Artigo: Foro, laudêmio e taxa de ocupação: o que é isso? – Por André Luiz Cintra Pierangelo

* André Luiz Cintra Pierangelo

Tema é amplo, comportando larga reflexão por parte dos operadores do direito e, notadamente, dos enfiteutas, que devem conhecer o seu direito para melhor exercer o domínio útil dos imóveis gravados com tal ônus.

Instituídos por D. João VI ao chegar ao Brasil, não se tratam – como muitos pensam – de exclusividade originária da terra Brasilis.

A origem do foro e do laudêmio nos remete à Grécia, sendo regulamentados por Justiniano em Roma (como a maioria dos institutos jurídicos clássicos), se tratando de instrumentos bastante utilizados no período da Idade Média, aonde o proprietário da terra ou imóvel atribuía a outrem o domínio útil, ou seja, a sua utilização, cobrando deste uma contraprestação em moeda ou serviços.

O Brasil, enquanto colônia de Portugal, não possuía terras próprias. Todo o território nacional era de propriedade do Estado Português (então monárquico), que sedia a sua utilização àqueles que quisessem colonizar o território, permanecendo com a titularidade do domínio, como se fosse um contrato de “locação”.

Desta forma, as cartas de doação e foral transferiam ao Donatário da Capitania Hereditária (primeira forma de colonização brasileira) o direito de utilização de determinada gleba de terra, todavia não conferiam propriedade ao donatário, não se admitindo a transferência sem a anuência da Coroa portuguesa.

Com a transferência da Corte para o Brasil, em 1.808, muitas áreas ainda permaneciam sob o domínio Português, não obstante a extinção das capitanias, as alienações à particulares e doações à igreja Católica. Sobre tais áreas passou a incidir uma contribuição por utilização do espaço, do domínio útil, o que podemos chamar – vulgarmente – de “aluguel”.

Este “aluguel” pago pela utilização do imóvel público possui o nome jurídico de foro. Todos aqueles que usufruíam das áreas de propriedade da coroa deveriam pagar o foro anualmente, como contraprestação.

Por se tratar de imóveis da então “Coroa”, aquele que era o “inquilino” – cujo nome jurídico mais adequado é “foreiro” – poderia transferir, apenas, a titularidade da posse à terceiros ( mediante venda, doação, permuta e etc…).

Todavia, para que a transferência fosse realizada, era necessário a anuência da Coroa. Esta, por seu turno, para abdicar do direito de reivindicar o imóvel para si, consolidando a propriedade plena, cobrava espécie de “comissão de concordância” ou, mais tecnicamente, o laudêmio. O pagamento do laudêmio importava em renúncia do real proprietário do imóvel ao seu direito de preferência sobre o domínio útil.

Avançando a passos largos na história verificamos a tipificação do instituto jurídico, o qual passou a ser conhecido como enfiteuse, sem grandes alterações em seus contornos jurídicos.

A enfiteuse, até a vigência do CC/02, poderia ser constituída inclusive por particulares, se tratando de direito real sobre coisa alheia tal qual a hipoteca, anticrese e etc…

Com a integração ao patrimônio da União das áreas de marinha (aquelas situadas à 33 metros da linha média litorânea do preamar de 1.831 (média das marés altas deste ano), bem como com a aquisição de áreas pela igreja Católica no curso da história nacional, passamos a ter, como credores do foro (aquele aluguel anual de 2% ou 5%):

a) A União, quanto às áreas de Marinha;

b) O município, quanto aos imóveis de sua titularidade, gravados com enfiteuse;

c) A Igreja Católica, sobre os bens imóveis sob seu domínio e utilizados por terceiros;

d) Particulares, quanto aos bens gravados pelo direito real de enfiteuse constituídos até a vigência do CC/02 (janeiro de 2003).

Quanto ao laudêmio, o mesmo será pago aos mesmos titulares epigrafados e constitui uma contraprestação pela não reivindicação da propriedade plena (de direito e de fato) sobre o bem, no ato da transmissão dos direitos sobre o imóvel pelo enfiteuta.

Necessário salientar que as áreas de marinha (faixas litorâneas de até 33 metros contados do preamar de 1.831) poderão ser ocupadas por particulares, por intermédio da celebração do contrato de Aforamento, instrumento pelo qual a União concede ao particular o direito de utilizar determinada área de sua propriedade, mediante contraprestação pecuniária (foro). Caso o aforamento seja transferido (venda, doação, permuta, sucessão universal) deverá ser recolhido o laudêmio, sendo devedor de tal tributo aquele que transfere o domínio útil e não o adquirente.

Para que seja lavrado o contrato de aforamento se faz necessário que o titular do domínio útil (foreiro/enfiteuta) pague ao Senhorio Direto o valor venal do imóvel, com a inscrição do contrato junto à SPU (Secretaria de Patrimônio da União) e registro junto à matrícula do imóvel.

Mas, e quem não possui dinheiro para arcar com o valor de compra e custos do contrato de Aforamento, já ocupando áreas de marinha nas invasões e periferias oceânicas?

Uma vez se tratando em maioria de população de baixa renda e existindo benfeitoria sobre o imóvel, o mesmo é inscrito junto à Secretaria de Patrimônio da União (SPU), sendo cobrado do titular da posse a taxa de ocupação. Tal mecanismo dá concretude ao direito social de habitação, positivado na Constituição Federal de 1988.

O cadastramento junto à SPU e recolhimento da taxa de ocupação concede ao “invasor” de boa-fé (aquele de baixa renda que realiza benfeitorias no imóvel para uso próprio) a posse precária do imóvel, outorgando-lhe plexo de direitos provisórios, garantindo-lhe o reconhecimento do seu status frente à União, real proprietária do imóvel.

Quanto à medição e demarcação das áreas de marinha, após a lei 11.481/07 – a qual alterou a redação do art. 11 do decreto-lei 9.760/46 – tornou-se possível a realização de tal procedimento (medição dos 33 metros contados do preamar de 1.831) sem a notificação pessoal dos enfiteutas e interessados, bastando a notificação editalícia.

Tal procedimento – de remarcação sem notificação – tem ensejado, em muitas oportunidades, a cobrança do foro vencido e do laudêmio no ato de registro da escritura de transferência, sem que o vendedor tenha ciência de que o imóvel integrava a área em questão, onerando-o sem qualquer conhecimento prévio.

À luz da Constituição a nova redação do art. 11 do decreto-lei 9.760/46 se mostra inconstitucional, ferindo o contraditório e a ampla defesa e gerando insegurança nas relações jurídicas, sendo passível de insurgência pela via judicial.

Por fim, sempre necessário pontuar que o tema em epígrafe é amplo, comportando larga reflexão por parte dos operadores do direito e, notadamente, dos enfiteutas, que devem conhecer o seu direito para melhor exercer o domínio útil dos imóveis gravados com tal ônus.

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* André Luiz Cintra Pierangelo é advogado associado do escritório Badaró Almeida & Advogados Associados, especialista em Direito Civil.

Fonte: Migalhas | 30/04/2015.

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Artigo: Publicidade registral como ferramenta processual – Por Marla Camilo

* Marla Camilo

As averbações premonitórias e as citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias relativas a imóveis são ferramentas processuais de grande valia porquanto dão publicidade da lide judicial afastando possível boa-fé de adquirentes ou terceiros que receberam o imóvel em garantia.

O objetivo da averbação premonitória na matrícula do imóvel é dar publicidade do feito executório de forma que se presuma fraude à execução qualquer alienação ou oneração de bens realizadas após essa inscrição. O reconhecimento da fraude à execução não desfaz a alienação, mas promove a ineficácia desta em relação àquele que promoveu a publicidade registral da execução.

A lei 11.383/2006 inseriu o artigo 615-A no Código de Processo Civil (CPC) que apregoa que o exequente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto.

A averbação premonitória poderá incidir em qualquer bem passível de execução, todavia, importante que o interessado seja claro sobre quais bens deverão ser inscritos tendo em vista que a averbação indevida dá direito a perdas e danos à parte contrária nos termos do §4º do artigo 615-A do CPC. Ademais, também é preciso informar na certidão os dados do processo como natureza da execução, número, comarca e vara para que aquele que tiver interesse na aquisição do imóvel possa obter informações sobre o feito.

Por conseguinte, o exequente terá que comunicar o juízo sobre as averbações efetivadas no prazo de 10 dias da sua concretização nos termos do §1º do art. 615-A do CPC. Insta salientar que o cancelamento da averbação premonitória não é automático sendo imprescindível mandado de ordem específica de baixa para cada averbação.

Noutro norte, também há a possibilidade de registro das citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias relativas a imóveis, nos termos do artigo 167, I, 21, da Lei 6015/73, para dar publicidade de ações de conhecimentos a terceiros para que estes não aleguem desconhecimento da existência destas. Nesse caso, diferentemente das averbações premonitórias, é caso de registro e este deverá ocorrer apenas sobre o bem em discussão no processo.

Destarte, o documento a ser registrado é o instrumento citatório ou a sua determinação que deverá indicar o juízo, comarca, vara e processo, tipo de ação, bem como o imóvel, autor e a parte contrária da ação.

Por fim, a lei de registros públicos não definiu um prazo para que o interessado informasse ao magistrado sobre o registro das citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias, possibilidade que deverá ser observada no Código de Normas de cada Estado. Ressalta-se que o cancelamento também não é automático sendo necessário pedido de baixa, nesse caso, judicial ou extrajudicialmente já que a lei também não especificou.

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Referências Bibliográficas

BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm. Acesso em 25 abr. 2015.

SERRA, Monete Hipólito; SERRA; Márcio Guerra. Registro de Imóveis II, atos ordinários.1. ed. 2º tiragem. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 130 -140.

CORRÊA, Wilson Leite. Da fraude de execução. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: . Acesso em: 25 abr. 2015.

Fonte: Notariado | 01/05/2015.

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Artigo: Imposto Estadual sobre transmissão “Causa Mortis” e doação (ITCMD) – exigência ilegal em face de bens transferidos aos sócios por ocasião da liquidação da Sociedade – Por Rogério Pires da Silva

* Rogério Pires da Silva

Recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre o campo de incidência do ITCMD permite identificar que os limites da lei são cada vez mais desrespeitados pela fúria arrecadatória. A aparente ausência de barreiras para a “interpretação” fazendária – aliada à ausência de punição para os excessos da fiscalização – conduz ao absurdo lançamento fiscal que somente o Poder Judiciário pôde obstaculizar nos autos da apelação cível n. 0007687-15.2013.8.26.0053 (processo julgado em 8.9.2014).

Em suma, naquele caso a Corte paulista houve por bem anular débito fiscal de ITCMD lançado pela autoridade fazendária do Estado de São Paulo em face (dentre outros) de transmissão de bens da sociedade aos sócios, por ocasião da liquidação regular da empresa.

O absurdo salta aos olhos porque na liquidação da sociedade não há transmissão “causa mortis”, e de doação também não se pode cogitar – mas a autoridade fazendária interpretou que no caso concreto os bens teriam sido transferidos pela sociedade aos sócios por mera “liberalidade” daquela, e com amparo nessa leitura dos fatos formalizou o lançamento do ITCMD, antevendo suposta “doação” sujeita ao imposto.

Foi preciso que o Tribunal de Justiça de São Paulo se debruçasse sobre o tema para dizer o óbvio: os bens recebidos a título de distrato da sociedade não se submetem ao ITCMD.

De fato, a Constituição outorga aos Estados (e ao Distrito Federal) a competência para instituir e cobrar o imposto sobre “transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos” (art. 155, I), e o Código Tributário Nacional (Lei n. 5.172/66, com eficácia de lei complementar em razão da matéria) estipula que nem mesmo a lei pode alterar a “definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias” (art. 110).

A doação é negócio jurídico definido expressamente no art. 638 do Código Civil (Lei n. 10.406/02): “Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.”

Já a liquidação de sociedade é negócio jurídico totalmente distinto (arts. 51, 1.033 e ss., e especialmente 1.102 e ss., do Código Civil), em virtude do qual a transmissão de bens pela sociedade aos sócios decorre de partilha de haveres (idem, art. 1.103, IV), jamais por mera “liberalidade” da sociedade.

Tais conceitos de direito privado são relevantes, portanto, para a delimitação do campo de incidência do ITCMD, e não havendo fraude ou simulação – posto que isso não foi sequer aventado pela fiscalização no caso concreto – não se pode confundir a doação sujeita ao tributo e o pagamento de haveres aos sócios na liquidação de sociedade de pessoas.

O lançamento original contemplava ainda a cobrança do imposto em face de doação de imóveis efetivamente ocorrida, mas regularmente submetida à incidência do tributo. Neste caso, a doação de imóveis do pai para cada um de seus três filhos foi feita por escritura pública, com divisão igualitária, de modo a aquinhoar cada donatário com 1/3 (um terço) dos imóveis – e cada quinhão acabou ficando abaixo do limite de isenção do imposto, que é de duas mil e quinhentas UFESP (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo), de conformidade com o art. 6º, inciso II, alínea “a”, da Lei Estadual nº 10.705/00 (reproduzida no art. 6º, II, “a”, do Decreto Estadual nº 46.655/02, que regulamenta aquele diploma).

Ocorre que uma das donatárias, por engano, declarou ao fisco federal ter recebido em doação o valor total dos imóveis, e com base tão somente nessa declaração ao fisco federal a autoridade fazendária estadual partiu do pressuposto de que a referida donatária, na verdade, teria recebido todos os imóveis – pelo que recusou fé à escritura pública de doação dos imóveis, lançando o ITCMD supostamente devido pela referida donatária em face do valor integral dos imóveis doados.

Ora, o valor da soma dos imóveis doados ultrapassou o limite de isenção acima referido, mas é fora de dúvida que a donatária não possuía capacidade contributiva para arcar com o imposto – eis que, ao fim e ao cabo, recebeu apenas 1/3 (um terço) dos imóveis – e de todo modo a regra de isenção prevalece para cada doação isoladamente considerada.

De mais a mais, a escritura de doação é documento público. E é vedado ao Estado negar fé ao documento público (art. 19, II, da Constituição Federal). Por isso mesmo não poderia prevalecer no lançamento do ITCMD, contra o próprio documento público, a mera declaração (equivocada) entregue pela donatária ao fisco federal.

Tais elementos foram simplesmente ignorados pela fiscalização estadual no caso concreto, novamente com base numa suposta liberdade de “interpretação” da autoridade fazendária. Como se os imóveis pudessem ser considerados inteiramente transmitidos a um só dos donatários apenas em razão da declaração (unilateral) por ele prestada ao fisco federal.

A esta altura é irrelevante se houve equívoco naquela declaração, como se pode facilmente constatar, porque bens imóveis não podem ser considerados transmitidos (independente do negócio jurídico: doação ou compra e venda, não importa) por singela declaração de uma das partes. A lei exige instrumento público para esse tipo de transação (art. 108 do Código Civil), e o instrumento público prevalece – como é evidente – em detrimento de qualquer outra manifestação de vontade.

Como se não bastasse, a manifestação de vontade do contribuinte (dotada ou não de equívoco) é irrelevante para fazer nascer a obrigação de pagar o tributo, pois em nosso direito tributário a obrigação é “ex lege” – ou seja, só há tributo devido quando ocorrida, na realidade dos fatos, a hipótese de incidência prevista abstratamente na lei.

De todo modo, a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo no caso concreto demonstra que há certo despreparo dos servidores no trato da matéria – revelando a necessidade de que o fisco redobre a atenção no treinamento de seus agentes fazendários (com ênfase nos elementos de direito tributário e nos fundamentos de direito privado essenciais à atividade de quem está encarregado de lançar o ITCMD).

É preferível acreditar que essa deficiência foi a única causadora do lançamento impugnado no processo em epígrafe; a prevalecer a ideia de que a tese fazendária resultou de uma interpretação “possível” da norma em vigor – e se essa interpretação se difundir para vitimar outros contribuintes – o já assoberbado Poder Judiciário remanescerá como último limite para corrigir erros elementares das autoridades fazendárias.

* Rogério Pires da Silva (Advogado em São Paulo, sócio de BOCCUZZI ADVOGADOS ASSOCIADOS)

Fonte: Migalhas | 29/04/2015.

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