Artigo: Nascituro e Concepturo no Direito das Sucessões – Por Milson Fernandes Paulin

* Milson Fernandes Paulin

O Código Civil Brasileiro, em seu artigo 1.798, cuida das pessoas legitimadas a suceder, entre elas as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão. Não se trata a questão de orientação nova, pelo contrário, remonta de épocas antigas, mais precisamente ao Direito Romano.

Em tempo, ao dispor a norma pátria que estão legitimadas a su­ceder as pessoas já concebidas no momento da abertura da sucessão, quis o ordenamento tutelar os direitos do nascituro (que, nessa condi­ção, herdará se nascer com vida). Logo, a regra geral é que somente as pessoas vivas, assim como as já concebidas ao tempo da abertura da sucessão detém legitimidade para serem herdeiras ou legatárias.

Exceção à regra vem expressa no artigo 1.799, estabelecendo que na sucessão testamentária podem ser chamados a suceder: I – os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas ao abrir-se a su­cessão. O Código Civil, aqui, pretendeu dar amparo ao chamado concepturo, do latim concepturus: aquele que há de ser concebido, porém, ainda não o foi.

Nesse caso, uma vez aberta a sucessão, os bens da herança serão confiados a um curador adrede designado pelo juiz. Nascendo com vida o herdeiro esperado, a deixa ser-lhe-á deferida, acrescida dos respectivos frutos e rendimentos. Transcorridos, porém, dois anos após o óbito do testador – sem ter havido a concepção (e não o nascimento) do herdeiro nomeado, percorrerá o acervo sob a estrita ordem da vocação hereditária, salvo disposição contrária aposta no testamento (CC/2002, art. 1.800).

Assim, sobrevindo a tempestiva concepção e o ulterior nascimento com vida, gozará o herdeiro nomeado daquela prometida deixa testamentária – sob pena de caducidade, se, ao invés disso, oconceptus falecer intra-utero (natimoriência). Segundo a esclarecedora lição de Pontes de Miranda, “Quando o filho de A nasce morto, o herdeiro é outra pessoa, porque o filho de A não foi herdeiro. Não houve herdeiro nem herança sob condição re­solutiva; nem retroatividade, nem qualquer efeito de suspensividade aposta ao negócio jurídico do testamento, nem criada pela lei sobre sucessão legítima”.[1]

Com efeito, para o jurista alagoano, a demons­tração da ineficácia se consubstancia no momento exato do nascimen­to sem vida; ou seja: “O herdeiro concebido não existiu. […] Pensava-se que viesse a confirmar-se a suposição de existir e, uma vez que os homens não adivinham […] o sistema jurídico ressalva, desde a con­cepção, os direitos do nascituro. À ineficácia quanto ao nascituro que nasce sem vida corresponde a eficácia quanto ao herdeiro legítimo ou vice-versa”. [2]

Gozam, portanto, nascituro e concepturo, de legitimidade suces­sória nos exatos termos desenhados pelos artigos 1.798 e 1.799, I. Se­gue-se, no caso, a mesma regra do art. 2º, do CC/2002, segundo a qual os direitos hereditários são efetivamente adquiridos, de maneira retroativa, ocorrendo o nascimento com vida.

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[1] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte geral. 4. ed. 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p. 179.

[2] Idem, ibidem, mesma página.

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MILSON FERNANDES PAULIN é
Tabelião de Notas e Oficial de Registro Civil no Município de Aracruz/ES
Vice-Presidente do Colégio Notarial do Brasil – Seção Espírito Santo
Pós-Graduado em Direito Notarial e Registral pela PUC/MG
Autor de obras e artigos em sites e revistas especializadas
Membro da União Internacional do Notariado – UINL

Fonte: Notariado | 27/01/2015.

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As alterações promovidas pela lei 13.043/14 na sistemática da alienação fiduciária em garantia – Por Eduardo Nogueira Franceschini

*Eduardo Nogueira Franceschini

As alterações promovidas por força da lei na sistemática da alienação fiduciária foram pontuais na redação das normas que regulamentam a matéria, tendentes a desburocratizar o instituto.

A MP 651, de 2014, cujo escopo era a desoneração da folha de pagamento e a adoção de outras medidas de incentivo à economia, também dispôs, dentre outras matérias, sobre a alienação fiduciária, e foi convertida na lei 13.043, de 13 de novembro de 2014.

Por força da lei 13.043/14, foram alterados, no que tange à alienação fiduciária, os arts. 2º a 5º do decreto-lei 9111, de 1º de outubro de 1969, que versa sobre a alienação fiduciária de coisa móvel, e nele incluídos os arts. 6º-A2 e 7º-A3; foi alterado o art. 1.3674 da lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), ao qual ainda acresceu-se o art. 1.368-B5; e foi alterado o §4 do art. 266, da lei 9.514, de 20 de novembro de 1997, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário e instituiu a alienação fiduciária de coisa imóvel. Passa-se, então, a discorrer sobre tais alterações.

No que tange decreto-lei 911/69, foi alterada a redação do caput do art. 2º, constando da nova redação disposição no sentido de que a restituição, pelo credor ao devedor, de eventual saldo apurado na venda do bem objeto da alienação e a dívida deste, deverá ser realizada com a devida prestação de contas.

Já o §2º do referido preceito passou a dispor que a mora do devedor poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, sendo dispensável que a assinatura constante do aviso de recebimento seja a do próprio destinatário.

Pela sistemática anterior, relembre-se, exigia-se que a mora fosse comprovada por carta registrada expedida por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos – o STJ firmou entendimento no sentido de que a notificação poderá ser feita por cartório de comarca distinta da do devedor7 – ou pelo protesto do título, do que se depreende a intenção do legislador de desburocratizar e reduzir o custo do procedimento, bem como de privilegiar a teoria da aparência, haja vista a possibilidade de que o aviso de recebimento seja assinado por outro que não aquele a quem ele se destina.

Saliente-se que mesmo sob a égide da legislação anterior, tinha-se por suficiente como válida a notificação realizada no endereço correto do devedor, ainda que recebida por terceiro8, de modo que a nova legislação apenas consagra o entendimento já dominante na jurisprudência.

O caput do art. 3º, em seu turno, teve a sua redação adequada à sistemática do art. 2º, no sentido de que a busca e apreensão do bem poderá ser requerida pelo credor desde que a mora esteja comprovada de acordo com o procedimento nele estabelecido; bem como que o respectivo pedido liminar poderá ser apreciado em plantão judiciário. Foi extirpado, ainda, o termo “inadimplemento”, o que se coaduna com a necessidade de que haja a efetiva comprovação da mora, ao invés do mero inadimplemento.

Ainda, foram incluídos a este preceito os §§9º a 15, que versam sobre os trâmites burocráticos para registro e cancelamento de gravames oriundos de decisões judiciais de busca e apreensão de veículos objeto de alienação fiduciária, trâmites estes que deverão ser observados também nas hipóteses de reintegração de posse de veículos objeto de operações de arrendamento mercantil, reguladas pela lei 6.099, de 12 de setembro de 1974.

Pela nova sistemática, deferida a busca e apreensão do bem, proceder-se-á de imediato o bloqueio do veículo via sistema RENAJUD mediante requerimento do próprio juiz, tal qual ocorre na penhora on-line, valendo ressaltar que eventual cancelamento será igualmente realizado desta forma.

Já o art. 4º, além de ter sofrido sutil alteração na sua redação, também foi modificado para fazer constar que, na hipótese de o bem alienado fiduciariamente não ser encontrado ou não se achar na posse do devedor, fica facultado ao credor requerer, nos mesmos autos, a conversão do pedido de busca e apreensão na ação de execução prevista no Capítulo II do Livro II do CPC ora em vigor. Já pela norma outrora vigente, o credor deveria se valer da ação de depósito, regida pelos arts. 901 a 906 do CPC ora em vigor.

Sob a ótica da ultima versão do SDC 166/10 (novo CPC), a remissão permanecerá sendo ao Livro II, Título II, cabendo aqui a ressalva de que a ação de depósito da qual o credor poderia valer-se não está contemplada na norma vindoura.

Tal alteração no art. 4º, vale dizer, é consentânea ao que já dispunha o art. 5º, que previa a possibilidade de o credor recorrer à ação executiva. Este, por sua vez, teve a sua redação alterada, passando a dispor que o credor poderá se valer da ação executiva, seja a direta, seja a convertida, na forma da novel redação do art. 4º.

Ainda no que se refere ao decreto-lei 911/69, incluiu-se a ele o art. 6º-A, que estabelece que o pedido de recuperação judicial ou extrajudicial pelo devedor não impedirá a busca e apreensão do bem, compatibilizando a norma com a exceção prevista no art. 49, §3º da lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (lei de falências e recuperações de empresas), no sentido de que o crédito do credor titular da posição de proprietário fiduciário não se submeterá aos efeitos da recuperação.

E, por fim, incluiu-se ainda o art. 7º-A, que veda o bloqueio judicial de bens constituídos por alienação fiduciária, e estabelece que qualquer discussão sobre concurso de preferências deverá ser resolvida pelo valor de venda do bem, nos termos do art. 2º. Assim, caso o devedor fiduciante tenha outros credores que não o credor fiduciário, estes não poderão requerer o bloqueio do bem sob a alegação de preferência em seus créditos.

Passando-se às alterações promovidas pela lei 10.406/14 no Código Civil, foi alterado o seu art. 1.367, que em sua redação anterior dispunha que se aplica à propriedade fiduciária, no que couber, o disposto nos seus arts. 1.421, 1.425, 1.426, 1.427 e 1.436.

Pela nova redação, as disposições a serem observadas serão as do Capítulo I do Título X do Livro III da Parte Especial do Código – da qual os preceitos mencionados acima são parte, a exceção do art. 1.436 – e as da legislação especial pertinente, a exemplo do decreto-lei 911/69 e da lei 9.514/97, também objeto do presente artigo.

No mais, também fez-se constar no art. 1.367 preceito que a propriedade fiduciária não se equipara à propriedade plena de que trata o art. 1.231, o que decorre da própria sistemática da propriedade fiduciária e do fato de a propriedade, neste hipótese, ser resolúvel, estando sujeita a determinadas condições e limitações estabelecidas pela lei e pelo contrato que a constituí.

Também foi incluído o art. 1.368-B, que estabelece que a alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou imóvel confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor, direito este que, a teor do mencionado acima, não se equipara à propriedade plena, mas que, bem se sabe, poderá transformar-se nela.

E caso ocorra tal transformação, estará o credor fiduciário obrigado a responder pelo pagamento dos tributos sobre a propriedade e a posse, taxas, despesas condominiais e quaisquer outros encargos tributários ou não, incidentes sobre o bem objeto da garantia, a partir da data em que vier a ser imitido na posse direta do bem. É o que dispõe o parágrafo único do art. 1.368-B.

Por fim, a última alteração promovida pela lei 13.043/14 na temática da alienação fiduciária em garantia foi no §4º do art. 26 da lei 9.514/97. Referido preceito versa sobre a consolidação da propriedade fiduciária de bem imóvel em nome do fiduciário na hipótese de mora do fiduciante, e a redação do §4º sofreu modificações pontuais na sua redação, e de mais relevante, passou a dispor que o prazo para purgação da mora por parte do fiduciante deverá ser computado da data da última publicação do edital.

Em síntese, nos parece que as alterações promovidas por força da lei 13.043/14 na sistemática da alienação fiduciária foram, de mais a mais, adequações pontuais na redação das normas que regulamentam a matéria, bem como a procedimentos e entendimentos já consagrados na jurisprudência e doutrina, tendentes a desburocratizar o instituto.

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1 Art. 2º No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)
(…)
§ 2º A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)
(…)
§ 4º Os procedimentos previstos no caput e no seu § 2o aplicam-se às operações de arrendamento mercantil previstas na forma da Lei no 6.099, de 12 de setembro de 1974. (Incluído pela Lei nº 13.043, de 2014)
Art. 3o O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2o do art. 2º, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)
(…)
§ 9º Ao decretar a busca e apreensão de veículo, o juiz, caso tenha acesso à base de dados do Registro Nacional de Veículos Automotores – RENAVAM, inserirá diretamente a restrição judicial na base de dados do Renavam, bem como retirará tal restrição após a apreensão. (Incluído pela Lei nº 13.043, de 2014)
§ 10. Caso o juiz não tenha acesso à base de dados prevista no § 9o, deverá oficiar ao departamento de trânsito competente para que: (Incluído pela Lei nº 13.043, de 2014)
I – registre o gravame referente à decretação da busca e apreensão do veículo; e (Incluído pela Lei nº 13.043, de 2014)
II – retire o gravame após a apreensão do veículo. (Incluído pela Lei nº 13.043, de 2014)
§ 11. O juiz também determinará a inserção do mandado a que se refere o § 9o em banco próprio de mandados. (Incluído pela Lei nº 13.043, de 2014)
§ 12. A parte interessada poderá requerer diretamente ao juízo da comarca onde foi localizado o veículo com vistas à sua apreensão, sempre que o bem estiver em comarca distinta daquela da tramitação da ação, bastando que em tal requerimento conste a cópia da petição inicial da ação e, quando for o caso, a cópia do despacho que concedeu a busca e apreensão do veículo. (Incluído pela Lei nº 13.043, de 2014)
§ 13. A apreensão do veículo será imediatamente comunicada ao juízo, que intimará a instituição financeira para retirar o veículo do local depositado no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas. (Incluído pela Lei nº 13.043, de 2014)
§ 14. O devedor, por ocasião do cumprimento do mandado de busca e apreensão, deverá entregar o bem e seus respectivos documentos. (Incluído pela Lei nº 13.043, de 2014)
§ 15. As disposições deste artigo aplicam-se no caso de reintegração de posse de veículos referente às operações de arrendamento mercantil previstas na Lei no 6.099, de 12 de setembro de 1974. (Incluído pela Lei nº 13.043, de 2014)
Art. 4o Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, fica facultado ao credor requerer, nos mesmos autos, a conversão do pedido de busca e apreensão em ação executiva, na forma prevista no Capítulo II do Livro II da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)
Art. 5º Se o credor preferir recorrer à ação executiva, direta ou a convertida na forma do art. 4o, ou, se for o caso ao executivo fiscal, serão penhorados, a critério do autor da ação, bens do devedor quantos bastem para assegurar a execução. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)

2 Art. 6º-A. O pedido de recuperação judicial ou extrajudicial pelo devedor nos termos da Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, não impede a distribuição e a busca e apreensão do bem. (Incluído pela Lei nº 13.043, de 2014)

3 Art. 7º-A. Não será aceito bloqueio judicial de bens constituídos por alienação fiduciária nos termos deste Decreto-Lei, sendo que, qualquer discussão sobre concursos de preferências deverá ser resolvida pelo valor da venda do bem, nos termos do art. 2o. (Incluído pela Lei nº 13.043, de 2014)

4 Art. 1.367. A propriedade fiduciária em garantia de bens móveis ou imóveis sujeita-se às disposições do Capítulo I do Título X do Livro III da Parte Especial deste Código e, no que for específico, à legislação especial pertinente, não se equiparando, para quaisquer efeitos, à propriedade plena de que trata o art. 1.231. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)

5 Art. 1.368-B. A alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou imóvel confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor. (Incluído pela Lei nº 13.043, de 2014)

6 Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.
(…)
§ 4º Quando o fiduciante, ou seu cessionário, ou seu representante legal ou procurador encontrar-se em local ignorado, incerto ou inacessível, o fato será certificado pelo serventuário encarregado da diligência e informado ao oficial de Registro de Imóveis, que, à vista da certidão, promoverá a intimação por edital publicado durante 3 (três) dias, pelo menos, em um dos jornais de maior circulação local ou noutro de comarca de fácil acesso, se no local não houver imprensa diária, contado o prazo para purgação da mora da data da última publicação do edital. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)

7 Recurso Especial Repetitivo nº. 1.184.570/MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe de 15.05.2012

8 Recurso Especial nº. 274.885/SC, Rel. Ministro Barros Monteiro, DJe de 16/9/2002

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*Eduardo Nogueira Franceschini é coordenador jurídico da Cosan.

Fonte: Migalhas | 27/01/2015.

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Artigo: A Relativização da Unicidade Notarial: Breves Reflexões sobre o Provimento nº 08/2015 – Por Moacyr Petrocelli

*Moacyr Petrocelli

Publicado em 11 de fevereiro de 2015, o Provimento nº 08/2015 da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, promete boa repercussão no cenário dos serviços notariais paulistas. Adveio a lume este ato normativo, para alterar a redação das Normas dos Serviços Extrajudiciais do Estado de São Paulo (NSCGJ-SP), especialmente o item 52.2, do Capítulo XIV, que passa a vigorar com a seguinte redação:

52.2. Lavrada a escritura pública, a coleta das respectivas assinaturas das partes poderá ocorrer em até 30 dias, e nessas hipóteses as partes deverão apor ao lado de sua firma a data da respectiva subscrição.

52.2.1. Não sendo assinado o ato notarial dentro do prazo fixado, a escritura pública será declarada incompleta, observando-se a legislação que trata dos emolumentos.

A novel previsão normativa merece ser aplaudida. Mostra, novamente, o espírito de pioneirismo bandeirante na atividade extrajudicial.

Em verdade, o tema desde há muito merecia normatização. Havia legítimo reclamo das entidades de classe sobre a necessidade do estabelecimento de critérios objetivos para que os notários tivessem balizas institucionais de atuação. Afinal, são situações diuturnas nas serventias notariais. Em palavras mais simples, o que se quer dizer é que não pode o notariado deixar de acompanhar a evolução da sociedade e dinamização das relações jurídicas, sob pena de engessar o exercício da função pública notarial.

Com efeito, é cediço que os serviços notariais e registrais em geral estão vinculados ao comando legal. Nesse espírito, sabe-se que não há qualquer disposição legal que vede a lavratura de escritura pública mediante a coleta da assinatura das partes em momentos distintos. Assim, a nova previsão normativa, possibilitou ao notário a flexibilização temporal da coleta das firmas das partes. Passa-se, portanto, a não ser mais obrigatória a presença simultânea de todas as partes para a assinatura da escritura pública.

Adequou-se a atividade notarial ao dinamismo da vida moderna, possibilitando que a função pública notarial alcance com mais facilidade suas missões institucionais para a garantia da autenticidade, publicidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.

Nesse particular, um dos princípios sempre destacados como congênito à atuação do tabelião de notas é o da unicidade do ato notarial. Por este princípio, os atos praticados pelos notários devem ser realizados em uma única oportunidade, sem que haja interrupções temporais relevantes.

Sempre houve dificuldade de compreensão dos contornos exatos a serem dados a este princípio. Já é de algum tempo – principalmente para o notariado moderno, e mais ainda para aquele de tipo latino, como é o caso Brasil – que este comando principiológico não está a significar que colhida a vontade das partes, o notário deva desde logo lavrar a escritura pública e finalizar sua atuação notarial. Aliás, sua atuação cautelar, lastreada no saber jurídico e na prudência notarial, indispensável à profilaxia jurídica exercida por este profissional, recomenda que haja prévia audiência das partes, para que possa ser verificada a real intenção negocial dos interessados naquele ato jurídico, captando os desejos e as intenções, para que, após o aconselhamento e assessoria jurídica, o ato notarial seja praticado na melhor forma de direito. Além disso, é sabido que, normalmente, em especial nos negócios jurídicos imobiliários, são necessárias diligências preparatórias à prática do ato ou mesmo providências documentais externas à serventia. Todas essas circunstâncias inerentes à atuação do notário impedem que o ato notarial seja iniciado e encerrado em momento único. Em palavras outras, a lavratura de escritura pública, desde há muito, não pode ser considerada como um simples ato, mas verdadeiro procedimento, com sequência de atos concatenados destinados à consecução do ato-fim.

A rigor, na melhor técnica, o princípio da unicidade do ato notarial sempre teve nítido caráter instrumental. Vale dizer, a lavratura final do ato, sua leitura na presença das partes, a conferência pelos comparecentes e a outorga das assinaturas, é rito procedimental que deve ser uno, guiado pelo notário, praticado de uma só vez, em continuidade.

De todo modo, aponta a doutrina, que o princípio da unicidade notarial pode ser interpretado nessa dupla acepção – abstrata e instrumental.

Mencione-se, a propósito, que nem todos os atos notariais estão submetidos integralmente à unicidade. Veja-se, por exemplo, o caso da ata notarial, em que a própria natureza do ato permite a interrupção e o prosseguimento de sua lavratura. A descontinuidade é traço marcante da ata notarial, afinal, se os fatos se prolongam no tempo, sua captação também arrastará. Lembre-se, inclusive, que a desobediência a este princípio notarial sempre foi um dos traços apontados pelos especialistas para distinguir a escritura pública da ata notarial. Doravante, no Estado de São Paulo, com a nova previsão normativa, esta distinção entre ata notarial e escritura pública tende a não ser mais tão relevante ou, pelo menos, não ser tão intensa.

De fato, o que se pode perceber, sem rodeios, é que o princípio da unicidade do ato notarial tem necessitado abrandamento no dia a dia da serventia notarial.

Não sem razão.

O dinamismo e a complexidade das relações jurídicas contemporâneas reclamam uma atuação prudencial do notário, descontinuada. Tratar, assim, com excesso de rigor a unicidade do ato, no mais das vezes, impede o tabelião de notas de exercer da melhor forma possível seu mister. Noutros dizeres, para que a atuação do notário atenda aos objetivos para quais ela existe no cenário jurídico, a realidade cotidiana da função pública notarial demonstra justamente o oposto da unidade do ato, mormente quanto ao tempo de sua prática.

Foi este o espírito solidificado no Provimento nº 08 de 2015, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo.

Estabelecida a mensagem exegética trazida pela salutar alteração normativa, convém apurar os principais efeitos notariais práticos da novel previsão. Diga-se: não é nosso objetivo – nem poderia sê-lo – esgotá-los. Todavia, algumas vicissitudes da prática tabelioa podem ser antevistas.

Cabe um alerta prefacial. A possibilidade de coleta a posteriori de assinaturas das partes deve ser vista como medida de caráter excepcional, devendo o tabelião acautelar-se para que o ato seja encerrado, tanto quanto possível, no menor lapso temporal. Isso garantirá a higidez jurídica do ato, e prestigiará a eficiência do serviço prestado. Na verdade, agir dessa forma não é nada mais do que afiançar a segurança jurídica, meta-base do fazer notarial. Nesse sentido, endossamos a posição de Paulo Roberto Gaiger Ferreira: “A melhor técnica notarial impõe que sejam os atos assinados na mesma data da lavratura, mas as atribulações e conveniências de nosso tempo permitem tolerar a assinatura em momento posterior”. (CASSETARI, Christiano (coord. Coleção Cartórios). Tabelionato de Notas. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 76).

Em síntese, a aplicação do permissivo normativo, ou seja, a possibilidade de fracionar a coleta das assinaturas deve ser medida de exceção. Apenas em casos especiais, o tabelião poderá facultar tal providência às partes, ou seja, que o façam dentro do prazo fatal de 30 dias. Enfim, agindo com cautela em casos que tais, o notário evitará situações meandrosas, que não são impossíveis de ocorrer. Imagine-se, por exemplo, que por obra do acaso, a parte da firma faltante venha a falecer. O ato ficaria incompleto, o que impossibilitaria de ser materializada a vontade das partes. São situações que podem aparecer na prática notarial. Por isso, a necessidade de encarar a autorização normativa como atitude excepcional.

Outra consideração imperativa refere-se à aferição do momento em que o ato notarial está completo para o direito. Não é difícil inferir do direito positivo que o ato notarial encerra-se com “a assinatura das partes e dos demais comparecentes, bem como a do tabelião ou seu substituto legal” (art. 215, § 1º, VII, do Código Civil). Ora, na ausência de assinatura de uma das partes, entende-se que o ato está incompleto, inapto à regular produção de seus efeitos jurídicos. Em realidade, sequer ele existe. Nesses casos, o tabelião declarará a escritura incompleta consignando as assinaturas faltantes. Frise-se, que diante dessa situação, é terminantemente vedado ao tabelião fornecer certidão ou traslado do ato declarado incompleto, salvo por ordem judicial.

Registre-se, ademais, que o novo permissivo deve ser aplicado apenas às escrituras públicas, não sendo correta sua aplicação aos testamentos públicos lavrados pelos tabeliães, dadas as inúmeras formalidades e solenidades previstas pela lei civil para o ato de última vontade. Isto é, a natureza do testamento público reclama a unicidade deste ato notarial, ou seja, sua lavratura nos moldes e requisitos legais, seguida da sua leitura em voz alta e assinatura do testador, das testemunhas e do tabelião (art. 1.864 do Código Civil). Sublinhe-se que a própria alocação normativa do novo item 52.2está a indicar nesse sentido, já que a norma principal (item 52) fala apenas em “escritura pública”.

Não se pode esquecer, ainda, das implicações relevantes que se terá a respeito da cobrança dos emolumentos pelos serviços prestados. Conforme apontado alhures, o Provimento 08/2015 é categórico em afirmar que “Não sendo assinado o ato notarial dentro do prazo fixado, a escritura pública será declarada incompleta, observando-se a legislação que trata dos emolumentos”.

Destaque-se, pois, que pelo ato notarial incompleto são devidos os emolumentos. A Lei nº 11.331/2002 – que trata dos emolumentos dos serviços notariais e de registro no Estado de São Paulo – é clara ao trazer nota explicativa à tabela incidente ao tabelionato de notas no sentido de que: “Pelo ato notarial declarado incompleto, por falta de assinatura, por culpa ou a pedido de qualquer das partes, será devido 1/3 (um terço) dos emolumentos. Se não for consignado o motivo, o escrevente e o Tabelião responderão solidariamente pela terça parte das parcelas previstas no art. 19, inciso I, letras “b”, “c” e “d”, desta lei”.

Repare, de imediato, a importância de o notário – ou aquele preposto que pratica o ato notarial – certificar os motivos do seu não encerramento. Deixando de fazê-lo, passará a ser solidariamente responsável pela terça parte dos emolumentos devidos pelo ato (especificamente nas parcelas dirigidas ao Estado, à Carteira de Previdência das Serventias e ao Fundo do Registro Civil).

Diante desses desdobramentos possíveis, no que toca aos emolumentos, parece correto que a cobrança pelo deva ser realizada pelo notário apenas quando encerrado por completo o ato notarial. É dizer, os emolumentos devem ser exigidos no momento em que seja aposta no livro a última assinatura, exaurindo-se a prática do ato.

Seria esta, inclusive, a data correta para lançamento da receita oriunda da prática do ato notarial no livro diário da serventia. É verdade, entretanto, que as Normas de Serviço do Estado de São Paulo preveem que a receita será lançada no dia da prática do ato, ainda que o notário não tenha recebido os emolumentos (item 55, Capítulo XIV, NSCGJ-SP). Todavia, a normativa é clara no sentido de considerar, para os serviços notariais, o “dia da prática do ato” como sendo o da lavratura do ato notarial e da emissão de certidão. Note-se, destarte, que nos casos de coleta postergada das firmas das partes, somente será lícito ao notário emitir o traslado do ato, após este se completar por inteiro, ou seja, após a coleta de todas as assinaturas dos comparecentes. Reforce-se, a propósito, que sendo o ato incompleto, na falta de qualquer assinatura, é terminantemente vedado ao notário que forneça certidões ou traslado daquele ato, salvo mediante ordem judicial. Em suma, a interpretação sistemática do fluxo do serviço notarial leva à conclusão de que o apontamento no livro de registro diário deverá ser feito quando ultimado o ato.

Deve-se considerar também que, exigir o pagamento do ato no momento da sua lavratura pode gerar imbróglio de difícil solução prática. Imagine, assim, que em uma escritura pública de compra e venda o comprador faça o recolhimento dos emolumentos no dia da lavratura do ato, momento este em que lança sua firma naquele ato notarial. O vendedor, de sua vez, como estava de viagem naquele dia, optou por assinar o ato 10 dias depois, quando de seu regresso. Durante a viagem, pensando melhor sobre a concretização do negócio, resolve por bem não concretizá-lo e sequer aparece no tabelionato. Nesse caso hipotético, tendo recebido os emolumentos no dia da lavratura do ato, é este o termo de referência para que sejam efetuados os repasses dos emolumentos às entidades as quais as parcelas estão previstas em Lei. Aliás, para algumas delas, o recolhimento dá-se semanalmente (art. 12, inciso I e III, da Lei nº 11.331/2002). Enfim, pode ocorrer de o titular daquele serviço notarial já ter realizado o recolhimento das guias àquelas entidades. Declarado a posteriori o ato incompleto, como proceder à devolução para o usuário dos 2/3 que lhe são de direito? Certamente não será questão fácil de ser solvida.

Por tudo isso, parece mais cautelosa a atitude de cobrar os emolumentos quando da assinatura da última parte. Em casos tais, para que se evitem contratempos, seria de bom tom que o notário, quando da audiência inicial das partes e diante da verificação da possibilidade de se aplicar a nova regra – ou seja, a coleta de assinatura em até 30 dias da lavratura do ato –, esclarecer aos interessados a existência do prazo fatal, e informá-los de que ultimado o termo final sem que todas as firmas sejam apostas no ato, este será considerado incompleto, incidindo, pois, a terça parte dos emolumentos devidos para o caso.

Outro caminho possível, seria a exigência pelo notário do depósito prévio do valor dos emolumentos.

A Lei nº 11.331/2002 autoriza em seu art. 13 que “salvo disposição em contrário, os notários e os registradores poderão exigir o depósito prévio dos valores relativos aos emolumentos e das despesas pertinentes ao ato, fornecendo aos interessados, obrigatoriamente, recibo com especificação de todos os valores”.

Apesar de ser este procedimento mais usual na serventia imobiliária, devido ao próprio procedimento registral típico do ofício predial, as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo permitem que os notários adotem o procedimento do depósito preambular dos emolumentos devidos. O item 69, do Capítulo XIII, da Normativa dispõe, in verbis:

69. Até o valor total previsto na tabela vigente, poderá o notário ou registrador exigir depósito prévio para a prática de atos solicitados, entregando recibo de depósito provisório.

69.1. Praticados os atos solicitados, o valor pago a título de depósito prévio converte-se em pagamento. Nesse caso, será lavrada, quando for o caso, cota-recibo à margem do ato praticado, e expedido recibo definitivo do valor pago, devolvendo-se, também, eventual saldo ao interessado.

Diante da nova possibilidade de coletar assinaturas em momento posterior à lavratura do ato notarial, certamente a exigência de depósito prévio pelo notário afigura-se como medida mais pertinente, evitando-se problemas futuros no caso de o ato ser declarado incompleto, em razão da ausência de assinatura de qualquer das partes que devam comparecer ao ato. Será, em verdade, cautela providencial para evitar a incidência da norma de responsabilização solidária dos titulares da delegação quanto à terça parte dos emolumentos devidos, nos termos acima ventilados.

Recorde-se, por necessário, que, em termos de escrituração dos livros obrigatórios da serventia, sendo admitido o depósito prévio, será de rigor seu lançamento no “Livro de Controle de Depósito Prévio” (item 44.1, Capítulo XIII, das NSCGJ-SP). Dito de outro modo, nos casos em que se admitir o depósito prévio, este deverá ser escriturado em livro próprio, especialmente aberto para o controle dessas importâncias, recebidas a título provisório, até que sejam os depósitos preliminares convertidos em pagamento dos emolumentos, ou devolvidos, conforme o caso.

Conforme se pode observar nessas breves anotações, há inúmeras questões e efeitos prático-jurídicos decorrentes do novo Provimento 08/2015, da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo. Certamente, o tema será paulatinamente amadurecido pelos notários, fixando-se diretivas para a homogeneização da atuação notarial em casos tais. Certeza, apenas, há uma. O tema ora normatizado é de extrema importância para atividade notarial, especialmente em razão da dinamização dos serviços extrajudiciais prestados à sociedade, longe de ser questão de lana-caprina.

Fonte: Notariado | 12/02/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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