Artigo: INVENTÁRIO, SEPARAÇÃO E DIVÓRCIOS EXTRAJUDICIAIS – O IMPACTO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – Por Débora Fayad Misquiati

* Débora Fayad Misquiati

O texto final do novo Código de Processo Civil, sancionado, no dia 16 de março de 2015, pela presidente Dilma Rousseff, trouxe novidades no campo extrajudicial.

Alguns apontamentos sobre os artigos da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, que cuidam do inventário e partilha, divórcio e separação consensuais lavrados pelos notários, que certamente serão objeto de análise e aprofundamento futuro, merecem nossa atenção.

O sistema românico-germânico (civil law) adota um sistema notarial, denominado “notariado latino”, habitualmente adotado, como o próprio nome pressupõe, nos países de origem latina.

O notário, a serviço das relações jurídico-privadas, recebe uma delegação do Estado para redigir documentos dotados de fé pública. Como jurista, exerce função assessora, de assistência, conselho e formação da vontade das partes e de adequação ou conformação daquela vontade ao ordenamento jurídico.

Nesse sentido, leciona Mónica Jardim, citada por Marcelo Figueiredo, em um parecer sobre a análise da importância da atividade notarial na prevenção dos litígios e dos conflitos sociais (p. 33 e 34), na revista de Direito Notarial n.2:

Por isso, acrescenta, “exercendo o notário, a par da função estritamente documental, uma função jurídica privada – que corresponde, além de outras tarefas, à adaptação ou conformação da vontade dos particulares ao ordenamento jurídico – a segurança preventiva é uma consequência manifesta da atuação do notário. A segurança que o notário (latino) proporciona é, antes de tudo, uma segurança documental, derivada de eficácia do instrumento público, dotado de autenticidade, eficácia essa que se expande pelo tráfico jurídico, pelo processo e em variadas outras direções (eficácia probatória, executiva, registral, legitimadora etc.). Mas a importância desta segurança formal não pode fazer esquecer que antes dela há uma outra – a segurança substancial – que requer que o ato ou contrato documentado seja válido e eficaz, segundo as prescrições do ordenamento jurídico. O instrumento público só pode ter por conteúdo um negócio válido. A função do notário não consiste em dar  fé a tudo que veja ou ouça, seja válido ou nulo, mas em dar fé conforme a lei. Existe, portanto, um controle da legalidade do negócio, cabendo ao notário detectar: incapacidades, erros de direito ou de fato, coações encobertas, fraudes à lei e, eventualmente, reservas mentais e simulações, absolutas ou relativas. Assim, por meio da redação e autorização de documentos válidos e conformes à lei, pelo seu conteúdo, e eficazes e executórios pela sua forma, os notários facilitam, escrituram ou tornam desnecessária a intervenção dos tribunais.

A função do notariado latino (sistema adotado em nosso país) deve objetivar a desobstrução do Poder Judiciário, servindo como instrumento de pacificação social, evitando o acúmulo de processos instaurados, no intuito de restabelecer a Ordem Jurídica do país.

Nesse contexto, a atividade notarial vai ao encontro das necessidades sociais, alivia o Judiciário e garante a regularidade das contratações, atuando na prevenção contenciosa.

Fazendo jus à fé pública outorgada ao notariado latino, o novo Código de Processo Civil valoriza, ainda que de forma tímida, a atuação notarial nas relações jurídico-privadas.

Com o advento da Lei nº 11.441 de 2007, o Código de Processo Civil de 1973 sofreu alterações possibilitando a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa (alteração dos artigos 982, 983, 1.031 e acréscimo do 1.024-A).

A Resolução nº 35, de 24 de abril de 2007, do Conselho Nacional de Justiça, disciplinou a aplicação da Lei nº 11.441/2007 pelos serviços notariais e de registro e regulou as disposições referentes à separação consensual e aos outros institutos trazidos pela lei supra.

O projeto do novo Código de Processo Civil (PLS n.º 166, de 2010, com as alterações do substitutivo), impunha a obrigatoriedade de atuação dos notários frente aos divórcios e as extinções de uniões estáveis consensuais.

O mesmo projeto buscou eliminar o termo separação, sob o fundamento de que dispositivos relativos ao este instituto seriam desnecessários depois de a Emenda Constitucional nº 66 permitir o divórcio sem o cumprimento do prazo de rompimento do vínculo matrimonial.

O que nos acarretou algumas indagações. O projeto do novo Código de Processo Civil consolidou o posicionamento de extinção da separação com o advento da emenda constitucional nº 66 (em especial, destaque ao artigo 697 do PLS n.º 166, de 2010 com as alterações do substitutivo)?

Para tanto, não seria necessário e imperioso que o Código Civil também sofresse referida alteração para ficar em consonância com o código que instrumentaliza o direito material?

No mais, seria legítimo impor a atuação notarial quando preenchidos os requisitos legais? Não haveria afronta ao princípio garantidor do acesso a justiça?

Contudo, a redação final do novo Código de Processo Civil já com sanção presidencial esclarece os questionamentos acima e, parece-nos, coloca fim a discussão sobre a extinção ou não do instituto da separação.

Posicionando-se no sentido de que o instituto da separação ainda existe no ordenamento brasileiro, a redação final do Novo Código de Processo Civil, previu de forma expressa referido instituto, assim como o do divórcio direto.

 Vejamos o quadro comparativo abaixo, com alguns exemplos:

A Redação original do projeto de Lei do Senado n.º 166, de 2010 (sem as alterações apresentadas no relatório-geral do Senador Valter Pereira) abordava o instituto da separação em seu texto, o que nos parece ser a melhor forma de se interpretar a EC nº 66.

E dessa forma seguiu a redação final do Novo Código de Processo Civil, compreendendo que o aniquilamento dos prazos para o divórcio, a desnecessidade de se comprovar o estado de separado para se obter o mesmo não implica no desaparecimento do instituto da separação por si só.

Posicionamento este adotado pelo Conselho Nacional de Justiça, que não alterou a redação da Resolução 35, mantendo todos os artigos e referências à separação consensual (Pedido de providências n.°0005060-32.2010.2.00.0000).

Vejamos o quadro comparativo, no que tange ao capítulo na redação final do novo código, sobre Inventário e Partilha e sobre a seção Do Divórcio e da Separação Consensuais, da Extinção Consensual de União Estável e da Alteração do Regime de Bens do Matrimônio:

O novo Código processual assegura a escritura pública de inventário e partilha como documento hábil para qualquer ato de registro, bem assim para levantamento de importância depositada em instituições financeiras, em conformidade com o artigo 3º da Resolução nº 35/2007, do CNJ, merecendo elogios nesse ponto.

O novo artigo 733 destaca como condição para lavratura de divórcio consensual, separação consensual e extinção consensual de união estável, a inexistência de filhos incapazes e de nascituro.

Inova em relação ao CPC/73 que era omisso em relação à existência de nascituro e se coaduna com o melhor posicionamento que sempre defendeu a impossibilidade da lavratura não só de divórcio, separação e extinção de união estável consensuais, como de inventário extrajudicial quando houver nascituro envolvido.

Christiano Cassetari, na sua obra Separação, Divórcio e Inventário por Escritura Pública (p. 150),explica:

O objetivo da Lei 11.441/2007, ao proibir o inventário quando existir interessado incapaz, deve-se ao fato da necessária intervenção do Ministério Público, (…).

Esta conclusão, no nosso sentir, também vale para o caso de a viúva estar grávida do falecido, já que, segundo o Código Civil, o nascituro tem os seus direitos protegidos desde o momento da concepção (…).

Assim, como o nascituro teria, neste caso, direito sucessório, caso venha a nascer com vida, por ser ele incapaz impossível seria adotar o procedimento extrajudicial (…).

Vale lembrar, que as Normas de Serviço da Corregedoria Geral do Estado de São Paulo, destinadas aos cartórios extrajudiciais, prevê, no capítulo XIV, item 86.1, possibilidade do tabelião de notas lavrar escrituras públicas de separação e divórcio consensuais, se comprovada a resolução prévia e judicial de todas as questões referentes aos filhos menores (guarda, visitas e alimentos).

A supressão do parágrafo terceiro do artigo 1.124-A do CPC em vigor, inserido pela Lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007, que cuida da gratuidade dos inventários, separações e divórcios realizados por escritura pública, elimina o fundamento legal em que se baseia a Resolução 35 do CNJ (artigo 6º e 7º).

Art. 6º A gratuidade prevista na Lei no 11.441/07 compreende as escrituras de inventário, partilha, separação e divórcio consensuais.

Art. 7º Para a obtenção da gratuidade de que trata a Lei no 11.441/07, basta a simples declaração dos interessados de que não possuem condições de arcar com os emolumentos, ainda que as partes estejam assistidas por advogado constituído.

Sabe-se que muito se discutiu sobre a possibilidade de gratuidade das escrituras de inventários consensuais, uma vez que a lei 11.441/2007 inseriu o tema no artigo que  cuida das escrituras de separações e divórcios consensuais.

O Conselho Nacional de Justiça posicionou-se no sentido de que referida previsão abrangeria inclusive os inventários extrajudiciais, conforme se verifica do próprio artigo 6º da Resolução 35 do CNJ acima exposto.

O parágrafo segundo do artigo 982 do CPC/73, inserido pela Lei nº 11.965, de 3 de julho de 2009, pois fim a discussão, prevendo expressamente a gratuidade no artigo que cuida do inventário extrajudicial. Contudo, referido parágrafo também não encontra correspondência na redação final do novo código processual.

Conforme se extrai da obra Direito Notarial e Registral Avançado (p.106):

No tocante à porção tributária dos emolumentos, a gratuidade assume a natureza ou de imunidade ou de isenção. Tem-se imunidade quando a Constituição Federal exclui a competência de se erigir determinado fato à condição de gerador do tributo. E tem-se a isenção quando, apesar da existir a referida competência, uma norma infraconstitucional impede o nascimento da obrigação tributária.

Exemplo de imunidade consta do art. 5.°, LXXVI, da CF/1988, segundo o qual são gratuitos para os reconhecidamente podres, na forma da lei, o registro civil de nascimento e a certidão de óbito. E a isenção pode ser ilustrada com a Lei Federal 11.441/2007, que prevê a gratuidade das escrituras e demais atos notarias de separação e divórcio, para os que se declaram pobres sob as penas da lei.

Dessa forma, não há mais fundamento legal para lavratura de escrituras de inventário, separação e divórcios consensuais de forma gratuita.

Contudo, na tentativa de desafogar o judiciário, onde se verifica a possibilidade real de conseguir a gratuidade almejada, o ideal seria uma proposta legislativa com o fim de garantir o ressarcimento integral de todos os atos gratuitos praticados não só pelos oficiais de registro, mas também pelos notários, com fundamento constitucional a seguir exposto:

Prevê o artigo 5º, inciso LXXVII, da Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXXVII – são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania; (grifo nosso)

O artigo 5º, inciso XXX, da Constituição Federal garante o direito de herança:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXX – é garantido o direito de herança;

O conselheiro Fabiano Silveira, relator do Pedido de Providências 0006123-58.2011.2.00.0000 discorreu sobre a necessidade de se assegurar a sustentabilidade dos serviços prestados pelas serventias[1]:

A percepção de emolumentos pelo notário, como contraprestação do serviço público que o Estado prestado ao particular, por seu intermédio, é condição imprescindível para o titular fazer frente a despesas de custeio da Serventia, de remuneração de pessoal e de investimentos, além da retirada dos próprios dividendos a que faz jus pela delegação que lhe foi outorgada. Nesse sentido, a adequada prestação de serviços, que depende da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro das serventias extrajudiciais, passa a demandar, de fato, a contrapartida do Poder Público pelos custos dos atos oferecidos gratuitamente aos cidadãos.

A redação original do projeto de Lei do Senado n.º 166, de 2010, com as alterações apresentadas no relatório-geral do Senador Valter Pereira na tentativa de desafogar o judiciário previu que os divórcios consensuais (excluindo propositadamente o instituto da separação) e extinções de uniões estáveis, em que não haja filhos menores ou incapazes do casal, desde que preenchidos os requisitos legais, seriam realizados obrigatoriamente por escritura pública.

A redação final do novo código andou bem ao alterar o dispositivo em comento, uma vez que o artigo retirava o fundamento legal para lavratura de escrituras públicas de separações consensuais e consequentemente, no futuro, não falaríamos mais em escrituras públicas de restabelecimento da sociedade conjugal.

No mais, concluir pela imposição aos interessados que se divorciem, fere o princípio da dignidade da pessoa humana, ignorando a intenção das pessoas, que uma vez lícita, deve ter um instrumento jurídico adequado para conformá-la.

Não nos olvidando que é dever do Estado proteger a família, adotando medidas normativas e fáticas suficientes para cumprir seu dever de tutela, fazendo a proteção de maneira adequada e efetiva.

Eliminar o instituto da separação confronta como o interesse do Estado de permanência da família como base da sociedade.

A redação final do novo código prevê a possibilidade de que as separações, os divórcios e as extinções de uniões estáveis consensuais, uma vez preenchidos os requisitos legais, sejam realizados extrajudicialmente, respeitando o princípio da inafastabilidade de jurisdição.

Um olhar singelo para nossa realidade permite-nos concluir:

O instituto da separação ainda existe e o novo código alarga nossa fundamentação para validar as escrituras públicas de separação consensual;

O Código de Processo Civil de 2015 assegura a força da escritura pública de inventário e partilha como documento hábil para qualquer ato de registro, bem assim para levantamento de importância depositada em instituições financeiras;

Não nos é permitido lavrar escritura pública de divórcio consensual, separação consensual e extinção consensual de união estável e, ousamos dizer, de inventário e partilha, diante da existência de nascituro envolvido (ressalvada previsão nas NSCGJ/SP, capítulo XIV, item 86.1);

Por fim, ausência de fundamento legal para lavratura de escrituras públicas de inventários, separações e divórcios consensuais gratuitos.

Espera-se que as observações aqui expostas possam propiciar alguma reflexão sobre a matéria, para seguirmos na elaboração de instrumentos jurídicos hábeis e capazes de gerar confiança no meio social.

As ideias apresentadas nesse artigo decorrem da contribuição do Doutor Claudio José Amaral Bahia e de Murillo Augusto de Oliveira Ribeiro, registrando-se nossos sinceros agradecimentos.

REFERÊNCIAS

CASSETTARI, Christiano. Separação, divórcio e inventário por escritura pública: teoria e prática. 5ª ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012.

Direito Notarial e Registral Avançado/ coordenação Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida, Marcelo de Oliveira Fausto Figueiredo Santos e Vicente de Abreu Amadei. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

REVISTA DE DIREITO NOTARIAL, vol. 2. São Paulo: Quartier Latin, 2010.

_________

[1] Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/28466-tribunais-devem-regulamentar-a-compensacao-de-custos-com-atos-gratuitos-feitos-pelos-cartorios>. Acesso em: 07 de março de 2015.

Fonte: Notariado | 31/03/2015.

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Artigo: A lei nº 11.441/2007, no contexto de solução alternativa de conflitos familiares – Por Fábio Zonta Pereira

* Fábio Zonta Pereira

O amplo acesso à justiça é um meio de garantia de dignidade dos membros de uma família, dando a oportunidade destes membros administrarem ou dissolverem suas relações familiares.  Outorgando ampla liberdade de os interessados escolherem o meio de dissolver das relações familiares.

A jurisdição Estatal, não tem se mostrado eficiente em pacificar o direito de forma célere, assim deve ser buscar outros mecanismos para a pacificação social. A dissolução de casamento como negócio jurídico que é, dado o interesse social que o direito de família, exerce na sociedade, deve ser dispensado a intervenção jurisdicional quando não houver lide ou incapacidade de algum interessado, ou não houver filhos menores e incapazes. Se não, haverá uma excessiva ingerência estatal das relações familiares, obstando a autonomia privada. Afirma sobre a autodeterminação dos indivíduos no direito de família Fernanda Tartuce (2008, p. 278):Nesse tão peculiar ramo jurídico, em respeito à capacidade de autodeterminação, o indivíduo deve estar pronto para definir os rumos de seu destino, sabendo identificar o melhor para si sem necessitar da decisão impositiva de um terceiro que não conhece detalhes de sua relação controvertida. Por tal razão, avulta a importância da mediação; afinal o sistema jurídico, cada vez mais, valoriza e fomenta a realização de atos negociais pelos indivíduos para a definição, por si próprios, de suas situações jurídicas.

A intervenção jurisdicional na dissolução de casamento consensual é demasiadamente desnecessária quando não há lide[1], pois neste caso o Estado Juiz atua como um interventor de contratos de direito de família. Não há interesses contrapostos para ser pacificados pelo Estado Juiz, assim havia uma exagerada intervenção do Estado juiz nas relações individuais de direito de família, o que afronta aos princípios da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, Inciso III, da CF) e do afeto familiar. Sobre a dispensa da intervenção judicial nas relações pacíficas discorre Márcio Pires de Mesquita (2008, p. 108):

É exatamente nesse contexto que a presença do Tabelião se afigura como importante e suficiente para o resguardo das relações pacíficas, travadas no seio familiar, sendo, portanto, dispendiosa, intelectual e economicamente a intervenção judicial na composição dos atos jurídicos daí decorrentes.

Atendendo ao reclamo da sociedade, para a não judicialização das separações e divórcios consensuais quando não houvesse litígio, e complementando a eficácia da Emenda Constitucional nº 45, foi promulgado a Lei nº 11.441/2007, na qual facultou ao casal efetuar a separação, divórcio e inventário e partilha de bens extrajudicial, mediante escritura pública, desde que não haja filhos ou se possuírem estes são capazes e todos os interessados estejam concordes e assistidos por pelo menos um advogado ou defensor público. Observa-se que permanece em pleno vigor a faculdade do casal optar pelo Poder Judiciário para efetuar a separação e o divórcio consensual. Não constituindo obrigação das partes escolherem a via extrajudicial. Discorre Márcio Pires de Mesquita (2008, p. 110): “A Lei nº 11.441/2007 teve o condão de ampliar o rol de agentes públicos aptos a intervirem em tais relações, facultando a participação validante do notário, segundo o alvedrio das partes interessadas e desde que presentes alguns requisitos preestabelecidos, notadamente a capacidade das partes e o acordo de vontades”.

Dispõe o Código de Processo Civil sobre a separação e divórcio consensual por escritura pública, com a redação dada pela Lei nº 11.441/2007:

Art. 1.124-A.  A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento. § 1o  A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis. § 2º  O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial. § 3o  A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei.

Que citada lei teve origem no Projeto de Lei do Senado nº 155, de autoria do Senador César Borges, que justificou o seu projeto, com o escopo de permitir a desburocratização do procedimento de inventário, para agilizar e reduzir custos, que o citado projeto foi modificado na Câmara dos Deputados, no sentido de ampliar o seu conteúdo, para se fazer a separações e divórcios consensuais por escritura pública.

Trazendo meios alternativos e seguros, para coordenação formal de atos para a administração pública de interesses privados, como forma composição definitiva de um negócio jurídico, de forma a pacificar ou prevenir conflitos sociais, nos atos jurídicos de natureza privada. Discorre Ezequiel Morais (2007, p. 22):

Convém frisar que não existe óbice para criação de mecanismos administrativos, como ocorreu, verbi gratia, com a Lei 9.307/96 (arbitragem) e a Lei 11.441/2007 – separação e divórcio consensuais na esfera extrajudicial. Ambas as leis visam, dentre outros fins, subtrair do Poder Judiciário considerável parte das ações de jurisdição contenciosa ou voluntária que ali possam tramitar para conferir-lhes mais celeridade e menos onerosidade.

Então, o objetivo desta citada norma é cumprir eficazmente os princípios fundamentais da Constituição Federal, tais como: a) a celeridade e a razoável duração dos atos processuais e administrativos; b) da segurança jurídica; c) da publicidade; e d) da economia processual. Sobre a segurança jurídica da via extrajudicial Vicente de Abreu Amadei (2008, p. 175):

Logo, a via extrajudicial que se abre com a lei nova não é via qualquer, mas solene, por escritura pública – dotada de fé pública, faz prova plena (Art. 215, caput, CC) -, e ainda, atrelada a fiscalização judicial (art. 236, parágrafo 1º, da CR). Assim, de um lado, envolve o ato de “seriedade”, e de outro, o marca com “estabilidade.

Que a norma em questão facultou as partes capazes e concordes, a lavrarem por escritura pública de inventário e partilha, separação consensual e o divórcio consensual, por intermédio de um tabelião de notas, que é um profissional do direito, que tem como função prevenir eventuais litígios de forma eficiente e legal, garantindo: a segurança, publicidade,  autenticidade e eficácia nos atos e negócios jurídicos por ele intercedido.

Este profissional de direito imparcial, tem uma atuação e vocação histórica, como agente da justiça preventiva, voltado a assegurar a paz social.

Pois o notário é um agente público delegado, que atua como pacificador e mediador de conflitos sociais, na intervenção de atos de tutela administrativa pública de interesses privados, além disso, ele está sujeito à fiscalização e as determinações contidas pelo Poder Judiciário (Corregedoria). Para Fernanda Tartuce (2008, p. 284): “Com a facilitação do diálogo pelo mediador, os sentimentos das partes podem ser enfrentados e compreendidos”. Com esta intervenção do notário por meio de conversas e orientações a família, é aberto um meio para as partes refletirem sobre suas responsabilidades e obrigações.

Assim, o objetivo da Lei nº 11.441/2007, é melhorar o acesso universal à Justiça, especialmente dos mais necessitados; aprimorar a prestação da justiça, mediante a efetividade do princípio constitucional da razoável duração do processo administrativo e a prevenção de conflitos; aperfeiçoar e fortalecer as instituições de Estado para uma maior efetividade do sistema alternativo de resolução de disputas e conflitos no direito de família, de forma a dar proteção à dignidade da pessoa humana.

REFERÊNCIAS

AMADEI, Vicente de Abreu. Os atos notariais da Lei 11.441/2007 e a livre escolha do tabelião. In: Ruy Rebello Pinho (Coord.). Separação, divórcio e inventário em cartório. São Paulo: Quartier Latin, 2008.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

MESQUITA, Márcio Pires de. Força da escritura pública para transferência. In: PINHO, Ruy Rebello (Coord.).Separação, divórcio e inventário em cartório: aspectos jurídicos e práticos da lei 11.441/07. São Paulo: Quartier Latin, 2008.

MORAIS, Ezequiel. O procedimento extrajudicial previsto na lei 11.441/2007, para as hipóteses de que trata, é obrigatório ou facultativo? Poderão ou deverão? In: COLTRO, Antonio Carlos Coltro; DELGADO, Mário Luiz (Coord.). Separação, divórcio, partilhas e inventários extrajudiciais. São Paulo: Método, 2007.

TARTUCE, Fernanda; TARTUCE, Flávio. Lei nº 11.441/2007: diálogos entre direito civil e direito processual civil quanto à separação e divórcio extrajudiciais. Teresina: Jus Navigandi, ano 11, n. 1478, 19 jul. 2007. Disponível em: http://www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10168. Acesso em: 30 mar. 2015.


[1] De acordo com Maria Berenice Dias (2009, p. 73): “Deve-se considerar ainda a vantagem de uma solução consensual em comparação a decisão impositiva de um terceiro. A sentença dificilmente consegue pacificar as partes nos conflitos familiares. Afinal, nas causas em que estão envolvidos vínculos afetivos, há temores, queixas, mágoas e sentimentos confusos de amor e ódio. A resposta judicial não é apta a responder aos anseios daqueles que buscam mais resgatar danos emocionais do que propriamente obter compensações econômicas”.

* FÁBIO ZONTA PEREIRA é Tabelião do 7º Tabelionato de Notas de Campo Grande/MS. Presidente do Colégio Notarial do Brasil – Seção Mato Grosso do Sul.  Mestre em Direito e Pós-Graduado lato sensu em Direito Civil e Direito Processual Civil.

Fonte: Notariado  | 31/03/2015.

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Artigo: A Incidência da Lei de Improbidade Administrativa nas Notas e nos Registros Públicos – Por Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro

* Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro

 A responsabilidade do agente público sempre foi analisada, no rigor da técnica jurídica, em três instâncias distintas, quais sejam: a civil, a criminal e a administrativa. A par dessa tríplice responsabilização, é possível identificar uma quarta esfera de responsabilidade do agente público, aquela decorrente da aplicação da Lei de Improbidade Administrativa – Lei nº 8.429/1992.

De fato, como a aplicação das sanções decorrentes da prática de ato de improbidade administrativa ocorre em processo judicial autônomo em relação às demais esferas de responsabilização, é correto dizer que a apuração do ato de improbidade independe do resultado nos processos civil, penal e administrativo. Afinal, de regra, as diferentes instâncias são independentes entre si, de forma que o resultado apurado em uma independe das demais.

A palavra “probidade”, de origem latina, deriva de probitate, que significa aquilo que é bom, ligando-se diretamente à honradez, à honestidade e à integridade. Ao reverso, a expressão “improbidade”, advém de improbitate, que reporta à imoralidade, desonestidade. 1

Todo aquele que de qualquer modo relaciona-se com o Estado possui, antes de tudo, dever jurídico de atuar com probidade. Assim, a probidade administrativa “conta com um fundamento não apenas moral genérico, mas com a base de moral jurídica, vale dizer, planta-se ela nos princípios gerais de direito”. 2

Com efeito, é das mais árduas a missão de conceituar “improbidade administrativa”, existindo, inclusive, relevante dissonância entre juristas de escol acerca da abrangência deste conceito. Nada obstante, parece salutar que o termo deva ser compreendido como o “ato ilícito, praticado por agente público ou terceiro, geralmente de forma dolosa, contra as entidades públicas e privadas, gestoras de recursos públicos, capaz de acarretar enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou violação aos princípios que regem a Administração Pública”. 3

Nessa esteira, a Carta da República em seu art. 37, § 4º, prevê que “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. Indigitado preceito – norma constitucional de eficácia limitada, na dicção de José Afonso da Silva –, foi regulamentado pela Lei nº 8.429/1992, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa (LIA).

No cenário contemporâneo, diante do legítimo anseio social de combate à corrupção, historicamente diagnosticada na administração da “coisa pública” no Brasil, vem galgando avanço jurídico a repressão dos atos de improbidade administrativa. Pretende-se consagrar, de uma vez por todas, que a corrupção é inimiga capital da República. Nesse jaez, a aplicação efetiva da Lei de Improbidade Administrativa tem ganhado nítida intenção ampliativa, com proposital aumento da abrangência subjetiva de incidência deste diploma, para reforçar o espectro de mecanismos aptos ao controle da máquina administrativa e da probidade na gestão pública.

Lançadas essas linhas vestibulares, convém aferir a possibilidade de incidência do controle à improbidade administrativa nos serviços notariais e de registros.

De plano, vale diagnosticar, ainda que de passagem, a natureza e a peculiaridade das notas e dos registros públicos na vigente ordem constitucional. A atividade notarial e registral configura-se, pois, como função pública exercida em caráter privado. Em palavras outras, os serviços notariais e registrais, gozam de regime jurídico sui generis, destacando-se como serviço público essencial, exercido de modo privato, através da delegação do Poder Público. Saliente-se, inclusive, que a própria alocação constitucional do dispositivo que consagra a atividade notarial e registral na Lei Maior (art. 236) indica sua natureza especial. Repare que mencionado preceito normativo encontra-se inserido no Título IX da Constituição Federal de 1988, que trata “Das Disposições Constitucionais Gerais”. Topografia normativa esta que demonstra ao intérprete o não enquadramento dos serviços extrajudiciais dentro da Administração Pública, nem tampouco dentro da organização do Poder Judiciário. Destarte, são serviços que pertencem ao seu próprio gênero.

Notório, assim, que a delegação dos serviços extrajudiciais é marcada por destacada especialidade. A propósito, esta especialidade é tal, que – parafraseando o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto –, 4 não há qualquer atividade no Brasil que se assemelhe com tais serviços. Cuida-se de atividade diferenciada, que, em sua peculiar ontologia, não encontra precedentes no direito brasileiro com qualquer outra.

Síntese preciosa, e tecnicamente irrepreensível, sobre a atividade notarial e registral e sua natureza atual na Constituição Federal de 1988 é ofertada por Ingo Wolfgang Sarlet: “Os serviços notariais e registrais são concedidos mediante ‘peculiar’ delegação do Poder Público.A teleologia desta peculiaridade reside na ‘natureza da atividade’, pois são serviços públicos essenciais (do Estado), e não simples atividade materiais, portanto não se encontram ao abrigo do art. 175 da Carta de 1988, inexistindo qualquer ‘relação contratual’ entre o Estado e o Notário ou Registrador. Esta delegação está contaminada pela ‘pessoalidade natural’ do delegado, que somente poderá ser a pessoa física cuja tal atribuição tenha sido conquistada mediante ‘concurso público’ de provas e títulos. O controle de suas atividades é exercido pelos Tribunais, e sua remuneração é estabelecida através de uma tabela de emolumentos, sempre editada por lei”. 5

Dada a sua peculiar formatação constitucional, os serviços notariais e de registros estão submetidos à norma reguladora da improbidade administrativa, sob dois prismas de sujeição. Vale dizer, os notários e registradores podem ser sujeitos passivos ou ativos dos atos previstos na Lei nº 8.429/1992.

Sujeito passivo é a pessoa ou entidade que sofre as consequências do ato de improbidade administrativa. Nesse caso, a possibilidade dos notários e registradores enquadrarem-se como sujeitos passivos decorre diretamente da natureza jurídica da remuneração que recebem. As serventias notariais e de registros públicos são destinatárias dos emolumentos, consistentes na contraprestação paga pelo utente destes serviços públicos essenciais.

Sempre houve muita controvérsia a respeito da natureza jurídica dos emolumentos. Entrementes, já é de algum tempo que, encerrando qualquer polêmica, o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que os emolumentos possuem natureza tributária, especificamente na espécie taxa. Dada a clareza do raciocínio, vale transcrever o entendimento da Suprema Corte: “A jurisprudência do Supremo tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se (…) ao regime jurídico constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias essenciais da reserva de competência impositiva, da legalidade, da isonomia e da anterioridade”. 6

Nesse ambiente, segundo os clássicos autores de direito tributário – sendo lícito recordar as lições do professor Geraldo Ataliba –, taxa é espécie de tributo vinculado, tendo em vista que seu fato gerador exige do Estado uma contraprestação específica. Aliás, sabe-se que no atual regime jurídico-constitucional, esta exação tributária pode ser dividida em “taxa de polícia” (art. 145, II, da CF e art. 78 do CTN), quando tem por contraprestação do Estado o exercício do poder de polícia; e “taxa de serviço”, quando exige do Estado a prestação de um serviço púbico específico e divisível.

Nessa linha de raciocínio, na melhor técnica tributária, pode-se observar que, no que concerne à atividade notarial e registral, os emolumentos podem ser considerados como sendo uma taxa de natureza especial, atípica, em vista de seu nítido caráter bifronte, já que parcela dos valores integrantes desta exação remunera os serviços do notário ou registrador e, outra parcela, remunera o poder de polícia exercido em razão da “regulação” dos serviços notariais e de registros – regulação deve compreendida como a atividade estatal fincada no binômio “disciplina normativo-orientadora e fiscalização propriamente dita” – feita pelo Poder Judiciário Estadual, nos termos do art. 236, § 1º, da Constituição Federal.

Além disso, deve ser analisado o tratamento jurídico dispensado aos emolumentos em cada Estado da Federação, tendo em mira que a Lei Federal nº 10.169/2000, em seu artigo 1º – ao atender o preceito constitucional do art. 236, § 2º, e veicular as normas gerais sobre os emolumentos incidentes sobre os serviços notariais e registrais –, delegou aos Estados e ao Distrito Federal, a atribuição de fixar os valores dos emolumentos. Assim, em cada Estado os emolumentos são compostos por receitas destinadas a entidades distintas e previstas por lei.

A título de ilustração, tomando-se por base o Estado de São Paulo, a Lei Estadual nº 11.331/2002 fixou a partição dos emolumentos dos serviços extrajudiciais para diversas entidades. Além da parcela pertencente aos próprios notários e registradores (62,5% do valor total recebido), os valores integrantes dos emolumentos são destinados às seguintes entidades: a) receita do Estado, em decorrência do processamento da arrecadação e respectiva fiscalização; b) contribuição à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado; c) parcela destina à compensação dos atos gratuitos do registro civil das pessoas naturais e à complementação da receita mínima das serventias deficitárias; d) receita destinada ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça, em decorrência da fiscalização dos serviços; e) contribuição de solidariedade destinada às Santas Casas de Misericórdia; e, f) o valor a ser recolhido ao Município, a título de tributação de ISSQN. 7

Enfim, observa-se que os valores arrecadados pelos notários e registradores a título de emolumentos, além de integrar-se da contraprestação aos próprios titulares da delegação, são compostos por receitas destinadas a outras entidades e repartições públicas. Quanto a estas últimas, os notários e registradores funcionam, pois, como verdadeiros arrecadadores de recursos públicos. Essas quantias são repassadas pelos delegatários a quem de direito, nas formas e prazos previstos na própria lei estadual (em São Paulo, conforme art. 12 da Lei nº 11.331/2002).

De mais a mais, a própria natureza jurídica da atividade, como já analisado alhures, indica que os serviços notariais e de registros gozam de uma estatalidade indissociável ao seu exercício. Nessa linha de pensamento, confira-se, por oportuno, lição extraída de primoroso voto da lavra do ministro do STF, José Celso de Mello Filho:A atividade notarial e registral, ainda que executada no âmbito de serventias extrajudiciais não oficializadas, constitui, em decorrência de sua própria natureza, função revestida de estatalidade, sujeitando-se, por isso mesmo, a um regime estrito de direito público. A possibilidade constitucional de a execução dos serviços notariais e de registro ser efetivada ‘em caráter privado, por delegação do poder público’ (CF, art. 236), não descaracteriza a natureza essencialmente estatal dessas atividades de índole administrativa”. 8

Diante desse cenário, considerando os fundamentos acima ventilados – (a) o caráter público dos valores arrecadados pelos serviços extrajudiciais, decorrentes, em realidade, do exercício do poder de império estatal, sendo impostos, ex lege, a tantos quantos utilizem tais serviços essenciais; e (b) a própria natureza jurídico-constitucional da prestação dos serviços de notas e de registros públicos –, é perfeitamente possível concluir pela subsunção do notário ou do registrador ao disposto no art. 1º da Lei de Improbidade Administrativa. Noutro linguajar, os aspectos acima elencados revelam-se suficientes a justificar o enquadramento das serventias notariais e de registro na sujeição passiva imediata dos atos de improbidade administrativa, subsumindo-se no rol de entidades indicadas no art. 1º da Lei nº 8.429/1992. 9

De outra banda, agora sem qualquer esforço hermenêutico, os notários e registradores podem, indiscutivelmente, figurar como sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa. Observe-se que, nos termos do art. 2º da Lei nº 8.429/1992, podem praticar atos de improbidade administrativa todos aqueles considerados agentes públicos.

A expressão “agentes públicos” há de ser encarada aqui em sua conotação mais ampla, genérica, englobando todas as pessoas que exercem funções estatais. São aquelas pessoas responsáveis pela manifestação de vontade do Estado. Ora, os titulares dos serviços extrajudiciais são agentes públicos. Nesse particular, lançando mão da tradicional classificação de Celso Antônio Bandeira de Mello, a tipologia mais adequada para os notários e oficiais de registro é, sem dúvida, considerá-los como “particulares em colaboração com o Estado”. Em vista de seu teor pedagógico, salutar destacar a conclusão do festejado administrativista: “d) Particulares em colaboração com a Administração (…) Esta terceira categoria de agentes é composta por sujeitos que, sem perderem sua qualidade de particulares – portanto, de pessoas alheias à intimidade do aparelho estatal […] -, exercem função pública, ainda que às vezes em caráter episódico. Na tipologia em apreço reconhecem-se: […] d) delegados de função ou ofício público, que se distinguem de concessionários e permissionários em que a atividade que desempenham não é material, como a daqueles, mas jurídica. É, pois, o caso dos titulares de serventias da Justiça não oficializadas, como notários e registradores, ex vi do art. 236 da Constituição, e, bem assim, outros sujeitos que praticam, com o reconhecimento do Poder Público, certos atos dotados de força jurídica oficial, como ocorre com os diretores de Faculdades particulares reconhecidas. Anote-se que cada “serviço” notarial ou registral, constitui-se em um plexo unitário, e individualizado, de atribuições e competências públicas, constituídas em organização técnica e administrativa, e especificadas quer pela natureza da função desempenhada (serviços de notas e de registros), que pela área territorial onde são exercidos os atos que lhes correspondem. Inobstante estejam em pauta atividades públicas, por decisão constitucional explícita elas são exercidas em caráter privado por quem as titularize, como expressamente o diz a Constituição no artigo referido”. 10

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, sem dificuldade, também consolidou o entendimento de que notários e registradores encontram-se no campo de incidência da Lei nº 8.429/1992, pois “estão abrangidos no amplo conceito de ‘agentes públicos’, na categoria dos ‘particulares em colaboração com a Administração’ ”. 11

Do exposto, é possível perceber que os serviços de notas e de registros públicos encontram-se inseridos com destaque na pertinência subjetiva da Lei de Improbidade Administrativa. Dada a natureza jurídica peculiar desses serviços públicos essenciais e a forma pela qual a delegação é exercida, notários e registradores, encontram-se, a um só tempo, na sujeição passiva imediata dos atos de improbidade, do mesmo modo que também podem ser enquadrados como sujeitos ativos de tais atos. De tudo isso, pode-se aferir a intensa aplicação do princípio da moralidade na atividade notarial e registral. É dizer, na condição delonga manus do Estado, notários e registradores, por atuarem em colaboração com o Poder Público, através da delegação, devem zelar por uma atuação pautada na observância de padrões éticos, agindo, sempre, com probidade e honestidade na prestação dos serviços a eles delegados.

Referências

1. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 1.086 e 1.640.

2. ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Improbidade administrativa e finanças públicas. Boletim Administrativo, dez. 2000, p. 920.

3. NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Manual de improbidade administrativa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 24-25.

4. Esta peculiaridade dos serviços notariais e de registro foi muito bem destacada no voto do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, no julgamento da ADI 3151, da qual foi relator. Julgamento pelo Tribunal Pleno, ocorrido em 08.06.2005.

5. SARLET, Ingo W.; MOLINARO, Carlos A.; PANSIERI, Flávio. Comentário ao art. 236. In: CANOTILHO, J.J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; STRECK, Lenio L.; SARLET, Ingo W. (Coords.).Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 7560).

6. STF – ADI 1.378-MC/ES, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 30.05.1997.

7. Esta partição dos emolumentos aplica-se nos termos do art. 19, I, da Lei nº 11.331/2002 aos tabeliães de notas, tabeliães de protesto, oficiais de registro de imóveis, oficiais de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas. A partição dos emolumentos no que se refere aos atos praticados por registradores civis das pessoas naturais é distinta nos termos do inciso II, do art. 19, do mesmo diploma legal.

8. STF – ADI 1.378-MC/ES, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 30.05.1997.

9. NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Manual de improbidade administrativa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 81-82.

10. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed., São Paulo: Malheiros, 2013. p. 256.

11. STJ – REsp 1186787/MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª T., julgado em 24/04/2014.

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* O autor é Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas no interior do Estado de São Paulo. Colunista do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal.

Fonte: Notariado | 30/03/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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