Apelação Cível nº 1092648-36.2024.8.26.0100
Espécie: APELAÇÃO
Número: 1092648-36.2024.8.26.0100
Comarca: CAPITAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação Cível nº 1092648-36.2024.8.26.0100
Registro: 2024.0001252680
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1092648-36.2024.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante COOP INDUSTRIAL E COMERCIAL LIMITADA, é apelado 12º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação e, afastando as exigências, julgaram improcedente a dúvida e, por conseguinte, determinaram o registro do título de fls. 17-25, do instrumento particular objeto do pacto locatício, prenotado sob o n.º 657534, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), ADEMIR BENEDITO E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 16 de dezembro de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1092648-36.2024.8.26.0100
APELANTE: Coop Industrial e Comercial Limitada
APELADO: 12º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital
VOTO Nº 43.658
Direito registral – Locação de imóvel urbano – Cláusula de vigência e preempção – Dúvida registral – Inscrição negada – Recurso provido.
I. Caso em exame.
1. Suscitada/locatária alega a registrabilidade do pacto locatício, irresignada com as exigências relacionadas à especialidade subjetiva. Argumenta contra a necessidade de exibição de documentos adicionais. Sustenta a prescindibilidade das cópias autenticadas dos CPFs e dos RGs dos locadores e da integração da qualificação, para constar profissão, estado civil deles e, conforme o caso, o regime de bens. Afirma que o título deve ser averbado, e não registrado. 2. Inconformada com a sentença, que, na realidade, a despeito da nomenclatura utilizada (parcial procedência), julgou a dúvida procedente, interpôs apelação.
II. Questões em discussão.
3. Natureza do ato de registro requerido. 4. Eficácia da inscrição e a sua repercussão sobre a amplitude do juízo de qualificação registral e, em especial, o controle da especialidade subjetiva.
III. Razões de decidir.
5. O título, consignando cláusula especial de vigência, comporta registro em sentido estrito, não se justificando a prática de dois atos registrais, nada obstante passível de averbação a preempção, quando prevista isoladamente. 6. Competência do Conselho Superior da Magistratura. 7. Afastamento das exigências, excessivas, em atenção aos efeitos da publicidade registral, à eficácia da inscrição, que, in casu, não importa constituição, mutação de direito real nem regularização da cadeia dominial, e à falta de controvérsia a respeito da correspondência existente entre os locadores e os proprietários do imóvel. 8. As imperfeições e omissões apontadas não impedem o registro. 9. Ausência de prejuízo à continuidade registral e à segurança jurídica. 10. Flexibilização pontual da especialidade subjetiva, autorizada à vista do caráter instrumental do registro, de seu escopo e do princípio da proporcionalidade. O que se perde com a recusa é de maior relevo do que aquilo que se obteria com as exigências feitas.
IV. Dispositivo.
11. Recurso provido. 12. Dúvida improcedente, registro determinado. Legislação citada: Lei n.º 6.015/1973, arts. 167, I, 3, e II, 16; art. 176, § 1.º, III, 2), a); Lei n.º 8.245/1991, art. 8.º, caput; art. 33, caput; art. 81; NSCGJ, item 61, subitem 61.3 e item 76, todos do Capítulo XX, tomo II. Jurisprudência citada: TJSP, CSM, Apelação n.º 0018645-08.2012.8.26.0114, rel. Des. Renato Nalini, j. 26.9.2013; TJSP, CGJ, Parecer n.º 206/2013-E.
O Oficial, ao suscitar a dúvida, escorou-se no princípio da especialidade subjetiva, reportando-se à incompleta qualificação dos locadores, reiterando as exigências lançadas na nota devolutiva de fls. 7, para assim justificar o juízo de desqualificação registral que recaiu sobre o instrumento particular por meio do qual formalizada a locação do bem imóvel objeto da matrícula n.º 123.463 do 12.º RI desta Capital (fls. 1-3).
A suscitada/locatária, ao expressar sua irresignação, ao requerer a suscitação de dúvida e, depois, ao impugná-la, sustentou a impertinência das condicionantes, a desnecessidade da apresentação de cópias autenticadas de cédulas de identidade e dos CPFs dos locadores e, ainda, da complementação da qualificação deles, todos identificados na matrícula do bem locado; no mais, afirmou que o título é passível de averbação, e não de registro (fls. 13-16 e 42-44).
A r. sentença de fls. 51-55 julgou a dúvida parcialmente procedente: afastou a exigência de apresentação de cópias autenticadas das cédulas de identidade dos locadores, confirmou a de exibição dos CPFs, exceto do referente ao locador Lucas de Antônio Manzano, e, no mais, reconheceu a indispensabilidade da alusão ao estado civil e à profissão dos locadores, com identificação dos cônjuges, se casados.
Inconformada, a suscitada, agora recorrente, interpôs a apelação de fls. 61-65: após reafirmar que o título comporta averbação, e não registro em sentido estrito, tornou a alegar a inexistência de dúvidas a respeito da qualificação dos locadores, o descabimento das exigências pendentes e, portanto, a requerer o julgamento improcedente da dúvida.
A d. Procuradoria-Geral de Justiça, em seu parecer de fls. 82-84, opinou pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
1. A dúvida, ao confirmar a desqualificação registral, foi, na realidade, julgada procedente, apesar da terminologia empregada na r. sentença de fls. 51-55. Sempre que conhecida, ou é procedente ou improcedente, jamais parcialmente procedente: a requalificação do título ou importa a ratificação do juízo negativo, e aí a dúvida procede, mesmo se afastada uma ou outra exigência, ou implica o afastamento de todos os óbices e, consequentemente, a dúvida improcede.
2. A suscitada/locatária, ora recorrente, com a inscrição do instrumento particular de fls. 17/25, correspondente ao pacto locatício que tem por objeto o bem imóvel identificado na matrícula n.º 123.463 do 12.º RI desta Capital, pretende atribuir eficácia erga omnes à cláusula de vigência e ao pacto de preempção, previstos na cláusula sexta (fls. 20).
A cláusula de vigência, importando exceção ao axioma emptio tollit locatum, à máxima a venda rompe a locação (dependente, de todo modo, de denúncia contratual), excepcionando, particularmente, o princípio da relatividade dos efeitos contratuais, permitindo, assim, que o contrato subsista ao negócio dispositivo, é, assinala Orlando Gomes, “uma limitação convencional à propriedade”.[1]
Também denominada cláusula de respeito, trata-se de direito pessoal com eficácia real; uma obrigação com eficácia real, caso, convencionada em locação por tempo determinado, inscrito o contrato na matrícula do bem locado. A esse respeito, calha realçar, há precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça relevando pontualmente a ausência de registro, se do conhecimento do adquirente a locação.[2]
Na mesma linha, o direito de preferência, que é pessoal (personalíssimo), tem eficácia real, caso inscrito o pacto locatício, isto é, adquire, no âmbito da locação, distingue Sylvio Capanema de Souza, “um caráter real, ao se assegurar ao locatário a adjudicação compulsória do imóvel, na hipótese de desrespeito ao seu direito.”[3]
Enfim, a inscrição requerida é, em conformidade com o escólio de Antônio Junqueira de Azevedo, fator de atribuição de eficácia mais extensa, necessária à plena oponibilidade da cláusula de vigência e do direito de preferência, à ampliação do campo de atuação de ambos, à produção de efeitos em relação a terceiros, então os visados efeitos erga omnes.[4]
3. O título, considerado apenas o direito de preferência, a garantia de seu exercício contra terceiros, estaria sujeito a averbação, à luz dos arts. 167, II, 16, da Lei n.º 6.015/1973[5], e 33, caput, da Lei n.º 8.245/1991[6]. No entanto, depende de registro em sentido estrito, para conferir efeitos reais à cláusula de vigência, à vista do que dispõe o art. 167, I, 3, da Lei n.º 6.015/1973.[7]
Embora o art. 8.º, caput, da Lei n.º 8.245/1991, ao tratar da cláusula de vigência e de sua oponibilidade a terceiros adquirentes, faça alusão à averbação[8], prevalece, aqui, em cotejo com o cronológico, o critério da especialidade, mais forte in concreto[9], portanto, prepondera a regra da Lei de Registros Públicos, a expressa no art. 167, I, 3, da Lei nº 6.015/1973.
Aliás, a Lei n.º 8.245/1991, em seu art. 81, ao introduzir alterações na Lei de Registros Públicos, assim dispôs:
Art. 81. O inciso II do art. 167 e o art. 169 da Lei n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973, passam a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 167. (…)
II – (…)
16) do contrato de locação, para os fins de exercício de direito de preferência.”
“Art. 169. (…)
III – o registro previsto no n.° 3 do inciso I do art. 167, e a averbação prevista no n.° 16 do inciso II do art. 167 serão efetuados no cartório onde o imóvel esteja matriculado (…)” (grifei)
Ou seja, ao prever a averbação do pacto locatício, para resguardar o exercício da preempção, preservou o texto do art. 167, I, 3, da Lei n.º 6.015/1973, ao qual se reportou expressamente, que trata do registro do contrato de locação, para fins de oponibilidade da cláusula de vigência, em suma, não o revogou. Houve, logo, sob essa ótica, inferese, mero equívoco terminológico, na redação do art. 8.º, caput, da Lei de Locações.
A posterior revogação do inc. III do art. 169 da Lei n.º 6.015/1973, mais de trinta anos depois, pela Lei n.º 14.382/2022, é, aqui, irrelevante. Não afeta a solução dada à antinomia (mais aparente do que real), que, de mais a mais, resguarda a racionalidade, a coerência lógica, jurídico-sistemática da ordem jurídica, já que o art. 576, § 1.º, do CC, ao regular hipótese símile, relacionada à locação de coisas e à vinculação do adquirente à cláusula de vigência, previu o registro do contrato, e não a sua averbação.[10]
Agora, para assegurar eficácia real tanto à cláusula de vigência como ao direito de preferência, é injustificável a prática de dois atos registrais (registro e averbação, respectivamente): basta o registro.
A averbação, assim, fica restrita às situações nas quais se busca apenas atribuir efeitos erga omnes à preempção. Nessa linha, há precedente deste C. Conselho Superior da Magistratura[11] e da E. Corregedoria Geral da Justiça.[12] No mesmo sentido, o entendimento de Kioitsi Chicuta.[13]
Sob essa lógica, por conseguinte, a recorrente não tem razão, ao argumentar que o título qualificado é passível de averbação, hipótese que, admitida fosse, levaria o exame do recurso à Corregedoria Geral da Justiça. Versando o dissenso sobre registro em sentido estrito, compete ao Conselho Superior da Magistratura de São Paulo julgar a apelação (art. 64, VI, do Decreto-lei Estadual n.º 3/1969, e arts. 16, IV, e 184, II, b, do Regimento Interno do TJSP), que, por sua vez, comporta provimento.
4. A publicidade registral buscada, inscrição necessária, fator de oponibilidade, atuante sobre a extensão da eficácia da cláusula de vigência e do direito de preferência, previstos em cláusula especial, adjeta, limitativa do direito de propriedade, qualifica-se como constitutiva, tem efeito constitutivo. Nada obstante, não é constitutiva de direito real, não importa mutação jurídico-real. Por outro lado, não é direcionada à preservação da cadeia de titulares, à regularização de situação jurídicoreal previamente configurada, ou à divulgação de ameaças que recaem sobre direitos inscritos, vale dizer, não se trata de inscrição declarativa.
A inscrição declarativa, discorre Afrânio de Carvalho, “apenas divulga direitos que ganharam existência antes dela ou riscos que pendam sobre direitos inscritos, ocupando, no primeiro caso, os interstícios deixados no livro pela inscrição constitutiva, a fim de completar coerentemente a sequência de titulares, e apondo-se, no segundo, a inscrição preexistente no propósito de advertir sobre a pendência de pretensão a ela adversa. …” [14] Nessa linha, desdobra-se em duas, a integrativa de registro e a preventiva.[15]
In concreto, valorado o dissenso registral, que gravita em torno da especialidade subjetiva, toma em conta a incompletude da qualificação dos proprietários/locadores, os efeitos da inscrição requerida devem ser especialmente ponderados, no caso, são determinantes para o afastamento das exigências formuladas pelo Oficial. Oportunos, sobre o tema, os comentários de Ricardo Dip:
A diversidade de efeitos das inscrições prediais – eficácias constitutiva, declarativa e de mera notícia –, consoante a pluralidade dos direitos positivos, faz variar a amplitude e, de conseguinte, a importância da qualificação registral …
Para o exame dos supostos epistêmicos e dos limites da qualificação registral, é preciso resignar-se a uma tantas particularizações, que se põem sobretudo em consequência do papel que a ordem normativa confere à inscrição predial, porque, ut in pluribus, a qualificação (repita-se) varia consoante as leis de regência prevejam inscrições com preponderante caráter constitutivo, declarativo, de mera notícia, convalidante ou não; … [16]
5. A qualificação dos locadores, proprietários do bem imóvel locado, apresenta-se, evidentemente, falha e incompleta. Não há nenhuma informação a respeito da profissão e do estado civil deles, seja na matrícula, seja no título levado a registro. Embora coincidentes, no registro e no pacto locatício, os números dos RGs, consta, da matrícula, que três dos quatro locadores estão inscritos como dependentes nos CPFs de seus genitores: Marcelo Antônio Manzano de Almeida, no da mãe Maura Maria Favali Manzano; Lucas de Antônio Manzano e Renata de Oliveira Manzano, no do genitor Rogério Favali Manzano (fls. 8-12, r. 4, e 35-36).
À época da doação, da incorporação do bem imóvel ao patrimônio dos locadores, ocorrida quando todos eram menores, apenas Felipe Gabriel Manzano de Almeida estava inscrito no CPF (Cadastro de Pessoas Físicas), então sob o número 303.574.958-29, dado qualificativo lançado na matrícula e no instrumento particular objeto do contrato de locação (fls. 8-12, r.4, 17-25 e 34). Marcelo Antônio Manzano de Almeida regularizou sua situação; está inscrito sob o número 319.321.378-07 (fls. 33), referido no instrumento contratual. A respeito dos demais, dos outros dois locadores, nada se sabe.
A interessada/locatária, recorrente, embora desconheça as informações pendentes, relativas à complementação e à atualização da qualificação dos proprietários/locadores, não demonstrou, é certo, a impossibilidade de cumprimento das exigências. Sequer comprovou ter acionado os proprietários, notificado-os, pelo menos. De todo modo, as lacunas e imperfeições subsistentes não obstam o registro.
6. Ponderada a causa da inscrição, a eficácia real do registro predial requerido, que não envolve constituição, transmissão de direito real nem regularização da cadeia dominial, não se justifica, nesse passo, condicioná-lo à exibição de cópias autenticadas da cédula de identidade e do CPF, tampouco ao aditamento do pacto locatício, aí para constar a profissão, o estado civil dos locadores e, conforme o caso, a qualificação dos cônjuges e o regime de bens, até porque, in concreto, não se questiona que são os proprietários do imóvel locado.
As omissões e as inexatidões apuradas não constituem empeço ao registro, que, convém enfatizar, não implica constituição de direito real, não tem por base uma operação imobiliária, tampouco visa à integração do registro. A inscrição objetivada não coloca em risco o trato sucessivo, o controle da disponibilidade. A causa do registro, a eficácia a ser alcançada, restrita a dilargar a oponibilidade da cláusula de vigência e do direito de preferência, autoriza, aqui, a pontual mitigação do rigor da especialidade subjetiva; é compatível com uma redução da amplitude da qualificação registral, a ser revestida de menor carga analítica.
O item 61, ao dissecar os dados que devem integrar a qualificação dos proprietários[17], requisito da matrícula e do registro, e o subitem 61.3., ao tratar especificamente da obrigatoriedade da inscrição de pessoas físicas participantes de operações imobiliárias no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF)[18], ambos do Capítulo XX, tomo II das NSCGJ, não se prestam a impedir o registro do contrato de locação.
Não há dúvidas de que os locatários correspondem aos proprietários do bem locado, portanto, o aperfeiçoamento da qualificação (que é necessário, mas pode aguardar), mecanismo de segurança e de controle de ingresso dos títulos no registro imobiliário, há de ser exigido futuramente, por exemplo, quando de uma mutação jurídico-real ou de uma inscrição tendente à regularização do registro, a cobrir claros, afeta a casos que escapam, inicialmente, ao império do registro.
A ratio legis, em particular, a do art. 176, § 1.º, III, 2), a), da Lei n.º 6.015/1973[19], e, consequentemente, do item 76, c, do Capítulo XX, tomo II das NSCGJ[20], não resta comprometida: aliás, em reforço, vale insistir, a posição jurídico-subjetiva dos contratantes, dos locadores e da locatária, não se encaixa nas figuras do transmitente/devedor e do adquirente/credor aludidas nos textos normativos, conclusão a legitimar a suavização da rigidez do controle da especialidade subjetiva.
Vale, sob essa perspectiva, a vetusta, e sempre atual, lição de Miguel Maria de Serpa Lopes, in verbis:
Um princípio devem todos ter em vista, quer Oficial de Registro, quer o próprio Juiz: em matéria de Registro de Imóveis tôda a interpretação deve tender para facilitar e não para dificultar o acesso dos títulos ao Registro, de modo que tôda a propriedade imobiliária, e todos os direitos sôbre ela recaídos fiquem sob o amparo de regime do Registro Imobiliário e participem dos seus benefícios. [21]
E também a de Ricardo Dip:
A subordinação do juízo qualificador a princípio da legalidade não lhe impõe uma redução literalista para a compreensão do sentido normativo da lei, que descarte a estimativa de seu contexto significativo e sistemático, a atenta consideração teleológica e a observação mais ampla dos princípios ético-jurídicos superiores às regulações particulares … [22]
7. A propósito, se confirmadas fossem as exigências, se ratificado fosse o juízo desqualificador (estorvando a inscrição, que, além do mais, é provisória e dependente de negócio jurídico eventual e futuro a ser, ocorrente, levado a registro e submetido à qualificação registral), mais se perderia, em cotejo, in concreto, com as vantagens advindas da qualificação positiva, mormente se levada conta a segurança jurídica que proporcionará, finalidade a que se predispõe o registro.
Em outros e mais simples termos, o que se perde com a recusa do registro é de maior revelo do que aquilo que se ganha com as exigências, que, adequadas ao fim perseguido, não são, in casu, todavia, necessárias. Sob esse enfoque, a proporcionalidade em sentido estrito e a necessidade (expressando a vedação do excesso), dois dos três subprincípios (o outro é a adequação) componentes do conteúdo do princípio da proporcionalidade, estão a respaldar o registro objetivado.[23]
Conforme acentua Luís Roberto Barroso, em passagem então aplicável à solução do dissenso registral em apreço, o princípio da proporcionalidade “pode operar, também, no sentido de permitir que o juiz gradue o peso da norma, em determinada incidência, de modo a não permitir que ela produza um resultado indesejado pelo sistema, fazendo assim a justiça do caso concreto.” [24]
Com efeito, trata-se de apontamento em conformidade com a flexibilização, com o promovido temperamento da especialidade subjetiva e a ponderação efetivada, característica do juízo prudencial, de natureza prática, da razão prática própria da qualificação registral, juízo pautado pelas circunstâncias concretas.[25]
A proporcionalidade, compreendida por Humberto Ávila como postulado normativo aplicativo, uma metanorma, é vocacionada justamente a orientar a aplicação de outras normas, institui critérios de aplicação de outras normas, presta-se a solucionar questões que surgem com a aplicação do Direito[26], in concreto, então, a calibrar o controle da especialidade subjetiva em ordem a tutelar a segurança jurídica, sem comprometer o controle do trato sucessivo.
Diante do exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação e, afastando as exigências, julgo improcedente a dúvida e, por conseguinte, determino o registro do título de fls. 17-25, do instrumento particular objeto do pacto locatício, prenotado sob o n.º 657534.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Notas:
[1] Orlando Gomes. Contratos. 26.ª ed. Atualizada por Antonio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo de Crescenzo Marino. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 335.
[2] Cf., v.g., REsp n.º 1.269.476/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 5.2.2013, AgRg no Agravo em REsp n.º 592.939/SP, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 3.2.3015, e AgRg nos EDcl no REsp n.º 1.322.238/DF, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 23.6.2015.
[3] A lei do inquilinato comentada: artigo por artigo. 13.ª ed. Atualizada por Beatriz Capanema Young. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 183.
[4] Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 57.
[5] Art. 167. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos: (…)
II – a averbação: (…)
16) do contrato de locação, para os fins de exercício de direito de preferência; (grifei)
[6] Art. 33. O locatário preterido no seu direito de preferência poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar do registro do ato no cartório de imóveis, desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel. (grifei)
[7] Art. 167. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:
I – o registro: (…)
3) dos contratos de locação de prédios, nos quais tenha sido consignada cláusula de vigência no caso de alienação da coisa locada; (grifei)
[8] Art. 8.º. Se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel. (grifei)
[9] Introdução à teoria do direito. São Paulo: Marcial Pons, 2013, p. 157-158.
[10] Art. 576. Se a coisa for alienada durante a locação, o adquirente não ficará obrigado a respeitar o contrato, se nele não for consignada a cláusula da sua vigência no caso de alienação, e não constar de registro.
§ 1.º O registro a que se refere este artigo será o de Títulos e Documentos do domicílio do locador, quando a coisa for móvel; e será o Registro de Imóveis da respectiva circunscrição, quando imóvel. (grifei)
[11] Apelação Cível n.° 0018645-08.2012.8.26.0114, Des. Renato Nalini, j. 26.9.2013.
[12] Parecer n.º 206/2013-E, aprovado pelo Des. Renato Nalini.
[13] A locação de imóvel urbano e o registro de imóveis. In: Locações: aspectos relevantes, aplicação do novo Código Civil. Casconi, Francisco Antonio; Amorim, José Roberto Neves (coord.). São Paulo: Editora Método, 2004. p. 123-148.
[14] Registro de Imóveis. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 148.
[15] Cf. Afrânio de Carvalho. Op. cit., p. 152.
[16] Sobre a qualificação no registro de imóveis. In: Revista de Direito Imobiliário. n. 29, p. 33-72, janeiro-junho 1992. p. 41 e 52.
[17] 61. A qualificação do proprietário, quando se tratar de pessoa física, referirá ao seu nome civil completo, sem abreviaturas, nacionalidade, estado civil, profissão, residência e domicílio, número de inscrição no Cadastro das Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda (CPF), número do Registro Geral (RG) de sua cédula de identidade ou, à falta deste, sua filiação e, sendo casado, o nome e qualificação do cônjuge e o regime de bens no casamento, bem como se este se realizou antes ou depois da Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977.
[18] 61.3 Deverá ser sempre indicado o número de inscrição no CPF, sendo obrigatório para as pessoas físicas participantes de operações imobiliárias, até mesmo na constituição de garantia real sobre imóvel, inclusive das pessoas físicas estrangeiras, ainda que domiciliadas no exterior (Instrução Normativa RFB nº 864, de 25 de julho de 2008, art. 3.º, IV e XII, “a”). O assunto, atualmente, é objeto do art. 4.º, II, a e d, da Instrução Normativa RFB n.º 2.172, de 9 de janeiro de 2024.
[19] Art. 176. (…).
§ 1.º A escritura do Livro n.º 2 obedecerá às seguintes normas:
(…)
III – são requisitos do registro no Livro nº 2:
(…)
2) o nome, domicílio e nacionalidade do transmitente, ou do devedor, e do adquirente, ou credor, bem como:
a) tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou, à falta deste, sua filiação;
[20] Item 76. São requisitos do registro no Livro nº 2:
(…)
c) o nome do transmitente, ou do devedor, e do adquirente, ou credor, com a respectiva qualificação;
[21] Tratado de Registros Públicos: Registro Civil das Pessoas Jurídicas, Registro de Títulos e Documentos e Registro de Imóveis. 5.ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1962, p. 346. v. II.
[22] Op. cit., p. 53.
[23] Sobre o tema, cf. Luís Roberto Barroso. Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 8.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 249-255 e 511-512.
[24] Op. cit., p. 292.
[25] A respeito do tema, cf. Ricardo Dip. Sobre a qualificação no registro de imóveis. In: Revista de Direito Imobiliário. n. 29, p. 33-72, janeiro-junho 1992. p. 40-42.
[26] Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 134-135, 145-149 e 173-188.
Fonte: DJe/SP – 24.01.2025.
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