Artigo: A anotação do novo casamento no assento do casamento anterior: Possibilidade de aviltar a dignidade da pessoa humana e acarretar onerosidade ao usuário. – Por Maria Luzia da Fonseca

* Maria Luzia da Fonseca

Quando se fala em anotação, fala-se em ato praticado de ofício pelo registrador, por força dos artigos 106 a 108 da Lei dos Registros Públicos (Lei 6.015/1973), a qual tem por objetivo integrar o sistema da publicidade registral em relação aos atos da vida civil da pessoa natural. Ela não altera o assento, apenas informa a ocorrência da prática de um ato posterior, relacionado com a pessoa que figura no registro.

A anotação deve ser feita – ou expedido comunicado ao oficial do registro primitivo no caso de ser de outra serventia – quando são lavrados determinados registros (casamento, óbito, emancipação, interdição, ausência ou morte presumida) ou feitas determinadas averbações (sentença de nulidade ou anulação de casamento, separação, divórcio), conforme determina o artigo 106 da LRP.

Dentre as anotações – feitas de ofício ou por meio de comunicados –, a anotação do novo casamento é o objeto desta reflexão.

Nosso sistema registral é regido pela Lei 6.015, de 1973, a qual teve três anos de vacatio legis, por ter introduzido profundas alterações no ordenamento jurídico. Quando entrou em vigor ainda convivíamos o instituto do desquite, pois o divórcio só foi institucionalizado com o advento da Lei 6.515, de dezembro de 1977. Antes do divórcio, as anotações à margem do termo de casamento se resumiam a eventual interdição ou ausência de um ou de ambos os cônjuges, ao óbito e o novo casamento do viúvo.

O sistema foi idealizado para uma época em que o novo casamento só era possível em caso de declaração de nulidade ou de anulação por sentença judicial, ou de viuvez, quando então o vínculo conjugal era rompido.

Há de se considerar que certidão do registro civil (de nascimento ou casamento) é o documento mais importante para a pessoa, pois dá suporte à emissão de todos os demais. Assim, o cônjuge supérstite, enquanto conservava a condição de viúvo, utilizava a certidão do casamento com a anotação do óbito.

Nossa realidade, todavia, em virtude do divórcio, é outra: a multiplicidade de casamentos – e com a Emenda Constitucional 66/2010 ficou ainda mais célere romper o vínculo matrimonial –, pois é da natureza humana a busca pela felicidade. Aqui surge a primeira questão.

Desfeito o vínculo conjugal pelo divórcio os ex-cônjuges compartilham o mesmo documento, qual seja: a certidão do casamento com a averbação do divórcio até que, querendo, contraiam novas núpcias.

Quando se registra o casamento de uma pessoa divorciada o Oficial deve anotar (ou expedir comunicado) o novo casamento à margem do assento de casamento anterior. Esta anotação trás a informação de que aquela pessoa não ostenta mais o estado civil de divorciada, amarrando desta forma o sistema em relação ao que se casou.

Mas o ex-cônjuge enquanto não contrair novas núpcias (e depende do querer) terá que utilizar como documento pessoal a certidão do casamento desfeito. E, na práxis registral, ao se anotar o novo casamento, é incluído o nome da pessoa com quem o divorciado se casou. Aqui tem início o burburinho!

Vejamos: para aquele que se casou o documento passa a ser a certidão do novo casamento. Mas a pessoa que conserva a condição de divorciada tem que usar como documento pessoal a certidão do casamento desfeito, com a respectiva averbação do divórcio. Na certidão consta também a anotação do novo casamento do ex-cônjuge, vindo de contrapeso, o nome da pessoa com quem o “ex” casou-se.

Sabe-se que são raros os casos em que um casamento termina sem rancores. Imagine o seguinte: uma pessoa se divorcia em razão da quebra do dever conjugal de fidelidade. Em regra o infiel logo se casa, pois apaixonado. A outra pessoa que se mantém divorciada já está com o amor próprio ferido, e ainda assim, necessitando da certidão de casamento atualizada, percebe que nela consta o nome da pessoa com quem o infiel se casou. O constrangimento é notório e dispensa comentários.

Uma anotação é mera notícia da prática de outro ato. Portanto, nela basta que se identifique o ato praticado, no caso em tela o casamento, a data, a serventia que em lavrado, o livro, folha e número do assento.

Se alguém quiser saber mais detalhes sobre o ato noticiado, que peça uma certidão do assento. O que não é justo é que a pessoa divorciada carregue em sua certidão de casamento o nome da pessoa que se casou com o ex-cônjuge.

O fundamento para não se incluir nomes nesse tipo de anotação é a interpretação teleológica da parte final do §1º do artigo 107 da LRP, observando-se que as disposições legais são da época em que apenas a mulher adotava o sobrenome do marido.

O dispositivo em comento determina que se anote no assento de nascimento da mulher (e naquela conjuntura era apenas no assento de nascimento dela) a mudança de nome. Ou seja, o nome que ela adotou em virtude do casamento, sendo tal anotação fundamental para a segurança jurídica. Mas tal informação tem pertinência apenas para o registro de nascimento da pessoa que alterou o nome em virtude do casamento.

Entretanto em pleno século XXI, por falta de uma normatividade mínima, algumas anotações são feitas de forma “equivocada” pelos serviços registrais. Basta cotejar os livros para ver anotações em assentos de nascimento do homem informando o nome de solteira de sua mulher e o que ela adotou ao se casar.

Pergunta-se: Qual é a repercussão desta informação no assento de nascimento do marido? Resposta: nenhuma. Logo não é informação necessária, bem como não há previsão legal que a ampare.

Nesse norte, os registradores civis das pessoas naturais, incumbidos que são da nobre função de zelar para dignidade da pessoa humana, devem, ao anotar o novo casamento à margem do assento de casamento anterior, observar para que sejam lançados apenas os dados essenciais, isto é: a data do registro (e a da celebração, conforme o caso), o livro, a folha, o número do termo e o serviço registral em que lavrado, pois assim estarão resguardando a dignidade da pessoa que se mantém divorciada e precisa utilizar a certidão do casamento desfeito pelo divórcio.

Vista a questão pelo lado financeiro, atualmente é cogente se estabelecer um limite para as anotações dos novos casamentos. É que na expedição de uma certidão, as averbações e as anotações, em regra, são acrescidas ao preço e cobradas do usuário. No Estado de São Paulo, para se ter uma noção, cada anotação ou averbação corresponde a 50% do valor de uma certidão em breve relatório.

Neste ponto é pertinente ainda saber se da mesma forma que se faz a anotação do novo casamento à margem do assento de casamento anterior deve ser anotada eventual separação, reconciliação ou divórcio das partes que figuram no casamento atual.

Pelo princípio da continuidade a resposta é afirmativa. Assim teremos à margem do registro do primeiro casamento, onde já pode constar uma separação, a reconciliação, o divórcio e o novo casamento de cada um dos então contraentes, também constarão eventuais separações, reconciliações e divórcios de cada um deles contraentes com terceiras pessoas.

Deve-se considerar que desde o advento do divórcio uma pessoa pode convolar quantas núpcias quiser. O assento de nascimento e os dos casamentos anteriores irão se tornar uma “história em quadrinhos” com esse “casa e separa” se for seguida a letra fria da lei.

As Normas de Serviço da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo em seu item 138.2 relativizaram a obrigação, ao dispor que a anotação (ou a comunicação) obrigatória restringe-se ao último assento de casamento.

Contudo a normativa bandeirante não enfrentou o problema da anotação relativa à averbação da separação e do divórcio referente às novas núpcias.

Dispõe apenas que para que o novo casamento seja anotado nos casamentos anteriores e no nascimento, os nubentes deverão informar os dados dos referidos assentos no procedimento de habilitação.

À luz dos princípios que orientam a atividade registral, em se tratando de casamento e da dissolução do vínculo conjugal, a anotação tem por fim amarrar o sistema por meio do princípio da publicidade e propiciar segurança jurídica.

Este objetivo é alcançado se o primeiro casamento, a separação e o divórcio forem anotados nos assentos de nascimento dos contraentes. Com tais informações fica preservada a segurança jurídica, pois a certidão do assento de nascimento noticia o estado civil do registrado: casado, separado ou divorciado. Mas não serve para embasar a prática de nenhum ato da vida civil. Só faz prova da existência dos atos nela mencionados. O documento oficial passa a ser a certidão do casamento.

O próximo casamento deve ser anotado apenas no casamento anterior. Feita esta anotação fica amarrado o sistema, valendo, para fins de utilização, apenas a certidão do casamento atual, o qual estará noticiado no casamento anterior. A separação ou o divórcio das partes que contraíram este novo casamento não tem pertinência com o assento de casamento anterior. O rompimento do vínculo conjugal aqui só diz respeito às partes que figuram neste assento. Destarte não pode ser objeto de anotação naquele.

Assim, no casamento anterior deve constar apenas a averbação do ato que pôs fim ao vínculo conjugal e a anotação do novo casamento contraído pelos divorciados, ressalvando-se as averbações e anotações de outra natureza.

Forçoso considerar, ainda, o espaço destinado às anotações e averbações. Se não houver um limite, haja transportes, transformando um registro em verdadeira “colcha de retalhos”.

O fato é que a legislação de regência data da época em que o casamento se dissolvia apenas por sentença judicial de nulidade ou de anulação, ou por óbito, relembrando que não existia o divórcio.

Esta é, certamente, a razão da determinação para se fazer anotações, com remissões recíprocas, nos assentos anteriores quando o oficial praticar atos de registro ou de averbação (art. 106 da LRP).

Dentre os atos anotados, à época, à margem de um assento de casamento, podíamos ter a interdição ou ausência de um ou ambos os cônjuges, o óbito e o novo casamento do viúvo. Não havia ato de averbação que ensejasse anotação, pois quanto praticados, era à margem do próprio assento.

No que tange ao teor, a Lei dos Registros Públicos dispõe sobre o conteúdo da averbação (art. 99), mas não o faz em relação ao da anotação. Ficou por conta da prática registral a sua formatação. Por falta de um conteúdo mínimo predeterminado cada oficial inclui na anotação o que julga necessário.

Certo é que existem anotações que são verdadeiras averbações. Reproduz-se nela (anotação) todo o conteúdo da averbação, diga-se, sem necessidade e utilidade, pois não tem eficácia. Mas para as anotações referentes aos atos de registro falta padronização, notadamente a anotação do novo casamento, que é o tema desta reflexão.

Como uma das funções das Corregedorias Gerais da Justiça e do Conselho Nacional de Justiça é a expedição de normas, poderiam disciplinar o conteúdo da anotação, em especial a do novo casamento, visando preservar a dignidade da pessoa divorciada, bem como estabelecer o limite dessas anotações nos assentos dos casamentos anteriores, para dar efetividade ao princípio da modicidade dos emolumentos.

* A autora é a Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas da Sede da Comarca de General Salgado, Estado de São Paulo.

Fonte: Arpen – SP | 23/04/2015.

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Artigo: A prorrogação do prazo para inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR): uma opção pela efetividade das normas ambientais – Por Rafael Antonietti Matthes

*Rafael Antonietti Matthes

CAR é o primeiro passo que deve ser dado pelo proprietário ou possuidor rural para alcançar tais incentivos, conforme veremos em outros artigos nos próximos dias.

Em 25 de maio de 2012, com a publicação da Lei 12.651/12, foram inseridas no ordenamento jurídico nacional novas diretrizes para a tutela do patrimônio florestal brasileiro. Dentre as novidades, é possível citar a criação de uma base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.

Trata-se do Cadastro Ambiental Rural (CAR), um “registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais”, conforme preceitua o artigo 29 da referida norma.

Apesar do Novo Código Florestal estar em vigor desde maio de 2012, o cadastramento das propriedades e posses rurais no CAR passou a ser ato obrigatório apenas em 6 de maio de 2014. Isso porque, o parágrafo 3º do artigo 29 determina que a inscrição deverá ser cumprida no prazo de 1 ano contado da sua implantação, prorrogável, uma única vez, por igual período por ato do Chefe do Poder Executivo (parágrafo 3º do artigo 29).

A sua implantação se deu com a publicação no Diário Oficial da Instrução Normativa nº 2, em 6 de maio de 2014, que, dentre outras disposições, trata dos procedimentos para a integração, execução e compatibilização do sistema e define os procedimentos gerais do CAR.

Em que pesem as tentativas do Poder Público federal e estadual em difundir a informação para as 5.181.645 propriedades rurais existentes no país (segundo levantamento da Diretoria de Ordenamento da Estrutura Fundiária do Incra – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), certo é que até o dia 7 de abril de 2015, a situação era a seguinte, conforme dados obtidos no Portal do Ministério do Meio Ambiente em 30 de abril de 20151 :

Região e Percentual de propriedades rurais inscritas no CAR

Norte 66,06%

Nordeste 11,77%

Centro-oeste 48,11%

Sudeste 25,58%

Sul 8,38%

Apesar da baixa adesão até abril de 2015, por ser um importante aliado dos proprietários rurais para a consecução de suas obrigações ambientais, o número é superior ao de propriedades cuja reserva legal havia sido averbada na matrícula do imóvel (obrigação constante no Código Florestal anterior e substituída pela inscrição no CAR).

De certo, as dimensões continentais do país dificultaram a proliferação das informações relativas à legislação, especialmente no tocante aos compromissos ambientais. A prorrogação do prazo para inscrição, por mais um ano, portanto, poderá garantir maior adesão e, consequentemente, um melhor e mais detalhado diagnóstico da situação rural brasileira.

O Direito Ambiental é um ramo autônomo composto por princípios próprios, como do desenvolvimento sustentável, da informação e do protetor-recebedor, que se aplicam a seara florestal, especialmente, com o advento do Novo Código Florestal.

A novel legislação garante aos proprietários rurais o prosseguimento e o desenvolvimento de suas atividades agrícolas, desde que cumpridas algumas obrigações ambientais, permitindo, com isso, equilíbrio entre os pilares da sustentabilidade (econômico, social e ambiental).

A reunião de informações atualizadas sobre as propriedades rurais poderão embasar políticas ambientais apropriadas para todas as regiões do país, conferindo ampla publicidade ao Poder Público e aos cidadãos e efetiva promoção do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado conforme descrito no artigo 225 da Constituição Federal.

O equilíbrio do desenvolvimento econômico e social com a proteção ambiental aliado ao mapeamento nacional garantirá, ainda, que as ações protetivas ao meio ambiente sejam incentivadas por meio de instrumentos econômicos, como a redução da base de cálculo de tributos, concessão de crédito agrícola com melhores condições entre outros.

Este é o espírito que norteia a Lei 12.651/12: deixar para um segundo plano a aplicação de multas e outras penas, juridicamente chamadas de normas de comando e controle, para incentivar condutas protetivas ao meio ambiente.

O CAR é o primeiro passo que deve ser dado pelo proprietário ou possuidor rural para alcançar tais incentivos, conforme veremos em outros artigos nos próximos dias.

Restringir esse direito ao cidadão, que depende da mais ampla e irrestrita informação sobre os procedimentos legais, é ferir o próprio espírito promocional da Lei 12.651/12. Não se pode negar efetividade a uma norma efetiva.

Aguardamos, ansiosamente, o desfecho desta história.

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1 In: http://www.mma.gov.br/mma-em-numeros/cadastro-ambiental-rural – acesso realizado em 30/4/2015.

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Rafael Antonietti Matthes é advogado de Furlanetto Bertogna – Sociedade de Advogados, professor e consultor em Direito Ambiental, Doutorando em Direito Ambiental pela PUC/SP, Mestre em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos e Consultor voluntário em sustentabilidade pelo PNUD/ONU na Rio+20.

Fonte: Migalhas | 06/05/2015.

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Artigo: Regime da Comunhão Parcial de Bens: Hipótese de exclusão da comunicabilidade pela sub-rogação real – Apontamentos – Por Débora Misquiati

*Débora Fayad Misquiati

Sem pretensão de esgotar o tema, merece nota a possibilidade de se mencionar, em especial, nas escrituras públicas de compra e venda ou de permuta, tratar-se a aquisição do imóvel hipótese de sub-rogação real.
Para tanto, o comprador deverá declarar, com a anuência de seu cônjuge, casados sob o regime da comunhão parcial de bens, que o ato praticado está em consonância com a previsão do artigo 1.659, inciso I ou II do Código Civil, a fim de excluí-lo da comunhão.
Até a entrada em vigor da lei do divórcio, de 26 de dezembro de 1977, o regime supletivo era o da comunhão universal de bens. A partir desse diploma, o regime subsidiário passou a ser o da comunhão parcial de bens, opção legislativa mantida no Código Civil de 2002 (art. 1.640,CC)
É pelo pacto antenupcial que os nubentes escolhem o regime de bens que lhes aprouver, se não adotarem o regime legal ou não incidirem nas hipóteses do artigo 1.641 do Código Civil.
No silêncio dos nubentes, na ausência de vontade, o regime legal será aplicado. Opção do direito brasileiro, o regime da comunhão parcial de bens é considerado por muitos o mais equânime.
Apesar da possibilidade de lavratura de escritura de pacto antenupcial ainda que os nubentes optem pelo regime da comunhão parcial de bens (por exemplo, para especificar os bens móveis que cada um leva para o casamento, afinal, há bens extremamente valiosos, o que valeria como meio de prova para se derrubar a presunção do artigo 1.662, do Código Civil), em regra, a ausência do pacto antenupcial implica na escolha do regime supra.
Conforme nos ensina Paulo Luiz Netto Lôbo, em Código Civil comentado XVI, (p.283):
Os nubentes, mediante pacto antenupcial, podem modificar a essência do regime de comunhão parcial, estipulando modos diferenciados de comunhão ou de exclusões, não correspondentes às previstas no art. 1.659 do Código Civil.

O pacto antenupcial é negócio jurídico solene, feito por escritura pública, condicionado ao casamento e com fundamento no princípio da autonomia privada.
Vale notar, que a forma pública é essencial para validade do negócio, o qual tem sua eficácia jurídica subordinada ao casamento (condição suspensiva).
Dessa forma, o regime de bens começa a vigorar na data da celebração do casamento.
O artigo 1.657 do Código Civil cuida da eficácia erga omnes do pacto antenupcial, que não se confunde com sua plena eficácia perante os cônjuges, uma vez elaborado por escritura pública e advindo a celebração do casamento.
Na “escada ponteana”, temos o plano da existência, da validade e da eficácia.
O plano da existência pressupõe elementos mínimos do negócio jurídico, que formam o seu suporte fático. O negocio deve apresentar: partes; vontade; objeto; e, forma.
O plano da validade adjetiva os substantivos (partes; vontade; objeto; e, forma) presentes no plano anterior: para partes capazes; vontade livre; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e, forma prescrita ou não defesa em lei (artigo 104, do Código Civil).
Já no plano da eficácia verifica-se as consequências do negócio jurídico relacionadas a modificação e a extinção de direitos.
O Código Civil de 2002 e 1916 não contemplaram a teoria da inexistência do negócio jurídico procurando resolver seus vícios no plano da validade.
Diante de um pacto antenupcial nulo (deixando de incluir, propositadamente, o termo ineficaz, utilizado no artigo 1.640 do Código Civil, diante da imprecisão técnica do mesmo), vigorará o regime subsidiário, escolhido pela legislação brasileira.
Sobre o tema, assim se manifestou o Professor Pontes de Miranda, citada por Lydia Neves Bastos Telles Nunes, em Direito de Família – Regimes Patrimoniais de Bens (p. 109):
De um lado, argumenta-se que, considerando o regime como fundado na intenção das partes, não se compreende que valha para os casos de ser julgada nula ou anulada a convenção: seria presumir-se o que a realidade desmente, uma vez que os cônjuges manifestaram vontade diferente. Responda-se-lhe que convencionar nulamente ou com vício que importe anulação não é, aí, exprimir vontade. Recentemente, retomaram alguns escritores a tese de BOULLENOIS e ODIER que equiparavam o regime legal de bens aos efeitos pessoais do casamento, borrando a distinção. (…) No velho direito português, a solução era no sentido da convenção tácita. A doutrina corrente em França é contra a anulação que pretendem os adeptos do regime legal fundado na lei. Certo, ao legislador é dado conceber como entenda a regra dispositiva. No direito francês e no direito brasileiro, não é de admitir-se que se haja afastado da corrente tradicional. Nem se diga que, no caso de nulidade absoluta ou relativa da convenção, há imposição do regime legal, porque aí se deixa de lado vontade eivada mas vontade. É demasiado fraca a objeção: quem nulamente quis não quis. O regime legal não é, então, imposto, mas posto no lugar vazio. O que em verdade se dá é que o art. 258[1] mandado tratar a vontade eivada (nula ou anulável) como se não fosse vontade, como não-vontade, deu eficácia ex tunc à decretação da nulidade da convenção ou pacto: tratou-se à semelhança da vontade não-existe, da não-vontade. As sentenças sobre tais convenções que se têm de reputar não-escritas são, todavia, constitutivas negativas, com eficácia ex tunc, e não declarativas.”

Assim vigorando o regime da comunhão parcial de bens, seja por escolha das partes, pela sua omissão ou nulidade do pacto antenupcial, a regra será a da comunicabilidade dos bens adquiridos a título oneroso na constância do casamento.
Excluem-se desta comunhão de bens o que cada cônjuge já possuir (termo utilizado pelo Código Civil) ao casar e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar e, ainda, os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação de bens particulares.
Em entrevista, datada de 26 de fevereiro de 2014, Christiano Cassettari fala sobre sub-rogação:
Ao disciplinar o regime da comunhão parcial, o Código Civil de 2002 (art. 1659) elencou os casos em que os bens não entram na partilha e um deles é quando os bens foram adquiridos com recursos de somente um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares. (…) O que é sub-rogação? Sub-rogação consiste no ato de substituir uma pessoa ou coisa em lugar de outra. Numa compreensão simplificada, sub-rogação, significa substituição. Por esse motivo ela pode ser pessoal ou real. A sub-rogação pessoal consiste na troca da pessoa do credor, onde, no Direito obrigacional, um terceiro que paga divida alheia se sub-roga nos direitos creditícios. Já na sub-rogação real opera-se a troca de uma coisa, e podemos encontrá-la no direito patrimonial de família.[2]

Prevê o artigo 1.659 e seus incisos I e II do Código Civil:
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;

Portanto, quaisquer bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges, em substituição a bens particulares, não integrará a meação (hipóteses de sub-rogação real).
Contudo, vale ressaltar, que a doação pode ser feita ao casal. Dessa feita, tem-se que tal bem se inclui na comunhão, nos termos do art. 1.660, inciso III, do Código Civil.
No caso de doação conjuntiva ao casal (o Código usa a expressão marido e mulher, o que merece interpretação constitucional, não havendo imposição da diversidade de sexo), com o falecimento de um dos cônjuges, ao sobrevivente caberá à integralidade do imóvel, não ingressando este imóvel a massa patrimonial do espólio, sujeita a partilha, pelo direito sucessório.
É o conhecido direito de acrescer, previsto no parágrafo único do artigo 551 do Código Civil.
Milton Paulo de Carvalho Filho, em Código Civil comentado (p.1876), ensina:
O inciso I exclui da comunhão todos os bens pertencentes ao acervo particular de cada cônjuge, compreendidos que são aqueles já pertencentes na ocasião do matrimônio, ou aqueles adquiridos após a celebração deste, por sucessão ou doação.
O inciso II inclui na lista de bens incomunicáveis aqueles obtidos com o produto da alienação de qualquer bem integrante do patrimônio exclusivo do cônjuge (p. ex., venda de um imóvel que o varão possuía antes de casar-se e aquisição de um novo após o casamento).

Já Silvio de Salvo Venosa, em Código Civil interpretado (p.1522), leciona:
Os bens que substituem os bens particulares, os que a lei se refere como sub-rogados, também se excluem da comunhão. Para que se aplique o dispositivo, é necessário que o cônjuge ressalve essa sub-rogação no título aquisitivo e prove que de fato um bem substitui outro. A matéria tem pertinência no tocante aos imóveis, pois quanto aos móveis vigora a presunção do art. 1.662, no sentido de que foram adquiridos na constância do casamento. Não se exclui, em princípio, a sub-rogação dos bens móveis na espécie, mas sua prova é mais difícil.

Diante de um caso de sub-rogação real, o título aquisitivo (p. ex. escritura pública de compra e venda), deve mencionar por declaração da parte interessada, com anuência de seu cônjuge, que também se fará presente no ato, tratar-se de hipótese de sub-rogação nos termos do inciso I ou II do artigo 1.659 do Código Civil.
No que tange ao limite da sub-rogação, Eduardo de Oliveira Leite, em Direito Civil aplicado – Direito de Família (p. 329), posiciona-se:
O limite da sub-rogação é o valor do bem particular (adquirido antes do casamento, ou doado ou herdado). Se o bem sub-rogado é mais valioso que o alienado, a diferença do valor, se não foi paga com recursos próprios e particulares do cônjuge, passa a ser comum a ambos os cônjuges.

Devemos nos ater, ainda, a interpretação do artigo 1.659, inciso IV, do Código Civil, pois, o que se tem por excluído da comunhão é o direito de recebimento dos proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge.
Portanto, durante a vigência do casamento, os proventos recebidos em espécie ou através da aquisição de algum bem se comunicam e, dessa forma, não pode ser considerados como recurso próprio e particular de um dos cônjuges.
Nesse sentido é o REsp 1295991 MG 2011/0287583-5, Relator(a): Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Julgamento: 11/04/2013 , Órgão Julgador: T3 – TERCEIRA TURMA, Publicação: DJe 17/04/2013:
Ementa. RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DOCPC. NÃO OCORRÊNCIA. UNIÃO ESTÁVEL. REGIME DE BENS. COMUNHÃOPARCIAL. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO.PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE CONTRIBUIÇÃO DE AMBOS OS CONVIVENTES.PATRIMÔNIO COMUM. SUB-ROGAÇÃO DE BENS QUE JÁ PERTENCIAM A CADA UMANTES DA UNIÃO. PATRIMÔNIO PARTICULAR. FRUTOS CIVIS DO TRABALHO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INCOMUNICABILIDADE APENAS DO DIREITO E NÃODOS PROVENTOS. 1. Ausência de violação do art. 535 do Código de Processo Civil ,quando o acórdão recorrido aprecia com clareza as questões essenciais ao julgamento da lide, com abordagem integral do tema e fundamentação compatível. 2. Na união estável, vigente o regime da comunhão parcial, há presunção absoluta de que os bens adquiridos onerosamente na constância da união são resultado do esforço comum dos conviventes. 3. Desnecessidade de comprovação da participação financeira de ambos os conviventes na aquisição de bens, considerando que o suporte emocional e o apoio afetivo também configuram elemento imprescindível para a construção do patrimônio comum. 4. Os bens adquiridos onerosamente apenas não se comunicam quando configuram bens de uso pessoal ou instrumentos da profissão ou ainda quando há sub-rogação de bens particulares, o que deve ser provado em cada caso. 5. Os frutos civis do trabalho são comunicáveis quando percebidos, sendo que a incomunicabilidade apenas atinge o direito ao seu recebimento. 6. Interpretação restritiva do art. 1.659, VI, do Código Civil, sob pena de se malferir a própria natureza do regime da comunhão parcial. 7. Caso concreto em que o automóvel deve integrar a partilha, por ser presumido o esforço do recorrente na construção da vida conjugal, a despeito de qualquer participação financeira. 8. Sub-rogação de bem particular da recorrida que deve ser preservada, devendo integrar a partilha apenas a parte do bem imóvel integrante do patrimônio comum. 9. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.[3]

Por fim, merece destaque interessante citação de Paulo Lôbo, em Direito Civil – Família (pg.320), ao lecionar sobre a utilização do termo possuir no inciso I do artigo 1.659 do Código Civil:
Se o cônjuge apenas detém a posse do bem, ao casar, mantém-se assim como bem particular seu, não se alterando se vier a adquirir a propriedade pela usucapião, após o casamento.

Como sempre anotamos, o notário é um jurista, dotado de fé pública, que visa dar eficácia e segurança a negócios jurídicos privados, imprimindo autenticidade e legalidade aos atos por ele realizados.
A fé pública do notário cria uma presunção relativa de veracidade do que é escrito no livro notarial e, portanto, pressupõe uma análise especializada da documentação que fundamenta a lavratura do instrumento público, impondo credibilidade e segurança no ato lavrado.
Em que pese a inserção de hipótese de sub-rogação real ser declaratória da parte interessada, é certo que os contornos deste ato precisam ser bem delineados e devidamente explicados aos cônjuges.
Deve-se verificar a veracidade da informação, muitas vezes mal compreendida pela parte, diante de uma interpretação incorreta do artigo em comento.
Busca-se, assim, prevenir litígios e resguardar os usuários de futuros aborrecimentos.
Mostra-se imperioso o estudo continuo e corriqueiro das normas que regem nossa atividade, assim como permanecer sempre atualizado das decisões jurisprudências que envolvem nossa área de atuação, pautando-se sempre pela boa-fé e cautela.

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REFERÊNCIAS

CÓDIGO CIVIL COMENTADO: doutrina e jurisprudência – Lei nº 10.406, de 10.01.2002 – contém o Código Civil de 1916. Cezar Peluzo (coord.). 6ª ed. rev. e atual. Barueri: Manole, 2012.

CÓDIGO CIVIL COMENTADO: direito de família, relações de parentesco, direito patrimonial: arts. 1.591 a 1.693, volume XVI/ Paulo Luiz Netto Lôbo; Álvaro Villaça Azevedo (coord.). São Paulo: Atlas, 2003.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito Civil Aplicado – Direito de Família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. 5 vol.

LÔBO, Paulo. Direito Civil – Famílias. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

NUNES, Lydia Neves Bastos Telles. Direito de Família – Regimes Matrimoniais de Bens. J. H. Mizuno, 2005.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil interpretado. São Paulo: Atlas, 2010.

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[1] Referência ao CC de 1916, atual art.1.640.

[2] Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/noticias/5254/Entrevista:++Christiano+Cassettari +fala+ sobre+sub-roga%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 26 de abr. 2015.

[3] Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23103981/recurso-especial-resp-1295991-mg-2011-0287583-5-stj>. Acesso em: 26 de abr. 2015.

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* Débora Fayad Misquiati é Oficiala de Registro Civil e Tabeliã de Notas do município de Arealva em São Paulo.

Fonte: Notariado | 28/04/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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