Artigo: Novo Tabelião/Registrador – Novo CNPJ? – Por Igor Emanuel da Silva Gomes

* Igor Emanuel da Silva Gomes

Com a eclosão dos concursos públicos para outorga das serventias extrajudiciais (cartórios), temos acompanhado em todo o Brasil diversos casos no tocante a possibilidade, ou não, de nova inscrição de Cadastro Nacional de Pessoa Jurídicas – CNPJ.
Nosso posicionamento acerca da matéria é bastante legalista, de modo que, nos termos da lei, a atividade notarial e registral é exercida em caráter privado, por delegação do Poder Público. Não poderia ser diferente, considerando que estes são os termos do artigo 236 da Constituição, in verbis:
Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
§ 1º – Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
§ 2º – Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
§ 3º – O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses. (grifos nossos)
O §1º menciona “notários” e “oficiais de registro”, o que deixa claro que o exercício privado da atividade é titularizado por uma pessoa natural. Isso é reforçado no §3º, ao definir a forma de ingresso na atividade pelo concurso público, modalidade de concorrência pública típica de pessoas naturais.
A Lei Federal nº 8.935/94 veio regulamentar o §1º do artigo 236 supramencionado e reza o seguinte:
Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.
Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.
Art. 5º Os titulares de serviços notariais e de registro são os:
I – tabeliães de notas;
II – tabeliães e oficiais de registro de contratos marítimos; (…)
IV – oficiais de registro de imóveis;
Vê-se claramente nos artigos 3º e 5º que os serviços notariais e registrais são titularizados por tabeliães e oficiais de registro, que são profissionais do direito, mais uma vez deixando claro que a atividade é exercida por uma pessoa física, todavia, depende de INSCRIÇÃO NO CNPJ.
Ademais, segundo o art. 1º, o conteúdo dos serviços notariais e registrais é de serviço público lato sensu. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello define tal atividade como função pública, diferenciando-a do serviço público stricto sensu por seu objeto não contemplar uma prestação material, mas sim uma prestação jurídica. Em outras palavras, não se trata de atividade econômica, sendo inaplicáveis a ela conceitos como o de “estabelecimento”, próprio do Direito Empresarial (arts. 1.142 e seguintes do Código Civil).
Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, externado na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.151, no seguinte trecho da ementa:
“II – Regime jurídico dos serviços notariais e de registro: (…) c) a sua delegação somente pode recair sobre pessoa natural, e não sobre uma empresa ou pessoa mercantil (…)” (grifo nosso)
E para não restar dúvidas, não há como enquadrar o serviço notarial e registral em nenhuma das hipóteses previstas no Código Civil, nem como pessoa jurídica de direito público (art. 41), nem como pessoa jurídica de direito privado (art. 45). Não há nenhum registro a que o oficial ou o tabelião estejam submetidos para poderem exercer suas funções (art. 45 do Código Civil).
No Brasil, a atividade notarial e registral ainda é muito mal compreendida. O Estado de São Paulo é o que está mais avançado em termos de doutrina e regularização da atividade (já realizou 8 concursos públicos desde 1999, enquanto outros Estados ainda não conseguiram concluir o primeiro. O Desembargador Luís Paulo Aliende Ribeiro conseguiu compilar de forma magistral o melhor entendimento sobre a atividade em sua tese de doutorado, fruto de seus longos anos no setor do extrajudicial na Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da função pública notarial e de registro. São Paulo: Saraiva, 2009. 188p.
Na contramão de toda a legislação pátria, a Receita Federal editou instrução normativa obrigando ao oficial de registro a se cadastrar no CNPJ (antigamente prevista no inc. IX do art. 5º da Instrução Normativa RFB n. 1.183/2011, atualmente repetida no art. 4º, IX da Instrução Normativa RFB n. 1470/2014, que vem repetindo o texto das precedentes). Isso causa uma confusão enorme, pois “se toda pessoa jurídica tem CNPJ, nem toda pessoa que tem CNPJ é jurídica.”
Se a compreensão da natureza jurídica da atividade notarial e registral já é difícil para o operador do direito, para o leigo tornou-se impossível. Assim, todo mundo passou a contratar com o “cartório” e seu CNPJ. Ora, se cartório não é pessoa jurídica, não tem legitimidade para ocupar um pólo contratual. Entretanto, por portar um CNPJ, todos passaram a contratar com o “cartório” e não mais com oficial, inclusive a contratação de empregados.
Para tentar corrigir essa distorção, a Receita Federal editou a Instrução Normativa n. 971/2009, que em seu art. 19, II, g, obriga os “cartórios” à inscrição no CEI (cadastro específico do INSS), ou seja, deixou claro que a contratação dos empregados deveria ser vinculada à pessoa física do empregador. Ademais, o notário e oficial de registro faz a declaração de imposto de renda como pessoa física, através do carnê-leão.
Atualmente, o CNPJ para o oficial de registro só tem uma função: o preenchimento da Declaração sobre Operações Imobiliárias (DOI) – art. 8º da Lei 10.426/2002 e Instrução Normativa RFB 1.112/2010, e eventuais outras obrigações acessórias perante o Conselho Nacional de Justiça.
No mais, o CNPJ só se presta a causar confusão, ao dar aparência de pessoa jurídica a alguém que é pessoa física. Isso, inclusive, causa reflexos em obrigações acessórias do ISS, pois alguns Municípios insistem em tentar enquadrar o oficial como tomador de serviço com o dever de fazer a retenção do ISS na fonte, obrigação própria das pessoas jurídicas.
Da Responsabilidade Pessoal do Titular
No tocante à responsabilidade, doutrina e jurisprudência são uníssonas no sentido de que a responsabilidade de cada oficial é compartimentada: cada um responde pelo período em que esteve na titularidade do serviço. Assim se dá tanto com relação à responsabilidade civil quanto com relação à responsabilidade fiscal. Isso implica dizer que um oficial não responde por atos de outros oficiais que o precederam. Em outras palavras, a INVESTIDURA na função é ORIGINÁRIA, tem os mesmos efeitos da usucapião.
EMENTA:APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE CANCELAMENTO DE REGISTRO PÚBLICO – DUPLICIDADE DE REGISTRO DE IMÓVEL – RESPONSABILIDADE CIVIL PESSOAL DO OFICIAL TITULAR NA ÉPOCA DO FATO DANOSO – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. O cartório não oficializado não possui personalidade jurídica, conclui-se que a responsabilidade civil e criminal é exclusiva do titular da serventia pelos atos praticados durante o período de sua competência, não podendo o sucessor (atual titular da serventia) responder por ato ilícito praticado pelo sucedido (anterior titular). 2. No caso em comento, a recorrente pretende a condenação do Oficial do 2º Cartório de Registro Geral de Imóveis de Guarapari pelos danos causados em decorrência da existência de duplicidade de registros do imóvel de sua propriedade. Contudo, a duplicidade decorreu de um erro perpetrado pelo titular do cartório que o antecedeu, e quando verificada a referida irregularidade o atual titular do cartório, ora recorrido, tomou as providências cabíveis, procedendo a respectiva consulta junto ao Juízo competente e averbando as anotações de advertência ao pé de cada matrícula. 3. Não se pode admitir que titular sucessor, de forma infalível, pudesse apurar e apontar todas as irregularidades perpetradas pelo Oficial sucedido, já que se tratam de milhares de registros, sem que a época houvesse um sistema digitalizado. 4. Assim, em que pese a averbação de compra e venda do imóvel levada a efeito em 1989 pela ora recorrente tenha sido realizada sob a competência do recorrido, não pode ser imputado ao mesmo os prejuízos decorrentes da existência de duplicidade de registros, erro perpetrado pelo Oficial anterior, muito menos pela negligência na prestação dos serviços notariais. 5. Não merece reparos a sentença recorrida, porquanto não comprovada o nexo de causalidade entre a conduta do Oficial do 2º Cartório de Registro de Imóveis de Guarapari, ora recorrido, e os danos sofridos pela recorrente decorrente da existência de duplicidade de registros do imóvel de sua propriedade, a autorizar a reparação decorrente de responsabilidade civil. 3. Recurso conhecido e desprovido. CONCLUSÃO: ACORDA O(A) EGREGIO(A) SEGUNDA CÂMARA CÍVEL NA CONFORMIDADE DA ATA E NOTAS TAQUIGRÁFICAS DA SESSÃO, QUE INTEGRAM ESTE JULGADO, À UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. (Apelação Nº 0007480-55.2009.8.08.0021 (021090074804)
No mesmo sentido, segue em síntese decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo:
“Irresignado, o agravante sustenta, em breve síntese, que: (i) não é possível equiparar os cartórios com as pessoas formais do art. 12 do CPC, pois os mesmos não possuem conteúdo econômico imediato, tampouco são capazes de contrair direitos e obrigações; (ii) os cartórios representam apenas o espaço físico onde é exercida a função pública delegada ao particular, pessoa física a quem o Estado outorga a delegação por meio do condizente concurso público; (iii) os cartórios não possuem personalidade jurídica, não são empresas, não têm fundo de comércio, não visam ao lucro, nem estipulam livremente o valor dos emolumentos cobrados; (iv) o fato dos cartórios serem inscritos no CNPJ não desnatura a condição de pessoa física do notário ou registrador, uma vez que tal cadastro destina-se exclusivamente para fins de recolhimento de tributos de terceiros e prestação de informações sobre operações imobiliárias. (…) Dessa forma, por consectário, assentou-se que a obrigação jurídica pelos danos causados pela má prestação do serviço cartorário (notarial ou registral) deve ser suportada unicamente pelo serventuário que perpetrou o ato viciado. Isto porque, seu sucessor assumiu a delegação diretamente do Poder Público, e não adquirindo fundo de comércio ou por transferência de todos as obrigações e os direitos advindos do seu antecessor.” (Agravo de Instrumento Nº 0046520-93.2013.8.08.0024. TJ\ES)
A citada decisão ainda faz referência a importantes lições de Carlos Roberto Teixeira Guimarães, doutrinador amplamente citado pelos Tribunais Superiores para reafirmar que a responsabilidade pelo Serviço Notarial e Registral recai sobre a pessoa do Titular delegatário da época da ocorrência do fato, uma vez que cartório é ente despersonalizado, in verbis:
“A serventia nada mais é do que o espaço físico de uma repartição pública, onde, se presta um tipo de serviço público essencial à inserção do indivíduo na ordem jurídica, para o efetivo exercício de determinados interesses tutelados, ou, para a expressão documental da personalidade. (…) Então, a estabilidade no serviço extrajudicial, para o oficial delegado tem como termo inicial o ato administrativo de delegação pela autoridade competente. Aqui, é que primariamente começa a responsabilidade, pois, é ato de delegação que se tem o marco da investidura em função pública. (…) A delegação é uma descentralização administrativa intuitu personae na pessoa do oficial delegatário (…). Aqui identificamos uma espécie de ausência de responsabilidade civil, seja pelo regime ordinário, ou pelo regime extraordinário, pois, à serventia, a repartição pública cartorial, não se empresta personalidade civil, porque não é pessoa titular de direitos e deveres na ordem jurídica, privada ou pública. O cartório não atende ao artigo 1º, da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. (…) Destarte, o arquivo público está fora do comércio jurídico de direito privado, tanto que, só se defere seu gerenciamento, pela delegação constitucional dos serviços notariais e de registros públicos. Esta delegação transfere a estabilidade no gerenciamento do foro extrajudicial. Por isso, não há relação jurídica entre o cartório e qualquer pessoa. A invenção do constituinte na delegação constitucional não tirou da serventia a natureza de mera repartição pública, pois, a preocupação maior do legislador é com a eficiência no serviço pela desestatização. No regime ordinário temos a descentralização na pessoa do particular, daí porque é esta a pessoa que ordinariamente responde por tudo do cartório, enquanto, no regime extraordinário, a responsabilidade pelo cartório é do Estado (…) A responsabilidade vem da personalidade e como tal, o cartório, só é um arquivo público gerenciado por particular, daí porque, a serventia, ou o serviço não responderem por quaisquer débitos. (…) O tabelião público ou o oficial público registrador não são, certamente, empresários, muito menos, profissionais liberais, “Suas” serventias são arquivos públicos de todos do povo. Portanto, por não se tratar de unidade econômica, muito menos por não ter personalidade jurídica, ao cartório não se empresta responsabilidade civil por débitos de quaisquer natureza, inclusive por direitos do trabalhador. Todos os danos ou débitos ou dívidas e créditos ocorrentes no espaço e no tempo da repartição cartorial, se devem aos seus responsáveis e nunca a serventia em si mesma, que não é personagem na ordem jurídica. (In: A Responsabilidade Civil Cartorária Extrajudicial, Rio de Janeiro: Senai/RJ, 2005, p. 50-53 e 129-131 – grifo nosso)
Tratar o tema de outra forma acabaria por inviabilizar o sistema, pois nenhum profissional do direito em sã consciência se submeteria a um exigente concurso para assumir um serviço e se deparar com dívidas do anterior oficial. Essa alea não faz parte da ideia de concurso público.
Nessa sequencia de ideias, quando o oficial ingressa na atividade, dá início a todas as relações jurídicas a ele pertinentes, quer com relação ao serviço (responsabilidade civil), quer com relação ao fisco (responsabilidade tributária), quer com relação aos empregados (responsabilidade trabalhista).
Esse ideal, consentâneo com a natureza jurídica do serviço, é praticamente inviabilizado pela obrigação de portar um CNPJ, pois todos deixam de enxergar o correto (a figura do oficial) e passam a tratar com uma aparência (o “cartório”).
Portanto, entendemos que qualquer restrição ao notário e/ou registrador para obtenção de um novo CNPJ e, consequentemente, imposição para que seja utilizado CNPJ antigo, aberto pelo anterior tabelião, somente poderia ser instituída por lei, em sentido estrito; e não por ato infralegal ou entendimento administrativo.
Nas palavras do Dr. Clodomir Sebastião Reis, Juiz Federal do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, na ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento nº 0015177-82.2013.4.01.0000/DF (03/04/2013), “a delegação do exercício da atividade notarial e de registro é concedida à pessoa física, não sendo atribuída personalidade jurídica ao respectivo tabelionato. Assim, a concessão de CNPJ é feita para a pessoa do tabelião para que este exerça a atividade pública que lhe foi delegada. Não há CNPJ para pessoa jurídica, mas sim para o notário. O notário e/ou tabelião é investido em cargo público em caráter originário, sem qualquer vinculação com o notário anterior. Ademais, a exigência de que o novo titular do cartório utilize o mesmo número do CNPJ fornecido ao seu antecessor não encontra amparo legal (…)”.
Finalmente, considerando que o Tabelionato não é dotado de personalidade jurídica própria e que a inscrição no CNPJ é em nome da pessoa física do Tabelião e não do Tabelionato, entendo ser ilegítima a exigência de utilização, pelo novo titular do Cartório, do mesmo número de CNPJ fornecido ao seu antecessor.
São nossas considerações.

* Igor Emanuel da Silva Gomes é Advogado Militante, sócio da ESG Advocacia, Parecerista; Assessor Jurídico do 2º Ofício de Notas do Juízo de Vitória/ES. Graduado em Direito pela FDCI – Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim/ES. MBA – Pós Graduando em Direito Civil e Processual Civil pela FGV – Fundação Getúlio Vargas. Contato: (027) 2141-3373 / (027) 99936-3163  // e-mail: igoremanuel.adv@gmail.com http://igoremanuel.blogspot.com.br/

Fonte: Notariado | 06/04/2015.

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Artigo: O fim da audiência de conciliação no divórcio – Por Mário Luiz Delgado

* Mário Luiz Delgado

Recente decisão do STJ firmou que audiência de conciliação ou ratificação não constitui requisito para a homologação do divórcio consensual. Novo CPC também não mantém mais a exigência.

O Superior Tribunal de Justiça acabou de decidir, ao julgar o REsp 1.483.841/RS (DJe 27/03/15), que a audiência de conciliação ou ratificação não constitui requisito para a homologação do divórcio consensual. Para o STJ, a falta de sua realização não justifica a anulação do divórcio quando não houver prejuízo para as partes (pas de nullité sans grief)1.

A decisão encerra uma velha polêmica no que diz respeito à obrigatoriedade da audiência da ratificação. O § 2º, do art. 1.122, do CPC atual2, alude expressamente ao referido ato processual e diz ser cogente o comparecimento das partes, sob pena de arquivamento do processo. Não obstante, muitos juízos de família, em prol da celeridade processual, já dispensavam a realização dessa audiência.

A imposição da audiência tinha origem na antiga lei do divórcio (lei 6.515/77) e seu objetivo originalmente era promover todos os esforços para a reconciliação dos cônjuges. Posteriormente a audiência passou a ser utilizada também para aferir a higidez das manifestações de vontade apostas no acordo. Em acórdão do TJ/RS, colhe-se o registro “que na perspectiva atual a finalidade desse ato deve centrar-se na efetiva verificação da convergência de vontade das partes com o que consta plasmado na petição (e não na intervenção do juiz na tentativa de manter o vínculo, como antigamente), o que, largamente demonstra a experiência, frequentemente se verifica não ocorrer – desdobrando-se, posteriormente, em inúmeros feitos na tentativa de modificar os termos do acordo, sob os mais diversos argumentos, como coação, desconhecimento das suas consequências, etc”3. Essa posição parece ser majoritária em muitos tribunais estaduais4.

Para Rolf Madaleno, ainda “prevalece sim, um interesse de proteção estatal na justa composição da separação ou do divórcio, para que cônjuges possam ser induvidosamente esclarecidos, ou que assim manifestem perante o juiz, de estarem efetivamente cientes dos efeitos das cláusulas por eles ajustadas na sua separação no seu divórcio e, portanto, para que não saiam prejudicados em seus direitos”.5

Com todo respeito, os argumentos a favor da obrigatoriedade da audiência nos parecem francamente ultrapassados. De fato, com o nível de inclusão social da população brasileira na atual quadra da sociedade da informação aliado ao volume descomunal de processos que atola os escaninhos (físicos ou virtuais) do Judiciário, não faz qualquer sentido a obrigatoriedade da audiência em um procedimento consensual.

Os riscos de fraude, ou mesmo de prejuízo a um dos cônjuges ou aos filhos, podem ser coibidos pelos instrumentos previstos na legislação, a exemplo da ação anulatória.

Demais disto, se o acordo for pernicioso, o juiz pode se recusar a homologá-lo, consoante previsão do parágrafo único do art. 1.574 do CC, a repetir o § 2º do art. 34 da lei 6.515/77, independentemente de ter havido ou não a audiência6. Constatada a possibilidade concreta de prejuízo a um dos cônjuges, mostra-se “plenamente possível ao juízo rejeitar a homologação de acordo, que entenda desatender aos interesses de um dos consortes”7.

Registre-se, finalmente, que o novo CPC, a entrar em vigor em março de 2015, não mantém mais a exigência, implicando o fim de qualquer controvérsia que ainda pudesse ser suscitada.

Atualmente, enquanto vigente o CPC/73, nada impede que os juízes de família continuem a realizar as audiências de ratificação, por deliberação própria, sabendo, de antemão que a sua não realização não implicará qualquer nulidade. A partir da entrada em vigor do NCPC, a imposição da audiência contra a vontade das partes será manifestamente ilegal.

_______________

1 No julgamento do REsp 1.483.841, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a audiência de conciliação ou ratificação que antecede a homologação de divórcio consensual tem cunho meramente formal, e a falta de sua realização não justifica a anulação do divórcio quando não há prejuízo para as partes. Confira-se a ementa: PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. AÇÃO DE DIVÓRCIO CONSENSUAL DIRETO. AUDIÊNCIA PARA TENTATIVA DE RECONCILIAÇÃO OU RATIFICAÇÃO. INEXISTÊNCIA. DIVÓRCIO HOMOLOGADO DE PLANO. POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. Em razão da modificação do art. 226, § 6º, da CF, com a nova redação dada pela EC 66/10, descabe falar em requisitos para a concessão de divórcio. 2. Inexistindo requisitos a serem comprovados, cabe, caso o magistrado entenda ser a hipótese de concessão de plano do divórcio, a sua homologação. 3. A audiência de conciliação ou ratificação passou a ter apenas cunho eminentemente formal, sem nada produzir, e não havendo nenhuma questão relevante de direito a se decidir, nada justifica na sua ausência, a anulação do processo.4. Ainda que a CF/88, na redação original do art. 226, tenha mantido em seu texto as figuras anteriores do divórcio e da separação e o CPC tenha regulamentado tal estrutura, com a nova redação do art.226 da CF/88, modificada pela EC 66/2010, deverá também haver nova interpretação dos arts. 1.122 do CPC e 40 da Lei do Divórcio, que não mais poderá ficar à margem da substancial alteração. Há que se observar e relembrar que a nova ordem constitucional prevista no art. 226 da Carta Maior alterou os requisitos necessários à concessão do Divórcio Consensual Direto.5.Não cabe,in casu, falar em inobservância do Princípio da Reserva de Plenário, previsto no art. 97 da Constituição Federal, notadamente porque não se procedeu qualquer declaração de inconstitucionalidade, mas sim apenas e somente interpretação sistemática dos dispositivos legais versados acerca da matéria.6. Recurso especial a que se nega provimento.(REsp 1483841/RS, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/03/2015, DJe 27/03/2015)

2 Art. 1.122. Apresentada a petição ao juiz, este verificará se ela preenche os requisitos exigidos nos dois artigos antecedentes; em seguida, ouvirá os cônjuges sobre os motivos da separação consensual, esclarecendo-lhes as conseqüências da manifestação de vontade.§ 1o Convencendo-se o juiz de que ambos, livremente e sem hesitações, desejam a separação consensual, mandará reduzir a termo as declarações e, depois de ouvir o Ministério Público no prazo de 5 (cinco) dias, o homologará; em caso contrário, marcar-lhes-á dia e hora, com 15 (quinze) a 30 (trinta) dias de intervalo, para que voltem a fim de ratificar o pedido de separação consensual.§ 2o Se qualquer dos cônjuges não comparecer à audiência designada ou não ratificar o pedido, o juiz mandará autuar a petição e documentos e arquivar o processo.

3 Apelação Cível Nº 70053849014, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 19/04/2013.

4  CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. DIVÓRCIO DIRETO CONSENSUAL. NÃO REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE RATIFICAÇÃO. AUSÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE FIRMA. SENTENÇA CASSADA. 1. A AUSÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE FIRMA DAS PARTES NA PETIÇÃO INICIAL DE DIVÓRCIO, ALIADA A NÃO DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE RATIFICAÇÃO, GERA INSEGURANÇA JURÍDICA E É CAUSA DE NULIDADE DA SENTENÇA QUE HOMOLOGA O DIVÓRCIO. 2.RECURSO PROVIDO. SENTENÇA CASSADA. (TJ-DF – APC: 20130310162204 DF 0015977-03.2013.8.07.0003, Relator: ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS, Data de Julgamento: 06/11/2013, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 25/11/2013 . Pág.: 130) * PROCESSO CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE DIVÓRCIO DIRETO CONSENSUAL. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. NÃO REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE RATIFICAÇÃO. NECESSIDADE. INTERESSE DE MENOR. IRRESIGNAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO. Acordo que envolve menor não pode ser homologado judicialmente sem que antes seja realizada audiência de ratificação, sendo necessária a intervenção do Ministério Público no feito, já que o principal interesse a ser protegido é o da criança. “Os interesses dos menores se sobrepõem aos princípios da celeridade e economia processual”. (Desembargador Mazoni Ferreira).(TJ-SC – AC: 663005 SC 2009.066300-5, Relator: Luiz Carlos Freyesleben, Data de Julgamento: 15/09/2010, Segunda Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Blumenau)

5 Separação extrajudicial: praticidade, trâmite e fraude. In: Antonio Coltro, Mario Luiz Delgado (Org.). Separação, divórcio, partilha e inventário extrajudiciais. 2 ed. São Paulo: Método, 2011, p. 266.

6 Essa faculdade atribuída ao juiz, também chamada de “cláusula de dureza”, é ato fundamentado do magistrado no exercício de seu munus, adotado com ou sem manifestação do interessado. Por interferir na autonomia privada dos cônjuges a regra é considerada inconstitucional por parcela da doutrina.(Vide DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das familias 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.292).

7 STJ- REsp 1203786/SC, DJe 19/03/2014.

________________

Mário Luiz Delgado é advogado do escritório MLD – Mário Luiz Delgado Advogados. Doutor pela USP. Mestre pela PUC/SP. Professor. Diretor de Assuntos Legislativos do IASP. Presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do IBDFAM.

Fonte: Migalhas | 06/04/2015.

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Artigo: APONTAMENTOS ACERCA DOS REGISTROS PÚBLICOS – Lei Nº 13.097/2015 – Por Ministra Nancy Andrighi e Desembargador TJ/SP Ricardo Dip

* Ministra Nancy Andrighi1

* Desembargador TJ/SP Ricardo Dip2

1. Datada de 19 de janeiro de 2015, a Lei nº 13.097, normativa de conversão da Medida Provisória nº 656/ 2014 (de 7-10), traz em seu bojo umas tantas regras concernentes ao Direito registral (arts. 53 a 62), embora a mais aparentemente importante delas (a do art. 54) não se destine a re percutir diretamente na praxis do registro, antes mais incidindo no âmbito de seus efeitos primeiramente substantivos.

2. A norma do referido art. 54 da Lei nº 13.097 explicita um princípio de algum modo já assente em nosso direito, qual o da inoponibilidade dos atos jurídicos não inscritos diante de negócios constitutivos, de transferência ou modificativos de direitos reais sobre imóveis.

Essa regra − a da eficácia substantiva da inscriçã o, com ressonância na esfera dos efeitos processuais o fensivo e defensivo derivados do status da legitimidade registral−, pressuposta já na obrigatoriedade das inscrições ( vid ē art. 169 da Lei nº 6.015, de 31-12-1973), não ostenta, na Lei nº 13.097, bem é que se diga, mais do que uma expressamente limitada extensão , tal se verifica do teor do mesmo art. 54:

“Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, n as hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:

I – registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias;

II – averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos previstos do art. 615-A da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil;

III – averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e

IV – averbação, mediante decisão judicial, da exist ência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do inciso II do art. 593 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 –

Código de Processo Civil.

Parágrafo único. Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.”

3. Desde nossa  primeira  normativa  registral  posterior  ao Código Civil de 1916, já se previra a inscrição “da s penhoras, arrestos e sequestros de immoveis” (inc. VII da alí nea a do art. 5º da Lei nº 4.827, de 7-2-1924) e “das citações de acções reaes ou pessoaes reipersecutórias, relativas a immoveis” (inc. VIII), previsões que se reprisaram no Decreto com q ue se regulamentou a Lei nº 4.827 −Decreto nº 18.542, de 24 de dezembro de 1928 (vid ē incs. VI e VII do art. 173, e, sobretudo, arts. 266 e 267, reportados ao caráter f raudatório dos negócios posteriores a essas inscrições).

Dessa maneira, parecerá pouco justo falar-se agora , quanto a esse capítulo, em novidade na prática registral ou ainda de um suposto novo princípio registrário (fal a-se em “concentração”), quando a convergência das inscriçõ es em tela −de penhora, arresto, sequestro, citações etc.− par a os livros do Registro já se anunciava expressamente na Lei de 1924. A relativa novidade, isto sim, foi a da explicitude legal dos efeitos substantivos −ainda que, repita-se, limitad amente−, efeitos esses derivados da falta de inscrição de alguns títulos referidos na Lei nº 13.097.

Inscrever penhoras, arrestos, sequestros e citaçõe s sempre favoreceu −e isso já se abona, entre nós, de larga e continuada tradição− ( i) a economia de tempo, esforços e custos, (ii) a situação de terceiros (com o resguardo dos interesses de credores e adquirentes) e (iii) o estímulo a diligências que permitam, como é desejável, passar da esfera da cognoscibilidade legal dos registros à de seu conhecimento efetivo.

Não se trata, pois, de novidade, mas de uma boa prática confirmada pela experiência ao largo do tempo.

4. À partida, é certo que essas inscrições acarretam uma vantagem econômica, na medida em que se solve o problema da dispersão publicitária, evadindo −o quanto possível (mas só o quanto possível)−  uma  sindicância  nos  arquivos   dos distribuidores judiciais,  de  plenitude  sempre  controversa  em um  País,  tal  o nosso,  de  grande  vulto  territorial  e  com instâncias  sobrepostas. Sendo  o  registro  imobiliário  o  locus natural  dos  fatos  relevantes para  a  caracterização  do  estado jurídico  dos  imóveis,  sempre  se entendeu,  com  efeito,  que  o registro  configura  a  melhor  fonte atrativa,  por  natureza,  da inscrição desses fatos e do conhecimento (ficto, presumido ou efetivo) da situação jurídico-predial.

Mas essa atração tabular, mal ou bem, não dispensa, de modo absoluto,  o  concurso  de  outras  fontes  publicitárias, incluído muito destacadamente o distribuidor judicial. A própria Lei  nº 13.097,  no  parágrafo  único  de  seu  art.  54,  indicou  a exceção dos casos sob a incidência das normas dos arts. 129 e 130 da Lei nº 11.101/2005 (de 9-2), em que se lê:

“Art. 129. São ineficazes em relação à massa falida, tenha ou não o contratante conhecimento do estado d e crise econômico-financeira do devedor, seja ou não intenção deste fraudar credores:

I – o pagamento de dívidas não vencidas realizado p elo devedor dentro do termo legal, por qualquer meio extintivo do direito de crédito, ainda que pelo desconto do próprio título;

II – o pagamento de dívidas vencidas e exigíveis realizado dentro do termo legal, por qualquer forma que não seja a prevista pelo contrato;

III – a constituição de direito real de garantia, i nclusive a retenção, dentro do termo legal, tratando-se de d ívida contraída anteriormente; se os bens dados em hipoteca forem objeto de outras posteriores, a massa falida receberá a parte que devia caber ao credor da hipot eca revogada;

IV – a prática de atos a título gratuito, desde 2 ( dois) anos antes da decretação da falência;

V – a renúncia à herança ou a legado, até 2 (dois) anos antes da decretação da falência;

VI – a venda ou transferência de estabelecimento feita sem o consentimento expresso ou o pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, não tendo restado ao devedor bens suficientes para solver o seu passivo, salvo se, no prazo de 30 (trinta) dias, não houver oposição dos credores, após serem devidamente notificados, judicialmente ou pelo oficial do registro de títulos e documentos;

VII – os registros de direitos reais e de transferência de propriedade entre vivos, por título oneroso ou gratuito, ou a averbação relativa a imóveis realizados após a decretação da falência, salvo se tiver havido prenotação anterior.

Parágrafo único. A ineficácia poderá ser declarada de ofício pelo juiz, alegada em defesa ou pleiteada mediante ação própria ou incidentalmente no curso do processo.

Art. 130. São revogáveis os atos praticados com a intenção de prejudicar credores, provando-se o conluio fraudulento entre o devedor e o terceiro que com ele contratar e o efetivo prejuízo sofrido pela massa falida.”

Em acréscimo, a Lei nº 13.097 exclui ainda do domínio de incidência da regra central de seu art. 54 “as hipóteses de aquisição e extinção da  propriedade  que  independam  de registro  de  título de  imóvel”,  quais  sejam  as  dos  atos  mortis causa, a da usucapião,  as  hipóteses  (embora  de  todo  mais raras) de formação  de  ilhas,  avulsão  e  aluvião  (incluindo  o abandono de álveo), as oponibilidades autônomas ori undas do direito de família (p.ex., o usufruto legal) e a inscrição na dívida ativa: “Presume-se fraudulenta a alienação o u oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa” (art. 185- A do Código Tributário Nacional).

Não é, pois, de estimar universalizada a extensão dos efeitos substantivos tabulares explicitados com o art. 54 da Lei nº 13.097, senão que −como se verá adiante− compree nder sua vantagem aclaratória quanto aos casos específicos que ali se elencam. Saliente-se que a extensão dos versado s efeitos substantivos objeto dessa nova Lei também não atinge os “imóveis que façam parte do patrimônio da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas fundações e autarquias” (art. 58) e posterga-se, por dois anos, quanto aos títulos formalizados antes da vigência da mesma Lei (cf. art. 61 e inc. II do art. 168).

5. Por outro ângulo, a divisão das possíveis fontes de conhecimento de fatos (objeto de inscrição) e situações (objeto de publicidade) referentes a imóveis sempre foi uma arriscada via de escusas para, com razão ou sem ela, permitir alguma forma de eficácia defensiva ou ofensiva em face de terceiros confiados na higidez do registro.

A concorrência de uma publicidade especializada (a dos ofícios prediais) com outros meios publicitários (p .ex., o judicial, o administrativo, o notarial) enseja, com efeito, riscos para o terceiro, adquirente ou credor, e para o próprio sistema registral, ao debilitar, quando não mesmo destruir, a confiança na legitimação registrária. É que esta última se ex pressa ao modo presuntivo da exatidão e da integralidade dos assentos registrais: em outros termos, no registro, assim se deve presumir, nada há positivamente de errôneo (exatidão registral), nem, agora negativamente (ou, acaso melhor, privativamente), dado algum há que lhe falte (integralidade registral), até que se inscreva, no próprio registro, eventual emenda e, no limite, salvo os casos de evidência quoad se de omissão (p.ex., o do nome do legitimado tabular) ou de contradição de termos (porque nesse quadro a presun ção se neutraliza). Amesquinhar, contudo, essa presunção, ainda que seja ela relativa (em nosso ordenamento, graduadamente relativa: cf. art. 252 da Lei nº 6.015, de 1973), m ediante o concurso de elementos publicitários extrarregistrais, maltrata o princípio da confiança no trato jurídico, em que, em última análise, repousa a legitimidade tabular.

Além disso, extraindo-se efeitos substantivos da só cognoscibilidade dos registros, sem exigir-se a pouco menos do que inviável confirmação, em cada caso, de seu conhecimento efetivo, melhor corresponde ao êxito esperável das diligências dos terceiros, possam elas realizar -se em fonte única, sem o receio de ignorar obstáculos ocultos p ara o conhecimento geral ou pouco menos que isso em ambientes não registrais.

Desse modo, a despeito da limitação das hipóteses arroladas no art. 54 da Lei nº 13.097, sua norma tende a revigorar o papel do registro imobiliário para a vi da social do cidadão.

6. Essa consideração sugere uma pequena digressão, porque, quase quatro décadas após a vigência da atual de Lei de Registros Públicos, com a subsistência de um birritualismo tabular que tem permitido sobreviver a técnica da transcrição com a da matrícula, tem-se tolerado, para conhecer-se a situação jurídica de um imóvel, não somente uma dis persão livresca, mas, muitas vezes, a diversidade de cartórios competentes. Não é demasiado referir que essa convi vência de técnicas − sobre afastada da intenção da Lei nº 6.0 15/73 em adotar o critério do fólio real− repercute na economia de tempo, de esforços e de custos.

Acaso seja a hora de cogitar do caráter apenas transitório da regra do inciso I do art. 169 da Lei nº 6.015, de 1973, em que se lê:

“Todos os atos enumerados no art. 167 são obrigatórios e efetuar-se-ão no Cartório da situação do imóvel, salvo:

I – as averbações, que serão efetuadas na matrícula ou à margem do registro a que se referirem, ainda que o imóvel tenha passado a pertencer a outra circunscrição”.

Sintoma da inconveniência dessa duplicidade de técnicas −as de transcrição e de matriculação−, é a inda o de que, em alguns casos, esgotados os espaços para as averbações marginais nos velhos “livrões” (o Livro nº 3 do Regulamento de 1939, ou seja, o Livro da Transcrição das Transmissões), e neles não havendo mais folhas em branco para  o  traslado  das  transcrições,  reproduzem-se  ela s  em folhas soltas (como se fossem matrículas!), nas quais se lançam as averbações, tudo para uma observância rigorosa de uma regra −a do mencionado inciso I do art. 169 da Lei de Registros Públicos− que só delonga a na lei almejada adoção da técnica de matrícula.

7. O Regulamento  de  1939  (Decreto  nº  4.857,  de  9-12 ), em seu art. 178 (incs. VI e VII), também previu a inscrição da penhora, do arresto, do sequestro e das citações na s ações reais, ou pessoais, e reipersecutórias, relativas a imóveis, indicando, em seus arts. 280 e 281, os efeitos substantivos projetados para as aquisições posteriores.

Não diversamente, a Lei nº 6.015, de 1973, na linh a da normativa anterior, alistou a penhora, o arresto, o sequestro de imóveis e as citações de demandas reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis, entre os atos suscetíveis de registro stricto sensu (nºs 5 e 21 do inc. I do art. 167), prevendo em seu art. 240: “O registro da penhora faz prova quanto à fraude de qualquer transação posterior”.

Sabe-se o quão controversa se viu a incidência dessa regra na aplicação pretoriana, sobretudo e de logo ante a notória falta de um advérbio (“só”, “somente”, “apenas”) que concorresse para conferir ao registro da penhora a exclusividade, em sua espécie, para a confirmação da fraude do negócio jurídico póstero.

Vem agora a Lei nº 13.097, de 2015, estadear, de modo explícito (como  já  se  observou),  a  inoponibilidade  de  alguns atos jurídicos não  inscritos  − suposta, pois,  a suscetibilidade de  sua  inscrição  (mas  deixe-se  aqui  à  margem  a  discussão sobre o caráter exauriente ou não da norma do inc. I  do art. 167 da Lei nº 6.015)− diante de negócios potencialmente constitutivos ou modificativos, objetiva ou subjetivamente (transferências), de direitos reais sobre imóveis, atos aqueles: (i) de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias; (ii) de constrição judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença; (iii) de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; (iv) da existência de outro tipo de ação cujos resulta dos ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência.

Não  há  nisso,  como  se  vê,  reflexo  para  a praxis registrária, porque os registros e as averbações correspondentes  já  se  previam  passíveis  de  aceder  a o  ofício predial. Acaso teria sido útil aproveitar o ensejo  desse art. 54 da Lei nº 13.097 para adotar-se, entre nós, a inscrição provisória ou −poderiam ser as duas coisas− um diverso locus de  textualização  do  registro  ou do averbamento de  atos que não  têm vocação de permanência (assim,  os relativos à penhora, sequestro, arresto, protesto contra alienação de bens, arrolamento cautelar, ações, indisponibilidade de bens etc.).

A  então  configurada,  em  inúmeras  hipóteses,  vultos a extensão   das   fichas   de   matrícula   conspira contra   seu perseguido  caráter  gráfico.  Uma  das  vantagens, com   efeito, que se pretende extrair da técnica do fólio real é a mais cômoda visibilidade da situação imobiliária publica da. Fichas vastas, com assentos que se cancelam direta ou indiretamente, ressonam de modo negativo na economia registral, o que, no modelo brasileiro da escrituração da matrícula, tem ainda o inconveniente de que adotamos a técnica sequencial e não a das averbações à margem dos assentamentos principais da matrícula. Dessa maneira, parece que, sem embargo da inconveniência, em princípio, d a dispersão de fontes textuais no registro, a remessa ao Livro nº 3 (Registro Auxiliar) de atos que, por si próprios, não se projetam duradouros, traria o saudável efeito de re duzir o ritmo de expansão escritural das matrículas, salvaguardando-se a inteireza da publicidade nos moldes indicados no art. 21 da Lei nº 6.015, de 1973.

No mesmo sentido, pareceria conveniente instituir a técnica das inscrições provisórias, com validade temporal assinada −ainda que prorrogável por ato judiciário− , de modo que, além das vantagens correspondentes à desnecessidade de averbações de cancelamento dessas inscrições, também se impediria o risco de uma falsa perpetuidade dos efeitos de alguns registros: exemplo típico é o do protesto contra a alienação de bens que, uma vez inscrito, inclina-se à persistência nas matrículas.

8. Regra de observância na prática do registro acha -se no § 1º do art. 56 da Lei nº 13.097, de 2015. Após indicar alguns requisitos da titulação exigível para o averbamento previsto no inciso IV de seu art. 54 (“averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultado s ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do inciso II do art. 593 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil”), a Lei estabelece que essa referida averbação “é considerada sem valor declarado”, o que reflete no valor dos emolumentos e custas da inscrição. Além disso, ressalva-se a gratuidade eventual dessa averbação aos “que se declararem pobres sob as penas da lei” (§ 2º do art. 56), tema que tem suscitado, entre outras controvérsias, o da admissibilidade (ou não) de controle, pelo registrador, da veracidade da declaração da necessitas.

Para o território da prática notarial, convém pôr em evidência a previsão do art. 59 da Lei nº 13.097, que altera o texto do § 2º do art. 1º da Lei nº 7.433/1985 (de 1 8-12), dispensando a apresentação de certidões relativas a “feitos ajuizados”.

Novidade ainda na praxis registral é o disposto no § 3º do art. 56 da Lei, em que se impõe a obrigatoriedade da comunicação do ato da averbação ao juízo de que pro venha o título, assinando-se a tanto o prazo de dez dias, prevendo-se ainda (art. 60) que essa comunicação se perfaça por meio eletrônico a partir da implementação do sistema de registro eletrônico (Lei nº 11.977, de 7-7- 2009).

É importante ressaltar, a propósito, que o referido art. 60 da Lei nº 13.097 institui um tipo penal-disciplinar reportável, em extremo, à perda de delegação registrária, situação inédita de uma previsão benfazeja à segurança jurídica de orientação, sabido que a Lei nº 8.935/1 994 (de 18-11) apenas relacionava expressamente a extensão punitiva da delegação a um só tipo próprio dos registradores civis (inc. VI do art. 39).

Por fim, ponto ainda de relevo para a prática do registro, ter a Lei nº 13.097 reduzido a cinco dias o prazo para a qualificação relativa ao ato de averbação previsto no inciso IV de seu art. 54 (com efeito, lê-se no art. 57: “( …) será feita a averbação ou serão indicadas as pendências a serem satisfeitas para sua efetivação no prazo de 5 (cinco) dias”.

Esta é uma reflexão inicial acerca da Lei nº 13.097/2015 e um convite para que convivamos, sem receio, com os ventos da modernidade.

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1 Corregedora Nacional de Justiça

2 Juiz Auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça

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Fonte: CNJ.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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