Apelação Cível – Ação declaratória – ISSQN – Serviço notarial e de registro – 1) Responsabilidade tributária – Sucessão – Impossibilidade – Ausência de responsabilidade do novo tabelião pelos tributos devidos em período anterior à posse no cargo – Delegação assumida mediante concurso público, de forma originária


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária nº 4004569-35.2013.8.26.0223, da Comarca de Guarujá, em que é apelante/apelada JANAINA ISA COLOMBO VANTINI e Recorrente JUIZO EX OFFÍCIO, é apelado/apelante PREFEITURA MUNICIPAL DE GUARUJA.

ACORDAM, em 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento aos recursos. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores SILVA RUSSO (Presidente sem voto), RAUL DE FELICE E ERBETTA FILHO.

São Paulo, 9 de agosto de 2018.

EUTÁLIO PORTO

RELATOR

Assinatura Eletrônica

VOTO Nº 31403

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA Nº 4004569-35.2013.8.26.0223

COMARCA: GUARUJÁ

APELANTE/APELADO: JANAINA ISA COLOMBO VANTINI

RECORRENTE: JUIZO EX OFFÍCIO

APELADO/APELANTE: PREFEITURA MUNICIPAL DE GUARUJA

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL  Ação declaratória – ISSQN – Serviço notarial e de registro. 1) Responsabilidade tributária – Sucessão – Impossibilidade – Ausência de responsabilidade do novo tabelião pelos tributos devidos em período anterior à posse no cargo – Delegação assumida mediante concurso público, de forma originária. 2) Base de cálculo – Valor pago a título de emolumentos, excluídos os valores destinados aos órgãos públicos – Não incidência de ISS sobre os repasses oriundos do SINOREG a título de compensação dos atos gratuitos – Inteligência do art. 19, inciso I, “a”, da Lei Estadual nº 11.331/2002 – Recurso da Municipalidade improvido. 3) Honorários advocatícios – Pretendida redistribuição dos ônus de sucumbência – Impossibilidade – Rejeição do pedido principal, embora com acolhimento de pedido subsidiário, que acarreta a sucumbência recíproca das partes – Precedentes do STJ – Recurso da autora improvido. Sentença mantida – Recursos improvidos.

RELATÓRIO

Trata-se de ação declaratória proposta por JANAINA ISA COLOMBO em face da PREFEITURA MUNICIPAL DE GUARUJÁ objetivando seja reconhecido o direito ao recolhimento do ISS sobre os serviços notariais e de registro público de acordo com o disposto no artigo 9º do Decreto-Lei nº 406/68, a partir de 01/07/2013, data em que assumiu a titularidade da serventia. Requereu, subsidiariamente, que os valores recebidos pelo SINOREG a título de compensação dos atos gratuitos não sejam incluídos na base de cálculo do tributo.

A sentença de fls. 256/262, proferida pelo MM. Juiz Marcelo Machado da Silva, cujo relatório se adota, julgou parcialmente procedente a ação, para declarar a inexigibilidade, em relação à autora, dos valores do ISSQN calculado sobre as verbas recebidas pela serventia extrajudicial em datas anteriores a 1 de julho de 2013, data em que a autora assumiu a atividade delegada, declarando a inexistência de relação jurídico-tributária por inexistência de sucessão, bem como a inexigibilidade, por parte da ré, dos valores do ISSQN calculado sobre todas as verbas referentes às indenizações recebidas pelo Fundo de Compensação aos Oficiais de Registro Civil para custeio dos serviços gratuitos prestados pela autora. Diante da sucumbência recíproca, foram repartidas as custas e as despesas processuais, e os honorários advocatícios fixados em R$ 3.000,00 (três mil reais), com base no art. 85, § 8º, do Código de Processo Civil, valor que deverá ser atualizado monetariamente até o efetivo pagamento.

Houve embargos de declaração (fls. 264/266), que foram rejeitados às fls. 273/276.

Inconformada, a autora apelou às fls. 278/288, requerendo a reforma da sentença no que tange à distribuição do ônus de sucumbência. Alegou que a sentença acolheu pedido alternativo, devendo a Municipalidade arcar com o pagamento integral das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios. Subsidiariamente, sustentou que sua sucumbência foi mínima, em razão do acolhimento da maior parte de seus pedidos.

Recurso tempestivo e preparado às fls. 289, com contrarrazões às fls. 303/309.

A Municipalidade também apelou às fls. 292/300, requerendo a reforma da sentença. Sustentou a responsabilidade da autora pelas dívidas relativas aos serviços prestados anteriormente, nos termos do art. 133 do CTN. Alegou que os valores repassados pelo SINOREG devem compor a base de cálculo do ISS.

Recurso tempestivo e isento de preparo, com contrarrazões às fls. 310/315.

Este é, em síntese, o relatório.

VOTO

A sentença deve ser mantida.

1) Responsabilidade tributária em período anterior à delegação

De acordo com o que consta do art. 14 da Lei nº 8.935/94, que regulamenta o art. 236 da CF, a delegação para o exercício da atividade notarial e de registro depende da aprovação em concurso público de provas e títulos.

Trata-se, portanto, de delegação por concurso público, cuja titularidade é originária, não se enquadrando nos termos da sucessão na responsabilidade tributária prevista no art. 133 do CTN, que estabelece:

“Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:

I – integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;

II – subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.”

Com efeito, na sucessão das empresas, o sucessor assume o ativo e o passivo, incluindo débitos tributários, trabalhistas e previdenciários, decorrente de um negócio jurídico firmado entre o antigo e novo proprietário, com a transferência de todos os elementos que integram a empresa, como capital social, fundo de comércio, ramo da atividade comercial.

Tal situação é diversa da que ocorre com os cartórios extrajudiciais, posto que seus titulares são nomeados através de concurso público, não ocorrendo, por isso, sucessão.

Nesse sentido é o entendimento do STJ, consoante decisão monocrática do Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, que reconheceu que: “a titularidade de uma serventia sempre é adquirida de forma originária ou derivada, através de concurso público de ingresso ou remoção, não podendo, portanto, ser transferida” (REsp 1463734, p. 27/06/2017).

Constou ainda da referida decisão que:

“Entretanto, tenho que as serventias não podem ser consideradas pessoas formais, tal como são a massa falida, a sociedade de fato, o espólio e a herança jacente ou vacante, pois esses entes consubstanciam uma universalidade de bens e direitos, com conteúdo econômico imediato, sendo capazes de contrair direitos e obrigações.

Os cartórios ou serventias, por sua vez, de modo diverso, representam apenas o espaço físico onde é exercida a função pública delegada, compostos de bens pertencentes exclusivamente a cada um de seus titulares, além de documentos públicos que ostentam natureza de arquivo público e, portanto, não comercializáveis.”

De modo que, a despeito do cartório, quanto à sua organização administrativa, constituir uma pessoa jurídica, porém, ele só assume a responsabilidade decorrente de seus atos após assumir a delegação, porque, como menciona a lei, trata-se de uma delegação originária, não podendo se responsabilizar por ato praticado por tabelião anterior, já que não há sucessão.

Esse entendimento de separar a delegação pessoal, que é originária, da administração do cartório enquanto pessoa jurídica é importante para impor limites às responsabilidades e afastar do conceito de sucessão, posto que o novo delegatário, ao assumir a atividade, cria uma pessoa jurídica própria; a sucessão somente existiria se o delegatário anterior transferisse ao atual a pessoa jurídica por ele instituída.

Há, com isso, um caráter dúplice do delegatário, que ao mesmo tempo assume originariamente as atribuições, no entanto, administrativamente assume a administração de um cartório já em funcionamento, mas não pode responder pelos atos anteriores praticados pelo antigo oficial.

A propósito, o art. 21 da Lei nº 8.935/94, que estabelece expressamente que:

“Art. 21. O gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços”.

Fica claro, com isso, a ausência de sucessão no tocante às responsabilidades assumidas pelo antigo delegatário, já que a própria lei atribui responsabilidade exclusiva do titular.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, ao analisar as questões atinentes à responsabilidade trabalhista tem afastado a responsabilidade referente aos contratos firmados pelo titular anterior do Cartório, aplicando os termos do art. 21 da Lei nº 8.935/94, como se verifica dos acórdãos da relatoria dos Des. Sales Rossi e J. B, Paula Lima, lavrados nos seguintes termos:

“AÇÃO REGRESSIVA – Procedência – Ação regressiva ajuizada por Tabelião que respondeu por créditos trabalhistas de funcionário do Cartório referente a período anterior à sua nomeação – cada titular de cartório, ou seu substituto ad hoc é responsável pelos contratos de trabalho que efetiva, não podendo tal ônus ser transferido ao novo titular que assumiu a serventia mediante aprovação em concurso público – inteligência do art.21 da Lei 8.935/94 – Sentença mantida – Recurso improvido”. (AP 0032186-53.2011.8.26.0564, Rel. Salles Rossi, 20ª Câmara Extraordinária de Direito Privado, julgado em 30/05/2017)

“INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL – Apelante ex-funcionária de Cartório Extrajudicial vinculada ao regime estatutário – Competência da Justiça Estadual – Precedentes deste Eg. Tribunal de Justiça – ILEGITIMIDADE PASSIVA – Serviços notariais e de registro delegados pelo Poder Público – Delegação de caráter originário – Inexistência de obrigatoriedade de assunção dos vínculos e obrigações trabalhistas anteriores à delegação – O titular atual não responde por eventuais créditos trabalhistas dos prepostos da gestão delegada anterior – Sentença mantida – RECURSO DESPROVIDO”. (AP 3000214-72.2013.8.26.0619, Rel. J.B. Paula Lima, 10ª Câmara de Direito Privado, 06/10/2015)

2) Da base de cálculo do ISS

No que tange à base de cálculo do tributo, há que se considerar que os serviços prestados pelo tabelião são remunerados pelo usuário por intermédio de taxa, da qual o Estado permite que os agentes delegados retenham diretamente determinada parcela, que se destina a remunerar o serviço prestado por este.

Com efeito, a retribuição pelos serviços prestados pelo notário corresponde somente ao montante residual verificado após a dedução, do valor pago pelo usuário, dos repasses destinados aos órgãos públicos descritos pela Lei.

Nesse sentido, o Colendo Órgão Especial deste Tribunal já decidiu sobre a inconstitucionalidade de legislação municipal que determina a incidência do ISS sobre a receita bruta dos serviços cartorários e notariais, nos seguintes termos:

“INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE – DÉCIMA QUINTA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO – AÇÃO DECLARATÓRIA – Incidência do ISS sobre os serviços de registros públicos, cartorários e notariais, a teor da Lei Complementar 116/03 e Lei Municipal 93/03 – Atividade privada – Receita bruta que não pode servir como a grandeza do elemento tributário quantitativo – Base de cálculo do ISS que deve ser, tão-somente, o valor auferido pelo oficial delegatário, daí estando excluídos, por óbvio, os demais encargos a ele não pertencentes – Artigo 236, “caput”, da Constituição Federal – Arguição acolhida, para conferir à Lei Complementar Municipal 93/03, do Município de Santa Fé do Sul, interpretação conforme a Constituição Federal – INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE”. (Arguição de Inconstitucionalidade nº 185.740-2/8-00, Rel. Des. Xavier de Aquino, Comarca de Santa Fé do Sul, j. 26.5.2010).

Isto porque, o artigo 19, da Lei Estadual n° 11.331/02, que dispõe sobre a distribuição dos emolumentos, estabelece em seu inciso I, “a”, que apenas 62,5% são receitas dos notários e registradores.

Note-se que referido dispositivo é expresso em indicar que somente esta parcela, correspondente a 62,5% dos emolumentos pagos pelos usuários, constitui receita dos notários e registradores, redação que vai ao encontro do que dispõe os artigos 6º e 44, respectivamente das Leis Complementares nºs 1065/2003 e 13/2008, a qual refere como base de cálculo do ISS o “preço do serviço, sem quaisquer dedução ao qual se aplicam as alíquotas (…)”.

Quanto à incidência de ISS sobre o valor recebido pelo SINOREG – a título de compensação dos atos gratuitos, verifica-se que mencionado repasse também não pode ser objeto de tributação, não constituindo fato gerador do tributo, nem sua base de cálculo.

Ademais, a jurisprudência desta 15ª Câmara de Direito Público, no julgamento do AI nº 0057633-18.2013.8.26.0000, da Comarca de Jundiaí/SP, cujo voto, de lavra do Des. Silva Russo, dispôs que: “No pertinente aos pagamentos do SINOREG – complementação de renda – os quais, em princípio, não se constituem fato gerador do tributo, nem sua base de cálculo, pois não caracterizaria preço pela remuneração de serviço prestado”.

Dispõe o art. 21 da Lei nº 11.331/02 que: “A arrecadação e os devidos repasses das parcelas de compensação dos atos gratuitos do registro civil das pessoas naturais e de complementação da receita mínima das serventias deficitárias serão geridos por entidade representativa de notários ou registradores indicada pelo Poder Executivo”.

De sorte que, o repasse recebido pelo SINOREG possui natureza de compensação, não podendo ser considerado como receita auferida pelo delegatário, uma vez que a própria Lei determina no art. 19, inciso I, alínea “d” que 3,289473% (três inteiros, duzentos e oitenta e nove mil, quatrocentos e setenta e três centésimos de milésimos percentuais) são destinados à compensação dos atos gratuitos do registro civil das pessoas naturais e à complementação da receita mínima das serventias deficitárias.

3) Dos honorários advocatícios

Com efeito, o E. Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que na cumulação alternativa de pedidos o acolhimento de qualquer um deles satisfaz por completo a pretensão do autor, devendo os ônus da sucumbência ser integralmente suportados pelo réu.

Por outro lado, na cumulação subsidiária, os pedidos são formulados em grau de hierarquia, denotando a existência de um pedido principal e outro (ou outros) subsidiário(s). De sorte que, se o pedido principal foi rejeitado, embora acolhido outro de menor importância, os ônus sucumbenciais devem ser suportados por ambas as partes, na proporção do sucumbimento de cada um.

Nesse sentido, o seguinte julgado do E. STJ, cuja ementa segue transcrita:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ART. 289 DO CPC.

CUMULAÇÃO IMPRÓPRIA SUBSIDIÁRIA DE PEDIDOS (CUMULAÇÃO EVENTUAL).

ACOLHIMENTO DO PEDIDO SUBSIDIÁRIO E REJEIÇÃO DO PRINCIPAL.

SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.

(…)

2. Na cumulação alternativa não há hierarquia entre os pedidos, que são excludentes entre si. O acolhimento de qualquer um deles satisfaz por completo a pretensão do autor, que não terá interesse em recorrer da decisão que escolheu uma dentre outras alternativas igualmente possíveis e satisfativas. Se não há interesse recursal, conclui-se que os ônus da sucumbência devem ser integralmente suportados pelo réu.

3. Já na cumulação subsidiária, como é o caso dos autos, os pedidos são formulados em grau de hierarquia, denotando a existência de um pedido principal e outro (ou outros) subsidiário(s). Assim, se o pedido principal foi rejeitado, embora acolhido outro de menor importância, surge para o autor o interesse em recorrer da decisão.

Se há a possibilidade de recurso, é evidente que o autor sucumbiu de parte de sua pretensão, devendo os ônus sucumbenciais serem suportados por ambas as partes, na proporção do sucumbimento de cada um.

(…)

6. A orientação consagrada no aresto paradigma, na linha dos precedentes desta Corte, não traz o inconveniente. Havendo a rejeição do pedido principal e o acolhimento de outro subsidiário, estará configurada a mútua sucumbência, podendo o juiz, no caso concreto e com recurso ao juízo de equidade, atribuir os ônus sucumbenciais integralmente ao réu, quando reconhecer a sucumbência mínima do autor naqueles casos em que há parcial equivalência entre os pedidos principal e subsidiário.

7. Embargos de divergência providos.

(EREsp 616.918/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, CORTE ESPECIAL, julgado em 02/08/2010, DJe 23/08/2010)

No caso dos autos, a autora formulou dois pedidos: 1) que fosse reconhecido seu direito ao recolhimento de ISS sob a forma de trabalho pessoal, ou seja, com base em valores fixos, a partir de 01/07/2013; 2) “Caso ainda este não seja o entendimento de Vossa Excelência”, que fosse reconhecido que os valores recebidos pelo SINOREG devem ser excluídos da base de cálculo do tributo.

Verifica-se, destarte, que a autora estabeleceu ordem de preferência entre os pedidos, de sorte que a rejeição do pedido principal (recolhimento do ISS por valor fixo) e o acolhimento do pedido subsidiário (que os valores recebidos pelo SINOREG sejam excluídos da base de cálculo do tributo) caracteriza a sucumbência recíproca, como bem fixado pelo MM. Juiz a quo.

Face ao exposto, nega-se provimento aos recursos, nos termos do acórdão.

EUTÁLIO PORTO

Relator

(assinado digitalmente)

Dados do processo:

TJSP – Apelação / Remessa Necessária nº 4004569-35.2013.8.26.0223 – Guarujá – 15ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Eutálio Porto – DJ 16.08.2018

Fonte: INR Publicações.

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Alienação fiduciária em garantia – Ausência de prova da publicação do edital dos leilões no local da situação do imóvel – Leilão realizado em local diverso daquela em que situado o imóvel, sem previsão legal ou contratual – Registro inviável – Recurso não provido.


Apelação nº 1007423-92.2017.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1007423-92.2017.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1007423-92.2017.8.26.0100

Registro: 2018.0000562683

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1007423-92.2017.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são partes são apelantes BANESTES S/A – BANCO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO e ALBERTO LUIZ DE OLIVEIRA, é apelado 14º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso e mantiveram a recusa do registro do título, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 24 de julho de 2018.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1007423-92.2017.8.26.0100

Apelantes: Banestes S/A – Banco do Estado do Espírito Santo e Alberto Luiz de Oliveira

Apelado: 14º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 37.314

Registro de Imóveis – Alienação fiduciária em garantia – Ausência de prova da publicação do edital dos leilões no local da situação do imóvel – Leilão realizado em local diverso daquela em que situado o imóvel, sem previsão legal ou contratual – Registro inviável – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta por Banestes S/A – Banco do Estado do Espírito Santo e Alberto Luiz de Oliveira contra r. sentença que julgou procedente a dúvida inversa e manteve a negativa do registro de instrumento particular de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia, celebrado entre os apelantes, relativo aos imóveis objeto das matrículas nºs 39.015 e 39.016 do 14º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo.

A recusa do registro decorreu do fato de que os imóveis foram objeto de anterior contrato de alienação fiduciária em garantia em que houve a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário, Banestes S/A – Banco do Estado do Espírito Santo, que após promoveu leilões, sem licitantes, em comarca diversa daquela em situados os bens.

Os apelantes alegam, em suma, que não há previsão contratual para a realização dos leilões no local de situação dos imóveis e que essa obrigação não decorre da legislação que regulamenta a alienação fidicuária. Aduzem que o credor e o devedor fiduciante têm suas sedes em Vitória, Espírito Santo, e que os editais dos leilões foram publicados naquela Comarca e na Comarca da situação do imóvel, em conformidade com o previsto em contrato e para evitar alegação de desconhecimento pelo devedor. Afirmam que os leilões foram realizados na comarca das sedes do credor e do devedor e que em razão da ausência de licitantes foi movida ação de imissão de posse, julgada procedente por r. sentença que foi mantida pelo Eg. Tribunal de Justiça de São Paulo, com posterior venda dos imóveis ao apelante Alberto Luiz de Oliveira. Asseveram que em razão da consolidação da propriedade deram quitação do débito em favor do devedor. Requereram a reforma da r. sentença para que a dúvida seja julgada improcedente (fls. 287/295)

A douta Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 330/333)

É o relatório.

As certidões das matrículas de fls. 25/34 e 158/168 demonstram que o apelante Banestes S/A – Banco do Estado do Espírito Santo recebeu em alienação fiduciária em garantia, contratada com “Taura Trading Ltda.”, os imóveis objeto das matrículas nºs 39.015 e 39.016 do 14º Registro de Imóveis de São Paulo e que em razão do não pagamento do débito pelo devedor fiduciante teve a propriedade desses bens consolidada em seu favor.

Referidos imóveis consistem no apartamento 93 do 9º andar do Edifício Navarra (Matrícula nº 39.015) e em vaga de garagem indeterminada (Matrícula nº 39.016) do Edfiício Navarra, situados na Rua Rouxinol, 407, Saúde, São Paulo (fls. 158 e seguintes).

Com a consolidação da propriedade a apelante Banestes S/A – Banco do Estado do Espírito Santo promoveu os leilões dos imóveis, na forma do art. 27 da Lei nº 9.514/97:

Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, ofiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro deque trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão paraa alienação do imóvel.

§ 1º Se, no primeiro público leilão, o maior lance oferecido for inferior ao valor do imóvel, estipulado na forma do inciso VI do art. 24, será realizado o segundo leilão, nos quinze dias seguintes.

§ 2º No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais“.

A Lei nº 9.514/97 não dispõe de forma específica sobre os procedimentos para a realização dos leilões, prevendo somente que devem ser objeto de fixação no contrato, mas por se tratar de medida de proteção do devedor a fixação desses requisitos não pode ser dispensada pelas partes, nem ser previsto que serão fixados por ato unilateral do credor. Sobre o tema, manifesta-se Melhim Namem Chalhub:

“A lei não dispõe sobre os procedimentos para a realização do leilão, determinando, entretanto, que eles devem ser explicitados em cláusula do contrato de alienação fiduciária. Devem as partes, obviamente, ater-se asos princípios gerais que regem a matéria, já consagrados no Código de Processo Civil, na Lei 4.591/64 e no Decreto-lei 70/66. Assim, em atenção à segurança jurídica, os procedimentos do leilão deverão estar explicitamente previstos no contrato, podendo-se considerar, a título de sugestão os seguintes procedimentos: (…)” (“Negócio Fiduciário”, 3ª ed., Rio de Janeiro: RENOVAR,, 2006, p. 295).

O contrato celebrado entre as partes, ou seja, entre o apelante Banestes S/A – Banco do Estado do Espírito Santo e “Taura Trading Ltda.”, prevê que os leilões deveriam ser precedidos da publicação de edital em jornal de grande circulação no local dos imóveis, ou em de comarca de fácil acesso se inexistente jornal com circulação diária no local dos imóveis:

17) O público leilão (primeiro e segundo) será anunciado mediante edital único com prazo de 10 (dez) dias, contados da primeira divulgação, publicado em um dos jornais de maior circulação no local do(s) imóvel(s) ou noutro de comarca de fácil acesso, se, no local do(s) imóvel(s), não houver imprensa com circulação diária” (fls. 48 e 172 – grifei).

Contudo, a petição inicial deste procedimento de dúvida inversa e os documentos prenotados pelo Sr. 14º Oficial de Registro de Imóveis (fls. 141 e 189) os apelantes somente demonstram a publicação de edital no jornal “A Gazeta”, sem comprovar que se trata de jornal com grande circulação na Comarca de São Paulo que, como sabido, conta com vários jornais que atendem esse requisito.

Com efeito, os documentos de fls. 141 e 189 não demonstram a cidade em que circulou o jornal onde publicado o edital, contendo, apenas, certidão de autenticação realizada pelo 2º Tabelião de Notas da Comarca de Vitória, Espírito Santo.

A prova da regular publicação do edital era atribuição dos apelantes e deveria instruir o título apresentado para registro, o que não ocorreu.

Sem a prova da publicação do edital no local da situação dos imóveis, conforme previsto no contrato, não se mostra possível o registro do posterior contrato de compra venda celebrado entre os apelantes (fls. 200 e seguintes).

E essa prova não pode ser agora suprida porque o procedimento de dúvida somente comporta duas soluções que são a possibilidade, ou não, do registro do título protocolado e prenotado que, por sua vez, deve analisado tal como se encontrava no momento em que surgida a dissensão entre a apresentante e o Oficial de Registro de Imóveis.

Cabe também observar que a qualificação do titulo realizada no julgamento da dúvida é devolvida por inteiro ao Órgão para tanto competente, sem que disso decorra decisão extra petita ou violação do contraditório e ampla defesa, como decidido por este Colendo Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 33.111-0/3, da Comarca de Limeira, em v. acórdão de que foi relator o Desembargador Márcio Martins Bonilha:

Inicialmente, cabe ressaltar a natureza administrativa do procedimento da dúvida, que não se sujeita, assim, aos efeitos da imutabilidade material da sentença. Portanto, nesse procedimento há a possibilidade de revisão dos atos praticados, seja pela própria autoridade administrativa, seja pela instância revisora, até mesmo de ofício (cf. Ap Civ 10.880-0/3, da Comarca de Sorocaba).

Não vai nisso qualquer ofensa ao direito de ampla defesa e muito menos se suprime um grau do julgamento administrativo. O exame qualificador do título, tanto pelo oficial delegado, como por seu Corregedor Permanente, ou até em sede recursal, deve necessariamente ser completo e exaustivo, visando escoimar todo e qualquer vício impeditivo de acesso ao cadastro predial.

Possível, portanto, a requalificação do título nesta sede, ainda que de ofício, podendo ser levantados óbices até o momento não argüidos, ou ser reexaminado fundamento da sentença, até para alteração de sua parte dispositiva” (“Revista de Direito Imobiliário”, 39/339).

A ausência da prova da publicação do edital dos leilões no local da situação dos imóveis, na forma prevista no contrato de alienação fiduciária em garantia, basta para impedir o registro do novo contrato de compra e venda celebrado entre os apelantes.

Isso porque a regularidade dos leilões dos imóveis dados em alienação fiduciária em garantia, decorrentes do não pagamento das prestações pelo devedor fiduciante, diz respeito ao atendimento de norma de ordem pública e constitui matéria que deve ser apreciada de ofício.

Não bastasse, os leilões foram realizados na Comarca de Vitória, Espírito Santo (fls. 184/185), ou seja, em local distinto da situação dos imóveis, sem que para isso existisse previsão legal ou contratual.

A realização dos leilões no local da situação do imóvel, com divulgação mediante prévia publicação de edital no mesmo local, constitui medida de proteção ao devedor que tem direito à venda do imóvel pelo maior valor possível, uma vez que deverá receber a quantia que sobejar depois do pagamento do débito e encargos, como disposto nos §§ 4º e 5º do art. 27 da Lei nº 9.514/97:

“§ 4º Nos cinco dias que se seguirem à venda do imóvel no leilão, o credor entregará ao devedor a importância que sobejar, considerando-se nela compreendido o valor da indenização de benfeitorias, depois de deduzidos os valores da dívida e das despesas e encargos de que tratam os §§ 2º e 3º, fato esse que importará em recíproca quitação, não se aplicando o disposto na parte final do art. 516 do Código Civil.

§ 5º Se, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor referido no § 2º, considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de que trata o § 4º.

§ 6º Na hipótese de que trata o parágrafo anterior, o credor, no prazo de cinco dias a contar da data do segundo leilão, dará ao devedor quitação da dívida, mediante termo próprio”.

Por esse motivo, não pode a fixação do local do leilão ser atribuída à deliberação unilateral do credor que, neste caso concreto, o promoveu em cidade e Estado distintos daquele onde localizado os imóveis porque assim entendeu conveniente.

Lembra-se novamente, nesse ponto, que o contrato deve dispor sobre os requisitos previstos no art. 24 da Lei nº 9.514/97, não podendo as partes dispensá-los, nem proceder de forma contrária às normas contratuais, pois como esclarece José de Mello Junqueira:

Todos esses elementos exigidos pelo art. 24 são obrigatórios e devem constar do contrato, e ainda o prazo de carência previsto no § 2º do art. 26.

“São requisitos de validade para o título de constituição da propriedade fiduciária e que deverão ser observados, rigorosamente, pelas partes, Tabeliães e Registros de Imóveis e para que nasça o direito e garantia real nele representado”(“Alienação Fiduciária de Coisa Imóvel”, ARISP, 1998, pág. 46).

Essa solução não se altera pela quitação dada pelo credor fiduciário, após os leilões, uma vez que não decorreu de aceitação pelo devedor do procedimento que foi adotado unilateralmente pelo credor (fls. 180), mas foi feita em atendimento ao previsto no art. 27, § 6º, da Lei nº 9.514/97.

Por fim, a ação de imissão de posse teve como único fundamento a consolidação da propriedade dos imóveis em favor do credor fiduciário (fls. 72/74 e 299/302) e antecedeu os leilões que, portanto, não tiveram seu procedimento analisado naquele feito.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso e mantenho a recusa do registro do título.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 14.08.2018 – SP)

Fonte: INR Publicações | 14/08/2018.

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