STJ: Vínculo paterno-filial afetivo supera ausência de vínculo biológico e impede mudança de registro


A paternidade socioafetiva se sobrepõe à paternidade registral nos casos de erro substancial apto a autorizar a retificação do registro civil de nascimento.

O entendimento foi aplicado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar o caso de um homem que ajuizou ação de retificação de registro civil cumulada com pedido de exoneração de alimentos em face de seus dois filhos registrais.

Segundo os autos, no caso do primeiro filho, o homem o registrou espontaneamente após iniciar um relacionamento com a mãe, mesmo sabendo não ser o pai biológico.

Já a segunda criança, ele a registrou acreditando ser sua filha biológica, e teve com ela relação afetiva até os 13 anos, quando, suspeitando de infidelidade da mulher, ajuizou ação para retificação do registro civil. Após a morte do pai registral, foi comprovada por exame de DNA a inexistência do vínculo biológico.

Instâncias ordinárias

Na primeira instância, o juiz considerou procedentes os pedidos do autor. Na apelação, a sentença foi reformada sob o fundamento de que o ato praticado no registro do primeiro filho é irrevogável, pois o pai agiu de livre vontade. Já em relação ao outro filho, foi considerado preponderante o vínculo afetivo consolidado ao longo do tempo.

Houve a interposição de embargos infringentes, acolhidos pelo tribunal de segunda instância para autorizar a retificação do registro civil dos dois filhos.

Direitos da personalidade

No STJ, a ministra relatora do caso, Nancy Andrighi, manteve inalterados os documentos de registro e ressaltou que a presença de vínculo afetivo supera a falta de vínculo biológico nas situações em que o autor da ação tenha interesse em retificar a certidão de nascimento puramente por não se verificar a relação genética que ele imaginava existir.

Para a magistrada, torna-se necessário, nesse tipo de caso, “tutelar adequadamente os direitos da personalidade” do filho que conviveu durante certo período com o genitor e consolidou nele a representação da figura paterna, não podendo simplesmente agora “ver apagadas as suas memórias e os seus registros”.

Nancy Andrighi disse que o registro civil de uma criança, realizado com a convicção de que havia vínculo biológico, o qual depois foi afastado pelo exame de DNA, “configura erro substancial apto a, em tese, modificar o registro de nascimento, desde que inexista paternidade socioafetiva, que prepondera sobre a paternidade registral em atenção à adequada tutela dos direitos da personalidade”.

Sobre o caso em julgamento, ela afirmou que, “a despeito do erro por ocasião do registro, houve a suficiente demonstração de que o genitor e a filha mantiveram relação afetuosa e amorosa, convivendo, em ambiente familiar, por longo período de tempo, inviabilizando a pretendida modificação do registro de nascimento”.

Registro consciente

No caso do filho registrado com consciência da ausência do vínculo biológico, a relatora destacou que, conforme determinação legal, o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável.

“Ocorre que o reconhecimento dos filhos não é, nem tampouco pode ser, um ato jurídico anulável ou modificável por simples influências externas ou por mera liberalidade dos pais, não se submetendo, evidentemente, aos sabores ou aos dissabores dos relacionamentos dos genitores”, afirmou a relatora.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ | 04/10/2018.

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Jurisprudência mineira – Apelação cível – Ação de exclusão de cláusulas impeditivas – Doação de imóvel – Falecimento dos doadores – Cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade – Impossibilidade


APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE EXCLUSÃO DE CLÁUSULAS IMPEDITIVAS – DOAÇÃO DE IMÓVEL – FALECIMENTO DOS DOADORES – CLÁUSULAS DE INALIENABILIDADE, IMPENHORABILIDADE E INCOMUNICABILIDADE – CANCELAMENTO DOS GRAVAMES – IMPOSSIBILIDADE

– Apesar de falecidos os doadores, ausente a justa causa, incabível o cancelamento das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade.

Apelação Cível nº 1.0132.17.002182-9/001 – Comarca de Carandaí – Apelantes: Lidia Buzati Vale de Souza, Sandro Geraldo de Souza e outro – Relator: Des. Rogério Medeiros

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 30 de agosto de 2018. – Rogério Medeiros – Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. ROGÉRIO MEDEIROS – Cuida-se de recurso de apelação interposto por Sandro Geraldo de Souza e outro, qualificados nos autos, contra sentença proferida em ação de exclusão de cláusulas impeditivas em registro público de imóveis.

Alegam os autores na inicial, em síntese, que o autor Sandro Geraldo de Souza é donatário de uma gleba de terras de 6.41,30 hectares em local denominado Abóboras, na zona rural de Carandaí, tendo sido recebida de seus avós, já falecidos, por meio de doação com reserva de usufruto em 13/12/1991, mas gravada com cláusula de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade. Dizem que não mais subsistem motivos para permanência das cláusulas, já que o autor Sandro já atingiu a maioridade, além de não exercer atividade rurícola, mas, sim, de motorista carreteiro. Argumentam que a manutenção do imóvel se tornou um estorvo, descabendo falar até mesmo em sub-rogação e pediram a exclusão das referidas cláusulas.

Sobreveio a sentença de f. 21/22 que julgou improcedente o pedido e condenou os autores no pagamento das custas processuais.

Inconformados, recorreram os autores (f. 23/29) reiterando os termos da peça de ingresso e pedindo a reforma da r. sentença.

Sem contrarrazões.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

De início, cumpre esclarecer que dispunha o Código Civil de 1916, em seus artigos 1.676 e 1.677, vigente à época da doação:

“Art. 1.676. A cláusula de inalienabilidade temporária, ou vitalícia, imposta aos bens pelos testadores ou doadores, não poderá, em caso algum, salvo os de expropriação por necessidade ou utilidade pública, e de execução por dividas provenientes de impostos relativos aos respectivos imóveis, ser invalidada ou dispensada por atos judiciais de qualquer espécie, sob pena de nulidade. Art. 1.677. Quando, nas hipóteses do artigo antecedente, se der alienação de bens clausulados, o produto se converterá em outros bens, que ficarão subrogados nas obrigações dos primeiros”.

Nos termos dessas normas legais, a cláusula de inalienabilidade, passível de ser instituída de forma vitalícia ou temporária e imposta aos bens pelos testadores ou doadores, não podia, de modo algum, ser invalidada ou dispensada por atos judiciais de qualquer espécie, sob pena de nulidade, salvo nos casos de desapropriação ou de execução por dívidas referentes a tributos incidentes sobre os respectivos bens.

Esse regramento foi amenizado no vigente Código Civil, que assim dispõe, em seu art. 1.911, caput, e parágrafo único:

“Art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.

Parágrafo único. No caso de desapropriação de bens clausulados, ou de sua alienação, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, mediante autorização judicial, o produto da venda converter-se-á em outros bens, sobre os quais incidirão as restrições apostas aos primeiros”.

Vê-se, pois, que permite a Lei, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro e mediante autorização judicial, a alienação de bens clausulados, mas devendo o produto da venda converter-se em outros bens, sobre os quais incidam as restrições apostas aos alienados.

Todavia, em situações excepcionais, de grave necessidade financeira do donatário ou herdeiro, devidamente comprovada, a jurisprudência de nossos Tribunais vem permitindo a revogação dessas cláusulas, independentemente da transferência delas para outros bens.

No caso, não há demonstração de excepcional e grave situação financeira do donatário apelante, que pudesse justificar a pura e simples revogação, mediante autorização judicial.

Ausente a hipótese de grave necessidade financeira do donatário, cogitar-se-ia da hipótese de sub-rogação. Contudo, os apelantes não têm interesse na sub-rogação, conforme se verifica da peça de ingresso.

Destarte, a mera ocorrência da maioridade ou desinteresse em permanecer com o imóvel por conta de exercício de atividade diversa (motorista carreteiro) não são argumentos válidos, a meu ver, que justifiquem os levantamentos dos gravames.

Sendo assim, diante da inexistência, assim, de justificativas suficientes ao afastamento dos gravames impostos sobre o imóvel objeto de doação, deve ser prestigiada a declaração de vontade dos doadores falecidos, devendo ser mantida a respeitável sentença recorrida.

A propósito:

“Apelação. Ação de revogação de cláusula especial de inalienabilidade. Doação de imóvel por município. Cancelamento de cláusulas. Situação excepcional não comprovada. Improcedência do pedido. Sentença mantida. As cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade que gravam o imóvel doado foram atribuídas pelo doador por sua liberalidade e não podem ser canceladas aleatoriamente, carecendo de comprovação de situação excepcional, que demonstre a insustentabilidade do gravame. A despeito de a doutrina e a jurisprudência flexibilizarem o rigor da lei nas hipóteses em que a manutenção dos gravames em questão se torne um óbice à função social da propriedade, o levantamento mediante autorização judicial das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade é permitido apenas em situações excepcionais, o que não restou demonstrado no caso em tela” (TJMG, Apelação Cível nº 1.0433.15.015800-7/001, Rel.ª Des.ª Ângela de Lourdes Rodrigues, 8ª Câmara Cível, j. em 10/8/2017, em 31/8/2017).

Pelo exposto, nego provimento ao recurso. Custas pelos apelantes.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Luiz Carlos Gomes da Mata e José de Carvalho Barbosa.

Súmula – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Fonte: Recivil – DJE/MG | 04/10/2018.

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