Artigo: Cartórios extrajudiciais: o que você precisa saber – Por Patricia André de Camargo Ferraz

*Patricia André de Camargo Ferraz

Responsabilidades e obrigações dos titulares dos cartórios são proporcionais ao faturamento

A crise econômica em contraponto aos sonhos de estabilidade, salários diferenciados e benefícios exclusivos ampliou a concorrência pelas vagas ofertadas em concursos públicos.

Dentre os bacharéis em Direito, recém-formados ou já atuantes (e porque não dizer na sociedade em geral), a outorga de delegação para um cartório extrajudicial se tornou sinônimo de ingresso em um mundo de altos ganhos e pouco trabalho.

Esse mito, entretanto, decorre de reiterada divulgação distorcida da realidade dos cartórios extrajudiciais, que passa a falsa ideia de que todos os ofícios extrajudiciais são extremamente rentáveis e pouco trabalhosos.

A verdade, contudo, é bem diferente e para quem cogita ingressar na atividade, é importante conhecê-la para não se frustrar. Também e especialmente para se preparar adequadamente para o exercício da atividade.

Se sua prioridade para escolha da nova profissão é a remuneração, no que diz respeito aos cartórios o primeiro ponto a ser esclarecido é que os que têm uma renda diferenciada são minoria. O segundo é que a renda de cada cartório decorre exclusivamente dos atos que pratica (não há qualquer contribuição do Estado no seu orçamento).

Assim, o fato de alguns cartórios estarem localizados em regiões economicamente mais privilegiadas, os faz terem uma quantidade de trabalho muito superior aos demais. Logo, seus titulares são responsáveis por um fluxo intenso de serviço e por isso realizam um maior número de atos. Consequentemente produzem um faturamento maior do que os cartórios localizados em regiões com uma economia mais tímida. Terceiro, da arrecadação dos cartórios, em média (nacional) 46% são destinados, por exemplo, ao Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Fazenda Estadual, Fundo de compensação de atos gratuitos do registro civil de pessoas naturais, dentre outros.

O que resta, então, é destinado ao custeio da atividade desempenhada, ou seja, locação do prédio do cartório, pagamento dos funcionários, benefícios e encargos trabalhistas, insumos (água, luz, telefonia, internet, material de escritório, tonner, papéis e selos de segurança, etc), softwares de gestão de processos internos e outros necessários para edição de textos, por exemplo, microfilmagem e digitalização de documentos, manutenção de maquinário (ar condicionado, computadores, servidores, impressoras, scanners), enfim, tudo o que uma empresa precisa para funcionar adequadamente e dar condições adequadas de trabalho à sua equipe e aos seus usuários.

Após a dedução das despesas, contabilize a incidência de ISS e do imposto de renda (se você não estiver na faixa de isenção e de até 27,5%, se você atingir faixa respectiva). Não acabou. Há despesas com a atividade que você não poderá lançar no Livro Caixa, então elas sairão da sua renda, após o desconto do IR.

Quarto: considere que a maior parte dos cartórios do Brasil é deficitária e que apenas os Registros Civis de Pessoas Naturais podem receber repasses de fundos de compensação pelos atos gratuitos que praticam, por força de lei (assentos de nascimento e óbito, e as respectivas primeiras certidões, e dos casamentos àqueles que se declaram pobres).

Quinto: cartórios faturam quando a economia vai bem, ou seja, se a economia vai mal, faturam menos e menos recolhem aos fundos de compensação. Assim, nas crises econômicas as compensações das gratuidades também sofrem.

Sexto: tabeliães e registradores não tem férias, 1/3 sobre férias, décimo terceiro, licença prêmio, licença saúde, licença gestante, sexta parte, vale-refeição, vale-transporte, auxílio de qualquer natureza e a aposentadoria é a comum, do INSS.

Sendo ou não a remuneração a sua prioridade, é importante averiguar se está presente em seu espírito o desejo de ter a satisfação de desempenhar uma função pública de extrema importância para a sociedade, porque é o extrajudicial que proporciona os pilares, os fundamentos da segurança jurídica para os atos da vida civil.

Função e não serviço, porque se trata de uma atividade pública, de essência jurídica, que envolve o exercício de algumas das facetas do Poder do Estado. Por isso essa atividade deve ser desempenhada com eficiência e essa é a razão pela qual ela é delegada a particulares aprovados em concursos públicos (ou seja, o Judiciário seleciona os melhores, dentre os interessados, para colocá-los à disposição da população). Também por isso os seus exercentes são fiscalizados pelo Poder Judiciário.

As responsabilidades e obrigações dos titulares dos cartórios são proporcionais ao faturamento. Considere que o “produto” fornecido pelos cartórios é a segurança jurídica, que se traduz em previsibilidade, produção de efeitos desejados, autenticidade dos atos e publicidade (esta ponderada com a privacidade do cidadão). Esse é o pacote que os cartórios oferecem à população em cada uma das atividades que desempenham. Quando um registrador ou tabelião emite uma certidão, por exemplo, o cidadão tem confiança e fé de que as informações que constam naquele documento são verídicas e fiáveis. O cidadão, a população e todo o sistema nacional. O mesmo se diga em relação a cada ato que praticam, como registros, escrituras públicas, atas notariais, notificações, intimações, etc.

Para gerar essa confiança, é indispensável zelar para que cada ato praticado o seja em acordo com os requisitos previstos em lei e com a estrita observância dos princípios da segurança jurídica pertinentes a cada uma das áreas da atividade extrajudicial. Nesse ponto, na prática, você lidará com toda a legislação civil, comercial, registral e notarial. As compatibilizará com normas do Direito administrativo, processual e tributário. E não se esqueça dos dispositivos penais.

O cumprimento dos prazos e a prática dos atos na conformidade da lei impõem um conhecimento acentuado também em gestão (ou seja, não basta ser formado em Direito, ou ser especializado em Direito Notarial e Registral). Para ser um bom registrador ou tabelião é preciso administrar a equipe da melhor forma, com a oferta de programas de desenvolvimento individual e da equipe, com objetivo de capacitar continuamente os colaboradores. É essencial a manutenção e o constante aperfeiçoamento de estrutura adequada para o desempenho da atividade. Móveis e equipamentos adequados e seguros para que a população possa ser bem atendida e os colaboradores possam trabalhar com conforto.

A manutenção e guarda de todo o acervo documental e digital de cada cartório é imprescindível, e requer cuidado extremo para conservação dos atos praticados, aí se compreendendo os backups, inclusive remotos e em microfilmes.

O contraponto da independência jurídica e da autonomia financeira e administrativa de registradores e tabeliães é a responsabilidade civil, direta e subjetiva: respondem com seu patrimônio pelos danos que causarem por culpa ou dolo aos usuários.

Há ainda os aspectos administrativo e tributário. Tabeliães e registradores fornecem um sem número de informações gratuitas aos órgãos públicos e ao Poder Judiciário. Há uma série considerável de responsabilidades tributárias decorrentes da fiscalização do recolhimento pelas partes dos tributos incidentes sobre os atos que praticam, o recolhimento das contribuições sociais e impostos da equipe, além do repasse de cerca de 46% do faturamento como acima mencionado, decorrente do recolhimento de taxas, além dos impostos pertinentes à atividade em si considerada.

Assim, ser registrador e tabelião significa entregar, de modo eficiente, segurança jurídica à população, compatibilizando os valores pagos pelos usuários pelos atos que pratica com as exigências legais e de gestão à sua necessidade legítima de um resultado financeiro positivo no final do mês.

Por esses motivos, passar no concurso é só a etapa mais simples do exercício de uma delegação. As dificuldades começam a partir do início da atividade com a demanda por uma atualização diária, as novidades cotidianas, eventuais ações trabalhistas (porque não basta você ser correto…) e o preconceito decorrente da falta de informação. Este é o desafio. Se você o aceitar, passar no concurso e assumir uma delegação notarial e de registro, seja muito bem-vindo. Queremos pessoas com conhecimento, competentes e comprometidas com a eficiência e o constante aprimoramento do sistema extrajudicial. Boa sorte!

Patricia André de Camargo Ferraz – Registradora em Diadema-SP. Bacharel em Direito pela USP. Mestre em Direito Público pela PUC-SP e Diretora de Comunicação da ANOREGBR – Associação de Notários e Registradores do Brasil

Fonte: Jota | 04/07/2017.

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Artigo: Atas notariais no Direito de Família – Por Denise Vargas

*Denise Vargas

A ata notarial é relevante meio probatório em vários ramos do Direito, e, em especial, no Direito de Família para resguardar interesses legítimos face ao abuso do direito à intimidade e privacidade, ao lado dos tradicionais e difundidos meios de provas.

Muitos profissionais da área jurídica ainda desconhecem o poder da ata notarial como meio de prova, inclusive no Direito de Família.

A ata notarial é um documento contido num instrumento público lavrado por tabelião de notas, seus substitutos ou escreventes autorizados, para formalizar a descrição objetiva de um fato ou de uma determinada situação que presenciam por seus próprios sentidos, sem emissão de juízo de valor.

O notário, por ser agente dotado de fé pública, instado por alguém, pode lavrar uma ata descrevendo um fato que tomou conhecimento ou de uma situação que lhe é apresentada, narrando-a no referido instrumento. Assim agindo, o tabelião, a pedido da parte interessada, constata algo e o descreve em seu livro, entregando uma cópia ao interessado.

Com o advento das novas tecnologias de comunicação, a exemplo das redes sociais e aplicativos de mensagens, a ata notarial passou a ser um excelente meio probatório de atos e situações violadoras de direitos, a exemplo de alienação parental, crimes contra a honra, fraudes na partilha, ameaça etc.

Muitas vezes, diante de uma disputa pela guarda dos filhos, um dos genitores passa a usar as redes sociais ou os aplicativos de trocas de mensagens para vilipendiar a honra do outro genitor, depreciando-o para os filhos ou até mesmo para o público das referidas redes, numa atitude de alienação parental, injúria e difamação. Nesses casos, o interessado pode requerer ao notário que veja as mensagens e as narre, inclusive com um retrato da tela onde as mensagens foram postadas.

Além de ter um maior valor probatório que um mero “print screen” feito pelo próprio interessado, a ata notarial acaba sendo um instrumento para assegurar a prova diante da possibilidade de que o autor das postagens as apague, posteriormente. Assim, quando uma mensagem desabonadora é postada, a vítima deve, o quanto antes, se dirigir a qualquer Tabelionato de Notas e requerer a lavratura da ata, para que a prova não se perca com a sua retirada do espaço digital.

No Direito de Família, a ata notarial tem sido muito utilizada, no seguintes casos:

I – para provar a falta de capacidade de um dos genitores de manter a guarda dos filhos, mediante postagens nas redes sociais que demonstram vida desregrada, agressividade, uso de drogas e alienação parental;

II – danos morais por atos de violam a honra e a imagem de um dos ex-cônjuges;

III – Fraude na partilha de bens, quando, por exemplo, há diversas fotos e postagens assumindo a propriedade de bens adquiridos na constância do casamento, mas que estão em nome de interpostas pessoas;

IV – Capacidade financeira de arcar com um valor mais proporcional de pensão alimentícia.

Enfim, a ata notarial é relevante meio probatório em vários ramos do Direito, e, em especial, no Direito de Família para resguardar interesses legítimos face ao abuso do direito à intimidade e privacidade, ao lado dos tradicionais e difundidos meios de provas.

*Denise Vargas é mestre em Direito Constitucional. Especialista em Direito Processual, Penal e Constitucional. Professora de Direito de Família e Constitucional, advogada em Brasília, titular da banca Denise Vargas Advocacia.

Fonte: Migalhas | 29/01/2016.

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Artigo: “Com a declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790, como fica a lavratura dos inventários extrajudiciais?” – Por Rafael Depieri

*Rafael Depieri

“Com a declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/02 e a consequente equiparação do regime sucessório entre casamento e a união estável, como fica a lavratura dos inventários extrajudiciais? Como se dará a modulação dos efeitos dessa decisão, em relação aos óbitos anteriormente ocorridos?” – por Rafael Depieri 

Desde a entrada em vigor do Código Civil de 2002 discute-se sobre a constitucionalidade da aplicação do art. 1.790. Uma boa parte dos doutrinadores sempre considerou o texto legal prejudicial aos companheiros, em comparação aos cônjuges, gerando uma indesejável desequiparação entre ambas as situações.

Aplicando-se o artigo 1.790 aos casos mais comuns, nos quais não há definição do regime de bens entre os companheiros, valendo, portanto, a comunhão parcial, para as hipóteses em que o companheiro falecido não deixar bens adquiridos com o esforço comum, o companheiro sobrevivente nada recebe a título de herança, que deverá ser integralmente partilhada entre os demais parentes sucessíveis.

Por outro lado, levando em conta, ainda, o mesmo regime da comunhão parcial de bens, o artigo em questão pode ser benéfico ao companheiro, se a integralidade do patrimônio deixado for fruto de aquisição onerosa, durante a vigência da união estável, pois, além da meação a que faz jus, o companheiro herdará, inclusive em concorrência com os herdeiros, situação bem mais vantajosa do que a prevista pelo artigo 1.829, que só permite ao cônjuge sobrevivente concorrer com os herdeiros nos bens particulares.

No entanto, no dia 10 de maio, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Especial 878.694-MG, declarou por maioria dos votos a inconstitucionalidade do artigo em testilha, equiparando o regime sucessório entre cônjuges e companheiros. No referido decisum, o relator, Ministro Luís Roberto Barroso, votou pela procedência do recurso, sugerindo a aplicação da tese segundo a qual “no sistema constituRafael Depieri* cional vigente é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1829 do Código Civil de 2002”.

Dessa forma, de acordo com a novel decisão, não há mais diferença entre sucessão de cônjuges e companheiros, aplicando-se, em todos os casos, o artigo 1.829 do CC/02, devendo ser considerado o regime de bens eventualmente adotado pelos conviventes, para determinar em quais casos o companheiro será meeiro ou herdeiro.

Quanto à aplicabilidade de seus efeitos para os óbitos ocorridos antes do julgamento, o relator Min. Barroso sugeriu a modulação dos efeitos da decisão apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. Nas palavras do voto do ministro relator:

Por fim, é importante observar que o tema possui enorme repercussão na sociedade, em virtude da multiplicidade de sucessões de companheiros ocorridas desde o advento do CC/2002. Assim, levando-se em consideração o fato de que as partilhas judiciais e extrajudiciais que versam sobre as referidas sucessões encontram-se em diferentes estágios de desenvolvimento (muitas já finalizadas sob as regras antigas), entendo ser recomendável modular os efeitos da aplicação do entendimento ora afirmado. Assim, com o intuito de reduzir a insegurança jurídica, entendo que a solução ora alcançada deve ser aplicada apenas aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tenha sido lavrada escritura pública.(gn)

Assim, os notários deverão aplicar o art. 1.829 a todos os inventários a serem lavrados após a referida decisão, independentemente da data do falecimento, desde que ocorridos após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, conforme entendimento decorrente do art. 2.041, in verbis:

Art. 2.041. As disposições deste Código relativas à ordem da vocação hereditária (arts. 1.829 a 1.844) não se aplicam à sucessão aberta antes de sua vigência, prevalecendo o disposto na lei anterior (Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916).

Ressalve-se que no dia 06 de abril de 2017 foi juntada ao processo a certidão de julgamento do Recurso Especial 878.694-MG, faltando ainda a publicação oficial do Acórdão que permitirá a produção dos efeitos da decisão para terceiros.

*Rafael Depieri é assessor jurídico do CNB/SP. Advogado, é bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduado em Direito Notarial e Registral pela Faculdade Arthur Thomas. Envie sua dúvida para cnbjuridico@cnbsp.org.br

Fonte: Anoreg/SP – Jornal do Notário | 03/07/2017.

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