ARTIGO: “USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL: DO CPC/15 AO PROVIMENTO 65/17 DO CNJ” – POR KARIN RICK ROSA

*Karin Rick Rosa

A  usucapião extrajudicial foi introduzida no ordenamento jurídico pela Lei 13.105/15 – Código de Processo Civil -, que alterou a Lei 6.015/73 para incluir o artigo 216-A, seguindo a trilha da desjudicialização ou desjudiciarização.

Desde a publicação da lei, o novo artigo da Lei 6.015/73 ensejou muitas críticas, especialmente em relação à necessidade de concordância expressa do titular do domínio do imóvel usucapiendo com o pedido de aquisição originária do interessado.

O Código de Processo Civil entrou em vigor em março de 2016, e passado pouco mais de um ano de sua vigência em meados do ano passado foi publicada a Lei 13.465, que, dentre outros, alterou o artigo 216-A da Lei 6.015/73. Um dos destaques foi a nova redação dada ao parágrafo segundo, que determina que se interprete o silêncio do proprietário notificado como concordância com o pedido. Grande e necessário avanço, já que é próprio da usucapião que a aquisição seja contra o proprietário e não do proprietário, sob pena de se caracterizar como modo derivado de aquisição e não originário.

Outra questão superada é possibilidade de usucapião de imóvel não matriculado, prevendo o parágrafo sexto a permissão de abertura de matrícula para estes casos.

Foram tratados, ainda, os casos em que o próprio imóvel usucapiendo seja uma unidade autônoma de condomínio edilício e quando houver condomínio edilício como confinante do imóvel usucapiendo, para estabelecer que a notificação do síndico é suficiente, sendo dispensada a notificação de cada um dos condôminos.

Por fim, o edital em meio eletrônico e o procedimento de justificação a ser realizado perante serventia extrajudicial buscaram facilitar, e com isso tornar exitoso o proce dimento da usucapião extraprocessual, que estava fadado a virar letra morta no ordenamento jurídico.

Mais recentemente, no dia 15 de dezembro de 2017, o Conselho Nacional de Justiça publicou o Provimento nº 65 com diretrizes para o procedimento da usucapião extrajudicial nos serviços notariais e de registro de imóveis. São vinte e sete artigos que dispõem sobre o assunto. Contudo, nos ocuparemos a seguir apenas alguns pontos da referida normativa.

Seguindo na linha do que dispõe a Resolução nº 35/07, o provimento prevê a possibilidade de adoção do procedimento extra judicial mesmo nos casos em que já exista um processo de usucapião em andamento. Assim, o interessado poderá optar pela suspensão do procedimento pelo prazo de 30 dias, ou, ainda, pela desistência da via judicial. As provas eventualmente já produzidas poderão ser utilizadas para o procedimento extrajudicial. Fica ressalvada a vedação do procedimento extrajudicial para usucapião de bens públicos.

O artigo 3º do provimento dispõe sobre os requisitos do requerimento a ser dirigido ao Oficial do Registro de Imóveis do local onde se situa o bem objeto da usucapião. São eles:

a) a modalidade de usucapião requerida e o fundamento legal ou constitucional; b) a origem e as características da posse, a existência de edificação ou benfeitorias e as datas de ocorrência; c) o nome e estado civil de todos os possuidores anteriores no caso de soma da posse para completar o período aquisitivo; d) as informações relativas ao número de matrícula ou transcrição da área, ou a informação de que não há inscrição; e, por último, e) o valor atribuído ao imóvel usucapiendo.

A ata notarial é referida nos artigos 4º e 5º. O rol de requisitos se encontra detalhado no inciso I do artigo 4º, com destaque para:

a) a qualificação com o endereço eletrônico, domicílio e residência do requerente e de seu cônjuge ou companheiro, e do titular do imóvel conforme matrícula;

b) a descrição do imóvel e suas características, conforme consta na matrícula;

c) o tempo e as características da posse do requerente e de seus antecessores;

d) a forma de aquisição da posse;

e) a modalidade de usucapião pretendida e o fundamento legal ou constitucional;

f) o número de imóveis atingidos pela pretensão aquisitiva e a localização, informando se estão situados em uma ou mais circunscrições;

g) o valor do imóvel;

h) outras informações que o tabelião de notas considere necessárias à instrução do procedimento, como depoimentos de testemunhas ou partes confrontantes.

Como se pode observar, trata-se de uma ata notarial complexa, que vai muito além da mera declaração do tempo de posse do interessado e seus antecessores, com características de escritura declaratória, como sempre deveria ter sido o instrumento público para tal procedimento, já que ata notarial tem por finalidade consignar fatos que são constatados pelo tabelião no presente.

Ainda em relação à ata notarial, destaca-se que o artigo 5º determina a aplicação do princípio da territorialidade, sendo competente para lavratura o tabelião de notas do município em que estiver localizado o imóvel usucapiendo ou a maior parte dele. A solução não nos parece a mais adequada, considerando que nem sempre haverá necessidade de diligência ao local do imóvel pelo tabelião de notas. A territorialidade deve ser observada sempre que houver diligência, isso é certo, mas nem sempre a diligência é necessária, tanto que o próprio provimento prevê como facultativo o comparecimento do tabelião no imóvel para constatação de fatos a serem consignados na ata. Quando não houver essa necessidade, não há razão que justifique a impossibilidade de outro tabelião de notas lavrar a ata notarial.

Outro requisito formal da ata se refere ao dever de informação, devendo o tabelião cientificar o requerente e consignar que a ata não tem valor como confirmação ou estabelecimento da propriedade, destinando-se tão somente para a instrução do requerimento extrajudicial perante o Oficial do Registro de Imóveis.

O provimento, em seu artigo 26, estabeleceu as diretrizes para cobrança dos emolumentos pelos notários e pelos registradores. Para o ato notarial, a ata é considerada ato de conteúdo econômico, e a cobrança dos emolumentos terá por base o valor venal do imóvel relativo ao último lançamento do imposto predial e territorial urbano ou ao imposto territorial rural ou, quando não estipulado, o valor de mercado aproximado. Para o ato registral, os emolumentos devidos pelo processamento da usucapião serão equivalentes a 50% do valor previsto na tabela de emolumentos para o registro, e, no caso de deferimento do pedido, outros 50%, tendo por base o mesmo critério aplicado para a cobrança dos emolumentos da ata notarial.

Por fim, outros atos, como diligências, reconhecimento de firmas, escrituras declaratórias, notificações e atos preparatórios ou instrutórios para a lavratura da ata notarial, certidões, buscas, averbações, notificações e editais relacionados ao procedimento junto ao Registro de Imóveis, são considerados atos autônomos para efeito da cobrança de emolumentos, devendo as despesas ser adiantadas pelo requerente.

Observa-se que foram significativas as alterações no artigo 2016-A da Lei 6.015/73 e que deverão os tabeliães e seus prepostas estar atentos às disposições do Provimento 65/17 do CNJ, para que possam prestar adequadamente seus serviços e seguir contribuindo para o desafogamento do Poder Judiciário.

*Karin Rick Rosa é advogada e assessora jurídica do Colégio Notarial do Brasil. Mestre em Direito e especialista em Direito Processual Civil pela Unisinos. Professora de Direito Civil Parte Geral e de Direito Notarial e Registral da Unisinos. Professora do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos. Professora da Escola Superior da Advocacia/RS. Professora convidada do Instituto Internacional de Ciências Sociais (SP). Coordenadora da Especialização em Direito Notarial e Registral da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Autora e organizadora de obras jurídicas.

Fonte: CNB/SP – Jornal do Notário | 06/04/2018.

____

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


Artigo: A concentração de atos na matrícula do imóvel e a ata notarial para constatação de posse – Por Leticia Franco Maculan Assumpção e Ana Clara Amaral Arantes Boczar

*Leticia Franco Maculan Assumpção e Ana Clara Amaral Arantes Boczar

A CONCENTRAÇÃO DE ATOS NA MATRÍCULA DO IMÓVEL E A ATA NOTARIAL PARA CONSTATAÇÃO DE POSSE

* Letícia Franco Maculan Assumpção
**Ana Clara Amaral Arantes Boczar

1- INTRODUÇÃO
A Lei Federal nº 13.097/2015 (conversão em lei da Medida Provisória nº 656/2014) alterou a Lei nº 7.433/85 einstituiu a concentração dos atos na matrícula do imóvel, objetivando dar maior segurança aos negócios imobiliários. A referida Leiestabeleceu que os atos jurídicos precedentes que não estiverem averbados ou registrados na matrícula do imóvel não poderão ser opostos a terceiros de boa-fé. As únicas ressalvas estão previstas no parágrafo único do art. 54 da mencionada lei, consistindo: a)nos casos de alienação que são ineficazes em relação à massa falida (arts. 129 e 130 da Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005) e b) nas hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.

Assim, excetuadas as hipóteses previstas no parágrafo único do art. 54 da Lei nº 13.097/2015, os atos jurídicos que não estiverem averbados ou registrados na matrícula não poderão ser opostos àquele que, de boa fé, adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel.É o que estabelecem os arts. 54 a 61, da Lei Federal nº 13.097/2015.

No presente artigo se busca debater sobre a ata notarial para constatação de posse, seu uso para fundamentar a escritura pública de cessão de posse e outros negócios jurídicos, como indenizações em processos de desapropriação, cessão de posse para fins de passagem de tubulações da COPASA, entre outros.

Procura-se, também, defender a importância da averbação da ata notarial de constatação de posse no Registro de Imóveis, pois, constando no Cartório de Registro de Imóveis a informação sobre a existência de posse sobre certo imóvel, eventual interessado em adquiri-lo estará ciente desse fato, que poderá gerar transtornos, ou, até mesmo, estando presentes os requisitos para a usucapião, a perda da propriedade. A averbação também dará maior segurança jurídica ao possuidor, mesmo que ainda não estejam presentes todos os requisitos para a usucapião, podendo ser usada como prova em juízo se houver a turbação ou o esbulho da posse. E a ata notarial registrada poderá ser utilizada como prova inequívoca da existência da posse naquele período, em uma futura ação de usucapião.

Existindo a ata notarial de constatação de posse, haverá segurança jurídica para embasar uma escritura pública de cessão de posse, instrumento que não vinha sendovisto com bons olhos por parte de algumas Corregedorias de Justiça, mas que poderia em muito colaborar a regularidade dos negócios, que hoje são realizados por meio de instrumento particular, sem observância de qualquer formalidade, trazendo enormes riscos.

É uma quebra de paradigma? Sim, mas se for para dar observância aos princípios notariais e registrais, garantindo a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, não seria uma excelente inovação?

2- A LEI Nº 13.097/2015, A CONCENTRAÇÃO DOS ATOS NA MATRÍCULA DO IMÓVEL E A AVERBAÇÃO DA ATA NOTARIAL NO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS

A Lei Federal nº 13.097/2015 (conversão em lei da Medida Provisória nº 656/2014) alterou a Lei nº 7.433/85 e instituiu a “concentração dos atos na matrícula do imóvel”, objetivando dar maior segurança aos negócios imobiliários. A referida Lei estabeleceu que não poderão ser opostos a terceiros de boa-fé os atos jurídicos precedentes que não estiverem averbados ou registrados na matrícula do imóvel. As únicas ressalvas estão previstas no parágrafo único do art. 54 da mencionada lei, consistindo: a) nos casos de alienação que são ineficazes em relação à massa falida (arts. 129 e 130 da Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005) e b) nas hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.

Tendo em vista o conteúdo da mencionada lei, excetuadas as hipóteses previstas no parágrafo único do art. 54, os atos jurídicos que não estiverem averbados ou registrados na matrícula não poderão ser opostos àquele que, de boa fé, adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel. É o que estabelecem os arts. 54 a 61, da Lei Federal nº 13.097/2015.

É extremamente importante a averbação da ata notarial de constatação de posse no Registro de Imóveis. Constando no Cartório de Registro de Imóveis a informação sobre a existência de posse sobre certo imóvel, eventual interessado em adquiri-lo estará ciente desse fato. A posse do imóvel é um fato relevante e sua existência poderá gerar transtornos para interessado na aquisição do imóvel, ou, até mesmo, estando presentes os requisitos para a usucapião, a perda da propriedade.

A averbação da ata notarial de constatação de posse no Cartório de Registro de Imóveis também dará maior segurança jurídica ao possuidor, mesmo que ainda não estejam presentes todos os requisitos para a usucapião, podendo ser usada como prova em juízo se houver a turbação ou o esbulho da posse. E a ata notarial registrada poderá também ser utilizada como prova inequívoca da existência da posse naquele período objeto da ata, em uma futura ação proposta pelo possuidor ou em procedimento extrajudicial de usucapião.

A mencionada averbação não foi prevista de forma expressa na Lei nº 13.097/2015. Entretanto, essa averbação é muito relevante e deve ser providenciada. Existindo a ata notarial de constatação de posse, haverá segurança jurídica para embasar uma escritura pública de cessão de posse, e muitos outros atos jurídicos, o que em muito colaborará com a regularidade dos negócios.

De fato, tendo em vista a repercussão da posse existente em um imóvel, deve ser admitida e incentivada a averbação da ata notarial que a constatou, tanto para proteger terceiros interessados, quanto para dar maior segurança jurídica ao possuidor, mesmo que ainda não estejam presentes todos os requisitos para a usucapião.

Sobre a averbação da posse, concordamos com o que muito bem ensina o Dr. Marcelo Couto :

No âmbito do Registro de Imóveis, contudo, ao se permitir a averbação da posse, demonstrada por ata notarial, não se está modificando a titularidade do bem, mas apenas publicizando uma situação transitória que poderá extinguir o direito inscrito, se houver inércia prolongada do proprietário. Buscando construir uma interpretação que permita fortalecer o sistema registral, levando em consideração não apenas a segurança estática, que protege o direito inscrito, mas também a segurança dinâmica, que protege o tráfico imobiliário, revela-se mais confiável publicizar não só a posse, como também a ciência do titular, comprovada com a sua notificação acerca da ata notarial lavrada. Seria praticado apenas um ato de averbação desta situação jurídica, publicizando a posse e a ciência do titular registral em inscrição única, mediante a apresentação simultânea dos documentos comprobatórios. O proprietário, ciente da posse por terceiro de um imóvel seu, tem como alternativa se valer dos interditos possessórios, da ação reivindicatória, ou de imissão de posse, para restabelecer seu direito violado. Se permanecer inerte, sofrerá as consequências de sua omissão. Não seria justo negar publicidade a esta modalidade de posse, permitindo que o titular registral omisso aliene o bem a terceiro, causando-lhe prejuízos. Não obstante a posição aqui defendida, não se pretende criar um sistema paralelo de registro de posse na matrícula do imóvel. A publicidade que se admite é de uma situação jurídica transitória, que tem por fim ou a conversão em propriedade, através do reconhecimento da usucapião, ou seu cancelamento, em razão da retomada da posse pelo proprietário. Assim, cessões de posse não podem ser objeto de inscrições derivadas da primeira. Havendo uma primeira averbação, a presunção de propriedade já será afetada, não se justificando a substituição do nome do possuidor toda vez que houver uma mudança na posse. Os efeitos publicitários já terão ocorridos com a averbação, só cabendo aos possuidores que sucederem ao primeiro requerer o reconhecimento judicial ou extrajudicial da usucapião. O ato inscrito, inclusive, servirá de prova bastante substancial do pedido, por trazer certeza quanto à existência, extensão, duração e ânimo da posse do usucapiente. De outro lado, havendo a recuperação da posse pelo proprietário, poderá ser averbado o cancelamento da inscrição da posse, mediante a apresentação de documentos que comprovem o restabelecimento da situação possessória. – sem grifos no original.

A averbação a posse, ao contrário de enfraquecer o sistema registral, fortalece esse sistema. Quanto à notificação do proprietário, entretanto, na nossa experiência revela-se difícil, pois a localização do mesmo é uma questão de complexa solução, havendo muitos casos em que o proprietário já faleceu há muitos anos e em que não é possível identificar e localizar os herdeiros ou o inventariante. Desta forma, entendemos não ser obrigatória a notificação, apesar de não haver dúvidas de que, existindo uma ciência do proprietário registral, ainda mais eficaz seria o ato da averbação.

3- A ATA NOTARIAL DE CONSTATAÇÃO DE POSSE (AINDA QUE NÃO PRESENTES TODOS OS REQUISTOS PARA A USUCAPIÃO)

A ata notarial foi reconhecida pelo Código de Processo Civil – CPC como instrumento, dotado de fé pública e de força de prova pré-constituída, podendo ser utilizada em inúmeras situações. A Lei de Registros Públicos, no art. 216-A, regulamenta o uso da ata notarial na usucapião extrajudicial. No entanto, a ata pode e deve ser utilizada também em outras situações de constatação de posse, mesmo que ainda não estejam presentes todos os requisitos para a usucapião.

A ata notarial para fins de constatação de posse, assim como aquela utilizada para fins de usucapião, deverá ser a mais completa possível. Deve incluir o depoimento pessoal do requerente sobre o tempo de sua posse e de seus antecessores; o depoimento, se possível, dos confrontantes do imóvel objeto da posse, condôminos ou não; a menção ao justo título ou a quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel; a menção a planta e a memorial descritivo; a menção às certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente; devendo permanecer arquivados no Tabelionato cópias simples, devidamente conferidas com o original, de todos os documentos originais que instruirão a ata.

Não é necessário que a ata notarial que tiver por objeto análise documental e a tomada de depoimentos seja lavrada por tabelião do Município onde está localizado o imóvel. É possível que sejam feitas atas separadas, por tabeliães diversos, de modo a facilitar a obtenção dos depoimentos. A única ata que obrigatoriamente deve ser lavrada por tabelião do Município do imóvel é aquela que tenha por objeto a diligência do tabelião ou de seu escrevente ao local respectivo, análise da situação fática e para obtenção de fotografias.

A ata notarial deverá ser cobrada conforme previsão da tabela de emolumentos do Estado da Federação respectivo, posto que os emolumentos são taxas estaduais e por isso diferem, podendo, por exemplo, ser cobrados de uma forma em São Paulo e de outra em Minas Gerais.

4- A CESSÃO DE POSSE E OUTROS NEGÓCIOS ENVOLVENDO A POSSE AOS QUAIS A ATA NOTARIAL PODE ATRIBUIR SEGURANÇA JURÍDICA 

A posse é um direito que possui valor econômico. Tanto é assim que a jurisprudência vem admitindo indenização em caso de desapropriação daquele que tem apenas a posse, obviamente em valor um pouco inferior ao pago àquele que é proprietário. Nesse sentido, a jurisprudência a seguir relacionada:
TJMG, Processo 1795715 MG 1.0000.00.179571-5/000, Publicação 11/10/2000 – Relator: LUCAS SÁVIO DE VASCONCELLOS GOMES – Ementa: DESAPROPRIAÇÃO – IMÓVEL – POSSE – VALOR ECONÔMICO – INDENIZAÇÃO DEVIDA – Emergindo do processado a posse da parte sobre o imóvel expropriado, a qual não foi impugnada pelo órgão expropriante, iniludível é o seu direito à indenização correspondente, em face do conteúdo econômico do instituto da posse. Agravo provido. – grifamos

O Superior Tribunal de Justiça também já se manifestou sobre a questão, tendo uniformizado o entendimento de que, no caso de loteamento irregular, o possuidor tem direito à indenização por desapropriação. A jurisprudência já se firmou nesse sentido há muito tempo, como demonstra o vetusto REsp 77.624/PR:

PROCESSUAL CIVIL. DESAPROPRIAÇÃO. INDENIZAÇÃO DA POSSE PELO VALOR INTEGRAL DO IMOVEL. IMPOSSIBILIDADE. A POSSE DE IMOVEL, COMO OS DEMAIS BENS, E INDENIZAVEL, DESDE QUE E HISTORICAMENTE NEGOCIAVEL E SUSCEPTIVEL DE VALORAÇÃO E AVALIAÇÃO. É INJURIDICO, TODAVIA, INDENIZAR-SE A POSSE MEDIANTE A QUANTIFICAÇÃO INTEGRAL DO IMOVEL, COMO SE O RESSARCIMENTO (AO MERO POSSUIDOR) RECAISSE SOBRE A POSSE E O DOMINIO. A INDENIZAÇÃO INTEGRAL, IN CASU, CONSIDERADO O PROPRIETARIO, AO MESMO TEMPO, COMO POSSUIDOR E PROPRIETARIO, IMPORTA EM ENRIQUECIMENTO ILICITO DO EXPROPRIADO EM DETRIMENTO DO ORGÃO PUBLICO EXPROPRIANTE, COM DESAFEIÇÃO A JUSTEZA DA REPARAÇÃO QUE O PRINCIPIO CONSTITUCIONAL PRECONIZA. RECURSO PROVIDO. DECISÃO INDISCREPANTE. (REsp 77.624/PR, Rel. Ministro DEMÓCRITO REINALDO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/06/1996, DJ 26/08/1996, p. 29643). – grifos nossos

No mesmo sentido os acórdãos de 2013 cuja ementa abaixo reproduzimos:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC INEXISTENTE. DESAPROPRIAÇÃO. POSSE. INDENIZAÇÃO AO DETENTOR DA POSSE. POSSIBILIDADE. ART. 34 DO DECRETO-LEI N. 3.365/41. NÃO VIOLAÇÃO. SÚMULA 83/STJ. CONFIGURADO O DOMÍNIO DA PROPRIEDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Não há a alegada violação do art. 535 do CPC, pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, uma vez que o acórdão recorrido enfrentou os temas abordados no recurso de agravo de instrumento. 2. A Corte de origem tratou especificamente dos questionamentos levantados pelo ora recorrente. 3. É firme a jurisprudência deste Corte quanto à possibilidade de o expropriado que detém apenas a posse do imóvel receber a correspondente indenização, não sendo o caso de aplicação do art. 34 do Decreto-Lei 3.365/41. (AgRg no AREsp 19.966/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/6/2013, DJe 19/6/2013.). 4. Não há como aferir eventual violação do dispositivo citado por violado – art. 34 do Decreto-Lei 3.365/41 – sem que se reexamine o conjunto probatório dos presentes autos, porquanto a Corte estadual concluiu pela existência de provas que confirmam o domínio da propriedade pelos recorridos. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 361.177/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/10/2013, DJe 18/10/2013). –grifos nossos

E a mesma interpretação constado recente acórdão de setembro de 2017:

Ementa: ADMINISTRATIVO.   PROCESSUAL CIVIL.  AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ.   INTERVENÇÃO DO ESTADO NAPROPRIEDADE.  DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA. ACOLHIMENTO DAOFERTA INICIAL.   ANUÊNCIA DOSEXPROPRIADOS.   POSSIBILIDADE.DESNECESSIDADE DE PERÍCIA JUDICIAL.  LEVANTAMENTO DOS VALORES.CONDICIONAMENTO À REGULARIDADE DO DOMÍNIO.  DESCARACTERIZAÇÃO.SITUAÇÃO DE POSSE. FALTA DE OPOSIÇÃO DE TERCEIROS QUANTO À CERTEZADO DOMÍNIO.  […].1. A alegação de ausência de prestação jurisdicional adequada e, porviade  consequência, de violação ao art. 535 do CPC/1973, exige dorecorrente  a indicação de qual o texto legal, as normas jurídicas eas  teses  recursais  não  foram objeto de análise nem de emissão dejuízo de valor pelo Tribunal da origem, pena de a preliminar carecerde fundamentação pertinente. Inteligência da Súmula 284/STF.2.  É cabível a indenização por desapropriação em favor do possuidor doimóvel,  hipótese  na  qual  inaplicável  o  teor  do art. 34 doDecreto-Lei 3.365/1941 uma vez inexistente a dúvida sobre o domínio,sobremaneira   quando   o   próprio  ente  expropriante,  quando  dapropositura da ação, reconheceu essa situação. Precedentes. […] (Processo AREsp 1124406 / SPAGRAVO EM RECURSO ESPECIAL2017/0158661-2; Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, 2ª Turma, DJe 14/09/2017.)  – grifamos.

Até o reconhecimento da ata notarial como instrumento para reconhecer a posse, algumas Corregedorias de Justiça vinham vendo com maus olhos a lavratura da escritura de cessão de posse, talvez por temor de que a posse não fosse verídica, já que não havia documento respectivo do Registro de Imóveis que pudesse comprová-la. Um exemplo foi a decisão proferida no Processo nº 62.454/2013, da Corregedoria-Geral de Justiça de Minas Gerais – CGJ/MG, que se fundamentou nos argumentos de  que a lavratura de escritura de cessão de posse feriria o disposto na Lei nº 7.433/1985 e que poderia gerar a falsa ideia de que o outorgado teria se titularizado no imóvel. A decisão já merecia questionamento na época em que foi dada, uma vez que, obviamente, a Lei nº 7.433 trata unicamente dos requisitos para escrituras que envolvam a transmissão da propriedade, mas não veda a lavratura de escritura de cessão de direitos, entre eles de cessão de direito de posse. Além disso, é obrigação do tabelião esclarecer a situação fática e as conseqüências jurídicas da lavratura da escritura de cessão de direitos de posse às partes envolvidas. Assim, os argumentos já não se sustentavam à época, em 2013, muito antes do reconhecimento pelo CPC da ata notarial como instrumento de constatação da posse. Tanto não se sustentavam tais argumentos que o próprio Código de Normas do Extrajudicial de Minas Gerais, Provimento nº 260/CGJ-MG,veio expressamente disciplinar as escrituras de cessão de direitos sobre imóveis, no § 8º do art. 156 .Se já deveria haver dúvidas, em 2013, sobre a possibilidade da lavratura de tal escritura, depois da entrada em vigor do CPC, que ocorreu em 18 de março de 2016, realmente o contexto jurídico é totalmente diverso, devendo ser incentivada, sim, a escritura de cessão de posse, nas hipóteses em que não seja possível a transmissão da propriedade, o que deverá ser examinado detidamente pelo tabelião.

A não lavratura da escritura de cessão de posse levainteressados a transmiti-lasem nenhum documento escrito ou por mero contrato, feito sem qualquer formalidade e, portanto, sem nenhuma segurança jurídica. Alguns juízes já vinham reconhecendo a importância da escritura de cessão de posse, valendo reproduzir, por sua importância, o Ofício Circular Adm/RH 026/2012, da Direção do Foro da Comarca de Teófilo Otoni, datado de 19 de dezembro de 2012 e assinado pelo Exmo. Sr. Juiz Diretor do Foro, Geraldo Rodrigues de Oliveira:

“Senhor Tabelião Delegatário,
Considerando as reiteradas consultas dos Titulares das Serventias em face de irregularidades quanto ao parcelamento do solo relativamente a imóveis particulares e públicos na sede, municípios e distritos desta comarca de Teófilo Otoni.
Considerando que a plena regularização demanda interesse, esforço e dificuldades diversas ao longo de muito tempo.
Tendo em vista que o ordenamento jurídico civil disciplina a posse como requisito de uma das formas de aquisição da propriedade.
Que judicialmente é passível de reconhecimento, manutenção e reintegração da posse.
Que é fato transações imobiliárias revistadas de documentos particulares desprovidos de forma segura.
Observando-se a legislação pertinente, recomendo aos senhores Tabeliães de sede, municípios e distritos da comarca de Teófilo Otoni que eventualmente as estritas públicas em geral, envolvendo somente a posse, seja observado os requisitos que constituem a essência da posse mansa pacífica, contínua e com ânimo de dono, além de consignar com clareza e exatidão termos acerca da eficácia e natureza do ato.
A lavratura de escritura pública envolvendo posse e ou direito de posse atende às partes por se tratar de documento público hábil para futura legitimação, princípio de prova em caso de turbação ou esbulho e ainda matéria de defesa em ações possessórias, bem assim ao município no recolhimento de taxas e impostos, se devidos, emolumentos e demais encargos.”- grifos nossos

Assim, como muito bem conclui o Exmo. Sr. Juiz no Ofício acima reproduzido, a escritura pública de cessão de posse atende às partes, pois o tabelião, em virtude do princípios notariais da juridicidade, da cautelaridade e da imparcialidade examinará o negócio, esclarecerá dúvidas, garantirá a efetiva manifestação de vontade das partes e evitará vícios. Além disso, a escritura pública constitui prova para futura usucapião, ou mesmo para defesa em caso de turbação ou esbulho, podendo ser apresentada na defesa em ações possessórias. Ainda, há que se considerar que muito ganha o Estado com a escritura, posto que se garante o recolhimento de taxas e impostos , quando devidos.

Se a vedação à escritura de cessão de posse por algumas Corregedorias de Justiça de estados da federação tinha como objetivo evitar atos notariais desprovidos de segurança jurídica, é certo que a prévia lavratura de ata notarial de constatação de posse garantirá tal segurança jurídica. A real existência da posse será verificada pelo tabelião anteriormente à lavratura da escritura de cessão de posse. O que não se pode admitir é que deixe de ser utilizada a escritura pública, levando os interessados a realizar a cessão da posse por meio de instrumento particular, sem observância de qualquer formalidade, trazendo enormes riscos.

A ata notarial de constatação de posse pode garantir segurança jurídica previamente ao desembolso de indenizações em desapropriações ou mesmo, por exemplo, em caso de negociação feita pela COPASA de direito de passagem de tubulação de água ou de esgoto em terrenos de pessoas que só detêm a posse. No que se refere à COPASA, a passagem dessas tubulações é ato de interesse público, mas o pagamento da indenização não pode ser feito sem que haja um ato notarial que garanta a segurança jurídica: a ata notarial, devidamente averbada, é um bom remédio para esse problema.

A ata notarial, portanto, é instrumento extremamente útil para a comprovação da posse, podendo ser apresentada como prova para futura usucapião, ou mesmo para defesa em caso de turbação ou esbulho, e, se levada à averbação no Registro de Imóveis, também previnirá litígios e garantirá direitos, ao publicizar para todos a existência desse ônus para a propriedade.

5 – CONCLUSÃO

A Lei nº 13.097/2015 (resultado da conversão da MP nº 656/2014) inaugurou um novo marco na segurança jurídica imobiliária. A partir de 19 de fevereiro de 2017, é preciso levar ao registro de imóveis imediatamente a existência dos ônus mencionados na lei. Os interessados devem, pois, tomar as providências para levar ao registro de imóveis os atos jurídicos para que sejam averbados ou registrados na matrícula. Se isso não for feito, não poderão ser opostos àquele que, de boa fé, adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, pois, se não está averbado ou registrado na matrícula, o ato não será eficaz em relação ao terceiro de boa-fé.

Não foi prevista de forma expressa naLei nº 13.097/2015 a averbação da ata notarial de constatação de posse, averbação, que é muito relevante e deve ser providenciada.Existindo a ata notarial de constatação de posse, haverá segurança jurídica para embasar uma escritura pública de cessão de posse, instrumento que não vinha sendo visto com bons olhos por parte das Corregedorias, mas que, sendo precedida de uma ata notarial de constatação de posse, poderá em muito colaborar para a regularidade dos negócios, evitando que sejam realizados por meio de instrumento particular, sem observância de qualquer formalidade, o que traz enormes riscos.

A ata notarial para constatação de posse já está à disposição dos interessados em qualquer cartório de notas. Também a escritura de cessão de posse pode e deve ser lavrada, pelos motivos já expostos.  Se a ata notarial de constatação de posse estiver averbada no Registro de Imóveis, então traríamos para os Registros Públicos diversas situações que hoje estão à margem do registro.Trata-se,sim, de uma quebra de paradigma, mas é uma inovação que privilegia a observância aos princípios notariais e registrais, garantindo a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.

* Letícia Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1991), pós-graduada, mestre em Direito Público e doutoranda em Ciências Jurídicas. Foi Procuradora do Município de Belo Horizonte e Procuradora da Fazenda Nacional. Aprovada em concurso, desde 1º de agosto de 2007 é Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. É professora e coordenadora da pós-graduação do INDIC – Instituto Nacional de Direito e Cultura, em parceria com o CEDIN – Centro de Direito e Negócios, e autora de diversos artigos na área de Direito Tributário, Direito Administrativo, Direito Civil e Direito Notarial, publicados em revistas jurídicas, e dos livros “Função Notarial e de Registro” e “Casamento e Divórcio em Cartórios Extrajudiciais do Brasil”. É Presidente do Colégio do Registro Civil de Minas Gerais e Diretora do CNB/MG.

** Ana Clara Amaral Arantes Boczar, pós graduada em Direito Notarial e Registral pela parceria DO INDIC – Instituto Nacional de Direito e Cultura com o CEDIN – Centro de Direito e Negócios, pós graduada em Direito Privado pela Universidade Candido Mendes e graduada em Direito pela faculdade Milton Campos em 2015.

Fonte: CNB/CF | 04/04/2018.

____

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


Artigo: CNJ cria regras para reconhecimento extrajudicial de filiação socioafetiva – Por Carlos Magno Alves de Souza

*Carlos Magno Alves de Souza

Introdução
Em 17 de novembro de 2017, o Conselho Nacional de Justiça publicou o Provimento 63, através do qual, dentre outros temas, disciplinou o procedimento de reconhecimento de filiação socioafetiva, perante os Ofícios do Registro Civil das Pessoas Naturais.

Apesar de alguns estados já estarem realizando o reconhecimento extrajudicial da “paternidade” socioafetiva mediante a edição de normativos próprios, o Provimento 63/2017 do CNJ vem para consolidar a possibilidade de que o reconhecimento da filiação socioafetiva seja efetivado nos cartórios do registo civil de qualquer unidade federativa, uniformizando o seu procedimento.

Todavia, quando da publicação de novas regras jurídicas, é natural que surjam questionamentos e críticas que servem para firmar interpretações, bem como aperfeiçoar a nova ordem normativa, de maneira que, neste breve estudo, traremos algumas ponderações acerca do referido provimento, que consideramos importantes na discussão sobre o reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva.

Requisitos ao reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva
Com efeito, de acordo com o referido provimento, os requisitos para que o reconhecimento da filiação socioafetiva seja deferido extrajudicialmente são os seguintes:

I – Requerimento firmado pelo ascendente socioafetivo (nos termos do Anexo VI), testamento ou codicilo (artigo 11, parágrafos 1º e 8º, do Provimento 63/2017 do CNJ);

II – Documento de identificação com foto do requerente – original e cópia simples ou autenticada (artigo 11 do Provimento 63/2017 do CNJ);

III – Certidão de nascimento atualizada do filho – original e cópia simples ou autenticada (artigo 11 do Provimento 63/2017 do CNJ);

IV – Anuência pessoalmente dos pais biológicos, na hipótese do filho ser menor de 18 anos de idade (artigo 11, parágrafos 3º e 5º, do Provimento 63/2017 do CNJ);

V – Anuência pessoalmente do filho maior de 12 anos de idade (artigo 11, parágrafos 4º e 5º, do Provimento 63/2017 do CNJ);

VI – Não poderão ter a filiação socioafetiva reconhecida os irmãos entre si nem os ascendentes (artigo 10, parágrafo 3º, do Provimento 63/2017 do CNJ);

VII – Entre o requerente e o filho deve haver uma diferença de pelo menos 16 anos de idade (artigo 10, parágrafo 3º, do Provimento 63/2017 do CNJ);

VIII – Comprovação da posse do estado de filho (artigo 12 do Provimento 63/2017 do CNJ).

Da comprovação da posse do estado de filho
O artigo 12 do Provimento 63/2017 do CNJ prevê que “suspeitando de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade, simulação ou dúvida sobre a configuração do estado de posse de filho, o registrador fundamentará a recusa, não praticará o ato e encaminhará o pedido ao juiz competente nos termos da legislação local”.

Desse modo, além do requisito da manifestação de vontade do requerente, dos pais biológicos e do filho maior de 12 anos, a referida norma impõe ao oficial de registro a necessidade de observar a configuração da posse de estado de filho como condição indispensável à caracterização da filiação socioafetiva.

De acordo com Jacqueline Filgueiras Nogueira, a posse do estado de filho corresponde à “relação de afeto, íntimo e duradouro, exteriorizado e com reconhecimento social, entre homem e uma criança, que se comportam e se tratam como pai e filho, exercitando os direitos e assumem as obrigações que essa relação paterno-filial determina”.

Nesse compasso, para Luiz Edson Fachin a posse do estado de filho é constituída por três elementos, a saber: 1) tratamento (tractatus) – presente quando o indivíduo é tratado na família como filho; 2) nome (nomem) – ocorre quando ao filho é atribuído o nome dos pais; 3) fama (reputatio) – há repercussão social da relação de filiação.

Segundo Renata Viana Neri, a doutrina na sua grande maioria, dispensa o requisito do nomem, de maneira que o fato do nome do filho não conter o correspondente patronímico, em nada altera a caracterização da posse do estado de filho, desde que presentes os demais elementos, quais sejam, tratamento (tractatus) e fama (reputatio).

Assim sendo, o oficial de registro deve estar atento à comprovação da posse do estado de filho, mais especificamente, no tocante aos elementos do tratamento e da fama que, aliados ao requisito da manifestação de vontade, caracterizam a filiação socioafetiva.

Para tanto, recomenda-se ao registrador civil, profissional do direito dotado de fé-pública que tem a função de garantir a segurança e eficácia dos atos jurídicos, que, além dos documentos expressamente previstos no Provimento 63/2017 do CNJ, exija, ainda, a apresentação dos seguintes documentos: (i) certidão de casamento ou instrumento de reconhecimento de união estável, referente ao pretenso ascendente socioafetivo e a mãe ou pai biológico – tractatus; (ii) declaração de duas testemunhas, parentes ou não, que atestem conhecer o requerente e o filho, reconhecendo entre eles a existência de relação afetiva de filiação – reputatio.

É certo que a mera existência de casamento ou união estável entre um dos pais biológicos e o padrasto ou madrasta não é condição suficiente para caracterizar o vinculo da filiação socioafetiva, todavia, apontam que há um relação familiar entre o padrasto ou madrasta e o filho, podendo configurar o elemento do tratamento (tractatus). Além disso, a declaração de duas testemunhas que atestem conhecer publicamente a relação de filiação socioafetiva, evidencia o elemento da fama (reputatio), que acrescidos à manifestação da vontade, mediante a apresentação dos documentos indicados no Provimento 63/2017 do CNJ, demonstram a existência de filiação socioafetiva.

Agindo assim, o oficial de registro diligente estará adotando as cautelas mínimas para que o reconhecimento da filiação socioafetiva seja realizado em conformidade com o ordenamento jurídico vigente.

Da possibilidade da anuência por procuração
O artigo 11, parágrafo 5º, do Provimento 63/2017 do CNJ, estabelece que “a coleta da anuência tanto do pai quanto da mãe e do filho maior de doze anos deverá ser feita pessoalmente perante o oficial de registro civil das pessoas naturais ou escrevente autorizado”.

Entendemos que essa determinação, além de desarrazoada, é inconstitucional, haja vista que estabelece tratamento discriminatório no reconhecimento da filiação a depender de sua origem, se biológica ou socioafetiva, uma vez que o Provimento 16/2012 do CNJ, que dispõe sobre reconhecimento extrajudicial da paternidade biológica, não exige que a anuência da mãe ou do filho maior seja dada pessoalmente, bastando que seja apresentado documento escrito autêntico.

Desse modo, é descabido exigir que a aludida anuência seja dada presencialmente, sendo injustificável que ela não possa ser realizada através da apresentação de instrumento público ou particular com firma reconhecida, no qual constem expressamente os termos da anuência, ou, ainda, através de mandatário com poderes específicos.

Do reconhecimento como ato de averbação e não de registro
Conforme narrado acima, o referido Provimento exige que o requerente apresente, dentre outros documentos, a certidão de nascimento do filho, de maneira que o reconhecimento da filiação socioafetiva somente se dá por ato de averbação, ou seja, posterior ao registro.

Não obstante, o questionamento que se faz é o seguinte: é possível haver posse do estado de filho durante o período da gestação?

Imagine-se a situação hipotética em que Ana está grávida, porém desconhece a identidade do pai biológico, sendo que Ana é casada com Márcia. Passados os nove meses do período gestacional, Márcia, de posse da declaração de nascido vivo, se dirige ao cartório no intuito de registrar a criança em nome de Ana (mãe biológica) e dela, Márcia (mãe socioafetiva).

Nas palavras de Renata Viana Neri, “no tocante à exigência de duração da posse de estado de filho para a caracterização do status de filho, vale dizer, que a doutrina é contrária à fixação de um prazo mínimo para a configuração da posse de estado de filho, sendo necessário o exame das singularidades de cada caso concreto”.

Assim sendo, no caso hipotético apresentado, Ana descobriu que estava grávida, todavia, ignorando a identidade do pai biológico. Por seu turno, Márcia, casada com Ana, desde os primeiros meses do descobrimento da gravidez, passou a zelar pelo nascituro, ajudando no seu cuidado, acompanhando exames médicos, estabelecendo uma relação de amor, enfim, agindo com se o filho, também, fosse seu.

Nesse contexto, seria razoável que fosse possibilitado que o reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva ocorresse já no momento do registro de nascimento, haja vista estarem presentes os requisitos de manifestação de vontade e da posse do estado de filho.

Sem embargo disso, recomenda-se que o registrador civil siga a orientação do Provimento 63/2017 do CNJ, de maneira que realize o aludido procedimento, somente, através do ato de averbação.

Da possibilidade da averbação da multiparentalidade diretamente no cartório
A jurisprudência nacional já firmou o entendimento de que é possível a coexistência da filiação biológica com a socioafetiva, de modo que no assento de nascimento de determinada pessoa pode constar dois pais e uma mãe ou duas mães e um pai, por exemplo.

A multiparentalidade reconhecida judicialmente, decorrente da concomitância da filiação socioafetiva com a biológica, não é mais nenhuma novidade. Todavia, o Provimento 63/2017 do CNJ trouxe relevante inovação ao permitir o reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva, sem exclusão da biológica.

Já em seu preâmbulo, o Provimento 63/2017 do CNJ leva em consideração “o fato de que a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios (Supremo Tribunal Federal – RE 898.060/SC)”.

Nesse sentido, o artigo 11, parágrafo 3º, do Provimento 63/2017 do CNJ, reza que “constarão do termo, além dos dados do requerente, os dados do campo filiação e do filho que constam no registro, devendo o registrador colher a assinatura do pai E da mãe do reconhecido, caso este seja menor”.

Ao passo que, o artigo 11, parágrafo 5º, da referida norma, prevê que “a coleta da anuência tanto do pai quanto da mãe e do filho maior de 12 anos deverá ser feita pessoalmente perante o oficial de registro civil das pessoas naturais ou escrevente autorizado”.

Deixando de lado qualquer dúvida sobre a questão, o artigo 14 do Provimento 63/2017 do CNJ estabelece que “o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente poderá ser realizado de forma unilateral e não implicará o registro de mais de dois pais ou de duas mães no campo filiação no assento de nascimento”.

Desta maneira, após a edição do referido provimento, é possível que a filiação socioafetiva seja reconhecida diretamente no cartório, sem que seja afastada a filiação biológica, desde que haja anuência dos pais biológicos e do filho maior de 12 anos, quando for o caso.

Da diferença de idade entre o ascendente socioafetivo e o filho
Por último, resta dizer que apesar do artigo 10, parágrafo 4º, do Provimento 63/2017 do CNJ, exigir uma diferença mínima de idade de 16 anos, entre o requerente e o filho a ser reconhecido, é provável que em determinadas situações, através da via judicial, essa regra seja mitigada, a exemplo do que já ocorre em casos de adoção, em que a jurisprudência tem flexibilizado o entendimento acerca da idade mínima, priorizando o vínculo da filiação.

Referências
BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL. APL: 20000130017887 DF, Relator: SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS, Data de Julgamento: 21/10/2002, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: DJU 12/02/2003 Pág. : 37.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 63, de 14 de novembro de 2017. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3380>. Acesso em: 27 de nov. 2017.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. 10ª ed., rev., atual. e ampl., Salvador: JusPODIVM, 2012.

NERI, Renata Viana. Da posse do estado de filho: fundamento para a filiação socioafetiva. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jun. 2014. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.48437&seo=1>. Acesso em: 27 nov. 2017.

VELLSO, Reinaldo. Reconhecimento da Paternidade Socioafetiva. 13 mar. 2017. Disponível em: < http://reinaldovelloso.blog.br/?p=667>. Acesso em: 27 nov. 2017.

TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v.5: Direito de Família. 12ª ed., rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2017.

*Carlos Magno Alves de Souza é oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais do Subdistrito de Brotas – Comarca de Salvador (BA). É especialista em Direito Notarial e Registral pela Universidade Anhanguera e em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Fonte: ConJur | 03/12/2017.

____

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.