Registro Civil de Pessoas Jurídicas – Ata de reunião do conselho deliberativo de pessoa jurídica na qual foi deliberada a destituição de administradores


Número do processo: 1025318-03.2016.8.26.0100

Ano do processo: 2016

Número do parecer: 334

Ano do parecer: 2017

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1025318-03.2016.8.26.0100

(334/2017-E)

Registro Civil de Pessoas Jurídicas – Ata de reunião do conselho deliberativo de pessoa jurídica na qual foi deliberada a destituição de administradores – Inobservância da regra do inciso I do artigo 59 do Código Civil, que exige assembleia especialmente convocada para esse fim – Previsão do estatuto que contraria a lei – Ilegalidade que obsta a averbação da ata – Óbice mantido – Recurso improvido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso interposto pela Federação Espírita do Estado de São Paulo contra a sentença de fls. 463/466, que julgou improcedente pedido de providências e manteve os óbices à averbação de diversas atas da assembleia apresentadas ao 3º Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São Paulo.

Sustenta o recorrente, em resumo, que a sentença deve ser reformada, pois seu estatuto prevê que o mandato da antiga diretoria executiva se encerra automaticamente com a abertura da reunião do conselho deliberativo que elege a nova diretoria executiva. Como a posse da nova diretoria ocorreu após processo eleitoral legítimo, entende não ser aplicável o disposto no inciso I do artigo 59 do Código Civil, que exige assembleia geral para a destituição dos administradores. Afirma que o princípio da continuidade não seria violado, pois houve a averbação da reunião extraordinária do Conselho Deliberativo realizada em 2 de julho de 2015, na qual foi aprovado o afastamento da presidente da diretoria executiva e sua substituição por outra pessoa. Por fim, sustenta a regularidade do processo eleitoral, iniciado pelo Conselho Deliberativo, na forma do estatuto.

A Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 544/546).

É o relatório. Opino.

A decisão que julgou improcedente o pedido de providências deve ser mantida, razão pela qual deve ser negado provimento ao recurso interposto.

A recorrente se insurge contra a negativa de averbação da ata de reunião do conselho deliberativo que destituiu os administradores da pessoa jurídica. Ainda que o recurso tenha por objeto somente uma das atas cuja averbação foi negada pelo Oficial, é necessário observar que se encontram prenotadas um total de cinco atas da Federação Espírita do Estado de São Paulo (fls. 443/444).

A averbação da primeira ata foi negada pelo Oficial porque a destituição da diretoria executiva ocorreu em reunião do conselho deliberativo e não em assembleia especialmente convocada para esse fim. E é contra esse óbice que se insurge a recorrente.

As demais atas apresentadas pela pessoa jurídica não foram objeto de recurso e não foram averbadas porque a irregularidade da primeira acabou por contaminar os demais atos praticados pela pessoa jurídica.

Analisadas as razões recursais, é forçoso reconhecer que a desqualificação do primeiro título está correta e, por consequência lógica, a dos demais também.

Dispõe o artigo 59 do Código Civil:

“Art. 59. Compete privativamente à assembleia geral

I – destituir os administradores,

II – alterar o estatuto.

Parágrafo único. Para as deliberações a que se referem os incisos l e II deste artigo é exigido deliberação da assembleia especialmente convocada para esse fim, cujo quorum será o estabelecido no estatuto, bem como os critérios de eleição dos administradores”.

Como a deliberação de destituição dos administradores não foi tomada em assembleia especialmente convocada para esse fim, mostra-se correta a negativa de averbação da ata da reunião do conselho deliberativo. É que a destituição dos administradores (presidente e vice-presidente) da pessoa jurídica não poderia ter sido decidida em reunião do conselho deliberativo, pois se trata de matéria de competência privativa de assembleia, nos termos da legislação atual vigente (artigo 59, inciso I, CC). E, nesse ponto, não socorre a recorrente a alegação de que o estatuto assim autorizava, pois o estatuto de qualquer associação deve obediência à legislação em vigor. Violado o princípio da legalidade, persiste o óbice à averbação da ata da reunião na qual foram destituídos os administradores da recorrente.

E, em obediência ao princípio da continuidade, como não houve a averbação da reunião do conselho deliberativo que destituiu os administradores da pessoa jurídica, não haveria o Oficial de realizar a averbação das atas das reuniões que foram realizadas posteriormente. Isso porque a irregularidade da destituição acabou por contaminar os demais atos praticados pela recorrente e estando todos eivados de irregularidades formais não poderiam ser averbados, como de fato não o foram.

Por fim, não interfere no julgamento do recurso interposto o fato de ter sido averbada a ata da reunião que determinou o afastamento da presidente (fls. 530/531). A reunião que determinou o afastamento da presidente da recorrente foi anterior à reunião que deliberou sua destituição e somente em relação a essa última decisão a legislação exige assembleia convocada especialmente para esse fim. E, como não houve assembleia, a decisão tomada em reunião do conselho deliberativo não pode ser averbada.

Ante o exposto, o parecer que submeto a Vossa Excelência propõe, respeitosamente, que se negue provimento ao recurso.

Sub censura.

São Paulo, 18 de setembro de 2017.

Paula Lopes Gomes

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer da MM. Juíza Assessora da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso administrativo. Publique-se. São Paulo, 18 de setembro de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça – Advogado: CARLOS FREDERICO ZIMMERMANN NETO, OAB/SP 107.507.

Diário da Justiça Eletrônico de 23.11.2017

Decisão reproduzida na página 301 do Classificador II – 2017

Fonte: INR Publicações.

____

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.




Apelação – Ação indenizatória por danos materiais – Sociedade beneficente que recebeu dois imóveis em doação, com escritura lavrada em cartório – Tabelião que deixou de registrar a doação de um dos imóveis perante o registro de imóveis competente, sendo o bem transferido a terceiros


ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1015942-96.2015.8.26.0562, da Comarca de Santos, em que é apelante SOCIEDADE PORTUGUESA DE BENEFICÊNCIA (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado MIGUEL GUSTAVO SALVIA BAIDA.

ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores COSTA NETTO (Presidente sem voto), PIVA RODRIGUES E GALDINO TOLEDO JÚNIOR.

São Paulo, 13 de novembro de 2018.

MARIELLA FERRAZ DE ARRUDA POLLICE NOGUEIRA

RELATORA

Assinatura Eletrônica

APELAÇÃO Nº 1015942-96.2015.8.26.0562

Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado

Apelante: Sociedade Portuguesa de Beneficência

APELANTE: SOCIEDADE PORTUGUESA DE BENEFICÊNCIA

APELADO: MIGUEL GUSTAVO SÁLVIA BAIDA

COMARCA: SANTOS

JUIZ PROLATOR: RODRIGO GARCIA MARTINEZ

VOTO N.º 1.571

APELAÇÃO. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS. Sociedade beneficente que recebeu dois imóveis em doação, com escritura lavrada em cartório. Tabelião que deixou de registrar a doação de um dos imóveis perante o Registro de Imóveis competente, sendo o bem transferido a terceiros. Pretensão da autora em ser indenizada pelos prejuízos materiais suportados. Ação julgada extinta por ilegitimidade passiva. Insurgência pela autora. LEGITIMIDADE PASSIVA. O Tabelião que foi contratado para promover o depósito da escritura de doção a registro junto ao CRI competente, com remuneração correspondente, e não o faz, é parte legítima pata figurar no polo passivo da ação indenizatória decorrente dos danos causados pela omissão. Art. 22 da Lei 8.935/94. Extinção afastada. Causa madura, possível o julgamento em segundo grau pelo mérito (art. 1.013,§3º, I do CPC/2015). PRESCRIÇÃO. Demanda que visa reparação civil, cujo prazo prescricional é trienal, nos termos do art. 206, § 3º, V, do Código Civil. Violação que ocorre no momento em que a parte tem ciência da transferência do imóvel a terceiro, pela nota de devolução emitida pelo Cartório competente. Propositura dentro do triênio legal. MÉRITO. Ausência de apresentação da escritura a registro pelo réu que é incontroversa. Justificativas invocadas que não são hábeis a eximir sua responsabilidade. Ausência de comprovação quanto às alegações de comunicação de vício na operação pelo doador e sua subsequente comunicação ao donatário, e tampouco da adoção de providências administrativas que o legitimassem a obstar o ato que deveria realizar, na medida em que apenas ao Judiciário é possível o reconhecimento de nulidade/anulabilidade da escritura de doação lavrada. Dever de comunicação ao juízo competente previsto no artigo 30, da Lei nº 8.935/94 não comprovado. Omissão que permitiu que o mesmo imóvel fosse, em momento subsequente, objeto de nova disposição a terceiro, em prejuízo do direito da autora. Nexo causal evidenciado, pois ainda que tenha havido possível comportamento ilícito do próprio doador, o ato não seria realizado se a doação estivesse registrada no Cartório competente. Dano material configurado pelo decréscimo patrimonial suportado pela autora, devendo corresponder ao valor da nua-propriedade recebida em doação, conforme detalhada na própria escritura. Sentença reformada, com inversão dos ônus sucumbenciais. RECURSO PROVIDO.

VISTOS.

Trata-se de apelação interposta por SOCIEDADE PORTUGUESA DE BENEFICÊNCIA contra a r. sentença de fls. 118/121, cujo relatório se adota, que julgou extinta ação de Indenização por Danos Materiais ajuizada em face de MIGUEL GUSTAVO SÁLVIA BAIDA, sem resolução do mérito, por ilegitimidade de parte, com fundamento no art. 267, VI do CPC/1973. Em razão da sucumbência, atribuiu-se à autora o ônus pelo pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor da causa, observada a concessão da gratuidade de justiça.

Em seu apelo a autora sustenta que a inércia injustificada do apelado, que deixou de encaminhar para registro escritura de doação de bem imóvel, acabou por resultar na perda da nua-propriedade do referido bem que lhe havia sido legitimamente doado. Afirma que quando da contratação dos serviços prestados pelo tabelião-réu não havia qualquer óbice ao registro imediato da escritura de doação do bem e que, como suportou danos pela ausência do registro da doação, o que permitiu nova transferência da propriedade a terceiros, pretende ser indenizada materialmente. Ressalta a legitimidade do réu para responder à presente demanda, posto que teria sido ele o responsável pelos prejuízos suportados. No mérito aduz inexistir provas capazes de justificar a inércia do réu, bem como que o outro imóvel que lhe foi doado pelo mesmo doador foi devidamente registrado, não havendo motivos para o tratamento desigual dispensado pelo tabelião. Busca a reforma integral da r. sentença combatida (fls. 123/129).

Recurso regularmente processado e contrariado (fls. 133/145).

É O RELATÓRIO.

Trata-se de ação indenizatória ajuizada em face do tabelião responsável pelo 8º Cartório de Notas de Santos/SP, a quem se imputa comportamento omissivo na realização de suas atribuições que resultaram em danos à autora, sendo o processo extinto sem julgamento do mérito por ilegitimidade passiva.

Respeitado o entendimento esposado pelo D. Magistrado singular, o recurso merece ser provido.

A autora, entidade beneficente com atividades voltadas à prestação de serviços hospitalares, recebeu por ato de disposição voluntária a doação de dois bens imóveis que pertenciam ao Sr. Gabriel Carneiro Araújo, sendo um deles situado na cidade de São José dos Campos/SP e outro na cidade de São Paulo/SP, sendo lavradas escrituras públicas para tal (fls. 41/46) e pagos os emolumentos necessários perante o 8º Cartório de Notas de Santos/SP (fls. 55/56) a quem competiria efetuar o registro de tais doações. Tais escrituras foram lavradas na data de 24/08/2011 (fls. 41/46).

No que se refere ao imóvel situado em São José dos Campos/SP não houve qualquer problema. Contudo, o registro da doação do imóvel situado em São Paulo/SP não teria sido consumado, por inércia do próprio tabelião-réu, fato somente descoberto cerca de um ano após lavrada a escritura de doação, em consulta da própria donatária diretamente junto ao 14º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo/SP, Cartório perante o qual se encontra depositada a matrícula daquele bem (fls. 48/53).

Apurou-se, na ocasião, que o doador transferiu o mesmo imóvel a terceiros em 21/12/2012, o que impediu o registro da doação.

Frente a este relato não há como subsistir a extinção do processo por ilegitimidade passiva.

A autora atribui ao tabelião a responsabilidade por seus prejuízos, na medida em que, tivesse ele cumprido as atribuições para o qual foi contratado, qual seja, a apresentação a registro da escritura de doação do bem imóvel, não teria perdido a nua-propriedade do referido bem pela impossibilidade de nova oneração a terceiro.

O recibo de pagamento de fls. 55/56 corrobora a alegação de que o réu foi contratado pela autora para a realização da lavratura das escrituras de doação de dois imóveis, assim como “recolhimento de ITBI; Expedição de Certidões inerentes a presente transação e depósito para o registro da mesma, junto ao Registro Imobiliário competente” (destaquei), tendo recebido para tanto a importância de R$ 13.464,44.

E o próprio réu admite em sua contestação que deixou de realizar a expedição/depósito das certidões inerentes à transação envolvendo o imóvel situado na cidade de São Paulo/SP, apresentando justificativas para essa omissão, conforme argumentos de fls. 72/73.

E diante dos fatos descritos, forçoso reconhecer que a ação foi corretamente direcionada ao cartorário, a quem se imputa comportamento causador dos danos sofridos pela autora, sendo a análise quanto à prática de comportamento ilícito e nexo causal com os danos ocasionados pela omissão matéria própria ao mérito, e não às condições da ação.

A hipótese encontra fundamento no artigo 22 da Lei 8.935/94, que dispõe:

“Art. 22. Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso”.

Assim, forçoso reconhecer que está presente a legitimidade passiva do tabelião, impondo-se o afastamento da extinção do processo sem o julgamento do mérito.

Superada a extinção, possível o julgamento do feito pelo mérito, na forma do artigo 1.013, §3º, I do CPC/2015.

Não pode prosperar a invocação da prescrição.

Embora a lavratura de certidão de doação de bem imóvel tenha ocorrido na data de 24/08/2011 (fls. 41/46), mesma data da contratação dos serviços do réu, o prazo para a busca da reparação civil, de três anos, conforme art. 206, § 3º, V, do Código Civil, passou a flui da ciência pela autora da impossibilidade do registro da doação do bem imóvel, o que apenas ocorreu com a Nota de Devolução realizada pelo 14º Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo/SP em 5/5/2013, conforme documentos de fls. 51/53.

e-mail invocado na defesa fls. 59, apenas demonstra o conhecimento pela autora de que, até aquele momento (maio/2012), não havia sido efetivado o registro, mas não sua impossibilidade de fazê-lo, sendo que é a partir do conhecimento desta pela nota de devolução do 14º Cartório que surge a pretensão indenizatória.

E assim, sendo a ação ajuizada em 25/06/2015, dentro do triênio prescricional, não se verificou a prescrição.

Quanto ao mérito, a discussão a ser enfrentada nos autos é se o comportamento do réu deu causa aos prejuízos suportados pela autora.

Restou incontroverso que não foram adotadas pelo réu as providências necessárias ao registro da escritura de doação.

A justificativa apresentada pelo tabelião foi a de que, após a realização da escritura, foi procurado pelo doador, que afirmou ter sido “enganado”, jamais possuindo real intenção de doar o imóvel de São Paulo, único bem que restaria para prover seu sustento, e que pretendia “cancelar” as escrituras. E na medida em que não era possível fazê-lo, atendeu a seu comando de não promover o registro, dando ciência do ato à autora.

As alegações não se mostram hábeis a afastar a responsabilidade do réu.

Inicialmente há que se observar a completa ausência de prova documental nos autos a demonstrar, quer a solicitação do doador para obstar o registro, quer a comunicação do mesmo evento ao donatário, valendo lembrar que a relação envolve Serventia Extrajudicial, ambiente estritamente burocrático, competindo-lhe, em qualquer situação, documentar impedimentos ou entraves ao exercício de sua função delegada, inclusive com comunicação ao Juiz Corregedor da Serventia, de forma a prevenir responsabilidades.

É dever que está expresso no artigo 30, da Lei 8.935/94. In verbis:

“Art. 30. São deveres dos notários e dos oficiais de registro:

(…)

XIII – encaminhar ao juízo competente as dúvidas levantadas pelos interessados, obedecida a sistemática processual fixada pela legislação respectiva.”

E se isso não bastasse, a justificativa tampouco é aceitável.

A Escritura de Doação foi lavrada perante o Tabelionato, contendo a manifestação de vontade expressada pelo doador, em ato de livre disposição de seus bens, e a partir de sua realização, a anulação e consequente supressão de efeitos apenas poderia ocorrer pela via judicial, pois mesmo atos nulos somente podem assim ser declarados pelo Poder Judiciário.

Quando muito se poderia imaginar que o réu, diante da alegação, pudesse orientar o doador a buscar seus direitos pela via judicial, sobrestando o registro por algum período, de forma a possibilitar que houvesse tempo hábil a que a parte interessada adotasse providências que lhe competiam, entre elas, a de buscar medida acautelatório destinada a obstar o registro da escritura de doação no curso de ação anulatória. E nessa hipótese, a conduta do serventuário estaria legitimada em cumprimento de ordem judicial de suspensão do ato de registro.

Contudo, não se pode ignorar que segundo a narrativa da própria defesa, a suposta comunicação de vício ocorreu poucos dias após a doação, ou seja, ainda em 2.011, e portanto, difícil conceber que se permitisse que a indefinição ao cumprimento do ato persistisse por anos, sem qualquer providência por parte do cartorário. A escritura foi apresentada para efetivo registro apenas em 2.013, momento em que o ato foi obstado pela constatação de antecedente transferência do bem a terceiro, segundo relato da autora, por nova doação e dessa vez, sem reserva de usufruto.

E frente a essa situação, não há como prevalecer o raciocínio da sentença de que o prejuízo da autora foi causado exclusivamente pelo ato do doador, pois ainda que o comportamento deste tenha se revelado ilícito, já que tinha conhecimento que o bem já não integrava seu patrimônio para que pudesse dispô-lo novamente, a qualquer título, a terceiro, o fato é que o ato não teria se realizado se o réu tivesse cumprido sua obrigação de apresentar a registro a escritura lavrada em 2.011.

Está, portanto, configurado o nexo causal entre a omissão do réu e o resultado danoso, já que com a efetivação do ato de apresentação da escritura a registro, atribuição conferida ao réu, a subsequente disposição do mesmo bem não teria se efetivado.

Dessa forma, presentes os requisitos autorizadores do reconhecimento da responsabilidade do réu, sendo eles, o comportamento omissivo, o dano sofrido, consistente na perda do benefício econômico gerado pelo bem doado, e o nexo causal entre a ação/omissão e o resultado, deve ser acolhida a pretensão indenizatória.

Veja-se, a respeito do tema, caso análogo onde reconhecida a responsabilidade de tabelião:

“AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – LEGITIMIDADE PASSIVA. Jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “as serventias extrajudiciais não são parte legítima para figurar no polo passivo de demanda em que se pretende a reparação de danos decorrentes dos serviços notariais ou registrais, recaindo a responsabilidade ao titular da serventia na época dos fatos”. Réu que era o tabelião designado à época dos fatos – DANOS MORAIS. Autor que contratou serviço oferecido pelo réu para averbação da escritura de compra e venda na matrícula do imóvel. Ausência de averbação que levou ao arrolamento do imóvel em ação judicial movida pela companheira do vendedor do imóvel. Exigência do Cartório de Registro de Imóveis que é bem posterior à contratação dos serviços, não sendo de justificativa para o descumprimento da obrigação ou cumprimento após três anos. Fatos narrados que extrapolam o mero aborrecimento. Indenização fixada em conformidade com seu caráter punitivo e ressarcitório DANOS MATERIAIS. Inocorrência. Ausência de comprovação dos danos materiais – Sentença reformada RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO” (TJSP; Apelação 1015325-25.2015.8.26.0114; Relator (a): Maria Salete Corrêa Dias; 6ª Câmara de Direito Privado; j.: 17/09/2018)

E quanto ao dano, tem-se que o comportamento do réu conduziu a decréscimo patrimonial da autora, que corresponde ao benefício que obteria com o imóvel doado. Contudo, não há como se acolher a pretensão de ressarcimento pelo valor de mercado do imóvel, antes, devendo ser acolhido o montante indicado na própria escritura como sendo o valor da nua-propriedade obtida em doação, ou seja, a importância de R$ 55.371,33 (fls. 45), que é o benefício patrimonial reconhecido pelas partes que realizaram o ato de disposição, com atualização monetária da data do ato de disposição e juros de mora de 1% ao mês da citação.

Diante do resultado do processo, com sucumbência da autora restrita ao valor da indenização, responderá o réu pela integralidade das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios, fixados em 12% sobre o valor da condenação.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO.

MARIELLA FERRAZ DE ARRUDA POLLICE NOGUEIRA

Relatora – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1015942-96.2015.8.26.0562 – Santos – 9ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Mariella Ferraz de Arruda Pollice Nogueira – DJ 03.12.2018

Fonte: INR Publicações.

____

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.