Artigo – O pacto pós-nupcial no direito brasileiro – Por Bernardo Freitas Graciano e Letícia Franco Maculan Assumpção

*Bernardo Freitas Graciano e Letícia Franco Maculan Assumpção

O pacto antenupcial, ou contrato antenupcial, é um negócio jurídico bilateral de direito de família, sob a condição suspensiva da celebração do casamento, destinado a estabelecer regime de bens. O contrato antenupcial, também denominado pré-nupcial, existe há séculos. Pesquisadores do Departamento de Arqueologia da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, encontraram na Mesopotâmia, atual território do Iraque, uma tábua do século 4 a.C. com um detalhado acordo de casamento.

Nos termos do parágrafo único do artigo 1.640 do Código Civil brasileiro, o pacto antenupcial tem que ser feito por escritura pública, sendo sua lavratura, assim, de atribuição exclusiva do notário, conforme artigo 6º da Lei 8.935/94. É indispensável o pacto quando os noivos querem adotar o regime da comunhão universal, da participação final nos bens materiais, da separação convencional ou de qualquer outro regime, posto que a doutrina e a jurisprudência admitem a criação de regimes diversos daqueles previstos no Código Civil.

Muito já se escreveu sobre o pacto antenupcial, mas existe pacto pós-nupcial? O pacto pós-nupcial é um acordo que rege o novo regime de bens vigente no casamento já celebrado, que no Brasil poderá ser feito após autorização judicial específica para alteração do regime. Na lei brasileira não se encontra menção a tal ato jurídico. No entanto, a jurisprudência vem determinando sua lavratura quando há alteração do regime de bens no curso do casamento.

Nos Estados Unidos da América, já são comuns os postnups, que vêm sendo usados para reduzir o número de divórcios. Estatísticas da American Academy of Matrimonial Lawyers revelam que, em 1995, quando os pactos pós-nupciais começaram a ganhar popularidade, cada escritório de advocacia médio realizava aproximadamente cerca de dois contratos desses por ano. Mais recentemente, a média subiu para oito casos por ano.

No Brasil, essa tendência ao pacto pós-nupcial tem chamado a atenção. O Código de Processo Civil (CPC) alterou o padrão da imutabilidade do regime de bens no casamento, quebrando um paradigma que sempre vigorou no direito brasileiro. A possibilidade de alteração do regime de bens após o casamento trouxe autonomia aos indivíduos no âmbito das relações pessoais e patrimoniais, sendo relevante destacar os reflexos que a alteração produz no âmbito da relação jurídica do casal e de cada um dos cônjuges com terceiros.

O pacto pós-nupcial, com a alteração do regime de bens, estabelece parâmetros que permitem que o casal promova, depois do casamento, um novo arranjo patrimonial. As modificações que vêm ocorrendo no âmbito da família não permitem mais que as decisões sejam rígidas, porque as pessoas e as circunstâncias vão se modificando ao longo do tempo e, muitas das vezes, alterar o regime de bens é uma necessidade de determinados casais, inclusive para manterem os aspectos pessoais da relação.

No direito brasileiro, antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, a alteração de regime de bens na constância do casamento era vedada, mas, desde janeiro de 2003, quando entrou em vigor o Código Civil de 2002, pode haver essa mudança, mediante autorização judicial, em processo no qual devem figurar como partes ambos os cônjuges, que apresentarão pedido motivado e demonstrarão que a alteração não causará prejuízo a terceiros.

Qual a razão para a lavratura de pacto pós-nupcial se já é obrigatória decisão judicial autorizando a mudança do regime? Há vários motivos para se buscar um pacto pós-nupcial, devendo ser considerado que a longevidade da população faz com que as pessoas queiram adequar um casamento já celebrado há muitos anos ao momento em que estão vivendo, preservando o casamento e evitando conflitos, e assim protegendo essa instituição tão importante, que é a família.

Não deveria a própria decisão definir como seria o novo regime vigente a partir de então? Há acórdãos que dispensam a necessidade de lavratura de pacto, posto que a própria decisão judicial pode fixar os parâmetros do novo regime de bens.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em uma ação recente, definiu que o pacto pós-nupcial, em nossa legislação, depende de aprovação do Poder Judiciário para que seja válido. Entretanto, o que tem ocorrido na maioria dos casos é a mera autorização judicial para alteração, deixando para que as próprias partes definam o novo regime que entendem melhor, por meio de escritura pública. Também aqui se vê a tendência à desjudicialização, que mais recentemente vem sendo denominada extrajudicialização. Desse modo, o Judiciário vem atribuindo a notários e registradores soluções jurídicas a problemas dos cidadãos quando não há conflito.

Também poderia o pacto pós-nupcial corrigir um erro material existente no registro? Além da utilização nos casos de alteração no regime de bens, importante ressaltar a possibilidade de uso dos pactos pós-nupciais para casos de retificação de registro civil, em que houve erro material no registro específico. A Lei 12.100/09 veio ampliar o rol de erros passíveis de correção pela via administrativa: qualquer erro que não exija qualquer indagação para a constatação imediata da necessidade de sua correção passou a ser objeto da retificação administrativa.

Fato é que, apesar de não existir previsão legal do referido ato no direito brasileiro, o pacto pós-nupcial é uma realidade no Brasil e no mundo. O rumo do direito brasileiro tem sido no sentido de privilegiar a vontade e a segurança jurídica. Para isso, devem atuar em conjunto a população, o Poder Judiciário, os advogados, e os notários e registradores.

Fonte: CNB/CF – Jornal Estado de Minas | 06/02/2017.

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MANCOMUNHÃO: QUANTA DISCUSSÃO! – Por Wendell Jones Fioravante Salomão e Isabel Novembre Sangali

*Wendell Jones Fioravante Salomão e Isabel Novembre Sangali

O presente artigo se inicia com a seguinte observação: “Mancomunhão não está especificada em lei, confunde-se com condomínio, e é vivida diariamente no ordenamento jurídico brasileiro”.

Assim sendo, pode-se começar a explicar onde nasce a famosa e tão discutida mancomunhão, conhecida pela doutrina e por muitos operadores do direito.

Após uma separação ou divórcio, os bens não partilhados, em comum ao casal, são semelhantes à herança (saisine), considerando, em regra, que o casal não pode alienar ou gravar seus direitos, antes da partilha, posto que o direito à propriedade e posse é indivisível.

Os bens ficam numa situação denominada pela doutrina como mancomunhão, onde não se podem identificar o “quantum” pertence a cada um, sem haver expressa definição.

Então, trazidos os bens à partilha, e com divisão em 50% para cada um ou qualquer outra fração, o casal migra ao estado de condomínio de cada bem imóvel, podendo alienar ou gravar sua fração ideal.

Nascido o condomínio, os bens ganham o respaldo dos dispositivos legais do Código Civil que regulam, por exemplo, o direito de preferência do ex-cônjuge ao alienar ou gravar o bem imóvel, podendo ainda requerer a extinção do condomínio por ação de divisão ou alienação judicial, não se cogitando a nova partilha e dispensando a abertura de inventário.

Então, diante deste posicionamento, a Segunda Seção do STJ fixou entendimento no sentido de que: “convencionado na separação do casal que o imóvel seria partilhado, tocando metade para cada cônjuge, e permanecendo em comum até a alienação, o fato de o marido deter a posse exclusiva dá à mulher o direito à indenização correspondente ao uso da propriedade comum, devida a partir da citação. Trata-se de condomínio, regulado pelas regras que lhe são próprias, desfazendo-se desde a partilha a mancomunhão que decorria do direito de família” (EREsp 130.605/DF, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 23/4/2001).

Senão vejamos:Processo 1048935-26.2015.8.26.0100 – Dúvida – Registro de Imóveis – 5º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo – Marcio da Silva Geraldo – Marcio da Silva Geraldo – Dúvida – divórcio sem partilha de bens – intenção dos ex-cônjuges em dividir o valor do imóvel na sentença homologada – condomínio, e não mancomunhão – possibilidade de venda de parte ideal – improcedência Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 5º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de MARCIO DA SILVA GERALDO, após negativa em proceder ao registro Escritura de Compra e Venda em que Denise Freitas transmite parte ideal do imóvel objeto da matricula nº 42.469 daquela serventia. O óbice ocorreu pois, segundo o Registrador, a transmitente e o adquirente eram casados em regime de comunhão parcial de bens, e a sentença de divórcio não acarreta que os bens passem automaticamente ao regime de condomínio, permanecendo em mancomunhão. Assim, não há disponibilidade em ser vendida parte ideal, pois o regime de mancomunhão é sui generis, no sentido de que o bem não é divisível entre as partes. Para regularizar a situação, o Oficial entende imprescindível a partilha dos bens. Juntou documentos às fls. 07/23. Em impugnação às fls. 24/25, o suscitado alega que na sentença de divórcio restou claro que o imóvel foi mantido em condomínio entre as partes, afastando assim os argumentos do Oficial. Apresentou documentos adicionais às fls. 37/45. O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls. 29/30). É o relatório. Decido. É controvertida a natureza jurídica do estado dos bens do casal que se separa judicialmente ou se divorcia sem ultimar a partilha. Há entendimento no sentido de que, antes da partilha, os bens continuam a pertencer a ambos os cônjuges em estado de mancomunhão, em situação semelhante à que ocorre com a herança, mas sem que nenhum deles possa alienar ou gravar seus direitos. Para essa corrente, até a partilha prevalece o estado de mancomunhão; depois, caso se estabeleça um quinhão a cada um dos cônjuges, passaria para o regime de condomínio. Já a segunda corrente sustenta que, mesmo antes da partilha, o patrimônio comum subsiste sob a forma de condomínio. Os documentos apresentados inicialmente ao Registrador embasam o seu entendimento de que o bem permaneceu em mancomunhão. Contudo, no acordo homologado no divórcio, apresentado apenas após requerimento deste Juízo, mostra a possibilidade de que o bem tenha passado ao regime de condomínio. Destaco (fl. 41): “o valor [da venda do imóvel] será dividido em partes iguais aos Requerentes, ficando ressalvado o direito de preferência de qualquer das partes em adquirir a parte ideal de 50%” (grifo nosso) A segunda parte (direito de preferência) pressupõe que o bem está no regime de condomínio, e decorre diretamente do art. 504 do Código Civil, sendo apenas cláusula expressa do que já definido em lei. Porém, é a parte em destaque que traz solução ao caso, sobretudo devido a sua correspondência com os seguintes julgados: STJ/RE 983.450 Rel. Ministra Nancy Andrighi “Como se vê, as bases fáticas firmadas no acórdão recorrido são claras no sentido de que ainda não houve a partilha de bens do casal que, por acordo homologado em Juízo, relegou a divisão do patrimônio comum para momento posterior. Todavia, o recorrente e a recorrida fizeram constar do mencionado acordo de separação consensual, que o imóvel, objeto deste litígio, seria vendido e que a divisão do produto se daria em partes iguais, estabelecendo inclusive preço mínimo. Dimas Messias de Carvalho (in Direito de Família, 2ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 211/212) distingue o estado de mancomunhão do estado de condomínio, com as seguintes considerações:’Os bens não partilhados após a separação ou divórcio, pertencem ao casal, semelhante ao que ocorre com a herança, entretanto, nenhum deles pode alienar ou gravar seus direitos na comunhão antes da partilha, sendo ineficaz a cessão, posto que o direito à propriedade e posse é indivisível, ficando os bens numa situação que a doutrina denomina de estado de mancomunhão. Não raras vezes, entretanto, quando os bens estão identificados na ação de separação ou divórcio, são partilhados na fração ideal de 50% (cinquenta por cento) para cada um, em razão da meação, importa em estado de condomínio entre o casal e não mais estado de mancomunhão. Tratando-se de condomínio, pode qualquer um dos cônjuges alienar ou gravar seus direitos, observando a preferência do outro, podendo ainda requerer a extinção por ação de divisão ou alienação judicial, não se cogitando a nova partilha e dispensando a abertura de inventário.’Como se percebe, no processo em julgamento, constou do acordo homologado em Juízo a manifestação expressa da vontade de ambos os ex-cônjuges no sentido de vender o referido imóvel, sendo o produto dessa venda dividido na fração ideal de 50% para cada um, o que, por consequência, importa em reconhecer o estado de condomínio entre o casal quanto ao bem que pretende o recorrente receber valor correspondente a locativos.Dessa forma, cessada a comunhão universal pela separação judicial, o patrimônio comum subsiste sob a forma de condomínio, enquanto não ultimada a partilha. Nesse sentido, o REsp 254.190/SP, de minha relatoria, DJ de 4/2/2002.” CSMSP/APELAÇÃO CÍVEL:079158-0/3 – Rel:Luís de Macedo “O recurso merece provimento. A recorrente, após sua separação judicial, adquiriu de seu ex-marido a metade ideal do imóvel residencial matriculado sob nº 41.629 no 8º Registro de Imóveis da Capital, havido em comum. Apresentada a registro a respectiva escritura pública de venda e compra instruída com certidão de casamento mencionando a separação judicial consensual, o Oficial exigiu o prévio ingresso no registro imobiliário da partilha dos bens comuns, providência, no seu entender, necessária à extinção da comunhão oriunda do regime matrimonial de bens, tese essa acolhida na sentença, ora atacada. Sem razão, porém. A jurisprudência deste Conselho Superior da Magistratura atualmente é no sentido de que a separação judicial põe termo ao regime de bens, transformando a comunhão até então existente em condomínio, permitindo a alienação dos bens pelos coproprietários, desde que averbada a alteração no estado civil, independentemente de prévio ingresso no fólio real da partilha dos bens comuns.” Na Apelação Cível, percebe-se uma interpretação mais ampla, no sentido que sempre que houver o divórcio, há a transformação da comunhão em condomínio. Já no Recurso Especial, há um entendimento mais restrito, onde a Eminente Ministra exige a existência de acordo homologado que divida a parte ideal. Assim, a inexistência desta cláusula manteria o regime de mancomunhão. Neste sentido: 1VRPSP – PROCESSO:0026408-39.2011.8.26.0100 MMº Gustavo Henrique Bretas Marzagão “No caso em exame, nenhuma informação há nos autos no sentido de que a intenção dos titulares de domínio era vender o imóvel e dividir em 50% o produto da venda. Inviável, à luz do v acórdão supra, falar-se em condomínio, prevalecendo o estado da mancomunhão.” Portando, tanto o entendimento mais amplo como o mais restrito se aplicam ao caso em análise, ou seja, o bem passou ao regime de condomínio entre os ex-cônjuges. Assim, entendo ser possível o registro da Escritura de Compra e Venda, sendo contudo ainda exigível o ITBI sobre a parte ideal transmitida, que deve ser conferido pelo Oficial. Do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 5º Registro de Imóveis da Capital…”

Em análise à presente questão, agora, sobre outro prisma, deixaremos de comparar o patrimônio comum ao casal com a herança, tendo em vista que o casal encontra-se vivo, com a disponibilidade dos bens em razão da capacidade e de suas vontades, diferentemente do espólio. Podemos dizer, que a mediação e conciliação, tão comentada nos últimos anos, favorece ao casal, em comum acordo dispor do patrimônio, em concordância, sem a necessidade de partilha.

Se prevalecer este entendimento e levá-lo a demais casos práticos, numa venda e compra, onde se adquire um bem por diversas pessoas, sem a denominação das frações de cada adquirente, de acordo com as Normas de Serviço da Corregedoria Geral do Estado de São Paulo, por exemplo, entender-se-á a divisão igualitária das frações.

Por qual razão então, em nosso ordenamento jurídico, não se pode aplicar esta forma ao casal no estado da mancomunhão?

Ademais, inexiste o prejuízo, uma vez que o casal está de comum acordo comparecendo na alienação ou onerarão, afastando-se a situação do direito de preferência ou condomínio ali existente.

Em defesa desta segunda corrente, temos a seguinte decisão: “1ª VRP|SP: Compra e venda. Vendedores que comparecem na escritura como divorciados. Não ultimada a partilha. Condomínio. Princípio da continuidade não ofendido – desnecessário se faz a requerida partilha de bens. Dúvida improcedente. DECISÃO – Processo nº: 100.10.014617-0 – Dúvida – Requerente: Décimo Quarto Registro de Imóveis – Conclusão. “…Apresentada para registro, a escritura de compra e venda do imóvel objeto da matrícula nº 67.068, do 14º Registro de Imóveis, foi devolvida pelo Oficial com a exigência de prévio registro da partilha dos bens do casal vendedor Luciano Valney Melo Figueiredo e Denizia Maria Silva Cardoso.

É controvertida a natureza jurídica do estado dos bens do casal que se separa judicialmente ou se divorcia sem ultimar a partilha.

Há entendimento no sentido de que, antes da partilha, os bens continuam a pertencer a ambos os cônjuges em estado de mancomunhão, em situação semelhante à que ocorre com a herança, mas sem que nenhum deles possa alienar ou gravar seus direitos. Para essa corrente, até a partilha prevalece o estado de mancomunhão; depois, caso se estabeleça um quinhão a cada um dos cônjuges, estar-se-á diante do condomínio.

Já a segunda corrente sustenta que, mesmo antes da partilha, o patrimônio comum subsiste sob a forma de condomínio.

Essa questão foi recentemente enfrentada pelo E. Superior Tribunal de Justiça, nos autos do recurso especial nº 983.450, publicado em 10.02.10. A eminente Relatora Ministra Nancy Andrighi assinalou que:“O TJ/RS tratou a questão sob o viés do estado de mancomunhão, que somente cederia lugar ao estado de condomínio, depois de operada a partilha dos bens do casal. Eis a fundamentação contida no acórdão impugnado: (fl. 159 e v.) “Com efeito, a dissolução do casamento ocorreu em 6 de março de 2002 (fl. 12), tendo sido proposta a ação de separação litigiosa, que foi convertida em consensual, sendo acordada a partilha de um dos bens pertencentes ao casal. Restou relegada para momento posterior a partilha do imóvel onde atualmente vivem a virago e os filhos comuns do casal. A decisão que pôs fim ao casamento havido entre as partes transitou em julgado, mas, ao que consta, ainda não foi efetuada a partilha desse imóvel.Vê-se que o recorrente alega estar a recorrida usufruindo com exclusividade do imóvel do casal, desde a separação em 2002, e permanecendo esse imóvel em condomínio, entende devido o pagamento de locativos. No entanto, tenho que, enquanto não for procedida a efetiva partilha dos bens comuns, estes pertencem a ambos os cônjuges em estado de mancomunhão, sendo em regra descabida a fixação de indenização em favor da parte que não faz uso dos bens comuns. E, no caso, tal pretensão se mostra mais descabida quando está claro que o imóvel serve de residência não apenas para a virago mas também para os filhos, que vivem em sua companhia, sendo de destacar, também, que tal condição permanece desde quando foi ajustada a separação judicial do casal. Ademais, não restou demonstrado nos autos que a recorrida esteja fazendo uso comercial do bem comum do casal, nem que dele tenha qualquer renda, nem que esteja sonegando valores ou, ainda, que, de qualquer forma, esteja postergando a partilha desse bem comum. E o mero fato de persistir este estado de indivisão não é suficiente para se cogitar de enriquecimento sem causa, nada justificando o estabelecimento de qualquer indenização ou a fixação de qualquer encargo. Friso que a situação é de mancomunhão até que seja elaborada a partilha; um (sic) vez formalizada a divisão dos bens, estabelecendo-se o quinhão patrimonial de cada ex-cônjuge, é que se poderá cogitar de condomínio. Finalmente, lembro que, para que a questão patrimonial seja resolvida, basta que o recorrente promova a efetiva partilha dos bens.”Como se vê, as bases fáticas firmadas no acórdão recorrido são claras no sentido de que ainda não houve a partilha de bens do casal que, por acordo homologado em Juízo, relegou a divisão do patrimônio comum para momento posterior. Todavia, o recorrente e a recorrida fizeram constar do mencionado acordo de separação consensual, que o imóvel, objeto deste litígio, seria vendido e que a divisão do produto se daria em partes iguais, estabelecendo inclusive preço mínimo.

Dimas Messias de Carvalho (in Direito de Família, 2ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 211/212) distingue o estado de mancomunhão do estado de condomínio, com as seguintes considerações:“Os bens não partilhados após a separação ou divórcio, pertencem ao casal, semelhante ao que ocorre com a herança, entretanto, nenhum deles pode alienar ou gravar seus direitos na comunhão antes da partilha, sendo ineficaz a cessão, posto que o direito à propriedade e posse é indivisível, ficando os bens numa situação que a doutrina denomina de estado de mancomunhão. Não raras vezes, entretanto, quando os bens estão identificados na ação de separação ou divórcio, são partilhados na fração ideal de 50% (cinqüenta por cento) para cada um, em razão da meação, importa em estado de condomínio entre o casal e não mais estado de mancomunhão. Tratando-se de condomínio, pode qualquer um dos cônjuges alienar ou gravar seus direitos, observando a preferência do outro, podendo ainda requerer a extinção por ação de divisão ou alienação judicial, não se cogitando a nova partilha e dispensando a abertura de inventário.”

Como se percebe, no processo em julgamento, constou do acordo homologado em Juízo a manifestação expressa da vontade de ambos os ex-cônjuges no sentido de vender o referido imóvel, sendo o produto dessa venda dividido na fração ideal de 50% para cada um, o que, por consequência, importa em reconhecer o estado de condomínio entre o casal quanto ao bem que pretende o recorrente receber valor correspondente a locativos.

Dessa forma, cessada a comunhão universal pela separação judicial, o patrimônio comum subsiste sob a forma de condomínio, enquanto não ultimada a partilha. Nesse sentido, o REsp 254.190/SP, de minha relatoria, DJ de 4/2/2002.

Assim, enquanto não dividido o imóvel, a propriedade do casal sobre o bem remanesce, sob as regras que regem o instituto do condomínio, notadamente aquela que estabelece que cada condômino responde aos outros pelos frutos que percebeu da coisa, nos termos do art. 1.319 do CC/02. Assim, se apenas um dos condôminos reside no imóvel, abre-se a via da indenização àquele que se encontra privado da fruição da coisa, indenização essa que pode se dar mediante o pagamento de valor correspondente a metade do valor estimado do aluguel do imóvel. “

Independentemente da posição que se adote – até porque não há maiores detalhes dos termos da separação e divórcio nos autos – o deslinde do presente caso é o mesmo, porque as diferenças jurídicas entre o estado de mancomunhão e de condomínio não interferem na continuidade registral ora examinada.

Os ex-cônjuges, ora vendedores, são os únicos titulares de domínio do imóvel, e ambos participaram do ato (v. Matrícula fls. 29/30 e escritura pública de compra e venda de fls. 07/09).

Destarte, no que diz respeito ao princípio da continuidade, a venda do imóvel feita depois do divórcio, mas antes da partilha, em nada se diferencia da realizada durante a constância do casamento, porque em ambas os titulares de domínio são os mesmos e participaram do ato.

De acordo com Afrânio de Carvalho, o princípio da continuidade:“…quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente” (Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª Ed., p. 254).

Na mesma senda, Narciso Orlandi Neto, in Retificação do Registro de Imóveis, Juarez de Oliveira, pág. 55/56, observa que:“No sistema que adota o princípio da continuidade, os registros têm de observar um encadeamento subjetivo. Os atos têm de ter, numa das partes, a pessoa cujo nome já consta do registro. A pessoa que transmite um direito tem de constar do registro como titular desse direito, valendo para o registro o que vale para validade dos negócios: nemo dat quod non habet”.

O princípio da continuidade é tratado pela Lei nº 6015/73 em seus arts. 195 e 237, in verbis: “Art. 195 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.”; e “Art. 237 – Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.”

Portanto, da mesma forma que, juntos, poderiam alienar o imóvel durante a constância do casamento, podem fazê-lo depois de separação mas antes da partilha, pois, repita-se, os titulares de domínio continuaram a ser os mesmos.

Diversa seria a hipótese se apenas um deles figurasse como vendedor no título. Nesse caso, seria indispensável a prévia partilha, e seu respectivo registro, para que o destino do imóvel e a forma de divisão entre os ex-cônjuges fossem conhecidos.

Assim, para o caso ora examinado, mostra-se prescindível o prévio registro da partilha dos bens do casal o que, na prática, seria redundante e implicaria custos desnecessários aos interessados, fato já consignado nos autos da dúvida nº 100.10.000215-2, suscitada também pelo 14º Oficial de Registro de Imóveis, e que, portanto, deveria ser observado pelo Oficial, dada a similitude dos fatos.

Não bastasse o precedente desta Corregedoria Permanente, há ainda os colacionados pelo Ministério Público no r parecer de fls. 44/46, em especial a apelação cível nº 079158-0/3, assim ementada: “Registro de Imóveis – Dúvida. Escritura pública de venda e compra de parte ideal de imóvel. Possibilidade, após a averbação da separação judicial. Desnecessidade de ingresso prévio na matrícula da partilha dos bens comuns.”

Constou do voto do eminente relator que: “A jurisprudência deste Conselho Superior da Magistratura atualmente é no sentido de que a separação judicial põe termo ao regime de bens, transformando a comunhão até então existente em condomínio, permitindo a alienação dos bens pelos co-proprietários, desde que averbada a alteração no estado civil, independentemente de prévio ingresso no fólio real da partilha dos bens comuns. Lembre-se com Ademar Fioranelli, um dos estudiosos das questões registrarias, ser “pacífico que nas separações, ou divórcios, inexistindo a partilha dos imóveis, nada impede que, mantida a comunhão dos imóveis agora “pro indiviso”, ambos os condôminos alienem a propriedade a terceiros, com preferência do outro condômino. Aos Oficiais basta atentar para a averbação obrigatória, antes da prática dos registros, das alterações do estado civil, exigindo o documento hábil consubstanciado em certidão do assento civil das alterações a teor do que dispõe o art. 167, II, n. 5, c.c. o parágrafo único do art. 246 da Lei 6.015/73″, observando que “julgados recentes do Colendo Conselho Superior da Magistratura paulista, no sentido de que nada obsta que, averbada a alteração do estado civil de separado ou divorciado, com a mudança do estado de comunhão para condomínio, ambos promovam a alienação o bem a terceiros, sem necessidade de exibição de formal de partilha para exame e eventual partilha ou atribuição a eventual prole, já que não cabe ao registrador estabelecer raciocínios hipotéticos” (Ap. Cív. nº 23.866-0/0-Catanduva- SP, Ap. Cív. nº 23.756-0/8-Campinas-SP)” (in “Direito Registral Imobiliário”, Sérgio Antonio Fabris Editor, 2001, pág. 92)” (grifou-se).

No caso em foco, tanto a separação judicial quanto o divórcio foram averbados, sob os nºs 04 e 05, na matrícula, restando inteiramente cumpridas as exigências delineadas no precedente supra.

Infundada, por conseguinte, a recusa do Oficial quanto a este aspecto, na linha do primoroso parecer do Ministério Público.

A dispensa da partilha implica a da exigência de se exigir o recolhimento de ITBI porque partilha não houve nem haverá.

Consigne-se, por fim, que a invocação da nota do item 1,”a”, 25, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, pelo Oficial, é indevida porque se refere às sentenças que decidem sobre partilha de bens imóveis, situação não incidente no presente caso.

Posto isso, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo 14º Oficial de Registro de Imóveis, para determinar o registro do título prenotado sob o nº 540.704…”

Pois bem, sem pretensão de aventar os aspectos de controvérsia sobre o tema, resta buscar soluções práticas e reais aos entraves que corriqueiramente se observam no cotidiano de quem pretende alienar um bem imóvel, mas esbarra na situação da chamada mancomunhão.

Nesse contexto, seria mesmo imprescindível apresentar previamente a registro a partilha de um imóvel em separação/divórcio judicial ou extrajudicial, antes de alienar o bem?

Salvo melhor juízo, acredita-se que tal imposição não é sempre necessária. Deve-se evitar generalizações e tratar cada caso de forma específica, atendendo às suas peculiaridades.

Por qual razão se exigiria o registro da partilha prévia de bens, se ficou acordado nesta que o produto da alienação seria dividido entre os ex-cônjuges ou que o imóvel permaneceu na titularidade de ambos?

Curiosamente, ressalvados os regimes de bens para os quais isso não é possível, tem-se o velho jargão: “é do casal, é dos dois, metade/metade, meio a meio”. Indo mais longe, basta fazer referência ao termo “meação”, que vem de metade.

Isto é, se levada em conta esta lógica jurídica, não haveria motivos para não se reconhecer esta “também” construção doutrinária de que o bem pertence ao casal, ao menos e a princípio, em partes iguais.

Então indaga-se várias hipóteses: qual prejuízo há se ambos comparecem em uma escritura de alienação do bem ou junto desta firmam uma declaração ou ata, assinam o documento e atestam, sob sua responsabilidade, que são titulares do imóvel, seja por que não houve partilha, seja por que houve e restou X% para cada um?

Como já foi dito alhures, qualquer prejudicado poderá alegar ineficácia ou até mesmo nulidade do ato, caso verificada fraude ou desrespeito àquilo que o extinto casal estabeleceu em partilha ou tinha como objetivo final para seus bens.

Há diversos instrumentos judiciais e extrajudiciais que garantem os direitos de eventuais terceiros prejudicados, basta dar publicidade e bem utilizar as medidas assecuratórias, inclusive, com observância do princípio da concentração. Só não se pode aguardar que o Direito socorra a quem durma.

Criar discussões sobre um instrumento em que o aludido casal comparece e, voluntariamente, faz a alienação de um bem que lhe pertence, é, no mínimo, desarrazoado. Viver no mundo das hipóteses não condiz com a eficácia do Direito, nem com a realização da vida, pois não é possível tornar realidade aquilo que permanece no “e se”.

Não se dá valor à vontade das partes e, de certa maneira, faz-se uma intervenção de grande monta na vida e patrimônio do extinto casal.

E tudo isso em virtude do alegado estado de mancomunhão. Uma criação doutrinária em detrimento dos direitos de quem titulariza um bem e pretende destiná-lo àquilo que melhor entender. Mais liberdade e dinamismo, por favor!

Se fossem levantadas hipóteses sobre possíveis danos ou problemas que pudessem surgir em cada documento que adentra o mundo notarial e registral, nada se faria, ter-se-ia a estagnação total, pura desconfiança.

Obviamente, não se pretende vulnerar a segurança jurídica e a continuidade registral, mas, estes casos que envolvem a chamada mancomunhão carecem de uma análise mais delicada, adequada a cada caso concreto, sem generalizações.

Neste contexto, compete a cada um dos operadores do Direito adotar medidas modernas, efetivas e pertinentes em relação a cada caso concreto, sob pena de subtrair-se o espírito das leis e a real vontade das partes.

* Wendell Jones Fioravante Salomão
Escrevente do 5º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto/SP. Pós Graduado em Direito Notarial e Registral Imobiliário pela EPD – Escola Paulista de Direito. Bacharel em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto/SP. Qualificador Registral pela ARPEN/SP. Membro Diretor do IBDFAM/RP. Membro Diretor do Notariado Jovem Brasileiro. Autor de artigos. Ministro de aulas e palestras.
Endereço profissional: Rua Mariana Junqueira, n.º 494, Centro, Ribeirão Preto/SP, CEP: 14.015-010.
Tel.: (16) 3611-1190
E-mail: wendell@quintotabeliao.com.br

* Isabel Novembre Sangali
Graduada em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP); aprovada nos quadros da OAB/SP; especialista em Direito Empresarial pelo MBA- FUNDACE – FEA/USP-RP; aluna do curso de extensão Contratos Imobiliários pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais; participante do High Performance Executive/Net Profit – Coaching; associada IBDFAM; e Escrevente Autorizada do 2º Registro de Imóveis da Comarca de Ribeirão Preto, SP.
Endereço profissional: Avenida Antônio Diederichsen, 400, térreo, Jardim América, CEP 14020250 – Ribeirão Preto, SP
Telefone: (16) 2111-9200
E-mail: isabelsangali@terra.com.br

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Artigo: Direito de laje. Explicando para quem quer entender – Por Marco Antonio de Oliveira Camargo

*Marco Antonio de Oliveira Camargo

Não é preciso ser expert para fazer uma categórica afirmação: muito vai se escrever sobre este novo tipo de direito real; livros e artigos às dezenas serão publicados para explicar ao público interessado – principalmente os profissionais de direito, ávidos por doutrina sobre temas novos e polêmicos – o que vem a ser, como se aplica e se realiza na prática este novo tipo de direito real.

O objetivo deste texto, mais um a ser incluído na longa lista que está se formando na atualidade, entretanto não é ser muito abrangente ou profundo. Trata-se apenas de uma introdução necessária ao estudo que inevitavelmente deverá ocorrer em um momento posterior.

A intenção do autor destas linhas, tabelião de notas que por dever de ofício deverá, em breve, lavrar sua primeira Escritura Pública de Constituição de Direito de Laje  (o título é  somente uma sugestão) e para isso deverá se debruçar sobre a aplicação prática do instituto, é apenas e tão somente esclarecer alguns parâmetros fundamentais, princípios básicos que haverão de fornecer a direção segura para a aplicação prática desta grande novidade.
É fato consumado, mas, de início, uma crítica deve ser feita: modificação tão grande no Direito Brasileiro não deveria ter sido implantada por meio de Medida Provisória. Desejável seria que houvesse acontecido um amplo debate no Congresso Nacional, com a participação de todos os segmentos da sociedade que direta ou indiretamente serão afetados por tão grande novidade.

Em uma norma realmente útil e necessária, embarcou de carona este novo direito sobre o bem imóvel; revolucionário em sua concepção, tão parecido com a Propriedade que com ela quase se confunde, mas que guarda grande diferença em relação a ela.

O cidadão comum, diferentemente do profissional que lida com o direito, não tem a obrigação de saber que até a edição da MP 759 existia no Código Civil a previsão e regulamentação sobre diversos tipos de direitos sobre bens e coisas. O legislador civil, de fato, dedicou um capítulo único e especial aos denominados Direitos Reais (cf. art. 1225 a 1510 ).

A novíssima Medida Provisória, alterou a redação do Código Civil e de outras leis existentes no ordenamento jurídico brasileiro para dar lugar à possibilidade deste novo tipo de direito coexistir com os tradicionais institutos denominados propriedade, – o maior deles – usufruto, servidões, hipoteca, penhor e outros menos conhecidos, dentre eles interessante destacar a superfície, criada pelo legislador em substituição ao antigo direito da enfiteuse, também conhecida por aforamento.

Este novo tipo de direito real, que recebeu a infeliz denominação de Direito de Laje, está relacionado a um bem imóvel e ao uso do espaço aéreo sobre ele, mas não se limita apenas a esta característica básica, pois é obrigatório para sua configuração que possua acesso independente para a via pública.
De fato, este novo direito sobre imóvel, de modo algum se confunde com qualquer outro tipo, principalmente com o maior de todos: a propriedade plena.
O artigo 1229 do Código Civil, ao definir com absoluta precisão o alcance e os limites do direito de propriedade é especialmente esclarecedor sobre o tema em análise e, por tal motivo segue adiante transcrito:

Art.1229. A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas por terceiros a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las.
A propriedade imóvel corresponde a uma garantia jurídica sobre uma fração específica da superfície do planeta, um espaço físico delimitado no solo, mas que a ele não se limita. O proprietário do imóvel também possui direitos garantidos sobre o subsolo e o espaço aéreo, mas com as limitações impostas pelo referido dispositivo legal.

O direito de laje, como o inteligente leitor já deve ter percebido, é menos do que o direito de propriedade, mas, inevitavelmente, dele não se pode dissociar.

O proprietário pode usar e dispor do direito que a lei lhe garante sobre o espaço aéreo e o subsolo de sua propriedade e, somente porque existe tal garantia legal, é que se torna possível conceber a existência deste novo tipo de direito – o direito de laje.

A primeira e evidente constatação sobre os limites e características do Direito de Laje, portanto, é que ele, sendo menos do que o direito de propriedade, ao ser regularmente constituído deverá representar uma forma de limitação do primitivo direito do qual deriva.

O proprietário, ao realizar o desdobramento de sua propriedade, com a criação de um direito de laje,deverá transmitir para terceiro, seus direitos de uso (e também o de fruição e disposição) sobre parte ou a totalidade do espaço aéreo existente sobre sua propriedade imóvel, mas a uma altura que ainda lhe permita a utilização do solo e/ou do subsolo.

Constituído o direito de laje, o bem imóvel até então existente, sofrerá uma modificação tão grande em sua configuração, que se torna realmente necessária uma profunda alteração em sua descrição. A propriedade imóvel que existia até então, não mais existirá, surgindo em seu lugar duas novas formas de domínio sobre uma fração da superfície do planeta, duas unidades imobiliárias autônomas.

O direito de laje não se confunde e não pode coexistir com o direito da plena  propriedade convencional.

Mas este tipo de situação não é novidade para o direito.

Há muito tempo já se admite uma forma especial de propriedade, conhecida como propriedade horizontal, exatamente por ser limitada em seu aspecto vertical e que não contempla espaço aéreo e nível inferior. Trata-se da conhecida figura da unidade autônoma em condomínio edilício, ou seja: apartamentos, vagas de garagem, salas ou boxes comerciais em edifícios transformados em condomínio, segundo as regras da lei.

DA DENOMINAÇÃO DAS PARTES SOB O NOVO DIREITO

Parece mesmo ser necessária uma nova e adequada denominação para aquele que se coloca no papel de dono do espaço aéreo de um imóvel (o titular do direito de laje sobreposta) e daquele que se coloca na situação de quem igualmente possui direitos sobre o mesmo espaço terrestre, mas limitado ao solo e subsolo.

Por falta de melhor opção, sugere-se denominar a unidade autônoma titular de um direito de laje acompanhado de sua qualificadora:  Laje Sobreposta.  É com esta denominação que a situação é conhecida pela população em geral e a denominação simples Laje  não parece suficientemente esclarecedora de uma situação de direito tão especial. Laje, de fato, pode denominar pura e simplesmente a cobertura de uma edificação ou a divisão entre pavimentos de uma mesma edificação, inclusive de condomínio edilício (embora mais comum seja a denominação pavimento ou andar)
O uso de termo residência sobreposta é comum em muitas regiões do país. Quem desconhece o termo é porque nunca de se dispôs a consultar detidamente a seção de Classificados de Imóveis de algum jornal de boa circulação em qualquer cidade de média ou grande população

O titular do direito, ou o dono da Laje Sobreposta poderia, em uma denominação mais técnica e muito útil para o cadastramento junto à municipalidade, para fins de cobrança de IPTU e Taxas devidas pelo uso do solo urbano (coleta de Lixo, iluminação e manutenção de vias públicas) e também para o registro imobiliário e eventuais negócios jurídicos que venha a realizar (a constituição de hipoteca ou alienação fiduciária, por exemplo) ser denominado como Proprietário Horizontal em Sobreposição ou simplesmente como“Proprietário de Laje em Sobreposição”.

Na medida em que o texto legal não definiu a correta denominação do titular deste novo tipo de direito sobre imóvel, o que se sugere então, neste primeiro momento e, evidentemente, sujeito a críticas e aperfeiçoamento, é a denominação acima.

Se, de um lado, ou mais precisamente, em um pavimento superior, acima, existe um titular de Laje Sobreposta por outro lado, em um pavimento diverso, existe outro cidadão que é igualmente titular de direitos sobre o solo e subsolo daquele mesmo espaço da superfície terrestre. Este cidadão, por não manter em sua esfera patrimonial o pleno domínio sobre o espaço aéreo acima do imóvel, não se confunde com um proprietário convencional.

A posição singular deste cidadão, que igualmente detém direitos sobre o mesmo imóvel, demanda sua correta denominação e identificação, inclusive para que a municipalidade possa correta e adequadamente cadastrar e identificar a sua unidade imobiliária autônoma, dele cobrar sua parcela de responsabilidade no custeio das taxas de uso e ocupação de solo e ainda efetuar a cobrança de imposto predial e territorial urbano.

A ciência da geologia possui uma denominação técnica que pode vir a ser adotada para corretamente identificar este proprietário de imóvel inferior à Laje Sobreposta.

É termo de uso muito pouco usual, mas de significação inquestionável: abaixo daquilo que está sobreposto existe o que está sotoposto.

Muito provavelmente a denominação sotoposta (em oposição à sobreposta) não será incorporada ao uso comum da população. O cidadão possivelmente continuará a usar a mesma denominação que usa na atualidade, ou seja, antes da regularização deste novo tipo de direito: o imóvel que está abaixo da casa sobreposta existente, será simplesmente denominado como térreo.

Entretanto, como acima referido, existe uma necessidade prática de realizar a correta identificação dos diferentes titulares de direito sobre o mesmo imóvel. No mínimo, para finalidade de cadastro e tributação pela municipalidade, mas também para efeitos de contratação formal e registro imobiliário deste novo tipo de direito real..

Uma denominação possível e de boa precisão técnica seria, portanto, proprietário horizontal sotoposto (ouem sotoposição).

Mesmo parecendo difícil e pouco prático é importante considerar a possibilidade de utilizar uma denominação adequada à situação singular do imóvel no qual exista a propriedade horizontal do tipo Laje Sobreposta regularmente instituída e registrada no registro imobiliário. A denominação “proprietário térreo” é claramente incompleta para definir e corretamente indicar a situação jurídica da propriedade compartilhada do imóvel existente abaixo de uma laje sobreposta a ele.

É complexa a aplicação desta novidade em matéria de direito real e necessário será evitar qualquer possibilidade de confusão entre a situação peculiar do direito de laje sobreposta, ainda novidade no mundo do direito, com o direito de superfície e também com a propriedade em regime de condomínio, institutos de uso consolidado sobre os quais a doutrina e jurisprudência oferecem alargados ensinamentos.

O TEXTO DA NORMA

A citada Medida Provisória nº 759, editada nos últimos dias do ano de 2016, ao criar este novo direito real limitou-se a alterar um artigo do Código Civil em vigor, o de número 1.225, que enumera as diferentes espécies de direitos reais existentes em nosso ordenamento jurídico, nele incluindo um novo inciso (XIII, a laje) e a criar um novo artigo do mesmo diploma legal, o de número 1.510-A.

Com a entrada em vigor desta Media Provisória nº 759, o Código Civil foi então acrescido do artigo nº 1510-A, que em sua cabeça e parágrafos enumerados de 1º a 8º fornece a definição e um regulamento elementar deste novo direito real.

Sua redação, muito  sintética e objetiva, é transcrita em sua integralidade:
Art. 1.510-A.  O direito real de laje consiste na possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo. (…)
§ 1º O direito real de laje somente se aplica quando se constatar a impossibilidade de individualização de lotes, a sobreposição ou a solidariedade de edificações ou terrenos.
§ 2º O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário do imóvel original.
§ 3º Consideram-se unidades imobiliárias autônomas aquelas que possuam isolamento funcional e acesso independente, qualquer que seja o seu uso, devendo ser aberta matrícula própria para cada uma das referidas unidades.
§ 4º O titular do direito real de laje responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre a sua unidade. 
§ 5º As unidades autônomas constituídas em matrícula própria poderão ser alienadas e gravadas livremente por seus titulares, não podendo o adquirente instituir sobrelevações sucessivas, observadas as posturas previstas em legislação local.  
§ 6º A instituição do direito real de laje não implica atribuição de fração ideal de terreno ao beneficiário ou participação proporcional em áreas já edificadas.
§ 7º O disposto neste artigo não se aplica às edificações ou aos conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não, nos termos deste Código Civil e da legislação específica de condomínios.
§ 8º Os Municípios e o Distrito Federal poderão dispor sobre posturas edilícias e urbanísticas associadas ao direito real de laje.  

O ESSENCIAL ACESSO PARA VIA PÚBLICA

Situação que merece grande reflexão e criação de alguma forma de solução prática, talvez até mesmo alguma norma positivada, é a correta definição e demarcação de como se dará o necessário acesso à via pública para o titular da laje sobreposta.

O acesso exclusivo à via pública é requisito expresso e necessário para a instituição desta forma nova e especial de domínio conjunto sobre a propriedade de um imóvel.

O parágrafo 3º do referido artigo 1510-A, exige que a laje sobreposta e a propriedade sotoposta possuam isolamento funcional e acesso independente, para que assim possam ser consideradas como tal.

A adequada definição da testada do imóvel para a via pública é um aspecto singular que de modo algum poderá ser ignorado pela municipalidade que venha e regularmente aprovar o desdobramento de um imóvel na forma ora em análise. Além desta importante especificação cadastral e tributária, o acesso exclusivo (ou independente, no dizer do texto legal) para a via pública, irá representar para o habitante do imóvel em sobreposição, um endereço único, seu endereço de correspondência, sua identificação singular perante a sociedade.

Interessante ressalvar que possuir um endereço corretamente especificável e de reconhecimento geral é fato social de grande importância. Apenas quem não possui um endereço com tal característica sabe quanto isso faz falta em seus negócios e relações pessoais.

É notório que o valor das taxas de iluminação, limpeza e conservação da via pública são fixados para os imóveis em razão diretamente proporcional à sua testada, ou quantidade de metros lineares com frente para a via pública. Certamente a correta dimensão da área linear de acesso para a via pública será parâmetro mínimo para a cobrança das taxas referidas que serão de responsabilidade do proprietário horizontal de laje sobreposta pois o titular do direito necessariamente deverá responder pelos encargos e tributos incidentes sobre a sua unidade imobiliária (cf. art. 1510-A par. 4º)

Entretanto, possível e mesmo recomendável seria a criação de uma fórmula diferente para fixação de tais valores, onde se levasse em consideração a proporção entre as diferentes áreas úteis construídas ente o imóvel sotoposto e a laje a ele sobreposta.

O acesso independente – leia-se testada para via pública – é requisito essencial para a existência do direito de Laje Sobreposta. Tal característica fundamental, que diferencia de forma clara e inequívoca a Laje Sobreposta de qualquer espécie de propriedade em condomínio (edilício), contudo pode vir a representar grande dificuldade prática para o registro imobiliário das duas novas unidades que haverão de surgir com a bipartição da propriedade.

Seria possível, por exemplo, que o acesso exclusivo para a via pública viesse a representar uma testada relativamente extensa e precedida por um corredor de acesso igualmente extenso, de tamanho suficiente para, por exemplo, servir de espaço de guarda e estacionamento de veículos (uma garagem independente), ou seja, o proprietário da laje sobreposta pode perfeitamente adquirir também o direito de uso exclusivo de uma porção do solo, em nível da via pública, para nele realizar, além do acesso à sua residência, outros tipos de uso e atividades, situação esta que não descaracteriza o seu imóvel como sendo o que é, ainda e apesar de conter alguns metros quadrados de uso privativo do solo, uma forma de propriedade horizontal do tipo laje sobreposta.

Esta é a inteligência do disposto no § 1º  do novo artigo inserido no Código  Civil, acima transcrito.

O texto legal, ao condicionar a possibilidade da existência do direito de laje à uma necessária sobreposição ou solidariedade de edificações ou terrenos, não limita a forma como deve ocorrer este sobreposição. Evidente que a simples existência de uma pequena parte de construção em sobreposição a outra edificação ou porção do solo resulta em ser impossível a individualização de lotes autônomos.

A hipotética situação acima colocada certamente deverá de ocorrer na prática e deverá demandar boa dose de inteligência na interpretação do instituto.
Ao que parece, a melhor solução seria, quando da regularização de tal situação, levar em consideração, no Memorial Descritivo do imóvel, que o direito de laje sobreposta também utilizar-se-á de uma área perfeitamente delimitada na propriedade do solo, que tal área possui determinada testada, que é parte integrante e indissociável da laje sobreposta para a qual, além do acesso à via pública, representa espaço de uso exclusivo para a utilização da forma como o seu proprietário desejar.

DIFERENÇAS ENTRE UNIDADE AUTÔNOMA E LAJE SOBREPOSTA

A tradicional e muito conhecida forma de propriedade em Condomínio Edilício, com o direito de Laje não se confunde, mas representa direito sobre imóvel com algumas características especiais que são úteis para a melhor compreensão e aplicação prática deste novo direito real.

Todo condomínio edilício (apartamentos, salas comerciais, vagas de garagem ou o que mais a criatividade humana venha a conceber) representa forma de propriedade em condomínio que, grosso modo, se caracteriza pela existência de unidades autônomas vinculadas a frações ideais no solo e em partes de uso comum, existindo direitos e deveres atribuídos a todos os condôminos, regulamentos e normas que visam ordenar a convivência harmônica entre as partes e o uso comum de espaços e coisas, visando a diminuição de conflitos entre as pessoas que convivem neste tipo especial de comunidade.

Curiosa característica do condomínio edilício, desconhecida de grande parte da população é a existência de uma necessária vinculação da unidade autônoma com uma fração do solo onde está edificado o condomínio.

Para quem se surpreende com a necessidade ou importância desta imposição legal, basta conceber a situação hipotética em que o edifício venha a ser demolido e as unidades autônomas e o próprio Condomínio deixem de existir. Se este fato vier a ocorrer, ao dono do apartamento restará garantida ainda uma fração ideal da propriedade do solo, espaço aéreo e subsolo, mas em condomínio simples com todos os demais condôminos que, enquanto existente o edifício, eram proprietários de unidades autônomas.

Diferentemente do condomínio simples, no Condomínio Edilício, por uma ficção jurídica, existe propriedade plena de unidade autônoma, mas limitada ao regulamento existente para uso e fruição das partes comuns e exercício de direitos e deveres para com o Condomínio.

Por tal motivo o proprietário de um apartamento, pode usar e dispor da propriedade de seu imóvel – unidade autônoma necessariamente vinculada à fração ideal do solo e propriedade comum – sem nenhum tipo de restrição. Situação esta que não acontece no condomínio simples de frações ideais no terreno.
A laje sobreposta a ser regularizada como novo direito autônomo tem alguma semelhança física com a propriedade imobiliária de unidade autônoma integrante de condomínio edilício, principalmente com aquele tipo de unidade que possui acesso direto para a via pública.  Uma sala comercial situada em nível próximo da via pública, acima de vagas de garagem localizadas no subsolo ou em nível inferior a ela, é exemplo perfeito de tal semelhança.

A aparência semelhante, entretanto, não corresponde à realidade jurídica dos institutos.

A propriedade de unidade autônoma em condomínio, de fato, é propriedade plena de imóvel horizontal sujeito a regras de convivência, legais e convencionais. O direito de Laje Sobreposta, diferentemente não pode ser assim considerado.

Inconcebível seria, por exemplo, a nomeação de um síndico para representar o interesse das partes, igualmente inaceitável a existência de cobrança compulsória de contribuição condominal.

Entretanto, apesar da diferença jurídica existente entre as situações, é inquestionável e evidente que para a convivência harmônica entre os indivíduos a experiência adquirida em décadas de utilização da propriedade em condomínio edilício deve ser aproveitada, pois as situações em muito se igualam e os eventuais problemas que acontecem no condomínio poderão acontecer neste novo tipo de unidade imobiliária  representada pela laje sobreposta.

Exemplos de conflitos na convivência comum não faltam. Caso típico ocorre quando o habitante do andar superior, descuidando-se da impermeabilização de sua cobertura ou piso, ou ainda da correta condução das águas pluviais ou servidas (esgoto sanitário), vem a causar prejuízos e transtornos para o habitante do piso inferior. Os efeitos da lei da gravidade não podem ser contornados ou revogados por qualquer instituto jurídico e necessariamente quem ocupa um espaço inferior no mesmo imóvel, sofrerá os seus efeitos.

Por outro lado, podem ocorrer transtornos e incômodos em ordem inversa: o usuário do pavimento inferior pode pretender utilizar-se do espaço aéreo do titular do direito de laje, para nele fazer instalar reservatórios de água tratada (caixa d´água) ou antenas para recepção de sinais de radio difusão e tal necessidade de uso, igualmente, pode vir a ser fonte de conflitos entre pessoas.

O legislador ao outorgar um caráter autônomo ao direito de laje sobreposta, diferenciando-o de qualquer tipo de propriedade em condomínio (quer na forma tradicional ou na especial forma do condomínio edilício) poderia também, no mesmo dispositivo normativo, oferecer ao cidadão um esboço de regulamento, um conjunto mínimo de regras de utilização e convivência, como o existente no caso da propriedade em condomínio (art.1314 e seguintes do Código Civil).

Entretanto, na medida em que isso não foi feito, será natural que os usuários e os operadores de direito venham a se socorrer das lições da história para oferecer um regulamento para as relações de convivência entre os diferentes titulares de direitos sobre o imóvel quando a propriedade plena venha a ser descaracterizada, ou desdobrada, nas formas especiais e singulares das unidades autônomas do tipo laje sobreposta e propriedade horizontal sotoposta.

A própria escritura pública que irá instrumentalizar o direito e o registro imobiliário que deverá ocorrer para a efetiva concretização desta forma nova de propriedade imóvel, também poderia retratar regras convencionais que regulem a convivência harmônica entre os proprietários do imóvel em tal regime de propriedade espacialmente comum (embora juridicamente independente).

DIFERENÇAS ENTRE O DIREITO DE SUPERFÍCIE E LAJE

Doutrinadores diversos levantaram uma forma de polêmica, desnecessária no entender deste autor, contra esta nova forma de direito real por entendê-lo como novidade desnecessária, uma vez que a propriedade em projeção vertical, há muito, já está prevista em nosso ordenamento, sob a forma do Direito Real de Superfície.

Deveras, quando se tratar de propriedade de imóvel urbano, já previu o Estatuto da Cidade a possibilidade de, diferentemente da regra geral constante do Código Civil, criar-se um direito de superfície com prazo por tempo indeterminado e transmissível a herdeiros ou sucessores.

De fato, o direito de superfície sobre projeção vertical de um imóvel urbano e constituído com prazo de validade por tempo indeterminado em muito se assemelha ao novo direito (de laje em sobreposição), mas dele se diferencia por uma característica fundamental: na laje sobreposta existem unidades imobiliárias autônomas de titularidades distinta daquela originalmente existente.

Além disso, assim como ocorre com o condomínio edilício, para que o direito de laje possa existir, é necessária a existência de alguma edificação sobre o solo, ao passo que, o direito de superfície pode se referir unicamente a terreno sem benfeitoria alguma.

A APLICAÇÃO PRÁTICA DO DIREITO

Inquestionável que a laje sobreposta, por tratar-se de um direito real sobre imóvel, deverá ser criada e receber sua existência no mundo jurídico através da realização de uma escritura pública e seu correspondente registro junto ao registro de imóveis competente.

O cadastramento municipal e a obediência aos requisitos urbanísticos também será elemento fundamental, devendo o poder público manifestar-se no procedimento.

Aliás, a forma e oportunidade da participação da municipalidade no procedimento deverá ser um dos principais temas a ser debatido no início da aplicação prática deste novo direito real.

Regra geral, para transmissão da propriedade, constituição de hipoteca, contratação de alienação fiduciária, reserva ou instituição de usufruto ou ainda a contratação de qualquer outro tipo de direito real sobre imóvel, a aprovação prévia da municipalidade é dispensável, pois conforme preceito fundamental acima referido, o proprietário pode livremente dispor de sua propriedade (leia-se: vender, ceder, onerar…).

Entretanto, diante da particularidade do direito de laje sobreposta, a autorização da municipalidade parece ser necessária e de realização obrigatória, ainda antes da conclusão formal do direito junto ao registro imobiliário, pois é do Município a competência para regulamentar o uso da propriedade territorial urbana, sendo possível a existência de eventual proibição expressa de constituição deste tipo de direito real sobre imóvel, com fundamento no interesse da preservação de um menor adensamento do uso do solo urbano.

Por outro lado, inexistindo qualquer proibição legal de constituição de direito de laje e de adensamento no uso do solo urbano, em tese, a sua contratação seria permitida e a aprovação prévia da municipalidade para sua constituição, dispensável como, por exemplo, ocorre com a venda do imóvel com um todo.

Ainda sobre a dispensabilidade de aprovação prévia da municipalidade, é possível também defender tal situação quando em um único imóvel já exista regularmente aprovada pela municipalidade a construção de prédio residencial (ou de uso misto) de dois ou mais pavimentos, em que exista pluralidade de proprietários, em regime de condomínio de frações ideais e quando eles, proprietários, venham a decidir-se pela extinção deste condomínio tradicional, modificando a situação de incerteza jurídica sobre o uso do imóvel, característica básica do condomínio civil convencional, pelo regime de propriedades horizontais sotopostas e sobrepostas, estas devidamente individualizas e caracterizadas como unidades imobiliárias autônomas.

De fato, o objetivo principal da inicialmente referida Medida Provisória, é a regularização da propriedade urbana. Sendo o condomínio tradicional, causa comum de discórdias e querelas, a aplicação simplificada de qualquer dispositivo novo que venha a solucionar pendências e problemas já existentes no meio urbano, deve mesmo ser facilitada e incentivada. O regime de sobreposição de propriedades autônomas inaugurado com este novo direito, a laje sobreposta, é caso típico de situação consolidada que o direito se vê forçado a reconhecer.

VALOR ECONÔMICO E TRIBUTÁRIO

De alguma complexidade será a definição do valor tributário para a constituição do direito de laje sobreposta.

Inquestionavelmente tal negócio jurídico representa transmissão de bem imóvel e deverá ser tributado por imposto de transmissão (ITBI), quando ele tiver seu surgimento no mundo jurídico e econômico.

Ressalve-se, entretanto, que não é impossível que o regime de sobreposição (a laje sobreposta e a propriedade sotoposta) venha e ganhar sua existência jurídica através de um procedimento do tipo divisão amigável /extinção de condomínio / atribuição, quando então o tributo não será devido,
Para o necessário cadastramento municipal e fixação de valor venal para a propriedade horizontal sobreposta e a sotoposta poderá se valer a municipalidade da experiência adquirida com a propriedade em condomínio edilício, levando em consideração a área de uso exclusivo daquela unidade, o tamanho da testada para a via pública e ainda a existência de área de uso exclusivo de cada unidade.

Não se pode desconsiderar a possibilidade de que ao proprietário da laje sobreposta seja atribuída uma testada para a via pública relativamente ampla  (para a guarda de veículos, por exemplo) e que, portanto, pode representar área de solo de uso exclusivo, inclusive sem limitações de uso de espaço aéreo e de subsolo e que, portanto,  poderá ser tributada integralmente pelo imposto de propriedade, de forma análoga à propriedade plena.

A APLICAÇÃO NA PRÁTICA

Quando se redige este texto, por falta de maior detalhamento normativo (sequer a Medida Provisória foi convertida em Lei) mostra-se um pouco difícil a elaboração de qualquer modelo ou minuta de ato notarial que venha a instituir o direito de laje e a propriedade em regime de sobreposição e sotoposição.
Entretanto, entende este autor, que mesmo independentemente de autorização municipal ou maior detalhamento sobre a forma da aplicação prática deste novo direito,  em tese, seria possível a realização da extinção de um condomínio atualmente existente, contanto que junto ao cadastro municipal e registro imobiliário exista devidamente regularizada uma única construção predial.

Quando um imóvel existir como realidade concreta e jurídica no qual não se se pretenda a constituição de condomínio edilício ou se permita a divisão convencional, em virtude de sobreposição parcial de áreas construídas, para que o mesmo deixe de ser um condomínio convencional e transforme-se efetivamente em duas ou mais unidades autônomas, com matrículas e descrições próprias, necessário e de possível realização imediata, a instituição deste novo direito real.

Em sendo identificada tal situação (que se imagina de ocorrência comum) a elaboração de uma hipotética extinção de condomínio, transformando uma única propriedade  em unidades autônomas regidas pelo Direito de Laje, será de realização possível e imediata, sem a dependência de qualquer texto normativo complementar ou regulamentador.

Tal exercício teórico é tarefa que este autor se propõe realizar brevemente e igualmente oferecer para crítica e análise de eventuais interessados neste tema interessante e inovador.

* Marco Antonio de Oliveira Camargo é Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de  Sousas

Fonte: CNB/CF | 31/01/2017.

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