PCA. TJ/PE. PEDIDO DE EXCLUSÃO DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL DO EDITAL DE CONCURSO. MATÉRIA JUDICIALIZADA ANTERIORMENTE. QUESTÃO TRAZIDA COM NOVA CAUSA DE PEDIR. DESISTÊNCIA POSTERIOR DO PROCESSO JUDICIAL.


Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO – 0004656-39.2014.2.00.0000 Requerente: PETRONIO BARBOSA DE ARRUDA

Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO – TJPE

EMENTA 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TIRBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO. PEDIDO DE EXCLUSÃO DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL DO EDITAL DE CONCURSO. MATÉRIA JUDICIALIZADA ANTERIORMENTE. QUESTÃO TRAZIDA COM NOVA CAUSA DE PEDIR. DESISTÊNCIA POSTERIOR DO PROCESSO JUDICIAL.

  1. Conquanto os pedidos da seara administrativa e da judicial sejam, de fato, diferentes, o requerente busca exatamente o mesmo objeto, qual seja, permanecer como a única serventia com atribuição para notas e protestos no Município de Ipojuca/PE.
  2. O Conselho tem entendimento firmado no sentido de recusar a análise de questão afetada judicialmente com o fim de se evitar decisões eventualmente conflitantes, em busca da harmonização dos pronunciamentos do Poder Judiciário e da preservação da segurança jurídica, ainda que o requerente consiga trazer sua questão por meio de nova causa pedir, mas com a questão de fundo igual à levada na via judicial;
  3. O fato de o recorrente ter desistido de uma das ações mandamentais não tem o condão de fazer com que este Conselho examine o mérito do presente procedimento, uma vez que a desistência ocorreu apenas depois do arquivamento do presente feito neste Conselho;
  4. Recurso conhecido e, no mérito,

ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, o Conselheiro Flavio Sirangelo e, circunstancialmente, a Conselheira Nancy Andrighi. Presidiu o julgamento o Conselheiro Ricardo Lewandowski. Plenário, 3 de março de 2015. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Ricardo Lewandowski, Nancy Andrighi, Maria Cristina Peduzzi, Ana Maria Duarte Amarante Brito, Guilherme Calmon, Deborah Ciocci, Saulo Casali Bahia, Rubens Curado Silveira, Luiza Cristina Frischeisen, Gilberto Martins, Paulo Teixeira, Gisela Gondin Ramos, Emmanoel Campelo e Fabiano Silveira.

RELATÓRIO 

  1. Trata-se de Recurso Administrativo interposto por Petrônio Barbosa de Arruda em face da decisão monocrática que não conheceu o presente procedimento e determinou seu
  2. O recorrente, no Procedimento de Controle Administrativo (PCA) instaurado em face do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE), requereu a republicação do anexo 01 do Edital nº 01/2012 com a lista de serventias vagas, excluindo a Serventia de Notas do Município de Ipojuca/PE do

Alegou que a Lei Complementar nº 196/2011, que reorganizou os serviços notariais do Estado de Pernambuco, estabelece a existência de apenas um ofício com atribuição para notas e protestos no Município de Ipojuca/PE, delegação atualmente provida e exercida pelo Ofício do qual é o titular e que só será perdida quando configurada a sua vacância.

Aduziu, todavia, que consta no anexo 01 do Edital nº 01/2012 uma serventia notarial no município de Ipojuca/PE na lista de serventias vagas ofertadas no concurso.

Sustentou que é titular do atual Cartório Único com atribuição para os serviços notariais e de registro e que o TJPE criou, ao incluir no concurso uma nova serventia notarial no município de Ipojuca/PE, um novo cartório sem qualquer previsão legal, haja vista que a Lei Estadual Complementar nº 196/11 apenas previu a criação de um Cartório de Registro de Imóveis no Município de Ipojuca/PE, oriundo do desmembramento da circunscrição territorial, conforme se extrai do art. 10 da mencionada Lei.

Destacou que o TJPE incorreu em equívoco grave quando da publicação do Edital nº 01/2012 ao incluir, no seu anexo 01, uma serventia de Notas vaga no Município de Ipojuca/PE, pois em nenhum momento houve previsão legal de criação de nova serventia notarial, mas apenas uma nova serventia de Registro Geral de Imóveis com atribuições para registro de imóveis e registro de títulos e documentos e civil das pessoas jurídicas.

Ao final, requereu medida liminar para determinar ao TJPE que promova a republicação do anexo 01 do Edital nº 01/2012 e a exclusão da Serventia de Notas do Município de Ipojuca até decisão definitiva de mérito do procedimento. No mérito, pugnou pela total procedência do presente PCA, determinando a exclusão do Cartório de Notas do Município de Ipojuca/PE do anexo 01 do Edital nº 01/2012.

  1. Instado a se manifestar, o TJPE prestou informações no sentido de que o presente procedimento deve ser arquivado de plano, com fundamento no art. 25, X do Regimento Interno deste

Sustentou que ” o requerente não tem direito adquirido à manutenção do status quo da organização dos serviços de notas e de registro da Comarca de Ipojuca. Tem direito ao pleno exercício da sua delegação, no caso para os serviços de registro de imóveis e para os serviços de tabelionato de notas. Neste aspecto, a Lei Complementar nº 196/2011, preservou o seu direito ao pleno exercício da delegação, de modo que a transformação da sua serventia em serviço registral puro, por assim dizer, efetivar-se-á somente a partir da configuração da vacância .”.

  1. Em manifestação avulsa, o recorrente argumentou que a matéria do presente procedimento não se encontra judicializada e voltou a destacar que a inclusão, no Edital TJPE nº 01/2011, de uma serventia notarial na comarca de Ipojuca/PE não tem previsão

Em decisão monocrática deixei de conhecer o procedimento, nos termos do inciso X do artigo 25 do Regimento interno do Conselho Nacional de Justiça, e determinei o arquivamento no feito.

  1. Em sede de Recurso Administrativo, o recorrente requereu preferência no processamento e julgamento do feito, por ter mais de 60 anos nos termos do art. 71, § 1º da Lei Federal 741/2003.

Argumenta que a matéria do presente procedimento não se encontra judicializada, pois trata da inclusão de serventia notarial inexistente no concurso público instituído através do edital nº 01/2012, objeto diverso daqueles tratados nos Mandados de Segurança nsº 0008095-54.2012.8.17.0000 e 00068-38.2013.8.17.0000, que questionam o desmembramento da circunscrição do Cartório Único da Comarca de Ipojuca.

Afirma que o TJPE pretende, por meio de ato administrativo, restabelecer a eficácia do art. 8º da revogada Res. nº 291/2010/TJPE, que previa expressamente a criação de uma serventia registral e outra notarial no município de Ipojuca/PE, omitindo a redação do art. 10 da Lei Estadual nº 196/2011, bem como a decisão do Supremo Tribunal Federal nos autos da ADI nº 4.453, que declarou sua inconstitucionalidade.

Ao final requer o conhecimento e provimento do Recurso Administrativo, determinando a exclusão do Cartório de Notas do Município de Ipojuca/PE do anexo 01 do Edital nº 01/2012.

  1. Em manifestação avulsa o recorrente juntou seu pedido de desistência do Mandado de Segurança nº 0000683-38.2013.8.17.0000 (294406-9) (ID 1573450) e destacou que, diante de tais fatos, fica afastada a tese de que a matéria do procedimento encontra-se

É o breve relato do necessário.

VOTO  .

  1. Recebo o recurso administrativo interposto, por tempestivo e adequado. O recorrente se insurge contra decisão por mim proferida, que determinou o arquivamento liminar do procedimento pelos seguintes fundamentos:
  1. Cuida-se de PCA com pedido para determinar ao TJPE republicar o anexo 01 do Edital nº 01/2012 com a lista de serventias vagas, determinada por meio do Pedido de Providências nº 0000654-60.2013.2.00.0000, para excluir a Serventia de Notas do Município de Ipojuca/PE do

Conforme relatado, a Lei Estadual Complementar nº 196/11, que reorganizou os serviços notariais e de registro no âmbito do Estado de Pernambuco, previu as seguintes serventias para o Município de Ipojuca/PE:

Art. 10. No Município de Ipojuca haverá duas serventias registrais, com atribuição para registro de imóveis e registro de títulos e documentos e civil das pessoas jurídicas, uma serventia de tabelionato, com atribuição para notas e protesto e uma serventia de registro civil das pessoas naturais, preservando-se as unidades dos distritos judiciários.

”    Parágrafo único   . A nova estrutura dar-se-á mediante a observação das seguintes normas”:

  • I – desmembramento da circunscrição territorial do município, implicando na criação de uma serventia registral, com atribuição para o registro de imóveis e registro de títulos e documentos e civil das pessoas jurídicas, observando-se as seguintes delimitações territoriais”:
  • a) a circunscrição da 1ª serventia registral da comarca de Ipojuca delimita-se ao leste pelo Oceano Atlântico; ao sul, pela divisa com o Município de Sirinhaém, até a PE-60, que delimita ao oeste até a confluência com a PE-38, seguindo a leste por esta rodovia até a intersecção com a PE-09, que se inflete a sudeste até alcançar o Rio Merepe, seguindo o curso desse rio na direção nordeste até a confluência com o Rio Ipojuca, continuando pelo Rio do Aterro até o limite administrativo/territorial de Suape”;
  • b) a circunscrição da 2ª serventia registral da comarca de Ipojuca delimita-se ao sul pela divisa com o Município de Sirinhaém, ao oeste pela divisa com o Município de Escada, ao norte pela divisa com o Município de Cabo de Santo Agostinho, ao leste pela PE-60, que segue em direção norte até o encontro com a PE-38, prosseguindo por esta rodovia até a intersecção com a PE-09, que se inflete a sudeste até alcançar o Rio Merepe, seguindo o curso desse rio na direção nordeste até a confluência com o Rio Ipojuca, continuando pelo Rio do Aterro até o limite administrativo/territorial de Suape, prosseguindo em direção leste até o encontro com o Oceano Atlântico, sendo a partir daí delimitada a leste pelo Oceano Atlântico”;
  • II – a partir de configurada a vacância, a serventia do atual ofício único perderá a delegação referente ao tabelionato de notas e protesto”.
  1. Dessa forma, sustenta o requerente que a Lei Complementar nº 196/11 estabeleceu, no seu artigo 10, que o Município Ipojuca/PE contaria com duas serventias de registro de imóveis – sendo a atual por ele titularizada e uma nova serventia de registro a ser criada – e apenas uma serventia de tabelionato, com atribuição para notas e protesto , cujo titular também é o requerente, por se tratar de cartório único.
  2. Contudo, como o TJPE incluiu, no Edital referente à abertura de concurso público para provimento de serventias vagas no Estado de Pernambuco, uma nova serventia com atribuição para notas e protestos no Município    . O requerente sustenta que o Tribunal feriu o artigo 10 da Lei Complementar nº 196/11, uma vez que não havia previsão legal de criação dessa nova
  3. Verifico, no entanto, que o requerente impetrou dois Mandados de Segurança tombados sob os nsº 0008095-54.2012.8.17.0000 e nº 00068-38.2013.8.17.0000 no âmbito do TJPE com os seguintes pedidos: i) declarar a inconstitucionalidade incidental do 10 da Lei Complementar Estadual nº 196/2011 por via difusa e, consequentemente, declarar a nulidade do Ato nº 1089-SEJU -cujo teor refere-se à relação geral dos serviços de notas e registros vagos no Estado de Pernambuco – em relação as serventias notarial e registral do Município de Ipojuca/ PE; e ii) declarar a inconstitucionalidade incidental do art. 10 da Lei Complementar nº 196/2011 por via difusa.
  4. Conquanto os pedidos sejam, de fato, diferentes, o requerente busca exatamente o mesmo objeto, qual seja, permanecer como a única serventia com atribuição para notas e protestos no Município de Ipojuca/PE , uma vez que o requerente sustenta nos Mandados de Segurança “que o ato coator, que representa a concretização da norma legal abstrata, com referência direta ao Impetrante, constituindo-se tal ato na violação concreta de seu direito líquido e certo de manter a titularidade integral da serventia cuja titularidade lhe foi outorgada pelo mesmo tribunal, especialmente quando tal desmembramento ocorreu em frontal desobediência às normas legais e constitucionais, como se demonstrará”.

Nesse passo, este Conselho tem entendimento firmado no sentido de recusar a análise de questão afetada judicialmente com o fim de se evitar decisões eventualmente conflitantes, em busca da harmonização dos pronunciamentos do Poder Judiciário e da preservação da segurança jurídica, ainda que o requerente consiga trazer sua questão por meio de nova causa pedir, mas com a questão de fundo igual à levada na via judicial, in verbis :

Recurso Administrativo em Procedimento de Controle Administrativo. Concurso Público. Deficiente físico. –   “Não cabe a intervenção do CNJ em questão judicializada anteriormente    . Ainda que o recorrente consiga trazer sua questão por meio de nova causa de pedir, verifica-se que a questão de fundo é a mesma levada na via judicial não cabendo nova análise por este Conselho. É certo que irregularidades no edital no tocante ao Ato 01/02 não foram comprovadas. Questão meramente individual. Recurso Administrativo a que se nega provimento” (CNJ – PCA 20081000009320 – Rel. Cons. Marcelo Nobre – 71ª Sessão – j. 07.10.2008 – DJU 24.10.2008). (Grifei).

Com efeito, segundo entendimento pacificado por este Conselho Nacional de Justiça, uma vez judicializada a questão, não cabe ao CNJ examiná- la, sob pena de, por vias transversas, imprimir ineficácia à decisão judicial ou esvaziar seu objeto.

  1. Cumpre ressaltar que o próprio requerente, em seus Mandados de Segurança impetrados no TJPE, afirma que a Lei Estadual nº 196/2011 previu o desmembramento e a criação de uma serventia registral com atribuição para registro de imóveis e registro de títulos e documentos e civil das pessoas jurídicas, bem como a criação de uma serventia notarial com atribuições para protesto, ou seja, sustentou exatamente uma tese contrária à apresentada neste feito. Para demonstrar, transcrevo trechos da inicial do Mandado de Segurança:

Consta no supramencionado ato uma serventia registral e outra serventia notarial no município de Ipojuca, ambas oriundas do desmembramento do atual Cartório Único da mesma comarca de titularidade do Impetrante.

(…)

Porém, Excelência, o art. 10 da Lei Estadual Complementar prevê a criação de uma serventia registral com atribuição para registro de imóveis e registro de títulos e     documentos e civil das pessoas jurídicas, bem como a criação de uma serventia notarial com atribuições para protesto

, o que se caracteriza um contrassenso como ceremos adiante. (…)

O art. 10 da Lei Estadual nº 196/2011 prevê o desmembramento imediato da serventia da serventia única do Município de Ipojuca/PE de titularidade do Impetrante, quando o art. 49 da Lei Federal nº 8.935/94 estabelece que a desacumulação somente ocorrerá quando da primeira vacância.

(…)

Verifica-se, portanto, Excelência, que a legislação estadual ora combatida feriu frontalmente o direito adquirido do ora Impetrante constitucionalmente garantido, haja vista que prevê em seu art. 10 a criação de mais duas serventias no município de Ipojuca oriundas do desmembramento da serventia de titularidade do Impetrante, que serão instaladas imediatamente de forma discricionária, uma de registro de imóveis e outra de tabelionato   , conforme se depreende da transcrição da mencionada norma abaixo:

  1. Desse modo, forçoso reconhecer que o requerente pretende, por uma nova tese e uma nova causa de pedir como demonstrado acima, discutir a matéria que já está

Assim, havendo a questão em voga sido colocada na via judicial – mesmo com uma nova causa pedir, mas com a questão de fundo igual à levada na via judicial – o presente procedimento não deve ser conhecido.

Em casos como o presente, em que já houve prévia manifestação do Conselho, o feito pode ser apreciado monocraticamente pelo Conselheiro Relator, com base no disposto no art. 25, X do RICNJ.

  1. Ante o exposto, deixo de conhecer o presente procedimento nos termos do inciso X do artigo 25 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, determinando o arquivamento do feito .
  1. No Id 1573449, o recorrente apresenta petição de desistência do Mandado de Segurança nº 0000683-38.2013.8.17.0000, ressaltando que não houve pronunciamento judicial nos autos da ação
  2. A decisão recorrida não merece nenhum O fato de o recorrente ter desistido de uma das ações mandamentais não tem o condão de fazer com que este Conselho examine o mérito do presente procedimento, uma vez que a desistência ocorreu apenas depois do arquivamento do presente feito neste Conselho.

Se assim não fosse, a parte teria um “quase direito” de escolher, além da propositura esfera administrativa ou judicial, o relator em que deseja ver o seu pleito analisado.

Dessa forma, como a decisão a respeito do arquivamento deu-se antes da desistência da ação mandamental, não há reparos a se fazer na decisão monocrática recorrida, tendo em vista que a questão estava judicializada antes de chegar nesta Corte Administrativa.

  1. Ante o exposto, conheço do recurso, mas nego provimento  ao recurso administrativo interposto, nos termos da decisão É como voto.

Intimem-se. Após, arquive-se.

Brasília, 26 de novembro de 2014.

Fonte: DJ – CNJ | 14/07/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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CGJ/SP: Registro de imóveis – Pretensão de averbação de retificação administrativa de área, reserva legal e correta localização do imóvel – Negativa, sob o fundamento de que, cuidando-se de condomínio, teria de haver pedido de todos os condôminos – Art. 1.314 do Código Civil – Retificação, contudo, que não altera a destinação da coisa – Averbação da reserva legal que deve acompanhar, necessariamente, a retificação – Precedente dessa corregedoria – Código florestal – CAR – Proteção ao meio ambiente – Recurso provido.


PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 2014/137494
(293/2014-E)

Registro de imóveis – Pretensão de averbação de retificação administrativa de área, reserva legal e correta localização do imóvel – Negativa, sob o fundamento de que, cuidando-se de condomínio, teria de haver pedido de todos os condôminos – Art. 1.314 do Código Civil – Retificação, contudo, que não altera a destinação da coisa – Averbação da reserva legal que deve acompanhar, necessariamente, a retificação – Precedente dessa corregedoria – Código florestal – CAR – Proteção ao meio ambiente – Recurso provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso administrativo tirado em face de sentença, que manteve a negativa do Oficial do Registro de Imóveis de São Carlos em proceder e averbar a retificação administrativa da área, averbar a reserva legal e, a correta localização do imóvel, com notificação do Estado em relação ao trecho em que confronta com um ribeirão.

A recusa derivou do fundamento de que, embora o condômino possa, sem a anuência dos demais condôminos, proceder e averbar a retificação – que no caso concreto, não os prejudicaria, já que é para maior –, não pode averbar a reserva legal. Isso porque o art. 1.314, parágrafo único, do Código Civil, dispõe que nenhum condômino pode alterar, sem o consenso dos outros, a destinação da coisa comum.

Logo, na visão do Oficial, e também do Ministério Público em primeira instância e do Juiz de primeiro grau, o pedido de averbação da reserva legal haveria de ser feito em litisconsórcio. Daí a recusa.

A Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso.

Passo a opinar.

O recurso merece provimento.

A controvérsia que se impôs, aqui, resume-se em decidir se o condômino pode, sem a anuência dos demais, postular a averbação de reserva legal.

Todos estão de acordo que o pedido de retificação de área prescinde da anuência dos demais condôminos, seja porque não implica alteração da destinação da coisa, seja porque a retificação, no caso concreto, é para maior.

Ademais, sequer houve análise dos pedidos de averbação da correta localização do imóvel e notificação do Estado, sobre o trecho que confronta com um ribeirão. Todos tiveram sua análise prejudicada por conta da exigência da presença dos demais condôminos.

Pois bem. A meu ver, a questão a que se deve responder é: pode ser averbada a retificação de área sem a averbação da reserva legal? Como se verá, a resposta é negativa. Há precedente dessa Corregedoria Geral da Justiça.

O art. 18, §4°, do Código Florestal, preceitua: “O registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis, sendo que, no período entre a data da publicação desta Lei e o registro no CAR, o proprietário ou possuidor rural que desejar fazer a averbação terá direito á gratuidade deste ato.”

O CAR está previsto no art. 29 do Código:

Art. 29. É criado o Cadastro Ambiental Rural – CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.

O parágrafo terceiro, por sua vez, estabelece o prazo de um ano para registro no CAR. Tal prazo teve início no dia 05.05.14, data da implantação do CAR e, portanto, ainda não expirou:

§ 3º A inscrição no CAR será obrigatória para todas as propriedades e posses rurais, devendo ser requerida no prazo de 1 (um) ano contado da sua implantação, prorrogável, uma única vez, por igual período por ato do Chefe do Poder Executivo.

Da leitura a contrário senso do art. 18, §4°, chega-se à conclusão de que não havendo registro da reserva legal no CAR – e o interessado ainda está dentro do prazo para requerê-lo –, é, sim, obrigatória a averbação no Cartório de Registro de Imóveis.

As Normas de Serviço da Corregedoria não se apartam dessa diretiva, ao estabelecerem a possibilidade de averbação do número de inscrição no CAR – Cap. XX, item ll, b, 38 – e fazerem a ressalva, no item 125, sobre a obrigatoriedade dessa averbação apenas após o transcurso do prazo de um ano a que se refere o art. 29, §3°, do Código Florestal. Até lá, nada impede a averbação da reserva legal na matrícula e, ao contrário, a retificação da área a obriga. O provimento 36/2013, em seus considerando, também prestigia o Cartório do Registro de Imóveis como responsável pela preservação do meio ambiente.

O precedente da Corregedoria (que pode ser visto no voto nº 2012.00084851) é do seguinte teor:

“…é necessária a averbação da reserva legal quando do procedimento de retificação de registro imobiliário? O revogado Código Florestal, Lei nº 4.771/65, em seu art. 16, parágrafo 8º, estabelecia a necessidade da averbação da reserva legal, como se depreende de sua redação:

§ 8º A área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área, com as exceções previstas neste Código.

Não obstante, os precedentes administrativos da Corregedoria Geral da Justiça (Processo nº 76.012/2010, j. 18/10/2010, Processo 98.752/2010, j. 01/09/2010, Processo 93.391/2010, j. 30/08/2010, Processo 67.360/2010, j. 30/08/2010, Processo 2009/114013, j. 26/02/2010), em conformidade às decisões do Tribunal de Justiça, predominantes no passado recente, são no sentido da falta de exigência legal para averbação da reserva legal quando da retificação do registro imobiliário.

Entretanto, o entendimento acerca da ausência de imposição legal para obrigatoriedade da averbação da reserva legal foi modificado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça como se infere do voto do Min. Herman Benjamin nos Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 218.781 (2002/0146843-9), j. 09.12.2009, conforme extrato que segue:

A especialização, contudo, não cria ou institui a Reserva Legal, que existe por força de lei, e não por ato do particular ou chancela da Administração; veicula efeitos simplesmente declarativos. Não se trata, portanto, de ato constitutivo.

Sua incumbência é multifacetária: de um lado, concretizar e demonstrar, em registro oficial, a boa-fé objetiva e ecológica do proprietário; de outro, assegurar publicidade e segurança à localização em que se conserva a vegetação nativa, o que, reflexamente, também serve para gravá-la com a marca da imutabilidade a partir de então e habilitá-la, consequentemente, ao recebimento de benefícios pela sua manutenção, como isenção do ITR e participação em esquemas de Servidão Ambiental. A publicidade, por certo, cumpre o objetivo de informar à Administração que a fiscalize, como de rigor, e a terceiros, mormente aos futuros pretendentes à aquisição do imóvel.

De qualquer maneira, com ou sem especialização, o proprietário e o possuidor estão obrigados a respeitar o percentual, no mínimo que seja, do Código Florestal aplicável ao bioma em que se insere o imóvel. A especialização é de rigor, inclusive como condição para que o oficial do Registro de Imóveis pratique outros atos registrários. Nesse sentido a posição do STJ, em que foi precursora a eminente Ministra Nancy Andrighi, conforme o precedente abaixo:

Direito ambiental. Pedido de retificação de área de imóvel, formulado por proprietário rural. Oposição do MP, sob o fundamento de que seria necessário, antes, promover a averbação da área de reserva florestal disciplinada pela Lei 4.771/65. Dispensa, pelo Tribunal. Recurso especial interposto pelo MP. Provimento.

– É possível extrair, do art. 16, §8º, do Código Florestal, que a averbação da reserva florestal é condição para a prática de qualquer ato que implique transmissão, desmembramento ou retificação de área de imóvel sujeito à disciplina da Lei 4.771/65. Recurso especial provido. (REsp 831.212/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJ 22.09.2009, grifo no original).

Mas não basta averbar, porque, para tanto, antes se impõe medir e demarcar, e, depois de fazê-lo, isolar a conservar, sem prejuízo do dever de recuperar o percentual faltante, na forma estabelecida pela legislação vigente. A. área ocupada ou a ser ocupada pela Reserva Legal só admite dois tipos de comportamento do proprietário ou posseiro: mantê-la com a cobertura nativa, se ainda existente no local ou, caso contrário, entregá-la à regeneração (ativa, com auxilio humano, ou passiva, por conta das forças de revivificação da própria Natureza).

Portanto, em conformidade à compreensão da efetividade dos valores constitucionais por meio da aplicação da legislação infraconstitucional cabe o dever legal do proprietário em proceder à especialização da reserva legal quando da retificação do registro imobiliário.

Nos últimos anos houve consolidação da compreensão doutrinária acerca das normas jurídicas encerrarem (i) regras de direito e (ii) princípios.

Desse modo, entre muitos, Luís Roberto Barroso (Curso de direito constitucional contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 317) trata dessa distinção nos seguintes termos:

Há consenso na dogmática jurídica contemporânea de que os princípios e as regras desfrutam igualmente do status de norma jurídica, distinguindo-se uns dos outros por critérios variados, dentre os quais foram destacados no presente estudo os seguintes:

a) quanto ao conteúdo: regras são relatos objetivos descritivos de condutas a serem seguidas; princípios expressam valores ou fins a serem alcançados;

b) quanto à estrutura normativa: regras se estruturam, normalmente, no modelo tradicional das normas de conduta: previsão de um fato – atribuição de um efeito jurídico: princípios indicam estados ideais e comportam realização por meio de variadas condutas;

c) quanto ao modo de aplicação: regras operam por via do enquadramento do fato no relato normativo, com enunciação da consequência jurídica daí resultante, isto é, aplicam-se mediante subsunção; princípios podem entrar em rota de colisão com outros princípios ou encontrar resistência por parte da realidade fática, hipóteses em que serão aplicados mediante ponderação.

O registro imobiliário deve retratar a situação de fato existente, assim, havendo reserva legal parece-nos basilar a necessidade de sua inscrição na matrícula.

O art. 176 da Lei de Registro Público encerra a previsão normativa do Princípio da Especialidade ao exigir a identificação do imóvel com todas as suas características, confrontações, localização e área, portanto, em conformidade à especialidade objetiva é fundamental a indicação da reserva legal.

Desse modo, pensamos encerrar um princípio, enquanto norma jurídica, a determinação da necessidade da especificação da reserva legal quando da retificação do registro imobiliário pena do não atendimento tanto da proteção ambiental quanto da precisão dos registros públicos.

Nesse raciocínio, a regra de direito do anterior Código Florestal seria desnecessária, porquanto pelo Princípio da Especialidade cabia concluir pela obrigatoriedade da averbação/inclusão da reserva legal no registro imobiliário.

A averbação da reserva legal, em conformidade aos mandamentos legais incidentes, permitirá sua proteção em razão da exata indicação no imóvel de seus limites de forma a permitir o controle e, por consequência, proteção ao meio ambiente.

Noutra quadra, o novo Código Florestal, Lei nº 12.651/12, não altera isso em razão da permanência do mandamento constitucional, bem como da expressa previsão da reserva legal, como consta no art. 3º, inc. III, o qual dispõe:

III – Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa;

Diante disso, a não previsão no novo Código Florestal de regra de direito determinando a averbação de reserva legal não altera a situação jurídica anteriormente existente em virtude disso encerrar aplicação do Princípio da Especialidade, conforme exposto.

O atual Código Florestal criou o Cadastro Ambiental Rural, o qual é referido em art. 29, caput, da seguinte forma:

É criado o Cadastro Ambiental Rural – CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitor amento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.

Portanto, doravante, haverá um registro específico para proteção do meio ambiente.

Nessa linha, o art. 18 do novo Código Florestal, referentemente à reserva legal e o Cadastro Ambiental Rural, estabelece:

Art. 18. A área de Reserva Legal deverá ser registrada no órgão ambiental competente por meio de inscrição no CAR de que trata o art. 29, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento, com as exceções previstas nesta Lei.

§ 1º A inscrição da Reserva Legal no CAR será feita mediante a apresentação de planta e memorial descritivo, contendo a indicação das coordenadas geográficas com pelo menos um ponto de amarração, conforme ato do Chefe do Poder Executivo.

§ 2º Na posse, a área de Reserva Legal, assegurada por termo de compromisso firmado pelo possuidor com o órgão competente do Sisnama, com força de título executivo extrajudicial, que explicite, no mínimo, a localização da área de Reserva Legal e as obrigações assumidas pelo possuidor por força do previsto nesta Lei.

§ 3º A transferência da posse implica a subrogação das obrigações assumidas no termo de compromisso de que trata o § 2º.

§ 4º O registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis. (grifos nossos)

Ora, se o art. 18, parágrafo 4º, desobriga a averbação no Registro Imobiliário na hipótese de registro no Cadastro Ambiental Rural, a contrário senso, ausente inscrição no mencionado cadastro é obrigatória a averbação, tal qual estabelecia o sistema anterior.

Considerando-se a não implantação, até o presente momento, desse novo registro ambiental eletrônico, a conclusão é da necessidade da averbação da reserva legal no registro imobiliário, tal qual o sistema anterior e pelas mesmas razões jurídicas.

Desse modo, parece-nos caber a mudança de orientação na Corregedoria Geral de Justiça de maneira a se reconhecer o dever do proprietário rural em averbar a reserva legal na matrícula do imóvel quando da retificação do registro imobiliário; notadamente em razão da não implementação do Cadastro Ambiental Rural, do contrário, modestamente, parece-nos que não haveria cumprimento dos mandamentos legais incidentes no sentido da proteção ao meio ambiente a partir da imposição de deveres ao proprietário do imóvel”

A única ressalva que se faz é que, ao tempo do/parecer, ainda não havia sido implantado o CAR. Agora já foi. No entanto, ainda/não expirou o prazo para cadastro e, por isso, urge a averbação no Cartório de Registro de Imóveis.

Tornando ao raciocínio do começo da fundamentação, é fora de dúvida que a retificação pode ser feita pelo interessado (art. 217 da LRP). A área retificada ficará maior, o que beneficiará todos os condôminos. Mas, e quanto ao art. 1.314 do Código Civil? Ora, guardado o devido respeito à posição do Ministério Público, do Juiz de primeiro grau e mesmo do precedente trazido no parecer, não vislumbro, na averbação de reserva legal, qualquer alteração da destinação da coisa comum. A averbação – e o futuro registro no CAR – é cogente e apenas retrata uma situação de fato, assim como a retificação. A preservação do meio ambiente é impositiva. Não podem os demais condôminos se opor ao fato de que, retificada a área, averbe-se a reserva legal. Como visto, cuida-se de imposição normativa. Aliás, o próprio Ministério Público – como no precedente trazido à colação – teria legitimidade para se opor caso retificada a área e não averbada a reserva legal.

Pelo exposto, o parecer que submeto a Vossa Excelência, respeitosamente, é no sentido de dar provimento ao recurso, a fim de que o Oficial, superado o óbice da necessidade de anuência dos demais condôminos, de continuidade ao procedimento de retificação administrativa da área, com notificação do Estado, e, ainda, analise o pleito de averbação da reserva legal e de averbação da correta localização do imóvel.

Sub censura.

São Paulo, 02 de outubro de 2014.

Swarai Cervone de Oliveira

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, dou provimento ao recurso, determinando que o Oficial, superado o óbice da necessidade de anuência dos demais condôminos, dê continuidade ao procedimento de retificação administrativa da área, com notificação do Estado, e, ainda, analise o pleito de averbação da reserva legal e de averbação da correta localização do imóvel. Publique-se. São Paulo, 10.10.2014. – (a) – HAMILTON ELLIOT AKEL – Corregedor Geral da Justiça.

Fonte: INR Publicações – Boletim nº 050 – DJE | 07/07/2015.

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