2ªVRP/SP: Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN). As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. Impossibilidade de transcrição de casamento celebrado no exterior quando o nubente era casado (bigamia)


Processo 1102466-22.2018.8.26.0100

Espécie: PROCESSO
Número: 1102466-22.2018.8.26.0100

Processo 1102466-22.2018.8.26.0100 – Pedido de Providências – Registro Civil das Pessoas Naturais – A.M. – – V.L.P.M. – Juíza de Direito: Letícia Fraga Benitez VISTOS. Cuidam os autos de pedido de providências formulado por Aparecido de Moraes e Virgínia Luísa Pea de Moraes, alegando óbice imposto pela Senhora Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e d  Interdições e Tutelas do Primeiro Subdistrito – Sé, Capital, quanto à transcrição de casamento estrangeiro realizado no Peru. A ilustre Registradora manifestou-se às fls. 36, esclarecendo os motivos do óbice levantado. O Ministério Público acompanhou o feito e ofertou parecer conclusivo às fls. 64/67, opinando pelo deferimento do pedido inicial. É o breve relatório. Decido. Trata-se de expediente formulado por Aparecido de Moraes e Virgínia Luísa Pea de Moraes, insurgindo-se contra negativa deduzida pela Senhora Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas do Primeiro Subdistrito – Sé, Capital, quanto à pedido de transcrição de casamento realizado no exterior. Consta dos autos que Aparecido de Moraes e Virgínia Luísa Pea de Moraes casaram-se em primeiro de fevereiro de 1986, em Paracas, Peru. A certidão de casamento foi devidamente registrada perante a Embaixada do Brasil em Lima, Peru. Ocorre que o cônjuge varão havia sido casado em primeiras núpcias, no Brasil, com Saturnina Alves do Espírito Santo Lima, em 28 de maio de 1966, separando-se judicialmente em 27 de março de 1985. A conversão da separação em divórcio teve lugar somente em 22 de janeiro de 2015. Assim, no ato do segundo matrimônio, o nubente ainda era casado, nos termos da legislação pátria em vigor à época dos fatos. Os requerentes fundamentam seu pedido de transcrição do matrimônio no artigo 32 da Lei de Registros Públicos, que indica que o casamento de brasileiro realizado no exterior será considerado autêntico, de acordo com os termos do lugar de realização do ato. Ainda, asseveram que a Lei de Introdução às Normas do Direito brasileiro, por seu artigo 7º, vai no mesmo sentido, indicando que é a lei do país estrangeiro, no qual domiciliada a pessoa, que rege as relações de direitos da personalidade e família. Pois bem. De início, esclarece-se que não pretende este Juízo suscitar dúvida quanto à efetiva realização do casamento, posto que tal ponto encontra-se mais do que esclarecido nos autos. O raciocínio aduzido é de outra ordem: quanto à permissão legal de que pessoas separadas judicialmente contraiam novo matrimônio naquele país estrangeiro. No entanto, acaso, como na legislação pátria, a condição de separado judicial seja óbice ao casamento no Peru, o resultado é que o matrimônio foi contraído com infringência a impedimento expresso no Códex peruano. É assim que indica o artigo 241, inserto naquele códice estrangeiro com o título de “Impedimentos Absolutos”: Artículo 241º.- No pueden contraer matrimonio: (…) 5.- Los casados Nesses termos, independemente do ocorrido no estrangeiro – o que não se questiona nos presentes autos -, as núpcias contraídas com inobservância dos impedimentos legais, resultando em bigamia, é ato que não pode ter eficácia em território nacional, posto que ofende à ordem pública e aos bons costumes. É esse o precisado pela Lei de Introdução às Normas do Direito brasileiro: Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. Posto isso, tem-se que a transcrição pretendida, produtora de efeitos jurídicos do casamento estrangeiro em território nacional, não pode ser deferida. Ainda nessa senda, já decidiu este Juízo Corregedor, nos autos do pedido de providências nº 1032904-91.2016.8.26.0100, contrariamente à transcrição de certidão de casamento, cujo regime marital indicado referia poligamia, em patente discordância com o ordenamento jurídico pátrio Diante dos fatos narrados, ressaltando-se o óbice suscitado pela Registradora e respeitosamente discordando, com o devido respeito, do entendimento da ilustre Promotora de Justiça, indefiro a transcrição pretendida, dado seu caráter infringente às normas estabelecidas no direito nacional. Ciência aos interessados, à Senhora Titular e ao Ministério Público, arquivando-se oportunamente. P.I.C. – ADV: SANDRO DA COSTA SANTOS (OAB 161478/SP)

Fonte: DJe/SP de 04/04/2019

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1ªVRP/SP: Diferença entre ORDEM JUDICIAL e TÍTULO JUDICIAL.


PROCESSO 1019039-93.2019

Espécie: PROCESSO
Número: 1019039-93.2019

1019039-93.2019 Pedido de Providências 2º Oficial de Registro de Imóveis da Capital Sentença (fls.33/36): Vistos. Trata-se de pedido de providências formulado pelo Oficial do 2º Registro de Imóveis da Capital, após encaminhamento de ofício pelo Juízo da 3ª Vara da Família e Sucessões do Foro Regional do Jabaquara. Segundo aduz o Oficial, inicialmente foi encaminhado mandado eletrônico de penhora cujo objeto era o imóvel matriculado sob o nº 102.251 na mencionada serventia. O mandado teve qualificação negativa, pois o executado não constava na matrícula como proprietário ou titular de direitos. Informado de tal negativa, o juízo expediu ofício direcionado a esta Corregedoria Permanente para que fosse determinada a inscrição na forma legal. Juntou documentos às fls. 02/25. O Ministério Público opinou às fls. 28/31 pela improcedência do pedido. É o relatório. Decido. Do que consta dos autos, o imóvel matriculado sob nº 102.251 está inscrito em nome de Gafisa S/A (fl. 6). Já o mandado de penhora (fls. 02/03) foi emitido em nome do executado Nelson Antonio de Oliveira. Assim, correta a nota devolutiva apresentada inicialmente pelo Oficial (fl. 05), baseada no princípio da continuidade, previsto nos arts. 195 e 237, da Lei nº 6.015/73: “Art. 195 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.; e Art. 237 – Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro”. Assim, por tal princípio, deve haver um encadeamento entre os registros na matrícula ou transcrição do imóvel, de modo que determinado direito só pode ser alienado ou transferido caso seu titular dele tenha disponibilidade, assim constatado no fólio registral, a evitar que qualquer pessoa transmita a terceiros mais direitos do que possui. Portanto, não poderia o imóvel da Gafisa ser penhorado por dívida de Nelson, até que este constasse como titular de direitos na matrícula. Pois bem. Após tal negativa, a MMª Juíza proferiu a decisão de fl. 07, onde constou: “A penhora do bem não foi levada a efeito pelo 2º Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo, sob a justificativa que o bem não está em nome do executado, mas sim em nome da vendedora Gafisa (fl. 707). Assim, determino seja expedido no Ofício/Certidão de Penhora, nos termos do anterior (fls. 687/9), para o Juiz Corregedor do 2º Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo SP com a informação destacada para que o Oficial de Registro providencie a averbação ou outro ato registral competente, com observação da penhora dos direitos da parte executada à futura aquisição da propriedade do bem alienado fiduciariamente.” (grifos no original). Analisando tal decisão, parece que foi direcionada a esta Corregedoria Permanente, para que determinasse ao Oficial o que de direito para garantir a averbação da penhora. A natureza jurídica de tal decisão, contudo, há de ser analisada. Como se sabe, no direito registral diferencia-se ordem judicial de título judicial. O primeiro se caracteriza pela natureza obrigatória, em que ato jurisdicional de juiz demanda a realização de determinado ato, sob pena de descumprimento, independentemente da verificação de requisitos legais pelo Oficial, salvo excepcionalmente quando houver manifesta incompetência em razão da matéria. Já os títulos judiciais, apesar de sua origem judicial, são passíveis de qualificação, porquanto é pacífico o entendimento jurisprudencial de que a ele cabe a análise formal, das peculiaridades extrínsecas do título, para verificação do cumprimento dos princípios registrais. Nesse sentido: “Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental “ (Ap. Cível nº 31881-0/1) O mandado de penhora caracteriza-se como título judicial, de modo que a negativa exarada pelo Oficial não representou ilegalidade. Por isso, com base na decisão supracitada, não caberia a este juízo corregedor rever tal negativa, se não em procedimento próprio de dúvida ou pedido de providências que, de todo o modo, levaria a manutenção da negativa devido ao princípio da continuidade. Portanto, visto sob este ângulo, não poderia este juízo cumprir com a determinação do juízo da família para que fosse revista a negativa do Oficial. De outro modo, não pode a decisão ser interpretada como ordem judicial, uma vez que direcionada a este juízo, que não se sujeitaria a determinações de outro órgão jurisdicional de mesma hierarquia. Resta, assim, a interpretação de que a decisão seria novo título judicial, condicionado a “cumpra-se” proferido pela Corregedoria Permanente. Todavia, não é possível tal ordem de cumprimento, uma vez que não se coaduna ao princípio da continuidade o ingresso no fólio registral de ordem de penhora onde o executado não consta na matrícula sob qualquer título. Tampouco pode-se aceitar, administrativamente, averbação condicional, nos moldes propostos, em que constaria que eventuais direitos futuros a serem registrados estariam penhorados. Tal averbação inviabilizaria a circulação econômica do bem que, tabularmente, pertence a Gafisa, já que o contrato de fls. 08/21 não produz efeito contra terceiros enquanto não registrado, além de não haver qualquer notícia de alienação fiduciária, como exposto na decisão. Assim, para superação do óbice, deve a escritura ser registrada, voluntariamente ou por decisão judicial, com posterior penhora dos direitos de Nelson, ou a emissão de ordem judicial, pelo juízo da família, direcionado ao próprio Oficial de Registro, em que expressamente seja afastado o princípio da continuidade, permitindo assim a averbação da penhora pelo Oficial com a notícia de que a inscrição se deu por força de decisão judicial, com notificação da proprietária Gafisa, preservando a segurança jurídica esperada dos registros públicos. Se Nelson não realizou o registro do bem em seu nome para fraudar seus credores, apenas o juízo que executa eventual dívida pode reconhecer tal fato, com as inscrições registrarias competentes, não sendo possível a esta Corregedoria determinar a averbação pretendida de modo contrário à Lei 6.015/73. Do exposto, julgo improcedente o presente pedido de providências. Oficie-se a 3ª Vara da Família e Sucessões do Foro Regional III Jabaquara, com referência ao Proc. 1019254-74.2016.8.26.0003, com cópia desta decisão e do parecer de fls. 28/31. Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. São Paulo, 27 de março de 2019. Tania Mara Ahualli Juiz de Direito (CP – 84)

Fonte: DJe/SP de 03/04/2019

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