Pedido de Providências – Registro de Imóveis – Alegada infração ao dever funcional do registrador, consistente em exigir prova da quitação tributária ou de pedido de não incidência de imposto antes da prática do ato registral – Imposto sobre transmissão de bens imóveis – ITBI – Imóveis objeto de compromisso de compra e venda quitado – Cisão empresarial – Questão tributária a ser dirimida na esfera jurisdicional – Exame de qualificação realizado pelo Oficial no exercício de sua atividade jurídica e segundo sua independência funcional – Qualificação registrária, ainda que incorreta, não é o quanto basta para configuração de infração disciplinar – Ausência de culpa ou dolo do Oficial, não estando configurada hipótese de qualificação que fuja à normalidade, ou que seja desprovida de fundamento jurídico – Arquivamento do feito pela Juíza Corregedora Permanente – Normatização da matéria que não se mostra conveniente, diante das peculiaridades da matéria tributária versada nos autos – Recurso não provido.


Número do processo: 0052991-85.2016.8.26.0100

Ano do processo: 2016

Número do parecer: 133

Ano do parecer: 2018

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 0052991-85.2016.8.26.0100

(E-133/2018)

Pedido de Providências – Registro de Imóveis – Alegada infração ao dever funcional do registrador, consistente em exigir prova da quitação tributária ou de pedido de não incidência de imposto antes da prática do ato registral – Imposto sobre transmissão de bens imóveis – ITBI – Imóveis objeto de compromisso de compra e venda quitado – Cisão empresarial – Questão tributária a ser dirimida na esfera jurisdicional – Exame de qualificação realizado pelo Oficial no exercício de sua atividade jurídica e segundo sua independência funcional – Qualificação registrária, ainda que incorreta, não é o quanto basta para configuração de infração disciplinar – Ausência de culpa ou dolo do Oficial, não estando configurada hipótese de qualificação que fuja à normalidade, ou que seja desprovida de fundamento jurídico – Arquivamento do feito pela Juíza Corregedora Permanente – Normatização da matéria que não se mostra conveniente, diante das peculiaridades da matéria tributária versada nos autos – Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça

Inconformado com a r. sentença[1] que desacolheu seu pedido, o Município de São Paulo interpôs o presente recurso[2] objetivando a determinação de abertura de procedimento disciplinar contra o Oficial do 10° Cartório de Registro de Imóveis da Capital, em virtude da prática de atos registrais sem a devida apuração do recolhimento de ITBI ou de pedido administrativo de não incidência de imposto na transmissão imobiliária decorrente de cisão de pessoa jurídica. Alega, em síntese, que ao Oficial incumbe fiscalizar o devido recolhimento de tributos referentes às operações registradas, tal como no caso dos autos, em que houve transmissão de direitos reais sobre imóveis, por ato oneroso, decorrente da cisão da empresa DUETO PARTICIPAÇÕES LTDA. e consequente incorporação de seu patrimônio pela empresa H.Y.T.S.P.E. EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA. Sustenta que, a despeito da existência de anterior contrato de compromisso de compra e venda dos imóveis, não houve efetiva transferência da propriedade ao BANCO OURINVEST S/A., razão pela qual a justificativa apresentada pelo Oficial não pode ser aceita. Por fim, aduz que a hipótese não configura mera alteração de denominação da empresa, sendo de rigor a apuração dos fatos na esfera correcional.

Determinado o processamento do recurso[3], a Procuradoria Geral de Justiça, com o envio dos autos a esta E. CGJ, opinou por seu não provimento[4].

É o relatório.

Opino.

Inicialmente, importa observar que o recurso foi impropriamente denominado apelação, pois a hipótese em análise não se refere a procedimento de dúvida, restrito aos atos de registro em sentido estrito. Em verdade, versam os autos sobre suposta irregularidade da conduta adotada pelo Oficial do 10° Cartório de Registro de Imóveis da Capital, em virtude da prática de atos registrais sem a devida apuração do recolhimento de ITBI ou de pedido administrativo de não incidência de imposto na transmissão imobiliária decorrente de cisão de pessoa jurídica. Daí porque, tendo o interessado manifestado seu inconformismo contra a r. decisão proferida no âmbito administrativo pela MMª Juíza Corregedora Permanente da serventia extrajudicial, a apelação interposta deve ser recebida como recurso administrativo, na forma do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo[5].

A controvérsia instaurada nos autos diz respeito à suposta infração ao dever funcional do registrador, consistente em exigir a prova da quitação tributária ou de pedido administrativo de não incidência de imposto antes da prática do ato registral, como determinam o art. 289 da Lei n.° 6.015/73 e o art. 30, inciso XI, da Lei n.° 8.935/94.

É sabido que compete ao oficial registrador promover a qualificação do título a ser registrado, analisando sua regularidade formal. Deve, ademais, fiscalizar a existência da arrecadação do imposto previsto para a espécie e a oportunidade em que foi efetuado o pagamento, sob pena de responsabilização pessoal. A regularidade do montante recolhido, desde que não seja flagrantemente equivocado, extrapola sua função.

No caso concreto, porém, a falha apontada pelo recorrente envolve questão de direito material, na medida em que depende do exame substancial da exigibilidade do ITBI por parte do órgão fazendário competente.

Ocorre que não cabe ao Oficial Registrador aferir, no juízo de qualificação, e tampouco ao Poder Judiciário, na seara administrativa, resolver a questão tributária posta em debate. Tal como elucidado em precioso parecer da lavra do Ilustre Juiz Assessor da Corregedoria, José Marcelo Tossi Silva:

“(…) os serviços de registro são exercidos por profissionais do direito (artigo 3º da Lei n° 8.935/94), mediante delegação pessoal, em caráter privado (artigo 236 da Constituição Federal).

Diante disso, ao promover a qualificação dos títulos que lhe são apresentados os oficiais de registro imobiliário exercem atividade jurídica, com a liberdade inerente ao exercício da atividade delegada (…).

José Maria Chico Y Ortiz, in Estudos sobre Derecho Hipotecário, 4ª ed., Madrid: Marcial Ponss Tomo l, 2000, p. 528, diz sobre a qualificação que:

“Doctrinal y legalmente se da como necesaria la función calificadora para que a su través se puede cumprir el principio de legalidad. De esta forma se llega a Ia calificaeión registrai como uma de las manifestaciones dei principio de legalidad”.

Disso não se afasta Afrânio de Carvalho, in Registro de Imóveis, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 276, para quem:

“A apresentação do titulo e a sua prenotação no protocolo marcam o início do processo do registro, que prossegue com o exame de sua legalidade, que incumbe ao registrador empreender para verificar se pode ou não ser inscrito. A inscrição não é, portanto, automática, mas seletiva, porque depende da verificação prévia de estar o título em ordem. Além de a qualificação do título constituir um dever de ofício, o registrador tem interesse em efetuá-la com cuidado, porquanto, se lançar uma inscrição ilegal, fica sujeito à responsabilidade civil”.

A qualificação registral, pois, relaciona-se com o exame de legalidade da inscrição pretendida, ou seja, em verificar se o registro de determinado título poderá ser promovido em conformidade com a legislação pertinente.

Dada sua importância e efeitos, foi o exame de qualificação registral objeto de recentes discussões realizadas no XVI Congresso Internacional de Direito Registral, promovido entre 20 e 22 de março de 2008 na Cidade de Valência, Espanha, em que foi apresentada seguinte conclusão que, apesar das diferenças legislativas, convém, por sua clareza, transcrever:

“La calificación por el Registrador de La Propriedad, Mercantil, de Bienes Muebles y demás jurídicos, de los actos o contratos (tanto em suas aspectos formates como sustantivos), presentados para inscripción em el Registro de La Propriedad, consiste em enjuiciar si tales títulos reúnem o no los requisitos exigidos por el ordenamiento jurídico para su validez y para su eficácia frente a terceros con la finalidade de que solo tengan acceso, y por tanto recihan la protección dei sistema inmobiliario registrai, los títulos válidos y perfectos.

En um sistema en el que los asientos registrales se presumen exactos, o concordantes con la realidad jurídica, y en el que la inscripción dota de efectos frente a terceros de aqaello que publica el Registro, resulta imprescindible Ia realización de un juicio por parte de un jurista, independiente de las partes que han otorgado el documento y de qu ienes lo han autorizado, en quien el Estado delega esa competencia, que examine ia corrección técnica de los títulos que pretenden acceder al Registro.

Mediante la calificación, os títulos defectuosos son rechazados dei Registro, bien de manera definitiva, bien con caráter provisional o suspensivo; y si se juzgan válidos, el registrador va a proceder Ia inscripción de sua contenido queteuga transcedencia real. La califícación de la validez de los títulos inscribibles es la función principal dei registrador y es usa función técnico-jurídica intelectual e imparcial” (Conclusiones Del XVI Congreso Internacional de Derecho Registrai, Registradores de España, n° 45, Jul.-Ag. 2008, p.15)[6].

A conduta adotada pelo Oficial do 10° Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo não contraria o procedimento de registro previsto na legislação pertinente, motivo pelo qual não enseja a adoção de providências tendentes à apuração de falta disciplinar.

Com efeito, ao promover o exame de qualificação a partir dos aspectos extrínsecos do título, mediante o exercício de atividade jurídica que é própria da atividade delegada que exerce, nada mais fez o registrador que dar a interpretação que mais lhe parecia conveniente ao ato jurídico praticado pela parte interessada. Considerando, portanto, que a titular de domínio, compromissária vendedora dos imóveis, deixou de existir em decorrência de cisão societária, correta a anotação na matrícula dos imóveis a respeito desse fato. E se, na prática do ato, entendeu o registrador que não houve transferência de patrimônio de uma empresa a outra, pois referidos imóveis sequer constaram da relação patrimonial das pessoas jurídicas envolvidas na operação societária em questão, não se mostra configurada qualquer infração disciplinar.

A complexidade do enquadramento jurídico da operação econômica intencionada pela interessada, as dificuldades objetivas para definir e categorizar o ato de cisão empresarial como fato gerador do imposto de transmissão de imóveis, assim como a inexistência de precedentes específicos desta E. Corregedoria Geral de Justiça sobre o assunto e a transparência com que se conduziu o registrador demonstram a razoabilidade da qualificação registral havida na hipótese em análise.

Ainda que o crédito tributário venha a ser reconhecido, em ação própria, a favor da municipalidade, é possível admitir como razoável a interpretação dada pelo Oficial, respeitada sua independência funcional.

Com isso, não se está a afirmar o dever, ou não, de recolhimento do imposto de transmissão de bens imóveis pelo contribuinte. A matéria já está sendo debatida nos autos da ação ajuizada perante a 5ª Vara da Fazenda Pública (Processo n° 1003342-47.2017.8.26.0053) e lá será decidida. Tampouco cabe a análise, neste feito, de eventual responsabilidade tributária solidária, ou mesmo subsidiária, do registrador, certo que essa questão também deverá ser analisada na esfera jurisdicional, se o caso.

Nesse contexto, inexistindo indícios de dolo ou culpa por parte do registrador, não há que se falar em falta disciplinar ao proceder da maneira aludida. A propósito, cumpre lembrar que “não é qualquer qualificação registrária incorreta que autoriza a punição disciplinar do delegatário. Se fosse assim, dúvidas improcedentes implicariam obrigatoriamente a instauração de processo administrativo contra o Oficial. Compete à Corregedoria, Permanente e Geral, apenas em hipóteses de qualificações que fujam da normalidade, desprovidas de fundamentos jurídicos a embasá-las, punir o registrador por sua atuação[7]“.

Destarte, em que pese a argumentação apresentada pelo recorrente, o presente recurso, salvo melhor juízo, não comporta provimento, devendo prevalecer o arquivamento do pedido de providências determinado pela MMª Juíza Corregedora Permanente.

Por fim, no que diz respeito à sugerida normatização, por esta Corregedoria Geral de Justiça, da matéria relativa ao dever do Oficial Registrador de exigir a comprovação do pagamento do ITBI ou de sua isenção nos casos em que a pessoa jurídica titular de domínio do imóvel compromissado à venda passe por transformações societárias, vale ressaltar que a Constituição Federal atribuiu aos Municípios a competência para instituir o imposto sobre a transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição (art. 156, inciso II, da Constituição Federal). Ou seja, em termos de legislação ordinária, o ITBI tem legislação própria em cada Município.

Por outro lado, a competência tributária para instituição do ITBI fica delimitada por algumas imunidades específicas. Entre elas, aquela contida no art. 156, §2°, inciso I, da Constituição Federal, que assim dispõe:

“I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;”

Como se vê, a competência tributária dos Municípios deve ser compreendida à luz de suas limitações constitucionais, com a análise, caso a caso, da não ocorrência de situação que afaste a norma imunizante utilizada pelos Municípios para lançar o imposto, inclusive por intermédio de ação judicial, tal como ocorre no caso dos autos.

Neste caminhar, não se vislumbra a conveniência de edição de norma de caráter geral a regular a matéria por esta E. Corregedoria Geral da Justiça, sendo mais adequado, salvo melhor juízo, respeitar a independência funcional dos registradores na qualificação dos títulos que lhe são apresentados, segundo a hipótese concreta e em consonância com a lei municipal local, tudo sob o crivo da atuação do Juiz Corregedor Permanente quando necessário.

Nesses termos, o parecer que submeto à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido de negar provimento ao recurso administrativo interposto.

Sub censura.

São Paulo, 27 de março de 2018.

STEFANIA COSTA AMORIM REQUENA

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer da MM. Juíza Assessora da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso administrativo. Publique-se. São Paulo, 28 de março de 2018. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça – Advogados: BIANKA ZLOCCOWICK BORNER DE OLIVEIRA, OAB/SP 352.959 e JANSEN FRANCISCO MARTIN ARROYO, OAB/SP 210.922.

Diário da Justiça Eletrônico de 09.04.2018

Decisão reproduzida na página 061 do Classificador II – 2018


Notas:

[1] Fls. 1684/1692.

[2] Fls. 1712/1720.

[3] Fls. 1722.

[4] Fls. 1731/1734.

[5] Artigo 246 – De todos os atos e decisões dos Juízes Corregedores Permanentes, sobre matéria administrativa ou disciplinar, caberá recurso voluntário para o Corregedor Geral da Justiça, interposto no prazo de 15 (quinze) dias, por petição fundamentada, contendo as razões do pedido de reforma da decisão.

[6] CGJ/SP: 117.666/2008 Autor(es) do Parecer: José Marcelo Tossi Silva; Corregedor: Antônio Carlos Munhoz Soares; Data da Decisão: 08/04/2010; Data do Parecer: 07/04/2010.

[7] CGJSP Processo: 177.385/2016. Autor(es) do Parecer: Carlos Henrique André Lisboa. Corregedor: Manoel de Queiroz Pereira Calças. Data da Decisão: 01/11/2016. Data do Parecer: 25/10/2016.


Fonte: INR Publicações

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Recurso de Revista interposto na vigência da Lei nº 13.015/2014 – Cartório extrajudicial – Transferência de titularidade – Ausência de prestação de serviços ao novo titular – Sucessão trabalhista não configurada – Na hipótese, o Tribunal Regional registra ser incontroverso que o reclamante prestou serviços ao cartório até o término da delegação interina do Sr. Gerson Francisco Olegário da Costa, sendo dispensado no dia 7/7/2015, ou seja, um dia antes da assunção da delegação do novo titular, ora recorrente – A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que o reconhecimento de sucessão trabalhista, em se tratando de cartório extrajudicial, pressupõe a continuidade da prestação de serviços em favor do novo titular, o que não ocorreu na espécie – Assim, o entendimento do Tribunal Regional encontra-se em dissonância com a jurisprudência desta Corte – Precedentes da SBDI-1/TST – Recurso de revista conhecido e provido.


A C Ó R D Ã O – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

(1ª Turma)

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AO NOVO TITULAR. SUCESSÃO TRABALHISTA NÃO CONFIGURADA.

Na hipótese, o Tribunal Regional registra ser incontroverso que o reclamante prestou serviços ao cartório até o término da delegação interina do Sr. Gerson Francisco Olegário da Costa, sendo dispensado no dia 7/7/2015, ou seja, um dia antes da assunção da delegação do novo titular, ora recorrente. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que o reconhecimento de sucessão trabalhista, em se tratando de cartório extrajudicial, pressupõe a continuidade da prestação de serviços em favor do novo titular, o que não ocorreu na espécie. Assim, o entendimento do Tribunal Regional encontra-se em dissonância com a jurisprudência desta Corte. Precedentes da SBDI-1/TST.

Recurso de revista conhecido e provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-1818-87.2015.5.02.0031, em que é Recorrente ANDERSON HENRIQUE TEIXEIRA NOGUEIRA e são Recorridos FERNANDO RAMOS e 2° TABELIÃO DE NOTAS.

O Tribunal Regional da 2ª Região, mediante acórdão às fls. 351-360, complementado às fls. 398-399, na fração de interesse, negou provimento ao recurso ordinário interposto pelo reclamado no tocante ao tópico “Da ausência de sucessão”.

O reclamado interpõe recurso de revista, às fls. 403-447, com amparo no art. 896, “a” e “c”, da CLT, admitido às fls. 512-516.

O recorrido-reclamante apresentou contrarrazões ao recurso de revista às fls. 518-529.

Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do art. 95, § 2º, II, do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho.

É o relatório.

V O T O

1. CONHECIMENTO

O recurso de revista é tempestivo (fls. 400 e 403), tem representação regular (fl. 91) e está satisfeito o preparo (fls. 330, 331 e 510).

Atendidos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, passa-se ao exame dos intrínsecos do recurso de revista.

1.1. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

Deixo de analisar a nulidade do acórdão do Tribunal Regional por negativa de prestação jurisdicional com fundamento no art. 282, § 2º, do NCPC.

NÃO CONHEÇO.

1.2. CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AO NOVO TITULAR. SUCESSÃO TRABALHISTA

O Tribunal Regional, na fração de interesse, negou provimento ao recurso ordinário interposto pelo reclamado, aos seguintes fundamentos:

Da ausência de sucessão

Insurge-se o recorrente em face da r. sentença de origem que, reconhecendo a ocorrência de sucessão trabalhista, condenou o reclamado ao pagamento das verbas rescisórias descritas à fl.238, verso.

Sem razão o inconformismo do recorrente.

Com a promulgação da CRFB de 1988, os serviços notariais e de registro passaram a ser exercidos em caráter privado, mediante delegação do Poder Público, como se extrai do artigo 236 da Carta Magna:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em  caráter privado, por delegação do Poder Público.

§ 1° – Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

§ 2° – Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

§ 3º – O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

Por outro lado, a Lei n° 8.935/1994, que regulamenta o artigo 236 da CRFB/88, estabelece que o ingresso na atividade notarial e de registro resulta de ato administrativo complexo, tornando-se perfeito com a delegação do Poder Público, observados os requisitos dos artigos 14 e 15, ora trazidos à colação:

Art. 14. A delegação para o exercício da atividade notarial e de  registro depende dos seguintes requisitos:

I – habilitação em concurso público de provas e títulos;

II – nacionalidade brasileira;

III – Capacidade civil;

IV – quitação com as obrigações eleitorais e militares;

V – diploma de bacharel em direito;

VI – verificação de conduta condigna para o exercício da profissão.

Art. 15. Os concursos serão realizados pelo Poder Judiciário, com a participação, em todas as suas fases, da Ordem dos Advogados do Brasil, do. Ministério Público, de um notário e de um registrador.

§ 1° O concurso será aberto com a publicação de edital, dele constando os critérios de desempate.

§ 2° Ao concurso público poderão concorrer candidatos não bacharéis em direito que tenham completado, até a data da primeira publicação do edital do concurso de provas e títulos, dez anos de exercício em serviço notarial ou de registro.

Neste passo, cumpre, portanto, analisar se a alteração na titularidade do cartório caracteriza sucessão por si só, independentemente da prestação de serviço ao novo oficial, tema objeto de cizânia jurisprudencial e doutrinária.

Pois bem.

Malgrado a natureza peculiar dos serviços notarias e de registro exercidos por delegação do Poder Público, os princípios justrabalhistas somados às disposições dos artigos 10 e 448 da CLT conduzem à ilação de que é possível, sim, o reconhecimento da sucessão quando da mudança da titularidade do tabelionato, tendo em vista que o novo titular assume o risco, a administração e a gerência do serviço que lhe é delegado em caráter privado.

Destarte, a transferência da unidade econômico-jurídica, que integra o estabelecimento, caracteriza a sucessão trabalhista, restando, pois, resguardados direitos porventura sonegados no curso do pacto laboral daqueles empregados que certamente contribuíram para a apuração do resultado positivo, bem como ao sucesso da atividade econômica.

Nada obstante o recorrente alegue que os notários não praticam atos negociais e que atuam por delegação do Poder Público, não há como negar que os serviços notariais e de registro possuem nítida feição econômica, pois, embora sejam outorgados pelo Estado a um particular, este último exerce a atividade notarial com finalidade lucrativa e, dessa forma, equipara-se a qualquer outro empregador.

O fato de o particular receber a delegação mediante prévia aprovação em concurso público de provas e título não altera a conclusãb acima. Importante, pontuar que o grande interesse dos candidatos em relação aos serviços notariais e de registro se dá, em grande parte, pela rentabilidade financeira auferida pelos respectivos cartórios. É irrelevante, assim, o modo pelo qual se deu a transferência de titularidade, ou seja, a alteração subjetiva patronal.

Ainda que assim não fosse, o documento de fl.23 comprova que o reclamante foi contratado e registrado pelo 2° Tabelião de Notas de São Paulo, razão pela qual o autor, inclusive, o nomeou como parte reclamada na peça de estreia, por ser o empregador e parte legítima para responder às pretensões do demandante, independentemente do serventuário titular do cartório, especialmente porque é este quem detém capacidade econômica para suportar os custos trabalhistas.

Outrossim, o reclamante prestou serviços ao cartório até o término da delegação, aliás interina, do Sr. Gerson Francisco Olegário da Costa (informação da defesa fl-98 – responsável interino), sendo, incontroversamente, dispensado, pelo procurador do recorrente, no dia 07/07/2015, ou seja, um dia antes da assunção da delegação pelo Sr. Anderson.

Logo, considerando-se as disposições do artigo 487 do Texto Consolidado, somadas ao parágrafo único do artigo 1° da lei 12.506/2011, o reclamante teria direito a, pelo menos, 75 dias de aviso prévio indenizado o que redundaria em término do contrato de trabalho em, aproximadamente, 21 de setembro de 2015, ou seja, já sob a administração do novo titular da delegação. Neste sentido, a OJ n° 82 da SBDI-1 do C. TST:

82 Aviso prévio. Baixa na CTPS.

A data de saída a ser anotada na CTPS deve corresponder à do término do prazo do aviso prévio, ainda que indenizado.

Ainda em socorro a estas razões de decidir e sem prejuízo, de respeitáveis posicionamentos em sentido contrário, o artigo 236, §1°, da Constituição Federal, acima transcrito, não eximiu o recém aprovado titular de serviços notariais e de registro de responsabilidades trabalhistas quanto ao pessoal do cartório existente à época em que o mesmo foi investido nas suas funções. Aliás, não sem razão, o constituinte cravou no artigo 32 do ADCT que “o disposto no artigo 236 não se aplica aos serviços notariais e de registro que já tenham sido oficializados pelo Poder Público respeitando-se o direito de seus servidores(grifos não do original).

Sem embargo do reconhecimento de que o escopo do artigo 32 do ADCT fosse o de resguardar direitos de titulares de cartório já em pleno funcionamento quando da promulgação da Lei Maior, investidos em suas funções sem a exigência de concurso público, é correto afirmar que expressamente resguardou os direitos, trabalhistas de seus subordinados, sem qualquer exceção. Ainda que se reconheça que na hipótese vertente o recorrente reclamado tenha se submetido a certame para ingressar em suas funções, não menos correta é a assertiva de que no exercício de autêntico poder potestativo escolheu quem continuaria trabalhando no cartório o quem seria dispensado, dentre os quais o reclamante que nada recebeu por ocasião da rescisão contratual.

Enfim, é assente que o cartório já existia quando da titularidade do reclamado e que este assumiu todos os direitos (e lucros) inerentes à atividade cartorária, e considerando-se, ainda, que a alegada interinidade do responsável anterior por certo seria óbice intransponível à quitação dos direitos trabalhistas do autor pelo antecessor, cabe aqui à inteireza o norte dos artigos 10 e 448 da CLT.

Assim, não merece reparo a decisão a quo que reconheceu a ocorrência de sucessão e condenou o recorrente ao pagamento da verbas rescisórias decorrentes do contrato de trabalho.

Nada a reformar. (grifos apostos)

Nas razões do recurso de revista, o reclamado sustenta, em síntese, que não se há de falar em sucessão trabalhista, uma vez que o autor foi demitido antes da posse da delegação do ora recorrente, ou seja, não ocorreu a continuidade da prestação de serviços do autor ao novo delegatário.

Aponta violação dos artigos 1º, IV, 236, caput, da Constituição Federal; 10 e 448 da CLT; 188, I, 265 do Código Civil; e 3º, 20, 21 e 22 da Lei nº 8.935/1994. Traz arestos.

Examino.

O Tribunal Regional registra ser incontroverso que o reclamante prestou serviços ao cartório até o término da delegação interina do Sr. Gerson Francisco Olegário da Costa, sendo dispensado no dia 7/7/2015, ou seja, um dia antes da assunção da delegação do novo titular, Sr. Anderson Henrique Teixeira Nogueira, ora recorrente.

A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que o reconhecimento de sucessão trabalhista, em se tratando de cartório extrajudicial, pressupõe a continuidade da prestação de serviços em favor do novo titular, o que não ocorreu no presente caso. Assim, não configurada, na hipótese, a sucessão trabalhista.

Nesse sentido, cito precedentes da SBDI-1/TST:

CARTÓRIO. TRANSFERÊNCIA DA TITULARIDADE. SUCESSÃO TRABALHISTA. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AO NOVO TABELIÃO. Em se tratando de serventia cartorial, não há que se falar em sucessão trabalhista, nos moldes dos arts. 10 e 448 da CLT, quando não há a continuidade da relação de emprego com o novo titular do cartório. Embargos conhecidos e desprovidos. (E-ED-RR 191300-69.2007.5.15.0032, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, DEJT 18/09/2015)

CARTÓRIO. SUCESSÃO TRABALHISTA. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AO TITULAR SUCESSOR. Sendo certo que a relação de emprego nos serviços notariais se dá com o titular da serventia, em caso de sucessão na titularidade do cartório somente se reconhece a sucessão trabalhista na hipótese da continuidade da prestação de serviços em favor do novo titular. Com efeito, não caracteriza sucessão trabalhista quando o empregado do titular anterior não prestou serviços ao novo titular do cartório. Recurso de Embargos de que se conhece e a que se dá provimento. (E-RR 76200-16.2004.5.01.0047, Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, DEJT 24/08/2012)

Nesse sentido, também, cito precedente da minha lavra:

RECURSO DE REVISTA. CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. SUCESSÃO. CONTINUIDADE DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. REEXAME DE FATOS E PROVAS. A jurisprudência deste Tribunal Superior orienta-se no sentido de que o reconhecimento de sucessão trabalhista, na hipótese de cartório extrajudicial, pressupõe a continuidade da prestação de serviços em favor do novo titular, o que, segundo o acórdão recorrido, não ocorreu na espécie. Trata-se de quadro fático insuscetível de reexame nesta fase recursal, de natureza extraordinária, a teor da Súmula nº 126 do TST. Recurso de revista de que não se conhece. (RR-80100-18.2011.5.17.0014, Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, 1ª Turma, DEJT 02/12/2016)

Ante o exposto, CONHEÇO do recurso de revista, por violação dos arts. 10 e 448 da CLT.

2. MÉRITO

CARTÓRIO. SUCESSÃO TRABALHISTA. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AO TITULAR SUCESSOR

No mérito, conhecido o recurso de revista por violação dos artigos 10 e 448 da CLT, DOU-LHE PROVIMENTO para julgar improcedentes os pedidos da reclamação trabalhista em relação ao novo titular do Cartório, 2º Tabelião de Notas, Anderson Henrique Teixeira Nogueira. Invertido o ônus da sucumbência. Isento o reclamante das custas processuais por ser beneficiário de justiça gratuita.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista, por violação dos artigos 10 e 448 da CLT, e, no mérito, dar-lhe provimento para julgar improcedentes os pedidos da reclamação trabalhista em relação ao novo titular do Cartório, 2º Tabelião de Notas, Anderson Henrique Teixeira Nogueira. Invertido o ônus da sucumbência, isenta-se o reclamante das custas processuais por ser beneficiário de justiça gratuita.

Brasília, 21 de agosto de 2019.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

WALMIR OLIVEIRA DA COSTA

Ministro Relator – – /

Dados do processo:

TST – Recurso de Revista nº 1818-87.2015.5.02.0031 – São Paulo – 1ª Turma – Rel. Des. Walmir Oliveira da Costa – DJ 22.08.2019

Fonte: INR Publicações

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