Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS – 0008602-72.2021.2.00.0000
Requerente: LIVIA DE OLIVEIRA AYUB ALVES e outros
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO – TJMA
EMENTA
DIREITO NOTARIAL E DE REGISTRO. RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. PROPOSTA DE REESTRUTURAÇÃO DE SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS DO ESTADO DO MARANHÃO. NÃO CONHECIMENTO. PRESERVAÇÃO DA AUTONOMIA CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADA AOS TRIBUNAIS.
I. Caso em exame
1. Pretensão de que o TJMA seja obrigado a elaborar minuta de ato normativo regulamentador da reestruturação de determinadas serventias extrajudiciais, conforme propostas unilateralmente veiculadas pelos recorrentes.
II. Questão em discussão
2. Conflito aparente entre interpretação privada dos termos de decisão proferida pelo CNJ e a autonomia administrativa e financeira constitucionalmente assegurada ao Poder Judiciário.
III. Razões de decidir
3. A Constituição Federal de 1988 assegura autonomia administrativa e financeira ao Poder Judiciário (art. 98), também prevendo que os Estados organizarão sua Justiça, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça. No mesmo sentido dispõe os artigos 72 a 78 da Constituição do Estado do Maranhão, em que o artigo 76 prevê competência privativa do Tribunal de Justiça para propor, ao Poder Legislativo, a alteração da organização e divisão judiciária do Estado.
IV. Dispositivo
4. Recurso desprovido.
ACÓRDÃO
O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Ausentes, em razão das vacâncias dos cargos, os representantes da Ordem dos Advogados do Brasil. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 3 de setembro de 2024. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Luís Roberto Barroso, Mauro Campbell, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Autran Machado Nobre, Alexandre Teixeira, Renata Gil, Daniela Madeira, Guilherme Feliciano, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Daiane Nogueira de Lira e Luiz Fernando Bandeira de Mello.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator)
Trata-se de Recurso Administrativo (Id 4602960) em Pedido de Providências, formulado por LÍVIA DE OLIVEIRA AYUB E OUTROS, em face da Decisão Monocrática Final (Id 4555898) que, em deferência à autonomia constitucionalmente assegurada aos Tribunais, não conheceu os pedidos vestibulares e determinou o arquivamento dos autos.
Na peça introdutória (Id 4547283), os requerentes pretenderam que o CNJ obrigasse o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão a elaborar minuta de ato normativo regulamentador da reestruturação de determinadas serventias conforme propostas unilateralmente veiculadas sob os seguintes termos:
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1. A desacumulação do serviço de Notas do 1º Ofício Extrajudicial de Caxias, tanto por violação expressa ao que dispõe a Lei Federal 8.935/1994, em seus arts. 26 e 49, quanto em razão do conflito com disposição do art. 191 do Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado do Maranhão, já alterado pela Lei Complementar nº 182 de 20 de maio de 2016 (doc. 20), propondo a revogação do parágrafo único do art. 189 da LC 014/1991;
2. Estando o 3º Ofício Extrajudicial de Caxias em situação de infixidez financeira e estando o 4º Ofício Extrajudicial de Caxias vago e também, muito próximo da situação de infixidez financeira, carecendo, ambos, de uma série de melhorias que exigem investimentos, evidencia-se a necessidade de anexação dessas unidades, garantindo a saúde financeira das mesmas, propondo-se a alteração do inciso III, do art. 189 da LC 014/1991;
3. A anexação do 1º Ofício ao 2º Ofício Extrajudicial de Esperantinópolis dada a situação de infixidez financeira e estando o 1º Ofício vago e também, muito próximo da situação de infixidez financeira, carecendo, ambos, de uma série de melhorias que exigem investimentos, garantindo a saúde financeira das mesmas, propondo-se a alteração do art. 191 da LC 014/1991;
4. A anexação das Serventias de São Roberto e São Raimundo do Doca Bezerra, ainda não instaladas, à nova Serventia Unificada de Esperantinópolis, a fim de garantir a viabilidade de prestação de serviço público à população desses dois pequenos municípios.
5. A reestruturação do Ofício Único de Matões do Norte, anexando-o ao Ofício Único de Miranda do Norte, dada a situação de infixidez financeira e estando a Serventia Extrajudicial de Matões vaga e também, o que beneficiaria a primeira que está em situação de baixa higidez financeira, carecendo, ambos, de uma série de melhorias que exigem investimentos, garantindo a saúde financeira das mesmas;
6. Do 2º Ofício de Vitória do Mearim, anexando-o ao 1º Ofício, dada a situação de infixidez financeira de ambas e uma vez que o 2º Ofício se encontra vago, o que beneficiaria o 1º Ofício que está em situação de infixidez, carecendo, ambos, de uma série de melhorias que exigem investimentos, garantindo a saúde financeira das mesmas, propondo-se a alteração do art. 191 da LC 014/1991;
7. A reestruturação da anexação do Ofício Único de Alto Alegre do Maranhão ao Ofício Único de São Mateus, dada a situação de infixidez daquela que se encontra vaga, o que beneficiaria a ambos, possibilitando uma série de melhorias que exigem investimentos, garantindo a saúde financeira das mesmas.
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A Decisão Monocrática Final recorrida (Id 4555898), considerando o contexto no qual o concurso público iniciado no ano de 2016 foi finalizado no ano de 2021 e no qual o TJMA estava identificando e resolvendo questões preliminares – entendeu pela inocorrência de atraso significativo não justificado, no cumprimento de determinação anterior, para apresentação, à Assembléia Legislativa Estadual, de projeto de lei reestruturante da organização do serviço extrajudicial no Estado do Maranhão. O não conhecimento dos pedidos vestibulares fundou-se neste quadro geral e no raciocínio transcrito a seguir:
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De acordo com o previsto no artigo 96 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RI/CNJ), as propostas e as sugestões tendentes à melhoria da eficiência e eficácia do Poder Judiciário, bem como todo e qualquer expediente que não tenha classificação específica nem seja acessório ou incidente, serão incluídas na classe “Pedido de Providências”, cabendo, ao Plenário do CNJ, ou ao Corregedor Nacional de Justiça, conforme a respectiva competência, o seu conhecimento e julgamento.
O inciso X do artigo 8º do RI/CNJ e o artigo 3º, XI da Portaria CNJ n. 211/2009 estabelecem competir, ao Corregedor Nacional de Justiça, expedir Recomendações, Provimentos, Instruções, Orientações e outros atos normativos destinados ao aperfeiçoamento das atividades dos Órgãos do Poder Judiciário, dos serviços auxiliares do Poder Judiciário e dos serviços notariais e de registro, bem como dos demais Órgãos Correicionais.
Propostas ou sugestões não são títulos executivos, não são autoaplicáveis, não equivalem a direito líquido e certo, não são dotadas de exigibilidade. São vontades exteriorizadas e submetidas à avaliação ou a estudo. No âmbito do destinatário, aquelas vontades, instrumentalizadas em propostas ou sugestões, podem ser conhecidas ou não e, caso sejam conhecidas, podem não ser acolhidas ou podem ser acolhidas apenas parcialmente.
No caso concreto tem-se que, superada esta fase inicial, na qual a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Maranhão vem coletando dados, certamente haverá o momento no qual as informações colhidas e os estudos preliminares, tratados em perspectiva que melhor atenda ao interesse público, serão oportunamente entregues ao conhecimento dos vinculados à atividade notarial e de registro e à sociedade em geral, bem como serão discutidos e decididos sob observância da autonomia constitucionalmente outorgada ao TJMA e aos Órgãos de Controle.
O caso concreto nestes autos reclama, pois, o não conhecimento dos pedidos vestibulares, uma vez que não há Lei, ato normativo infralegal ou decisão do Conselho Nacional de Justiça que ampare a pretensão de substituição da vontade do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, decorrente de competência que lhe está constitucionalmente outorgada, para ser exercida conforme regramento expresso neste Pedido de Providências.
Ante o exposto, à luz do que dispõe o artigo 16, parágrafo 1º, c.c. artigo 28, parágrafo único, ambos do Regulamento Geral da Corregedoria Nacional de Justiça, determino o arquivamento destes autos.
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No recurso administrativo (Id 4602960), linhas gerais, os interessados reiteraram os termos da peça introdutória e indicaram que as propostas veiculadas na inicial estariam baseadas “em estudos realizados pelo próprio Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, conforme documentos anexados à inicial (id 4547300, 4547301, 4547429 e 4547433), a partir de compromisso assumido pelo referido sodalício, em sede de Pedido de Providências n. 0009816-40.2017.2.00.0000, junto ao CNJ, de realizar a reestruturação das serventias extrajudiciais”.
Continuaram, mantendo argumentação pela qual as propostas que apresentaram unilateralmente corresponderiam a mero desdobramento de já mencionados estudos, bem como afirmando autoaplicabilidade para a Meta 11 e para a Recomendação n. 38. Seguiram, asseverando que a reestruturação que propuseram deveria ocorrer antes da divulgação do próximo concurso para outorga de delegações. Por fim, postularam o provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator)
A Decisão Monocrática Final recorrida deve ser preservada, por seus próprios fundamentos.
Logo ao início, para melhor entendimento da questão em julgamento, cumpre transcrever apropriada síntese veiculada pelo TJMA, na manifestação sob Id 5123041:
“(…)
O cerne da insurgência dos reclamantes consiste na suposta ausência de realização da reestruturação dos serviços extrajudiciais antes da divulgação do edital do novo concurso. Nesse sentido, alegam: “o atraso significativo justificado por parte do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, no cumprimento de determinação anterior, baixada pelo Conselho Nacional de Justiça, para apresentação, à Assembleia Legislativa Estadual, de projeto de lei reestruturante da organização do Serviço Extrajudicial…”.
Não há, contudo, atraso significativo por parte do Tribunal de Justiça, uma vez que foi encaminhado à Assembleia Legislativa Estadual o projeto de lei reestruturante da organização do Serviço Extrajudicial, em 10 de agosto de 2022, conforme mensagem (172022) constante nos autos do processo administrativo n. 35124/2022-digidoc (evento 40).
Ocorre que, posteriormente, foram constatados erros materiais na minuta encaminhada ao Poder Legislativo, mormente em razão ausência de inclusão de Pastos Bons/MA na lista dos Municípios que passaram a ter uma única serventia extrajudicial, com todas as atribuições de registradores e notários (art. 211-B), tampouco o referido Município permaneceu na relação daqueles com as duas serventias (art. 191), desaparecendo, assim, da Lei Complementar n. 14/91.
Outra incorreção/erro material verificada no anteprojeto de lei encaminhado ao Poder Legislativo, consistiu na exclusão do art. 7º da minuta apresentada, sem deliberação constante na ata de reunião acerca do tema
Assim, foi encaminhada, por esta CGJ, sugestão de nova mensagem ao Poder Legislativo, pela Presidência deste Tribunal de Justiça, para fins de correção dos vícios apontados, o que ocorreu em 09 de fevereiro de 2023, após aprovação pelo Órgão Especial do TJMA (DECAOOE-GDG – 152023).
Atualmente, a matéria está em tramitação na Assembleia Legislativa, sob a sigla/número PLC 6/2023 – projeto de lei complementar, com parecer favorável n. 005/2023 da Comissão de Administração Pública, publicado no diário da ALEMA n. 058 de 28/03/2023 (relator Dep. Carlos Lula), aguardando inclusão na ordem do dia.
(…)”
A Constituição Federal de 1988 assegura autonomia administrativa e financeira ao Poder Judiciário (art. 98), também prevendo que os Estados organizarão sua Justiça, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça. No mesmo sentido dispõe os artigos 72 a 78 da Constituição do Estado do Maranhão, em que o artigo 76 prevê competência privativa do Tribunal de Justiça para propor, ao Poder Legislativo, a alteração da organização e divisão judiciária do Estado.
No contexto em que apresentada a manifestação Id 5123041, a Lei Complementar n. 257/2022, houvera estabelecido que nos municípios de Caxias e Bacabal todos os ofícios manterão suas funções de tabelionato de notas, exceto o 1º Ofício Extrajudicial. Estabeleceu ainda que o 1º ofício extrajudicial terá as funções de registro de imóveis e tabelionato de protestos e que o 2º ofício extrajudicial terá as funções de registro civil das pessoas naturais, registro civil das pessoas jurídicas, registro de títulos e documentos, tabelionato e registro dos contratos marítimos e tabelionato de notas – nos municípios de Açailândia, Alto Parnaíba, Amarante do Maranhão, Arari, Balsas, Barão de Grajaú, Barra do Corda, Bom Jardim, Carolina, Chapadinha, Colinas, Cururupu, Estreito, Grajaú, João Lisboa, Lago da Pedra, Paço do Lumiar, Paraibano, Pindaré Mirim, Pinheiro, Porto Franco, Presidente Dutra, Rosário, Santa Helena, Santa Luzia, Santa Luzia do Paruá, São Bento, São José de Ribamar, São Luíz Gonzaga do Maranhão, Tuntum, Vargem Grande, Vitorino Freire e Zé Doca.
Referida Lei Complementar Estadual determinou ainda que os municípios de Brejo, Dom Pedro, Esperantinópolis, Viana e Vitória do Mearim passaram a ter uma única serventia extrajudicial, com todas as atribuições de registradores e notários.
Pouco adiante, conforme indicado na mencionada manifestação Id 5123041, o TJMA encaminhou ao Poder Legislativo Maranhense o Projeto de Lei Complementar n. 6/2023, entregando aos parlamentares maranhenses a prerrogativa de conduzir o debate acerca da reestruturação das serventias extrajudiciais naquele Estado, bem como oportunizando, a quaisquer cidadãos, a possibilidade de apresentar diretamente, aos representantes do povo, as considerações entendidas pertinentes, inclusive, as propostas unilateralmente veiculadas na peça inicial deste processo administrativo.
A atuação dos parlamentares estaduais incidente sobre o PLC n. 6/2023 deu origem à Lei Complementar n. 268/2024, cujo artigo 2º determinou a existência de uma única serventia extrajudicial, com todas as atribuições de registradores e notários, nos municípios de Brejo, Dom Pedro, Pastos Bons, Esperantinópolis, Viana e Vitória do Mearim.
A novel Lei Complementar previu ainda que as alterações dos parágrafos únicos dos arts. 188, 189 e do caput dos arts. 191 e 191-A, determinadas pela Lei Complementar nº 257, de 13 de dezembro de 2022, aplicar-se-ão imediatamente às serventias vagas ou não instaladas, e, nas serventias com titulares, quando da ocorrência de sua vacância.
Este processo administrativo foi distribuído em momento anterior ao de publicação das duas citadas leis complementares e também da publicação do Edital n. 001/2023, ocorrida em 06/03/2023, para dispor sobre o concurso público destinado à outorga de delegação de serviços de notas e de registro, pelo Poder Judiciário do Estado do Maranhão. Aquele edital ofereceu aos interessados 88 (oitenta e oito) serventias vagas, sendo 57 (cinquenta e sete) a serem preenchidas por candidatos inscritos no critério de provimento e 31 (trinta e uma) a serem preenchidas por candidatos inscritos no critério de remoção. O certame tem concluídas as fases de aplicação da prova escrita e da prova prática.
A Decisão Monocrática Final recorrida já pontuou a inocorrência de atraso significativo não justificado, no cumprimento de determinação anterior, baixada pelo Conselho Nacional de Justiça, para apresentação, à Assembléia Legislativa Estadual, de projeto de lei reestruturante da organização do serviço extrajudicial no Estado do Maranhão. Pontuou a autonomia administrativa constitucionalmente assegurada aos Tribunais, a inexistência de lei assecuratória da pretensão veiculada nestes autos e a inconveniência de anulação e/ou reforma do que foi definido pelo TJMA, com foco no interesse público, para a rede de serventias extrajudiciais maranhenses.
Cabe a este Voto, portanto, tão-somente ratificar aquele entendimento, bem como prover o destaque, feito acima, do contexto fático atual no qual as serventias extrajudiciais do Estado do Maranhão estão agora reestruturadas conforme resultante do alinhamento harmônico entre a autonomia constitucionalmente assegurada ao Tribunal de Justiça Local e o legítimo exercício do poder legiferante por parte da Assembléia Legislativa daquele ente federativo.
Ante o exposto, voto pelo não provimento do recurso.
Dados do processo:
CNJ – Pedido de Providências nº 0008602-72.2021.2.00.0000 – Maranhão – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJ 17.09.2024
Fonte: Conselho Nacional de Justiça | Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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