Registro Civil de Pessoa Jurídica – Averbação de ata de assembleia geral de eleição de diretoria – Recusa, por constar da redação do estatuto, ao lado das práticas estritamente religiosas, atividades de musicalização, alfabetização e outras – Natureza mista das atividades da entidade religiosa, ensejando o registro como associação, ou alteração do estatuto para que suas atividades sejam restritas ao culto religioso e à liturgia – Juízo negativo de qualificação registral confirmado – Pedido de providências improcedente – Recurso Provido.


Número do processo: 1096194-80.2016.8.26.0100

Ano do processo: 2016

Número do parecer: 214

Ano do parecer: 2017

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1096194-80.2016.8.26.0100

(214/2017-E)

Registro Civil de Pessoa Jurídica – Averbação de ata de assembleia geral de eleição de diretoria – Recusa, por constar da redação do estatuto, ao lado das práticas estritamente religiosas, atividades de musicalização, alfabetização e outras – Natureza mista das atividades da entidade religiosa, ensejando o registro como associação, ou alteração do estatuto para que suas atividades sejam restritas ao culto religioso e à liturgia – Juízo negativo de qualificação registral confirmado – Pedido de providências improcedente – Recurso Provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Inconformado com a sentença que rejeitou pedido de providências, determinando averbação de ata da assembleia geral com eleição da diretoria da Igreja Evangélica Assembleia de Deus Bereana, recorreu o Ministério Público de São Paulo, aduzindo, em síntese, que, consoante já decidido por esta Corregedoria Geral de Justiça, atividades alheias ao culto e à propagação da fé – como projetos culturais e sócio educacionais –, ainda que levem a tal resultado, não podem ser englobadas nas ações das organizações religiosas. Prosseguiu sustentando que a subsunção de uma pessoa jurídica à condição legal de organização religiosa tem caráter excepcional e merece interpretação restritiva.

Em nova manifestação, o 4º Oficial de Registro de Títulos e Documentos da Capital afirmou ter revisto seu posicionamento, passando a considerar que o título era passível de ingresso, em razão da ampliação do conceito de organização religiosa, especialmente tendo em vista o advento da Lei n. 13.019/2014, que teria posto fim a qualquer dúvida quanto à possibilidade de realizarem atividades que não tenham fins exclusivamente religiosos.

Sobrevieram, ainda, contrarrazões recursais, pela mantença do julgado.

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso.

É o relatório.

A recorrida pediu a averbação da ata de assembleia geral de eleição de sua nova diretoria, tendo sido recusada a teor de que “As organizações religiosas devem possuir em seus objetivos e finalidades sociais apenas questões ligadas às atividades espirituais e/ou religiosas.(…) Dessa forma, torna-se necessário apresentar para registro ata da assembleia geral que deliberou a respeito da alteração do artigo 2º do estatuto social” (nota de devolução de fls. 06).

Em que pese a revisão de posicionamento pelo Oficial Registrador, entendo ter sido corretamente lançada a nota de devolução.

Com efeito, em recente julgado do Conselho Superior da Magistratura, nos autos da Apelação Cível n. 102.3847-89, de relatoria de Vossa Excelência, reafirmou-se o entendimento restritivo quanto ao conceito de organização religiosa.

No caso ali analisado, a Igreja Apostólica Fonte da Vida continha em seu estatuto previsão de desenvolvimento de atividades estranhas à pregação de sua fé, abrangendo estabelecimento de “escolas e faculdades não confessionais, promoção de cursos profissionalizantes e outras iniciativas direcionadas ao incremento de políticas sociais básicas de saúde, recreação, esporte, cultura e lazer”.

Diante da abrangência das atividades da entidade mencionada, entendeu-se que, sobre não se dedicar exclusivamente ao culto e à liturgia, não poderia ser beneficiada pela liberdade e informalidade previstas no art. 44, parágrafo 1º, do Código Civil, não se tratando de organização religiosa em sentido estrito.

Ali se destacou que a entidade, ao desenvolver atividades mistas, não se restringindo à propagação de sua fé, assumiu a condição de associação.

Respeitado o douto entendimento divergente, considero que o precedente mencionado se enquadra exatamente no caso em análise, uma vez que a Igreja Evangélica Assembleia de Deus Bereana tem, dentre suas finalidades estatutárias, a de “desenvolver projetos culturais e sócio-educacionais, tais como: alfabetização, musicalização, estudos bíblicos, teológicos e outros, através da realização de palestras, seminários e afins. A Igreja poderá criar e manter instituições culturais e educacionais, que terão regimentos próprios, para a formação moral, intelectual e religiosa dos indivíduos, de acordo com sua visão ministerial e de conformidade com a Bíblia Sagrada” (Artigo 2°, IV, fls. 28 – grifos nossos).

A leitura do artigo acima indicado não deixa margem à dúvida de que as atividades da entidade em questão vão além do culto e da liturgia, incluindo o desenvolvimento de projetos culturais e sócio educacionais, dentre os quais a alfabetização e a musicalização são apenas alguns exemplos, tendo em vista a expressão “dentre outros”, que os precede. Ainda, há previsão de criação de instituições culturais e educacionais, inclusive para formação intelectual dos indivíduos, os quais sequer se restringem aos próprios fiéis.

Cuida-se de finalidade bastante abrangente, que dá margem ao desenvolvimento de atividades não relacionadas diretamente com o culto e a liturgia.

No precedente acima indicado, citou-se parecer aprovado nos autos do processo n. 147.741/2013, pelo Desembargador Hamilton Elliot Akel: “Com auxílio do escólio de Pontes de Miranda, lá se destacou: as pessoas jurídicas que, ao lado das atividades religiosas, dedicam-se, sem fins econômicos, à prestação de serviços educacionais, culturais, recreativos, esportivos, entre outros, não se encaixam, para os fins do § 1° do art. 44 do CC, no conceito de organizações religiosas, submetendo-se, por conseguinte, ao regimejurídico das associações.”

Ressaltou-se, inclusive, que a classificação da pessoa jurídica de direito privado como organização religiosa ou como associação não repercutiria na possível imunidade tributária de que possa se beneficiar, não sendo tal benefício privativo de organizações religiosas.

Não se ignora o disposto na Lei n. 13.019, de 13 de julho de 2014, especialmente em seus arts. 2°, I, c e 84-C, XII. Entretanto, tais dispositivos legais devem ser interpretados à luz do ordenamento jurídico vigente e, em especial, do art. 5º, VI, da Constituição Federal.

Consoante exposto nos autos do precedente acima indicado, “A CF, art. 5º, VI, assegura a liberdade de exercício de cultos religiosos e garante, na forma da lei, ‘a proteção aos locais de culto e a suas liturgias’. Vê-se que a liberdade de organização religiosa está limitada às finalidades de culto e liturgia. Somente para esses fins pode ser consideradaorganização religiosa e assim registrada. Se a comunidade religiosa desenvolve outras atividades, de caráter econômico, como instituições educacionais ou empresariais, estas não se consideram incluídas no conceito de ‘organizações religiosas’ para os fins da Constituição e do Código Civil, pois não destinadas diretamente para culto ou liturgia.”

Em suma, o Legislador, ao fazer referência a organizações religiosas na Lei 13.019/2014, não foi preciso na expressão adotada, referindo-se a entidades religiosas que também desenvolvam outras atividades, ou seja, organizações religiosas em sentido amplo e não no sentido estrito do art. 44, parágrafo primeiro, do Código Civil e art. 5º, VI, da Constituição Federal.

Pelas razões expostas, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência, é no sentido de se dar provimento ao recurso, julgando-se procedente o pedido de providências e, em consequência, mantendo-se a recusa de averbação.

Sub censura.

São Paulo, 19 de maio de 2017.

Tatiana Magosso

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo, pelas razões expostas, o parecer da MM. Juíza Assessora, para o fim de dar provimento ao recurso administrativo, mantendo o óbice ao ingresso do título. Publique-se. São Paulo, 23 de maio de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça – Advogada: ANA CRISTINA WRIGHT WELSH, OAB/SP 180.368.

Diário da Justiça Eletrônico de 15.09.2017

Decisão reproduzida na página 243 do Classificador II – 2017

Fonte: INR Publicações.

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Escritura de instituição de servidão predial – Desqualificação – Manutenção das exigências pela MM. Juíza Corregedora Permanente – Imóveis dominante e servientes pertencentes ao mesmo proprietário – Notícia, ademais, de que a servidão visa à realização de parcelamento irregular do solo, com a abertura irregular de via pública – Impossibilidade da inscrição – Recurso improvido.


Apelação nº 1000862-76.2016.8.26.0071

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1000862-76.2016.8.26.0071
Comarca: BAURU

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1000862-76.2016.8.26.0071

Registro: 2017.0000990289

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1000862-76.2016.8.26.0071, da Comarca de Bauru, em que são partes é apelante GCKON PARTICIPAÇÕES LTDA., é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE BAURU.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento. v. u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente sem voto), ADEMIR BENEDITO (VICE PRESIDENTE), PAULO DIMAS MASCARETTI(PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA), XAVIER DE AQUINO (DECANO), LUIZ ANTONIO DE GODOY(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 12 de dezembro de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1000862-76.2016.8.26.0071

Apelante: Gckon Participações Ltda.

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Bauru

VOTO Nº 29.819

Registro de Imóveis – Dúvida – Escritura de instituição de servidão predial – Desqualificação – Manutenção das exigências pela MM. Juíza Corregedora Permanente – Imóveis dominante e servientes pertencentes ao mesmo proprietário – Notícia, ademais, de que a servidão visa à realização de parcelamento irregular do solo, com a abertura irregular de via pública – Impossibilidade da inscrição – Recurso improvido.

Trata-se de recurso de apelação interposto por GCKON Participações Ltda. contra a sentença de fls. 304/306, que julgou procedente a dúvida registrária, mantendo a recusa ao registro de escritura pública de instituição de servidão predial relativa a imóveis matriculados no 2º Registro de Imóveis de Bauru.

Sustenta a apelante, em resumo, que a figura da servidão por destinação é aceita pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e pelos Tribunais Superiores; que a situação de seus imóveis é regular perante a Prefeitura de Bauru; e que a inscrição pretende regularizar situação consolidada. Pede, for fim, a reforma da sentença de primeiro grau (fls. 312/320).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 337/340).

É o relatório.

Segundo consta, a apelante apresentou no 2º Registro de Imóveis de Bauru a escritura pública copiada a fls. 11/16, por meio da qual, na condição de outorgante e de outorgada, institui servidão em favor de dez imóveis de sua propriedade (matrículas nº 105.191, 105.192 105.195, 105.196, 115.771, 115.772, 113.011, 113.012, 113.013 e 113.014), figurando como serviente outro imóvel de que é titular (matrícula nº 105.197).

O título foi desqualificado por duas razões: a) não há previsão legal de instituição de servidão predial na hipótese de os imóveis serviente e dominante serem do mesmo titular; e b) a qualificação positiva aparentemente implicaria parcelamento irregular do solo urbano (fls. 2).

Suscitada a dúvida, ambas as exigências foram mantidas pela MM. Juíza Corregedora Permanente (fls. 304/306).

Agora, apela GCKON Participações Ltda., pedindo a reforma da sentença de primeiro grau.

O recurso não vinga.

Preceitua o artigo 1.378 do Código Civil:

Art. 1.378. A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subsequente registro no Cartório de Registro de Imóveis.

A leitura do dispositivo legal mostra que um dos pressupostos da servidão é que os imóveis dominante e serviente sejam de titularidade dominial diversa. E isso aqui não ocorre, pois o imóvel dominante e os dez servientes são todos de propriedade da apelante.

Não se ignora que a doutrina e a jurisprudência reconhecem que uma servidão pode ser constituída por destinação do proprietário, quando esse, titular de domínio de dois imóveis, estabelece uma serventia de um prédio sobre o outro.

No entanto, mesmo nesse caso, para que se reconheça que a mera serventia se tornou servidão, imprescindível a diversidade de proprietários. Sobre o tema, citando a lição de Washington de Barros Monteiro, ensina Carlos Roberto Gonçalves:

A servidão nasce, portanto, no momento em que os prédios passam a pertencer a donos diversos, deixando de ser mera serventia do anterior e único proprietário.

(…)

Esse modo de constituição das servidões subordina-se, segundo a lição de Washington de Barros Monteiro, ao concurso de três requisitos: ‘a) o estado visível da coisa, existência de obras que revelem a destinação; b) a separação dos dois prédios, que passam a pertencer a proprietários diferentes; c) a falta de declaração contrária ao estabelecimento da servidão’” [1].

Ou seja, para que a serventia possa ser tida como servidão, indispensável que os imóveis passem a ter diferente proprietários.

Se não bastasse esse obstáculo de ordem formal, a segunda exigência, que diz respeito ao possível parcelamento irregular do solo, também deve ser mantida.

Com efeito, em que pesem as alegações da apelante, o Município de Bauru, intimado neste procedimento administrativo, afirmou, de modo categórico, que a instituição das servidões aqui analisadas visa ao parcelamento irregular do solo. Explicou, confirmando a suspeita do registrador, que a apelante realizou desdobros da gleba original sem autorização do Poder Público, comercializou as áreas resultantes e agora, sem projeto de loteamento, pretende instituir as servidões justamente para que elas façam as vezes de rua (fls. 153/161).

Considerando esses fatos e que o parcelamento do solo urbano deve observar os ditames da Lei nº 6.766/79 e do Plano Diretor Municipal, não se pode admitir manobra que tenha por objetivo driblar disposições cogentes que visam a organizar a ocupação da cidade.

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Direito Civil Brasileiro, Volume V: Direito das Coisas 2ª ed. rev. e atual. Saraiva 2008, p. 431 (DJe de 15.03.2018 – SP)

Fonte: INR Publicações | 15/03/2018.

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