Artigo: A ata notarial para fins de usucapião extrajudicial tem conteúdo financeiro – Por Letícia Franco Maculan Assumpção

*Letícia Franco Maculan Assumpção

A ATA NOTARIAL PARA FINS DE USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL[1] TEM CONTEÚDO FINANCEIRO

O presente artigo busca esclarecer sobre a cobrança da ata notarial para fins de usucapião administrativa, prevista no art. 216-A, da Lei nº 6.015/73, com redação dada pelo art. 1.071 da Lei nº 13.105/2015 (que também contém o novo CPC):
Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com:
I – ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias; (sem grifos no original)

No Congresso do CNB 2015, no qual foram comemorados os 450 anos do Notariado no Brasil, foi publicado o ENUNCIADO CNB 2015 nº 8, com o seguinte conteúdo: A ata notarial para fins de usucapião tem conteúdo econômico.
Obviamente a ata notarial tem conteúdo financeiro, posto que é REQUISITO ESSENCIAL, previsto em lei, para a aquisição da propriedade por meio da usucapião extrajudicial.
Mas qual a consequência da afirmação de que a ata notarial para fins de usucapião tem conteúdo financeiro?
Para melhor compreender a questão, é necessário analisar a Lei Federal 10.169/2000, que regula o § 2o do art. 236 da Constituição Federal, mediante o estabelecimento de normas gerais para a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
Determina a referida Lei Federal, no que interessa ao presente estudo:
Art. 1o Os Estados e o Distrito Federal fixarão o valor dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos respectivos serviços notariais e de registro, observadas as normas desta Lei.
Parágrafo único. O valor fixado para os emolumentos deverá corresponder ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados.
Art. 2o Para a fixação do valor dos emolumentos, a Lei dos Estados e do Distrito Federal levará em conta a natureza pública e o caráter social dos serviços notariais e de registro, atendidas ainda as seguintes regras:
I – os valores dos emolumentos constarão de tabelas e serão expressos em moeda corrente do País;
II – os atos comuns aos vários tipos de serviços notariais e de registro serão remunerados por emolumentos específicos, fixados para cada espécie de ato;
III – os atos específicos de cada serviço serão classificados em:
a) atos relativos a situações jurídicas, sem conteúdo financeiro, cujos emolumentos atenderão às peculiaridades socioeconômicas de cada região;
b) atos relativos a situações jurídicas, com conteúdo financeiro, cujos emolumentos serão fixados mediante a observância de faixas que estabeleçam valores mínimos e máximos, nas quais enquadrar-se-á o valor constante do documento apresentado aos serviços notariais e de registro.
Parágrafo único. Nos casos em que, por força de lei, devam ser utilizados valores decorrentes de avaliação judicial ou fiscal, estes serão os valores considerados para os fins do disposto na alínea b do inciso III deste artigo. (sem grifos no original)

Logo, ao interpretar a legislação estadual referente aos emolumentos, deverão ser observadas as normas acima reproduzidas, pois são NORMAS GERAIS FEDERAIS, que fundamentam todas as leis de emolumentos dos Estados-membros.

E a Lei Federal nº 10.169/2000 estabeleceu critérios para a fixação dos emolumentos, determinando, de forma expressa, que os atos relativos a situações jurídicas sem conteúdo financeiro terão valores fixose os atos relativos a situações jurídicas com conteúdo financeiro serão fixados mediante a observância de faixas de valor.

Vejamos, pois, o que determina a Lei Estadual de MG nº 15.424/2004, que fixa os emolumentos no Estado de Minas Gerais:

Ora, como a ata notarial prevista na legislação mineira é em valor fixo, há que se compreender, tendo em vista a determinação da lei federal, que aquela ata notarial  é a SEM CONTEÚDO FINANCEIRO.E como se cobra a ata com conteúdo financeiro? No caso de Minas Gerais, da mesma forma que se cobram todas as escrituras com conteúdo financeiro. Em outros estados da federação, há que se observar se há na tabela previsão para cobrança de atas notariais com conteúdo financeiro.

A Lei de Emolumentos de MG utilizou o mesmo conceito de escritura pública que consta do Código civil:

Art. 215. A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena.

Assim, o Código Civil considera “escritura pública” aquela que é lavrada em notas de tabelião, sendo dotada de fé pública, fazendo prova plena. Trata-se de um conceito de escritura em sentido amplo.

Também na lei mineira a palavra “escritura” foi usada em sentido amplo, como gênero, da qual são espécies: a procuração, a ata notarial sem conteúdo financeiro, a  escritura sem conteúdo financeiro e a escritura pública com conteúdo financeiro (que engloba tanto a ata notarial com conteúdo financeiro quanto as escrituras públicas em sentido estrito – ou seja, os negócios jurídicos).

O Código de Normas de Minas Gerais (Provimento nº 260/CGJ-MG) deixa ainda mais claro que a ata notarial para usucapião está compreendida no conceito de escritura pública com conteúdo financeiro, pois assim dispõe:

CAPÍTULO II
DAS ESCRITURAS PÚBLICAS
Art. 155. A escritura pública é o instrumento público notarial dotado de fé pública e força probante plena, em que são acolhidas declarações sobre atos jurídicos ou declarações de vontade inerentes a negócios jurídicos para as quais os participantes devam ou queiram dar essa forma legal.
§ 1º As escrituras públicas podem referir-se a situações jurídicas com ou sem conteúdo financeiro.

§ 2º Consideram-se escrituras públicas relativas a situações jurídicas com conteúdo financeiro aquelas cujo objeto tenha repercussão econômica central e imediata, materializando ou sendo partede negócio jurídico com relevância patrimonial ou econômica, como a transmissão, a aquisição de bens, direitos e valores, a constituição de direitos reais sobre eles ou a sua divisão.

Assim, como se cobra a ata com conteúdo financeiro? Da mesma forma que se cobram todas as escrituras com conteúdo financeiro, ou seja, aplicando-se o item 4, b, da Tabela 1.

E tal conclusão também corresponde à determinação do parágrafo único do art. 1º da Lei Federal nº 10.169/2000, pois o valor fixado para os emolumentos deverá corresponder ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados.

A ata notarial para fins de usucapião será tão trabalhosa quanto qualquer outra escritura relativa a situação jurídica com conteúdo financeiro, já que deverá incluir o depoimento pessoal do requerente sobre o tempo de sua posse e de seus antecessores; o depoimento, se possível, dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes; o depoimento, se possível, de todos os confrontantes da gleba a localizar, condôminos ou não; a descrição da ocupação após diligência do tabelião ou de seu preposto, se houver solicitação respectiva; a menção ao justo título ou a quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel; a menção à planta e memorial descritivo mencionados no inciso II do art. 216-A;a menção às certidões negativas (relativamente a processo que interfira nos requisitos da usucapião) dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente tanto em nome do proprietário do imóvel (se houver), quanto em nome do requerente e de seu cônjuge ou companheiro; sendo necessárias certidões ainda em nome de todos aqueles que tiverem transmitido ao requerente a sua posse no período que interesse à usucapião e de seus cônjuges ou companheiros[2]; devendo permanecer arquivados no Tabelionato cópias simples de todos os documentos originais que instruirão a ata, que será juntada ao processo administrativo de usucapião.

Nesse sentido o ENUNCIADO CNB – 2015 nº 7:     A ata notarial para fins de usucapião extrajudicial, prevista no inciso I do artigo 216-A do Código de Processo Civil, deve conter todas as informações e constatações possíveis para comprovar a existência da posse.

Sobre a diligência do tabelião ou seu preposto para verificar a ocupação da área objeto de usucapião, os registradores de imóveis de Minas Gerais manifestaram-se no sentido de que a diligência é OBRIGATÓRIA para dar segurança jurídica ao ato. Importante ressaltar que tal DILIGÊNCIA somente pode ser realizada por Tabelião do Município onde está localizada a área, posto que, nos termos do art. 9º da Lei nº 8.935/94 o tabelião de notas não pode praticar atos fora do Município para o qual recebeu a delegação.
Lei 8.935/94 –  Art. 9º O tabelião de notas não poderá praticar atos de seu ofício fora do Município para o qual recebeu delegação.
A diligência é cobrada em separado, dependendo seu valor daquele atribuído pela tabela respectiva do Estado, objeto da lei estadual específica. Esclareça-se que, além  do pagamento pela diligência, deverão ser restituídos os gastos com transporte e alimentação, tendo em visto a distância a ser percorrida e o tempo necessário para tanto. Sendo preciso mais de um dia de trabalho, também as despesas com estadia devem ser restituídas. A fim de evitar problemas, recomenda-se que tanto as despesas com emolumentos e taxa de fiscalização judiciária  quanto a estimativa de despesas com transporte, alimentação e estadia sejam cobradas antecipadamente, sendo feitos os acertos necessários após a lavratura da ata.

Por fim, importante esclarecer que o valor do imóvel a ser considerado para fins de lançamento na tabela pode ser aquele que consta do IPTU, nos termos do parágrafo único do art. 2º, da Lei Federal 10.169/2000, sendo também possível que o tabelião solicite avaliação por corretor de imóveis, na hipótese de aquela avaliação para fins de IPTU não refletir o valor de mercado.

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*Letícia Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1991), pós-graduada e mestre em Direito Público. Foi Procuradora do Município de Belo Horizonte e Procuradora da Fazenda Nacional. Aprovada em concurso, desde 1º de agosto de 2007 é Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. É autora de diversos artigos na área de Direito Tributário, Direito Administrativo, Direito Civil e Direito Notarial, publicados em revistas jurídicas, e do livro Função Notarial e de Registro. É representante do Brasil na União Internacional do Notariado Latino – UINL.

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[1] Nomenclatura: optou-se no presente artigo pela nomenclatura “usucapião extrajudicial” para aquela usucapião prevista no art. 216-A da Lei nº 6.015/73, porque o termo USUCAPIÃO ADMINISTRATIVA” é utilizado para a forma de aquisição de propriedade através do título administrativo do Município (“título de legitimação de posse”) em procedimento de regularização fundiária urbana de interesse social. A usucapião ADMINISTRATIVA (baseada na legitimação) tem prazo prescricional aquisitivo de 5 anos a contar do registro (posse tabular). Essa diferenciação foi também adotada no Encontro do IRIB (Aracaju, outubro/15), mas Leonardo Brandelli, pelo título de seu livro, não observou essa distinção.
[2] A lei não esclarece em nome de quem devem ser extraídas certidões, mas a autora deste artigo entende que as ora mencionadas são as necessárias para dar segurança jurídica ao ato.

Fonte: Notariado | 18/11/2015.

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Artigo: Abolição do reconhecimento de firma, um retrocesso – Por Alexsandro Feitosa

Alexsandro Feitosa*

A Constituição Federal, em seu artigo 236, dispõe que as atividades notariais e de registro serão exercidas em caráter privado. A lei 8.935/94, em seu artigo 1º, é clara e cristalina ao afirmar que tais atividades visam conferir publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.

Destaca-se que, a todo o momento e a qualquer custo, pretendem abolir e retirar os atos e atribuições que notários e registradores praticam com maestria. Um dos exemplos notórios é abolição do reconhecimento de firma em diversos documentos como de transferência de veículo automotor, documentos que são submetidos a repartições públicas, entre outros.

Em que pese o avanço e modernização da sociedade que a todo tempo deseja mais agilidade, eficiência e desburocratização, não devemos abrir mão da segurança jurídica e demais atributos garantidos à população através dos cartórios.

O fato é que a abolição do reconhecimento de firma abrirá um mar de insegurança jurídica e de possibilidades para que os praticantes de ilícitos possam atuar de forma a obter êxito em sua empreitada criminosa. É um inegável retrocesso.

Grande parte da sociedade não tem ciência de que os notários e registradores, assim como seus prepostos, são pessoas de extremo preparo para a atividade. Inclusive preparo específico na avaliação e verificação de documentos e assinaturas.

Dois projetos que visam abolir o reconhecimento de firmas em documentos que são submetidos às repartições públicas são o PLS 35/2014, do Senador Magno Malta (PR-ES) e o PLS 214/2014, do Senador Armando Monteiro (PTB-PE).

O primeiro projeto cria a exigência do reconhecimento de firma somente se houver dúvida sobre a autenticidade da assinatura, retirando a exigência de reconhecimento de firma em qualquer processo administrativo.

O segundo, que trata de racionalização dos procedimentos administrativos do governo, pretende dispensar o reconhecimento de firma prévio se a parte interessada estiver diante do agente administrativo.

Pontuações com relação aos dois projetos mencionados devem ser feitas.

Inicialmente, salienta-se que os servidores públicos que atuam em diversos órgãos da União, Estados, Distrito Federal, Municípios e demais Autarquias, não são pessoas qualificadas para análise e verificação de documentos e respectivas assinaturas. Suas atribuições são outras. Aliás, passaram em concursos para atuarem como agentes públicos com inúmeras imputações que não a verificação de documentos e análise grafoténica ou mesmo de identificação de quem lhe está à frente.

Frisa-se serem corriqueiras, na realidade dos notários e registradores em suas serventias, pessoas que adentram no cartório tentando se passar por outra, pretendendo realizar algum ato como abertura de firma ou mesmo o reconhecimento de assinaturas. Todos os dias são retidos nos cartórios inúmeros documentos falsos, principalmente cédulas de identidade.

Ou seja, resta claro que o reconhecimento de firma é necessário para coibir práticas de ilícitos, inclusive garantindo segurança tanto ao servidor público, que ao receber um documento que passou pelo crivo de um tabelião tem a tranqüilidade e certeza de que aquele documento não tem vícios que o torne ilegal, quanto para o usuário do serviço público.

Os notários e registradores são profissionais que dominam o conhecimento e a todo instante estão em contato com documentos e assinaturas. A Associação dos Notários e Registradores do Estado Rio de Janeiro recentemente realizou um curso de documentoscopia para os novos delegatários aprovados no último concurso findo.

Cursos de documentoscopia e grafotécnica são feitos pelos prepostos todos os anos, sempre em busca de aperfeiçoamento, a fim de acompanhar a evolução da sistemática e criação dos documentos, como também acompanhar a evolução dos próprios estelionatários, que procuram progredir na investida criminosa por meio de documentos e falsificações de assinaturas ainda mais perfeitas e de difícil constatação por qualquer um do povo.

O Colégio Notarial do Brasil Seção São Paulo realiza os referidos cursos inúmeras vezes por ano. Inclusive, há um curso previsto para 14 de novembro de 2015 na cidade de São José dos Campos, no interior de São Paulo.

Outro ponto primordial, que não foi analisado, é o fato de que o Notário é um terceiro não interessado que tem a atribuição de garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos que lhes são submetidos.

O notário é o primeiro filtro contra a prática de condutas criminosas, ou seja, o soldado de frente para evitar a realização de ilícitos civis e criminais por aqueles que não cumprem a lei.

Vale destacar, ainda, que a Comissão de Juristas da Desburocratização aprovou uma proposta para abolir o reconhecimento de firmas para transferência de veículos. Tal deliberação deve ser muito bem discutida. Primeiro, pelos motivos já expendidos sobre a preparação dos funcionários. Segundo, pelo fato de que nas grandes metrópoles, como São Paulo, por exemplo, existem os Poupatempos para realização dos atendimentos que, em sua maioria, não são servidores públicos efetivos, mas empregados de empresas terceirizadas sem qualquer preparação com cursos específicos de documentoscopia e grafotécnica.

Na contramão, pensando em segurança e prevenção contra eventuais fraudes, a Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro, em sua Deliberação 81, após ter constatado inúmeras fraudes, resolveu exigir reconhecimento de firmas por autenticidades e por semelhança, descrevendo o seu enquadramento em cada caso. Atitudes como essa vêm sendo tomadas por outras Juntas Comerciais no país.

Portanto, se as Juntas Comerciais, que praticam inúmeros atos, a todo o momento, estão expostas a fraudes, como não pensar no DETRAN, onde a prática de atos é infinitamente maior?

Enfim, os notários atuam com maestria, exercendo suas funções a garantir a segurança jurídica que a sociedade tanto necessita, sempre se capacitando continuamente. O reconhecimento de firma é a garantia que ordenamento jurídico assegura para não se utilizar outros ramos do direito, como o Direito Penal. É o instrumento hábil a coibir condutas fraudatórias. Eliminá-lo, se mostra um inegável retrocesso, sendo extremamente prejudicial para toda a sociedade.

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*Alexsandro Feitosa é Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do 2º Distrito de Campos dos Goytacazes – RJ

Fonte: Notariado | 05/11/2015.

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Artigo: IR sobre Ganhos de Capital – Nas transmissões “causa mortis” de bens e direitos quando deve ser recolhido o imposto, se incidente? Quais os deveres do tabelião que lavrar a escritura de inventário e partilha? – Por Antonio Herance Filho

*Antonio Herance Filho

A matéria tributária aplicável à sucessão “causa mortis”, cessão de direitos hereditários, excesso de meação ou de quinhão a título oneroso ou gratuito, é instigante e, por vezes, muito controvertida, sobretudo em relação ao cumprimento de obrigações pelo inventariante em nome do espólio e pelo tabelião de notas que lavra a escritura de inventário e partilha e ou adjudicação de bens.

De início, vale lembrar que o imposto conhecido pelas siglas ITCMD, ITCD, ITD, entre outras, em sua versão “causa mortis”, tem como sujeito passivo o sucessor (herdeiro e legatário), mas pode, também, em sua versão doação, sujeitar o meeiro e ou herdeiros na medida em que caracterizado qualquer excesso de meação ou quinhão hereditário, caso ao valor excedente não corresponda compensação financeira que reequilibre a partilha e o pagamento da meação do cônjuge supérstite.

Poderá, ainda, incidir o ITBI, tributo de competência municipal, se ocorrer transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos, por ato “inter vivos” e a título oneroso, em operações realizadas entre os sucessores, meeiro e eventuais cessionários.

Num ou noutro caso, o importante é que se tome como base a legislação do Estado considerado sujeito ativo do ITCMD e do Município de situação do imóvel objeto da transmissão, relativamente ao ITBI. A base de cálculo desses tributos não coincidirá, necessariamente, com o valor do bem para os fins da partilha.

Nos processos judiciais e nas escrituras de inventário é o inventariante quem zela, em nome e no interesse das partes, pelos tributos que têm como fato gerador algum dos eventos jurídicos que decorram do processo ou do ato notarial, tais como a própria sucessão do autor da herança, as doações caracterizadas por excessos de meação ou de quinhão, porventura, ocorridos na partilha, ou, ainda, transmissões onerosas de bens imóveis.

Nas escrituras públicas lavradas com base na autorização trazida pela Lei nº 11.441/07, o tabelião de notas é também responsável pelos créditos tributários que decorrerem dos atos ou negócios jurídicos formalizados pelo instrumento público, a teor do que dispõe o inciso VI, do artigo 134 do Código Tributário Nacional.

Responsabilidade tributária à parte, quem suportará o custo tributário do ITCMD e do ITBI, em regra, é o adquirente, a título gratuito ou oneroso, do bem ou do direito.

Já no que concerne ao imposto de competência da União – IRPF incidente sobre Ganhos de Capital na Alienação de Bens e de Direitos (CR, artigo 153, inciso III), a história muda um tanto de rumo, já que o envolvimento do tabelião com o assunto é bem outro.

Com efeito, para os fins de incidência do IRGCapital nas transmissões “causa mortis” os bens e direitos poderão ser avaliados a valor de mercado ou pelo valor constante da declaração de bens do “de cujus”, independentemente do que dispõem o Código Civil brasileiro – para os fins de realização da partilha -, e a legislação estadual do ITCMD e municipal do ITBI em relação à base de cálculo desses tributos, se e quando incidentes.

Sobre o assunto recomendamos que o leitor assista a dois programas da TV INR que são:

1. O IR na sucessão “causa mortis”, na doação e na dissolução da sociedade conjugal e da união estável (Clique aqui para assistir).

2. IRPF sobre Ganhos de Capital – A sujeição passiva do espólio nas transmissões “causa mortis” (Clique aqui para assistir).

No caso do IRGCapital a opção é do herdeiro, que definirá se receberá o bem em sua declaração de bens pelo valor de mercado ou se seguirá com ele pelo mesmo valor que constava na declaração de bens do “de cujus”. A depender da opção que fizer o herdeiro, o espólio do autor da herança arcará com o imposto ou o sucessor carregará, para os fins de futura alienação do bem, o valor da declaração do “de cujus” como custo de aquisição, o que, em regra, determinará expressivo valor como base de cálculo do imposto.

Sim, se o sucessor eleger, entre os dois critérios possíveis, o valor de mercado do(s) bem(ns), para a transmissão “causa mortis”, o espólio arcará com o tributo incidente sobre a diferença positiva entre o valor da transmissão e o que constava na declaração do “de cujus”. E se eleito for o segundo critério, ou seja, se o sucessor decidir receber o bem pelo valor que constava na declaração do “de cujus”, não haverá ganho a ser apurado, mas, em futura alienação, o valor referente ao custo de aquisição será aquele pelo qual o bem tiver sido recebido.

Mas, quais as responsabilidades do tabelião ao lavrar escrituras de inventário e partilha?

Temos dito que, além da responsabilidade social em bem orientar as partes, o que é próprio da atividade tabelioa, o notário não tem qualquer responsabilidade legal com o IRGCapital.

Não precisa fazer qualquer menção na escritura relativamente ao imposto de competência da União, aliás, ao constar o valor que fora usado como base de cálculo do imposto estadual e ou municipal, que tome o cuidado de não se valer de expressão vaga ou genérica como “…as partes atribuem ao bem, para os fins fiscais, a importância de…”, para não prejudicar o direito que o herdeiro/sucessor tem de escolher um entre dois critérios para fazer incidir, ou não, o IRGCapital.

Noutro dizer: o tabelião deve mencionar na escritura pública que lavrar os valores que serviram como base de cálculo do ITCMD e do ITIB, se for o caso, mas deve silenciar quanto ao IRGCapital, ou seja, nada deve constar no texto da escritura, salvo se solicitado pelas partes, tendo em vista que em relação aos impostos de transmissão de competência dos Estados e Municípios, o tabelião é responsável tributário, mas nada lhe cumpre em relação ao IRPF incidente sobre ganhos de capital, porventura, auferidos pelas partes alienantes.

Mas, que prazo tem o espólio – contribuinte do IRGCapital nas transmissões “causa mortis” de bens e direitos, para efetuar o recolhimento?

Essa, a questão mais tormentosa do tema, como veremos a seguir.

Na “Lei” instituidora do IRGCapital, nas transmissões “causa mortis”, quando o bem for recebido pelos sucessores por valor superior ao que constava na declaração de bens do “de cujus”, há previsão de que o imposto deverá ser recolhido pelo inventariante até a data de entrega da Declaração Final de Espólio (Lei nº 9.532/1997, artigo 23, § 2º, inciso I).

No “Regulamento” do Imposto de Renda a previsão trazida pela “Lei” é confirmada (RIR/1999, artigo 119, § 5º, inciso I).

No “ato administrativo” de iniciativa do Secretário da Receita Federal, baixado em 2001, a “Lei” e o “Regulamento” são respeitados, de tal sorte que, o prazo fixado para recolhimento do IRGCapital se encontra com o prazo para entrega da Declaração Final de Espólio (IN-SRF nº 84/2001, artigo 30, § 3º, inciso III).

Mas, no “ato administrativo”, também, de iniciativa do Secretário da Receita Federal, baixado em 2008, sem que tivesse havido prévia alteração legislativa e regulamentar, o prazo é modificado para que o imposto seja recolhido pelo inventariante em até 30 dias da data do trânsito em julgado da decisão judicial da partilha, sobrepartilha ou adjudicação ou lavratura da escritura pública(IN-RFB nº 897/2008, que deu nova redação ao § 5º, do artigo 10 da IN-SRF nº 81/2001).

Ademais, a pretensão administrativa do órgão fazendário da União (ilegal a nosso ver), é confirmada pela Questão nº 107 do trabalho intitulado “Perguntas e Respostas IRPF 2015”, disponível no sitio da Receita Federal do Brasil na Rede Mundial de Computadores no endereço:

http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/perguntao/Irpf2015/PerguntaseRespostasIRPF2015.pdf

Como a vontade da autoridade administrativa não pode se sobrepor à letra da lei, pena de violação ao princípio constitucional tributário da legalidade, não nos restam dúvidas que o recolhimento do imposto incidente sobre ganhos de capital, porventura, auferidos na transmissão “causa mortis” de bens e direitos, vai até o limite do prazo fixado para entrega da Declaração Final do Espólio.

O problema é que ao efetuar o recolhimento depois de transcorridos os 30 dias da data da lavratura da escritura pública, o contribuinte será chamado a recolher os acréscimos moratórios, o que poderá ser afastado caso busque a guarida do Poder Judiciário e impetre a ordem mandamental com vistas à obtenção do direito previsto no inciso LXIX, do artigo 5º da Lei Maior.

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*O autor é advogado, professor de Direito Tributário em cursos de pós-graduação, coeditor do INR – Informativo Notarial e Registral e coordenador da Consultoria INR. É, ainda, diretor do Grupo SERAC.

Fonte: INR Publicações  | 13/11/2015.

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