Artigo: União poliafetiva – ficção ou realidade? – Por Yves Zamataro

* Yves Zamataro

Não se pode ignorar, ainda, que o conceito de família já passou por inúmeras adaptações e que a existência de relações poliafetivas é uma realidade.

A constante evolução de nossa sociedade é, certamente, um dos fatores preponderantes a determinar uma maior flexibilização do conceito de família em nosso Direito.

O CC de 1916 admitia, unicamente, o casamento civil como elemento formador da família, muito embora nossas doutrina e jurisprudência já passassem a admitir a união estável.

Com a promulgação da CF/88 reconheceu-se a união estável também como elemento formador de uma família, bem como o núcleo formado por apenas um dos genitores e seus descendentes.

Adiante, outra inovação foi trazida à tona ao se considerar a possibilidade de união estável decorrente de pessoas do mesmo sexo (união homoafetiva).

Em maio de 2011 o STF, por votação unânime, julgou procedente uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIn 4.277), atribuindo a essa espécie de união as mesmas regras e consequências oriundas da união estável heterossexual ou heteroafetiva.¹

Há algum tempo nossos meios de comunicação passaram a abordar uma outra modalidade de união.

Nos cinemas, tivemos exemplos como dos filmes “Dona Flor e seus dois maridos” e “Eu, Tu, Eles”.

Ambos retratam a união decorrente de dois homens e uma mulher, ou seja, a união poliafetiva, também conhecida como relação múltipla, conjunta ou poliamor.

Mas seria isso, apenas, ficção oriunda de mentes férteis e criativas?

Um fato ocorrido em agosto de 2012 na comarca de Tupã pôs fim a esse questionamento: uma cartorária lavrou uma escritura pública de união estável com o objetivo de regularizar a situação existente entre um homem e duas mulheres que já viviam juntos há mais de três anos, estabelecendo o regime de comunhão parcial de bens, dever de assistência, administração de bens pelo marido, enfim, todos os direitos decorrentes de uma união estável entre um homem e uma mulher.

A principal justificativa para essa lavratura decorreu da inexistência de previsão legal e a influência dos princípios constitucionais de igualdade, dignidade da pessoa humana e da liberdade.²

Essa ocorrência, evidentemente, repercutiu em nosso meio jurídico, dividindo a opinião de nossos doutrinadores.

Para Regina Beatriz Tavares da Silva: “A expressão poliafeto é um engodo, um estelionato jurídico, na medida em que, por meio de sua utilização, procura-se validar relacionamentos com formação poligâmica.”

Complementa dizendo que essa escritura “de nada servirá a essas três pessoas. É inútil porque não produz os efeitos almejados, uma vez que a Constituição Federal, a Lei Maior do ordenamento jurídico nacional, atribui à união estável a natureza monogâmica, formada por um homem ou uma mulher e uma segunda pessoa…”

Por fim, ressalta que tanto o STF, quanto o STJ, já se manifestaram no sentido de que a poligamia, em hipótese alguma, gera efeitos no direito de família.³

De outro lado, representando posicionamento favorável ao reconhecimento das uniões poliafetivas, encontramos Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família.

Dias consigna que:

“O princípio da monogamia não está na constituição, é um viés cultural. O código civil proíbe apenas o casamento entre pessoas casadas, o que não é o caso. Essas pessoas trabalham, contribuem e, por isso, devem ter seus direitos garantidos. A justiça não pode chancelar a injustiça.”⁴

Divergências à parte, não se pode ignorar que, atualmente, o afeto tornou-se o grande fundamento nas decisões envolvendo Direito de Família.

Não se pode ignorar, ainda, que o conceito de família já passou por inúmeras adaptações e que a existência de relações poliafetivas é uma realidade.

Partindo-se desses pressupostos deve-se considerar que, embora ainda seja algo menos comum e moralmente pouco aceito pelos padrões sociais, não há dispositivo legal no CC, no Código Penal e tampouco na CF, que proíbam as pessoas de manterem essa espécie de relação, haja vista que o que se considera crime é apenas a bigamia. Em não se tratando de casamento, mas apenas de uma relação privada, não há que se falar em impedimento.

Não se trata de manifestação favorável ou desfavorável aos posicionamentos existentes, mas sim de reconhecer e demonstrar a necessidade urgente de qualquer tipo de regulamentação ou tutela que proporcionará uma igualdade entre famílias, o respeito aos seus entes formadores e, principalmente, a proteção do ser humano, objeto principal do nosso Direito.

________________

Referências

  1. TIZZO, Luis Gustavo Liberato e BERTOLINI, Priscila Caroline Gomes. “Das uniões poliafetivas hoje: uma análise à luz da publicização do privado e do acesso à justiça”. (Acesso em 25/03/2015)
  2. VECHIATTI, Paulo Roberto Iotti. “União estável poliafetiva: breves considerações acerca de sua constitucionalidade”. (Acesso em 25/03/2015)
  3. SILVA, Regina Beatriz Tavares da. ‘União poliafetiva’ é um estelionato jurídico. (Acesso em 25/03/2015)
  4. DIAS, Maria Berenice. “Escritura reconhece união afetiva a três.”(Acesso em 25/03/2015)

________________

Yves Zamataro é advogado da banca Angélico Advogados.

Fonte: Migalhas | 02/04/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


Artigo: A mulher e o direito de registrar o nascimento do filho – Por Eudes Quintino de Oliveira Júnior e Antonelli Antonio Moreira Secanho

* Eudes Quintino de Oliveira Júnior e Antonelli Antonio Moreira Secanho

Entrou em vigor a lei 13.112/15 que permite à mulher, em igualdade de condições, proceder ao registro de nascimento de seu filho.

Durante muito tempo imperou a lei, sedimentada pela tradição, que a legitimidade para registrar nascimento de filho era exclusiva do pai, enquanto a mãe se recuperava do parto e se dedicava ao recém-nascido. Fazia até parte das comemorações da chegada do filho a exibição da certidão registral.

No dia 30 de março do corrente ano caiu por terra a exclusividade paterna. Entrou em vigor a lei 13.112 que permite à mulher, em igualdade de condições, proceder ao registro de nascimento de seu filho. Sendo assim, este novo comando legal altera expressamente o artigo 52, da lei 6.015/73 (lei de registros públicos – LRP).

Inicialmente, pode-se afirmar que o legislador pátrio procurou atender a uma determinação basilar de nosso ordenamento: homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações (art. 5º, inciso I, de nossa CF).

Desta feita, levando-se em conta que referida previsão constitucional precisa ser respeitada em situações cuja isonomia jurídica entre homens e mulheres se faz presente, depara-se com um mandado explícito constitucional para que todas as legislações em vigor se amoldem à Carta Maior, com a eficácia jurídica e social.

Deste modo, considerando que a LRP apenas obrigava o pai a fazer a declaração de nascimento do filho (antiga redação do artigo 52, 1º, LRP), reputa-se flagrante a violação constitucional, tendo em vista a explícita igualdade de condições, cujo tratamento precisa ser igualitário – por força da CF.

Portanto, com a nova lei, acrescenta-se a obrigatoriedade de também a mãe, ainda que isoladamente, fazer a declaração de nascimento de seu filho.

Não se pode perder de vista, no entanto, que essa declaração deve corresponder a um indicativo correto da paternidade e não a uma escolha seletiva levando-se em consideração a conveniência materna. Isto é, não pode a mãe atribuir a paternidade a quem quer seja, sob pena de evidente abuso de direito, apesar do preceito paternitas incerta est, hoje já mitigado em razão das técnicas de reprodução assistida.

Isso porque a paternidade não decorre de ato imaginário e volitivo da mulher. E a esse respeito há a norma expressa do artigo 54, § 2º da LRP que, de certa forma, conflita com a nova mudança legislativa ao afirmar que o “nome do pai constante da Declaração de Nascido Vivo não constitui prova ou presunção da paternidade, somente podendo ser lançado no registro de nascimento quando verificado nos termos da legislação civil vigente” (Incluído pela lei 12.662, de 2012).

Aliás, cabe perfeito encarte neste tema, apontar que a procriação responsável já conta com o respaldo da lei 11.804/08, que regulamentou os alimentos impropriamente chamados de gravídicos, conferindo à mulher gestante não casada e que não viva em união estável, apontar o suposto pai em ação judicial e apresentar indícios de paternidade para configurar a obrigação alimentar.

Há situações em que referida paternidade é presumida, conforme artigo 1597, do CC brasileiro (presunção pater is est quem justae nuptiae demonstrat – é presumida a paternidade do marido quando filho gerado de mulher casada):

Art. 1597: Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II – nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Deste modo, verifica-se que pretende a lei conferir à mulher a possibilidade de registrar seu filho quando o pai assim não deseja ou, então, quando não está efetivamente presente (seja por desconhecimento da paternidade, falecimento, etc), sobretudo quando presente a presunção legal.

Por fim, referida novatio legis ainda atinge, em sua plenitude, o salutar comando do artigo 27, do Estatuto da Criança e do Adolescente:

O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.

Logo, se o recém-nascido possui o direito personalíssimo, indisponível e imprescritível de fazer com que seus pais o reconheçam como filho, nada mais eficaz do que permitir que os pais, isoladamente ou em conjunto, quando do registro de nascimento, possam e devam registrá-lo.

Verifica-se, desta forma, que o legislador apenas concretizou a sistematização de nosso ordenamento jurídico, a fim de adequar a legislação que entrou em vigor antes da Carta Magna (mas evidentemente com ela compatível) aos novos comandos jurídicos, que procuram conferir o máximo de dignidade a todos os brasileiros.

_____________________

*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde, advogado e reitor da Unorp – Centro Universitário do Norte Paulista.

*Antonelli Antonio Moreira Secanho é advogado, Bacharel em Direito pela PUC/Campinas e pós-graduado “Lato Sensu” em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/São Paulo.

Fonte: Migalhas | 05/04/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


Artigo: Da partilha de desigual de bens na separação ou divórcio. Incidência de ITBI ou ITCMD? – Por Gustavo Casagrande Canheu

* Gustavo Casagrande Canheu

A partilha, na escritura de separação ou divórcio, far-se-á conforme as regras da partilha em inventário extrajudicial (art. 39, Resolução 35 CNJ), se o caso, devendo o Tabelião distinguir o que é patrimônio individual de cada cônjuge (se houver) do que é patrimônio comum, seguindo as regras relativas ao regime de bens vigente no casamento a ser dissolvido.Nada impede, no entanto, que seja feita a separação, ou mesmo o divórcio, na via extrajudicial, sem a correspondente partilha dos bens, nos termos do art. 1.581 do Código Civil, caso em que o Tabelião deverá consignar na escritura que a mesma será feita posteriormente, por nova escritura ou em ação própria. Nesse caso, a escritura teria como finalidade apenas o rompimento da sociedade conjugal ou do vínculo matrimonial, sem discutir as questões patrimoniais a ele inerentes.

Questão tormentosa se apresenta na partilha desigual de patrimônio comum ou naquela em que há a transmissão de propriedade de um cônjuge ao outro, uma vez que em ambos os casos deve incidir o respectivo imposto de transmissão. E é justamente aí que reside o problema: qual é o imposto que incide? O ITBI (municipal) ou o ITCMD (estadual)?

Como se sabe, o ITBI é o imposto que incide sobre as transmissões onerosas de propriedade de bens imóveis, enquanto o ITCMD é a exação incidente sobre as transmissões gratuitas de quaisquer tipos de bens (doação ecausa mortis).

Parte da doutrina e da jurisprudência tem entendido que ainda que a divisão do patrimônio total do casal seja igualitária, se houver diferença na divisão dos bens imóveis, haverá incidência do ITBI, sobre o valor que exceder a meação do cônjuge beneficiado sobre o patrimônio imobiliário do casal (Nesse sentido: Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo, Apelação Cível 372-6/9, Patrocínio Paulista; 6ª Câmara do TJSP, j. 05.05.1983, RJTJSP 85/257).

E se entende pela incidência do ITBI e não do ITCMD, pois a compensação da diferença recebida em bens imóveis, feita através de outros bens (móveis, títulos de crédito, etc.), caracterizaria onerosidade na diferença de transmissão, ou seja, pagamento de um cônjuge ao outro pelo valor maior recebido em bens imóveis.

Não é esse, no entanto, o nosso entendimento. Não acreditamos que seja necessária a análise do patrimônio do casal separando-se os bens imóveis dos demais. Em nosso sentir, o patrimônio do casal é uno, e a natureza dos bens que o compõe (móveis ou imóveis) não altera o direito de cada um à meação, que é do todo, e não de cada bem.

Em outras palavras, cada cônjuge tem direito à meação do patrimônio amealhado pelo casal durante o matrimônio (no caso da regra geral do regime da comunhão parcial de bens, aqui usada como parâmetro), e não a 50% de cada bem. Não é possível definir, antes de eventual partilha, que percentual cada um terá em cada bem, móvel ou imóvel.

O que se quer dizer é que ambos os cônjuges possuem, na constância do matrimônio, a propriedade total dos bens e direitos que integram a união, sendo estes considerados como uma só universalidade. Assim, ambos são proprietários do mesmo todo, que somente será individualizado por meio da partilha, se e quando houver dissolução da sociedade conjugal, de modo que nada impede que, para evitar a criação de condomínio necessário em cada um dos bens no momento da separação ou do divórcio, os mesmos os dividam entre si todos os bens, respeitado o valor total da meação de cada um, independentemente da natureza dos bens que venham a receber.

Assim, não haverá incidência de qualquer imposto pelo simples fato de ter sido desigual a partilha dos bens imóveis, se a partilha do patrimônio total respeitou a meação devida a cada uma das partes.

Já no caso de transmissão de propriedade particular de um cônjuge ao outro, ou no caso de partilha desigual do valor total do patrimônio comum, evidente a incidência de tributo sobre a parte que excedeu àquela que o cônjuge beneficiado normalmente teria direito.

Nesse caso, será necessário informar no texto da escritura a que título se deu referida transmissão, se gratuita ou se onerosa. No primeiro caso, incidirá o imposto estadual (ITCMD), e no segundo, via de regra o mais utilizado, o imposto municipal (ITBI), ambos também só incidentes sobre a parte que exceder àquela que o cônjuge beneficiado efetivamente teria direito, sendo este último somente incidente sobre a diferença observada em relação aos bens imóveis.

É bom lembrar que os Tabeliães são pessoalmente responsáveis pelos tributos devidos pelas partes nos atos que praticam, nos termos dos arts. 134 e 135, I, do CTN (substituição tributária), de sorte que os mesmos devem condicionar a lavratura das escrituras de separação e divórcio à apresentação das guias pagas dos impostos devidos, quando for o caso, ou de certidões de inexistência de débito e/ou concessivas de isenções.

* Gustavo Casagrande Canheu é Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Município do município de Ibirá, São Paulo.  Graduado em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto, especialista em Direito Tributário pelo IBET e mestre em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto. Professor Universitário.

Fonte: Notariado |  01/04/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.