aos atos especificamente praticados pelo Registro Civil de Pessoas Naturais a fração devida, que em relação ao total dos emolumentos, era diferente, não sofreu alteração); a lei publicada em 03 de julho de 2015 (com vigência na data de sua publicação) reduziu este percentual a9,157894%.

Uma ressalva final: se a opção do legislador estadual, em reduzir o recolhimento ao IPESP, era mesmo justificada, a solução escolhida, embora justificável e muito benéfica ao Ministério Público do Estado, não era a única possível:  o legislador poderia ter optado por simplesmente reduzir,  em benefício do cidadão/usuário, o custo total do serviço.

___________
Notas

(1) O inteiro teor da nova lei pode ser conferido no site da ARPEN SP

http://www.arpensp.org.br/?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=MjgyNDE=&filtro=1

(2) A recente modificação na distribuição dos emolumentos, além da criação deste Fundo Especial de Despesas do Ministério Publico, aumentou de 3,289473% para  4,289473% a fração destinada ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justição do Estado, esta alteração igualmente não resultou em alteração do custo final a ser pago pelo usuário

(3) A título de exemplo, o autor relembra a situação existente no ano de 1985 (ano em que iniciou sua carreira, em cartório de registro imobiliário), para a prestação de um serviço com o custo final total, para o usuário, de Cr$148,00, apenas Cr$100,00  eram destinados ao cartório, R$27,00 deveria ser repassado ao Tesouro do Estado, R$20,00 para a citada carteira do IPESP e R$1,00 à Associação dos Magistrados do Estado.

Fonte: Notariado | 07/08/2015.

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Artigo: A alteração de registro civil para os transexuais – Por Layany Ramalho Lopes Silva

* Layany Ramalho Lopes Silva

Uma das formas de apreciar o Direito está relacionada à sua evolução, na sua capacidade de aderência ao fato, na sua interpretação adequada aos momentos.

Certo estava Miguel Reale com sua Teoria Tridimensional do Direito, ao considerar um conjunto de fatores para a aplicação da lei. O sistema jurídico é formado por fatores que dão sustentação ao e começam por uma realidade jurídica – a norma. No entanto, a norma é aplicada aos fatos observados na sociedade. Mas, de que adiantaria a simples aplicação da norma ao fato, se a interpretação não estivesse adequada ao momento, aos valores da sociedade? A conjugação proposta por Reale pressupõe uma constante comunicação entre os fatos e os valores buscados pela sociedade, que originam e se relacionam com o aspecto normativo, ou seja, o de ordenamento do Direito. Enfim, os três fatores – Fato, Valor e Norma – se comunicam o tempo todo, relacionando-se e se complementando, fazendo com que o Direito seja uma ciência viva e em constante evolução.

Em sendo assim, adentramos num campo para muitos considerado minado que é o direito à retificação de registro para os transexuais.  Nossa Constituição Federal determina que constitui fundamento da República Federal do a dignidade da pessoa humana. Assim a identificação sexual, direito da personalidade, é intransmissível e irrenunciável e não pode ser objeto de ameaça ou lesão conforme o artigo 11 e seguintes do Código Civil.

Ainda com todo este arcabouço jurídico que visa à proteção das pessoas, alguns grupos são excluídos do convívio social, sofrendo abusos de toda sorte e sendo vítimas de preconceito. Alguns assuntos são tratados com intolerância por parte da sociedade e dentre eles um dos mais prejudicados é o relativo à mudança de sexo. Segundo Berenice Bento: “A sociedade estabelece modelos muito rígidos, nos quais o mundo é dividido entre homens e mulheres.” Se a pessoa não se encaixa em uma dessas categorias, está sujeita à exclusão social. Os transexuais, pessoas que se sujeitaram à alteração sexual, estão sujeitos a estas intempéries. “São pessoas que passam por grande drama existencial, muitos sequer conseguem tocar na genitália e outros chegam a cometer a mutilação.”

As pessoas se chocam enormemente quando se deparam com aqueles que se submetem a cirurgia modificadora de sexo. A lei não impõe discriminação, mais alguns valores morais e éticos ultrapassados da sociedade tem o condão de segregar e constranger os indivíduos chamados de transexuais.

A saída para as pessoas, que o sexo físico não corresponde ao psíquico, seria inicialmente um tratamento psíquico para adequação aos seus atributos físicos. Todavia em grande parcela dos casos, isto não resolve e o caminho é a alteração do físico por meio da cirurgia que é complexa e cara, mas que pode ser custeada pelo Sistema Único de Saúde.

Após o calvário para conseguir a realização da cirurgia estas pessoas necessitam passar por um novo transtorno que o de conseguir a alteração do prenome e a mudança de sexo no Registro Civil.

Os transexuais após a cirurgia e alguns antes mesmo dela, têm de ingressar no Judiciário com uma ação, para após um longo processo, ter sua pretensão deferida. Ocorre que caso o julgador seja menos conservador há o deferimento mais em muitos casos é necessário ainda em grau recursal que o Tribunal de Justiça do estado do transexual reforme a decisão. Indaga-se o motivo pelo qual o Estado brasileiro opõe tantas barreiras a esse grupo da sociedade. Fala-se em dignidade da pessoa humana, de inclusão, mas o que mais se encontra são óbices no sentido de incluir estas pessoas no convívio social e digno.

O sonho de qualquer pessoa que tem o sexo psíquico distinto do físico é a de encontrar a adequação entre os dois. Isso é alcançado por meio da cirurgia transformadora, todavia após ela surge o novo problema. O único meio de se conseguir a alteração do sexo e do prenome no Registro Civil é por meio de autorização judicial.

A doutrina e a jurisprudência tem tentado dar uma interpretação mais liberal ao artigo 58 da Lei n 6015/73 que é a Lei de Registros Públicos, sob os fundamentos da dignidade da pessoa humana, de que a cirurgia não tem caráter mutilador, mas sim corretivo e que o direito ao próprio corpo é direito da personalidade, o que faculta ao transexual o direito de buscar o seu equilíbrio psicofísico.

A cirurgia de transgenitalização é uma realidade. Aprovada inclusive pelo Conselho Federal de Medicina. Mudar o sexo e o prenome no Registro Civil são consequências lógicas. Assim muitos julgados têm sido prolatados favoravelmente à mudança. Há precedente inclusive no Superior Tribunal de Justiça. O STJ homologou sentença estrangeira que concedeu alteração do sexo e do prenome no Registro Civil, proferida pelo Tribunal de Busto Arsizio, da República Italiana.

No que tange ao Poder Judiciário este vem permitindo que o Direito acompanhe a evolução da sociedade e se adeque a realidade atual, seja em decisões proferidas em primeiro grau ou em segundo grau de jurisdição.

No que se refere ao poder legislativo há projeto de Lei que visa à alteração do art. 58 da Lei de Registros. É o projeto nº 70/1995 que foi acertadamente aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça com algumas ressalvas. O projeto originário previa que no Registro Civil e documento de idade deveriam constar que a pessoa era transexual. Ora permaneceriam aí todos, senão maiores, transtornos para a pessoa. Seria ela ridicularizada ao longo de toda a vida, sendo que buscou a alteração do Registro justamente para alcançar a dignidade da pessoa humana. Desta forma a Comissão de Constituição e Justiça, sabiamente e com muito bom senso alterou tal dispositivo do projeto. Junto a este projeto foram apensados os projetos nº 3727/1997, 5872/2005 e 6655/2006 que tratam dos mesmos temas.

Alguns membros do legislativo se mostram favoráveis à aprovação, outros se mostram contrários e alegam que a alteração do sexo e do prenome sem a identificação de transexual poderá acarretar prejuízos a terceiros com quem ele se relacionar. Questiona-se aqui, quais seriam estes prejuízos? No que se refere ao casamento, à omissão do transexual, quando a sua condição de operado, acarretaria a anulação, sob o fundamento de erro essencial quanto à pessoa conforme previsão do art. 1556 do Código Civil. Assim também a união estável poderia ser desfeita sob o mesmo fundamento.

No presente artigo, alertamos que o que não podem os legisladores é criar um “terceiro sexo”, rotulando as pessoas em seus documentos, de transexual.

Debate-se muito atualmente também a possibilidade de modificação de sexo e prenome no Registro Civil daqueles que não se submeteram ao procedimento cirúrgico. Alguns julgadores têm entendido por esta possibilidade.

Neste pormenor, data máxima vênia, não podemos compartilhar dessa opinião favorável. Em que pese uma pessoa se sentir psicologicamente diferente de sua condição fisiológica, é esta a condição que deve constar nos seus assentos até que seja feita a cirurgia, marco identificador maior para o processo de adequação do sexo biológico ao sexo psicossocial.

Conclui-se que é inegável a constatação de que a sexualidade humana não se restringe ao aspecto biológico, mas sim da interação entre este, o psíquico e o comportamental. Quando não se amoldam a mente ao corpo, a única saída é a mudança de sexo. Assim se alterado o sexo biológico não faz sentido que o sexo civil continue o mesmo. Por outro lado, a mudança do sexo civil, implica necessariamente a alteração do prenome.

Assim, faz-se necessário um maior empenho por parte dos legisladores no que tange à aprovação de leis que permitam e facilitem a alteração do sexo e do prenome para aqueles que se submeteram ao procedimento cirúrgico. Louvável o projeto de Lei nº 70/1995,todavia  apesar de passadas duas décadas ainda não foi aprovado.

Apesar de os transexuais, não precisarem aguardar a alteração da lei, posto que identificação sexual é direito da personalidade e já possui salvaguarda no direito pátrio e a autorização de mudança é uma tendência do Judiciário, é de suma importância que o Direito positivado brasileiro evolua no sentido de acompanhar a evolução social. A palavra de ordem nesta seara é ação, leia-se movimento, por parte dos legisladores.

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* Layany Ramalho Lopes Silva, advogada e servidora pública estadual na Secretaria Estadual de Saúde.

Fonte: Diário da Manhã – Opinião Pública | 30/07/2015.

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