Apelação – Mandado de segurança – ITBI – Cessão de direitos sobre a aquisição de propriedade imóvel – Incidência do imposto, por expressa disposição constitucional – Recurso provido.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necesária nº 1000550-57.2016.8.26.0247, da Comarca de Ilhabela, em que é apelante PREFEITURA MUNICIPAL DE ILHABELA e Recorrente JUIZO EX OFFÍCIO, são apelados APARÍCIO NAVEGA CALDEIRA e SUSANA DE BARROS CALDEIRA.

ACORDAM, em 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores OCTAVIO MACHADO DE BARROS (Presidente) e HENRIQUE HARRIS JÚNIOR.

São Paulo, 28 de junho de 2018.

João Alberto Pezarini

RELATOR

Assinatura Eletrônica

Voto nº 27659 [digital]

Apelação nº 1000550-57.2016.8.26.0247

Apelante: Município de Ilhabela

Apelados: Aparício Navega Caldeira e outro

Comarca: Ilhabela

APELAÇÃO – Mandado de segurança – ITBI – Cessão de direitos sobre a aquisição de propriedade imóvel. Incidência do imposto, por expressa disposição constitucional. Recurso provido.

Cuida-se de apelação (fls. 123/135) em face de sentença (fls. 116/118) que, reconhecendo que a lavratura de escritura de cessão de direitos possessórios sobre bem móvel não constitui fato gerador do ITBI, concedeu a ordem para afastar a exigibilidade do imposto, declarando nulo o respectivo lançamento, confirmando a decisão liminar.

Preliminarmente, apontou ilegitimidade passiva do Secretário de Assuntos Jurídicos, porquanto o ato apontado como coator foi praticado pelo Secretário de Finanças. Sustenta, ainda, impossibilidade da utilização do mandado de segurança para afastar ato praticado de acordo com o ordenamento jurídico.

Defende a cobrança do imposto sobre a cessão de direitos, conforme expressamente previsto na lei municipal e na Constituição Federal.

Daí pleiteia reforma.

Contrarrazões às fls. 141/151.

A hipótese comporta reexame necessário, nos termos do artigo 14, § 1º da Lei 12.016/2009, sendo inaplicáveis as exceções previstas no CPC.

É o relatório.

Inicialmente, rejeita-se a alegação de ilegitimidade passiva, impondo-se, na hipótese, a teoria da encampação, vez que a autoridade coatora indicada na inicial apresentou ampla defesa, refutando a pretensão inicial, sem qualquer prejuízo para a administração.

Também não há que se falar em inadequação da via eleita, vez que os impetrantes utilizaram-se do mandamus para evitar que a autoridade coatora pratique atos visando a cobrança de créditos decorrentes de tributos cujo lançamento considera ilegal.

Contudo, no mérito, razão assiste ao Município.

Dispõe o art. 156, II da Constituição Federal:

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:…

II -transmissão ‘inter vivos’, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição”.

O texto constitucional acima transcrito, especialmente o destaque feito na parte final, deixa claro que o ITBI incide sobre qualquer ato negocial que tenha conteúdo econômico a revelar capacidade contributiva.

O ITBI, portanto, é devido sobre a transmissão da propriedade, que nos termos da lei civil ocorre somente com o registro do título aquisitivo, e sobre a cessão de direitos relativos a sua aquisição.

Na hipóteserestou evidente a realização de negócio jurídico, com conteúdo econômico próprio, afigurando-se devido, portanto, o ITBI em razão da cessão de direitos efetivada.

Quanto à incidência do imposto sobre cessão de direitos, destaca-se lição extraída da obra Comentários a Constituição do Brasil[1]:

As cessões de direitos à aquisição de bens imóveis não são formas translativas da propriedade e, portanto, foram levadas ao âmbito de incidência do ITBI como forma de evitar-se a utilização desse subterfúgio como modo de elisão à incidência do ITBI. Salvo contrário poder-se-ia utilizar do expediente de sucessivas cessões sem a incidência do ITBI sobre a transmissão final. São exemplos de cessão de direitos: as de posse; de direitos hereditários; de compromisso de compra e venda, entre outros”.

Na mesma linha, esclarecedora lição de Aires F. Barreto:

“A abrangência constitucionalmente prevista teve em mira evitar que sucessivas cessões pudessem ficar sem tributação, incitante à fraude e à evasão. Previne, assim, a Magna Carta a possibilidade de sucessivas cessões de compromisso, por exemplo, ficarem fora do campo impositivo

(…)

Deveras, no caso de transmissão da propriedade imobiliária, bem como diante da transmissão de direitos reais sobre imóveis sendo, como vimos de ver, o critério material a ‘transmissão’ desses direitos -, não se pode considerar ocorrido o fato tributário senão a partir do instante em que se tenha operado a transmissão. E esta só ocorre quando da transcrição (inscrição, matrícula, registro) do título aquisitivo no registro imobiliário competente. (…) Há autores que defendem o nascimento da obrigação tributária no momento da formação do ato ou negócio jurídico que possibilita a transmissão (que só ocorre posteriormente).

(…)

“Estamos convencidos de que, a despeito da consideração que esses autores nos merecem, aceitar tal tese equivale a alterar a materialidade da hipótese de incidência para ‘imposto sobre a formalização de atos ou negócios tendentes à transmissão imobiliária’, em vez de mantê-la intacta como imposto sobre a transmissão. A formalização do ato só é demarcadora do momento de ocorrência do fato tributário, no caso de ‘cessão de direitos à aquisição de imóveis’, porquanto a materialidade da hipótese de incidência já não é mais a transmissão, mas apenas a cessão de direitos.”[2] (destacamos).

Nesse quadro, de rigor a reforma da sentença.

Posto isso, dá-se provimento ao apelo.

João Alberto Pezarini

Relator


Notas:

[1] JJ Gomes Canotilho, Gilmar Mendes, Ingo Wolfgang Sarlet e Lenio Luiz Streck, Editora Saraiva, 1ª Edição, 2013, p.1731.

[2] Curso de Direito Tributário Municipal, Editora Saraiva, 2009, p. 289 e 291 e verso.

Dados do processo:

TJSP – Apelação / Remessa Necesária nº 1000550-57.2016.8.26.0247 – Ilhabela – 14ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. João Alberto Pezarini – DJ 01.08.2018

Fonte: INR Publicações.

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1ªVRP/SP: Registro de Imóveis. Formal de Partilha. Desnecessidade de autorização do cônjuge (outorga uxória ou marital)- ato anulável. Cessão de Direitos Hereditários- ITBI. ITCMD.


Processo 1042837-20.2018.8.26.0100

Espécie: PROCESSO
Número: 1042837-20.2018.8.26.0100

Processo 1042837-20.2018.8.26.0100 – Dúvida – REGISTROS PÚBLICOS – Décimo Cartório de Registro de Imóveis – Heloisa Pinna Bernardo – Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Heloísa Pinna Bernardo, após negativa de registro de formal de partilha cujo objeto é o imóvel matriculado sob o nº 58.345 na mencionada serventia. Foram apresentados 3 óbices. O primeiro diz respeito à necessidade de autorização do cônjuge para a cessão de direitos hereditários. O segundo, também relativo a cessão de direitos, se deu pois a suscitante não comprovou o recolhimento de ITBI sobre a operação. Por fim, exige o Oficial a comprovação de recolhimento de ITCMD sobre a totalidade do imóvel, sendo que apenas foi comprovado o recolhimento sobre os direitos de uma das herdeiras. O Oficial aduz que a primeira exigência tem respaldo no Art. 1647, I, do Código Civil. Quanto ao ITBI, alega que o imposto é cabível nas hipóteses de cessão de direitos hereditários, conforme Art. 2º, X, da Lei Municipal nº 11.154/91; justifica o último óbice, finalmente, no fato do recolhimento do ITCMD só ter sido comprovado com relação a metade ideal do imóvel. Juntou documentos às fls. 04/55. Houve Impugnação da suscitada às fls. 59/63, com documentos às fls. 64/82. Alega que o cônjuge anuiu com a cessão durante o processo judicial de partilha. Diz que o ITBI só é devido após o registro da transação, sendo inexigível na hipótese, e que o ITCMD não pode ser exigido pelo Oficial, pois a sentença que homologou a partilha já verificou o recolhimento de tributos, que, de qualquer forma, estaria prescrito. O Ministério Público opinou às fls. 86/90, pela parcial procedência da dúvida, afastando-se o primeiro óbice. A suscitada manifestou-se às fls. 91/95. É o relatório. Decido. Conforme bem exposto pelo Ministério Público, o óbice referente a anuência do cônjuge para validade da cessão de direitos deve ser afastado. Isso porque o Art. 1.649 é expresso no sentido de que a outorga prevista no Art. 1.647 do Código Civil é anulável, sendo o cônjuge a parte que deve arguí-la (Art. 1.650). E, conforme Art. 177 do mesmo Código, o ato anulável só deixa de ser considerado válido após sentença transitada em julgado, razão pela qual o Oficial não pode negar o registro com base em tal vício. Neste sentido, os precedentes do E. Conselho Superior da Magistratura: REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – ESCRITURA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – VENDEDOR REPRESENTADO PELO PROPRIO COMPRADOR – NULIDADE RELATIVA – INVIABILIDADE DE RECONHECIMENTO DE OFÍCIO – RECURSO PROVIDO. (Ap. Cível nº 3002501-95.2013.8.26.0590, Rel. Des. Elliot Akel, j. 07/10/14) REGISTRO DE IMÓVEIS – Compromisso de compra e venda celebrado sem anuência dos demais descendentes – Negócio jurídico anulável – Interesse privado – Inviabilidade do exame da validade do contrato em processo administrativo – Necessidade de processo jurisdicional – Cabimento do registro – Recurso não provido (Apelação 0029136-53.2011.8.26.0100, Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, j. 31.05.2012). Ainda que assim não fosse, a homologação judicial do formal de partilha, em que expressamente constou a cessão de direitos, supre eventual vício presente no conteúdo material da partilha, não sendo cabível o impedimento do registro com base neste argumento. (Cf. Proc. 1113669-83.2015.8.26.0100, CGJ, Parecer: Iberê de Castro Dias, aprovado pelo Corregedor Geral Pereira Calças). Veja-se ainda que o juiz da partilha tratou da questão dos cônjuges e da cessão de direitos (fl. 43), o que afasta eventual alegação de que houve omissão quanto a exigência legal. Deste modo, de rigor o afastamento da primeira exigência. Contudo, a mesma sorte não socorre a suscitada quanto aos demais óbices, tendo razão o Oficial e o Ministério Público. No que diz respeito ao ITBI, o Art. 2º, X, da Lei Municipal nº 11.154/91 assim prevê: “Art. 2º – Estão compreendidos na incidência do imposto: (…) X – A cessão de direitos à sucessão” Portanto, a lei é expressa no sentido de que a cessão de direitos é hipótese de incidência tributária, não sendo cabível ao Oficial ou a este juízo administrativo adentrar no mérito da existência ou do momento do fato gerador: havendo previsão legal, o imposto é devido e seu recolhimento deve ser comprovado para fins de registro, sob pena de responsabilização do Oficial, conforme artigos 289, da Lei 6.015/73, 134, VI, do Código Tributário Nacional e inciso XI do art. 30 da Lei 8.935/1994. Como bem lembrado pela D. Promotora, há precedente específico quanto a hipótese de cessão de direitos e ITBI: REGISTRO DE IMÓVEIS – CARTA DE ADJUDICAÇÃO EXPEDIDA NOS AUTOS DE AÇÃO DE INVENTÁRIO – TÍTULO NÃO IMUNE À QUALIFICAÇÃO REGISTRAL – IMPOSSIBILIDADE, PORÉM, DE A QUALIFICAÇÃO INVADIR O MÉRITO DA DECISÃO JUDICIAL – CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS HOMOLOGADA NOS AUTOS DO INVENTÁRIO – FALTA DE RECOLHIMENTO DE ITBI RECONHECIDA DE OFÍCIO – RECURSO PROVIDO PARA RECONHECER A IMPROCEDÊNCIA DAS EXIGÊNCIAS FEITAS PELO REGISTRADOR, MANTIDA, PORÉM, A RECUSA DO REGISTRO POR MOTIVO DIVERSO. (Ap. Cível nº 0000418-72.2015.8.26.0531, Rel. Des. Xavier de Aquino, j. em 09/11/2015) Finalmente, quanto ao ITCMD, este juízo reconhece que não cabe ao Oficial verificar a correção do valor do tributo (Cf. Proc. 1003935-66.2016.8.26.0100), mas apenas seu recolhimento. Na presente hipótese, o Oficial aduz que o valor referente a herdeira Patrícia está incorreto, mas não apresenta qualquer óbice quanto a este fato, com base nos precedentes desta Corregedoria Permanente. O óbice diz respeito ao não recolhimento do tributo relativo ao montante cabível à herdeira Heloisa. Portanto, o Oficial está a verificar a existência de recolhimento de tributo devido, e não seu valor, o que se demonstra correto, pois a cada herdeiro equivale uma cota da herança, com fatos geradores isolados (Art. 2º, §1º da Lei 10.705/00), que demandam a comprovação do recolhimento relativo a cada um deles. Não consta dos autos homologação do recolhimento do imposto pelo juízo de sucessões ou pela Fazenda Estadual, ou comprovante de pagamento da cota de Heloisa, o que impede o registro pleiteado. Ainda, este juízo não pode reconhecer a prescrição alegada, que demanda processo nas vias ordinárias em que haja participação do órgão fazendário, com contraditório e ampla defesa, mitigados nesta via administrativa. Se a parte postergou o registro da partilha por mais de 20 anos após sua realização, este atraso não justifica eventual falta dos requisitos formais para a realização do registro. Se a suscitada entende não dever qualquer tributo, deve buscar declaração neste sentido, seja judicial ou do órgão fiscal competente, não sendo possível, como exposto, o afastamento da comprovação do recolhimento por este juízo. Do exposto, julgo parcialmente procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Heloísa Pinna Bernardo, para os fins de afastar o óbice nº 1 da nota devolutiva de fls. 54/55 e manter os óbices nºs 2 e 3, mantendo a recusa ao registro do título. Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. – ADV: MANUEL CARLOS SIQUEIRA CUNHA (OAB 128544/SP) (DJe de 01.08.2018 – SP).

Fonte: DJE/SP | 01/08/2018.

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